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MARCELA DE CASTRO E CASTRO – 5° SEMESTRE Introdução Os glicopeptídeos são representados pela vancomicina e teicoplanina, e eles são antibióticos formados por peptídeos que possuem moléculas de açúcar ligadas a eles. A vancomicina foi o primeiro fármaco dessa classe a ser desenvolvido e liberado para uso clínico. Ela foi isolada de Amycolatopsis orientalis em uma amostra de solo por volta da década de 1950. Logo ao final desta mesma década, foi liberada para uso clínico como um agente importante para o tratamento de Staphylococcus aureus resistentes à penicilina. Contudo, a formulação da vancomicina inicialmente continha muitas impurezas, proporcionando a ela uma coloração que a impulsionou a ser chamada de “lama do Mississipi”. Além disso, os componentes iniciais dessa formulação eram muito tóxicos, o que resultou na diminuição do uso desse fármaco. Novos processos de fabricação da droga a deixaram mais purificada e, assim, menos tóxica. A teicoplanina tem características muito semelhantes à vancomicina, tanto em relação a seu mecanismo de ação, quanto com relação a seu espectro de ação. Foi obtida a partir do Actnoplanes teichomycetcus, isolado do solo na Índia em 1978, contudo, atualmente é comercializada em vários países do mundo. Glicopeptídeos VANCOMICINA ➔ QUÍMICA A vancomicina é formada por uma cadeia peptídica de sete componentes que formam uma estrutura tricíclica ligada a um dissacarídeo composto de vancosamina e glicose. Parece irrelevante saber essa parte específica da estrutura, mas a gente precisa saber que essa estrutura faz com que a vancomicina seja uma molécula muito grande (cerca de 1500Da), tornando- a, praticamente, sem atividade contra gram-negativas (pois ela não vai conseguir ultrapassar aquelas porinas para chegar na parede de peptideoglicano), com exceção do Flavobacterium. Então sua atividade se restringe basicamente a bactérias gram-positivas. ➔ MECANISMO DE AÇÃO Ao se ligar à extremidade terminal D-Alanil-D-Alanina do peptidoglicano em crescimento, a vancomicina inibe o estágio final da síntese da parede celular bacteriana, por meio da inibição da transglicosilação, bem como das reações catalisadas por proteínas de ligação à penicilina (PBP). Essa ligação ao terminal D- Ala-D-Ala impede a ligação cruzada e o alongamento do peptidoglicano, enfraquecendo-o e tornando-o suscetível à lise. ➔ MECANISMO DE RESISTÊNCIA Em meados da década de 1980, foi descrito o primeiro Staphylococcus epidermidis isolado com suscetibilidade reduzida à glicopeptídeos. Muitos anos depois, o primeiro caso de Enterococo resistente à vancomicina (VRE) foi descrito na Europa, e depois no restante do mundo (esses VRE são bem famosos). Enquanto a diminuição de suscetibilidade no S. aureus foi descrita apenas recentemente. É importante lembrar que os gram-negativos são intrinsecamente resistentes à vancomicina, tendo em visto que a molécula deste fármaco é muito grande para que atravesse a membrana externa bacteriana através das porinas. E é bom saber que, embora existam algumas cepas de VRE sejam sensíveis à teicoplanina, estudos mostraram que não existe benefício na substituição de vancomicina por teicoplanina nessas cepas, tendo em vista que essa troca possui um risco considerável de desenvolvimento de resistência à teicoplanina em pouco tempo. Enterococo resistente à vancomicina A resistência desenvolvida pelo Enterococo deve-se a uma alteração no sítio de ligação D-Ala-D-Ala, na qual ocorre uma substituição da D-Ala terminal por D- Lactato. Contudo, atualmente existem 9 tipos de resistência à vancomicina descritas (VanA, VanB, VanC, VanD, VanE, VanG, VanL, VanM e VanN), nomeadas de acordo com a ligase específica de cada uma. S. aureus resistente à vancomicina O mecanismo de resistência do S. aureus é semelhante ao desenvolvido pelo Enterococo, com alteração do GLICOPEPTÍDEOS MARCELA DE CASTRO E CASTRO – 5° SEMESTRE sítio de ligação D-Ala-D-Ala. Acredita-se, inclusive, que essa resistência tenha acontecido pelo fato de algumas cepas de S. aureus terem adquirido os determinantes de resistência dos enterococos. Contudo, o mecanismo de resistência intermediária que algumas cepas de S. aureus (VISA) apresentam não está totalmente elucidado, sendo, atualmente, a teoria mais aceita a de que essas cepas possuem uma alteração no metabolismo da parede celular, resultando em terminações D-Ala-D-Ala que atuam como sítios de ligação falsos por serem de extremidades fechadas, sequestrando a vancomicina, não permitindo que a droga atinja seu alvo real. Estudos recentes mostraram, in vitro, que a associação entre vancomicina e outros β-lactâmicos como naficilina, cefazolina e cefarolina possui uma atividade sinérgica contra VISA, mas os dados são conflitantes quando essa associação ocorre entre o glicopeptídio e oxacilina ou cefobiprole. ➔ FARMACOCINÉTICA A absorção intestinal da vancomicina é muito escassa, sendo administrada por via oral apenas para tratamento de colite pseudomembranosa por Clostridium difficile, tendo em vista que não ocorre a absorção do fármaco, permitindo que existam concentrações elevadas do fármaco chegando aos cólons. Desse modo, a administração de escolha para esse fármaco é a parenteral, que, por sua vez, tem como via de escolha a intravenosa. Contudo, a administração da vancomicina intravenosa deve ser feita de maneira lenta (cerca de 1g em 1-2h) a fim de minimizar o risco de desenvolvimento da Síndrome do Homem Vermelho (vou falar no tópico de toxicidade). Cerca de 2 horas após uma dose intravenosa de 0,5g e 1,0g de vancomicina, as concentrações séricas que são obtidas em pessoas sadias são de, aproximadamente, 10µg/ml e 25µg/ml, e a meia-vida da droga é, em média, 30-90 minutos (a da teicoplanina é muito maior). Além disso, possui uma ligação a proteínas plasmátcas que varia entre 30-50%, e atinge concentrações mínimas no líquor, cerca de 5-10% após administração intravenosa. Por fim, a vancomicina é excretada de forma inalterada na urina, por filtração glomerular, sendo a excreção renal responsável por 90% do clearance da droga. Assim, os níveis séricos do fármaco são aumentados proporcionalmente à redução da taxa de filtração glomerular, podendo a meia-vida da droga chegar a 6- 10 dias em pacientes anéfricos. ➔ USO CLÍNICO Os principais usos clínicos para a vancomicina e a teicoplanina são para infecções de bactérias gram- positivas (PELO AMOR NÃO ESQUECE ISSO!), como é o caso da endocardite causada por S. aureus resistentes à oxacilina (MRSA), comum em usuários de drogas. Entretanto, é de extrema importância relembrar que, em casos de cepas de S. aureus sensíveis à oxacilina, não há benefício utilizar vancomicina ou teicoplanina em comparação à penicilina. Um estudo publicado no JAMA Medicina Interna mostrou a superioridade da vancomicina em relação ao metronidazol para redução de mortalidade em 30 dias em pacientes com colite pseudomembranosa grave (único caso que vancomicina é dada de forma oral, lembra?), indicando que, nesses casos, a vancomicina deve ser a medicação de primeira linha, enquanto, nos casos leve a moderados, o uso de metronidazol ainda é o tratamento de escolha. A vancomicina pode ser utilizada, também, para o tratamento de infecções de pele e de partes moles, bem como de meningite, ventriculite e osteomielite. Além disso, é a droga de escolha para o tratamento de pneumonia por MRSA. Em pacientes com alto risco de desenvolvimento de endocardite e que sejam alérgicos à ampicilina, uma alternativa para profilaxia é a vancomicina. Diluição Essa parte é só para a gente saber que não pega o antibiótico e injeta direto no paciente não, tem que diluir! A diluição indicada é de 500 mg de Vancomicina + 100 mL SF0,9%/SG5%/RL ou 1000 mg + 250 mL SF0,9%/SG5%/RL. Dose habitual Geralmente, a dose habitual devancomicina utilizada é de 2g/dia, podendo ser dividida a cada 6h, 12h ou 24 horas. Além disso, essa dose deve ser mantida até o paciente estar 48-72h afebril ou até constatação da erradicação da bactéria. ➔ TOXICIDADE Apenas 10% dos pacientes em uso de vancomicina demonstram algum tipo de reação adversa, sendo a maioria delas sem muita repercussão clínica. Um dos efeitos adversos da vancomicina é a flebite, tendo em vista a irritação que a vancomicina causa. A principal toxicidade desse fármaco é a nefrotoxicidade e ototoxicidade, sobretudo, quando associada a outros fármacos com mesma toxicidade (Aminoglicosídeos). MARCELA DE CASTRO E CASTRO – 5° SEMESTRE Outro efeito adverso frequente é a Síndrome do Homem Vermelho, na qual os pacientes apresentam prurido e eritema em face, pescoço e parte superior do dorso, que, ao contrário do que muitos pensam, na realidade não é uma reação alérgica verdadeira e pode ser evitada apenas pela diminuição da taxa de infusão da vancomicina (por isso é bom sempre deixar a infusão lenta). Essa ruborização ocorre pela liberação de histamina durante a rápida infusão do fármaco e pode ser evitada, também, com uma administração prévia de anti-histamínico. TEICOPLANINA ➔ QUÍMICA A teicoplanina é, na verdade, uma mistura de análogos de glicopeptídeos com uma estrutura básica que se caracteriza pela presença de um heptapeptídeo linear relacionado a carboidratos e um radical acil que transportam ácidos graxos, o que define os membros do complexo de teicoplanina. E aí de modo similar à vancomicina, a teicoplanina é um fármaco bastante grande (cerca de 1900 Da) (chega a ser maior que vancomicina), possuindo, também, atividade apenas contra gram-positivos, por não conseguir penetrar nos canais de porina das bactérias gram-negativas. ➔ MECANISMO DE AÇÃO Assim como a vancomicina, a teicoplanina inibe o estágio final da síntese da parede celular bacteriana, ao se ligar à extremidade terminal D-Ala-D-Ala do peptidoglicano em crescimento. ➔ FARMACOCINÉTICA Diferentemente da vancomicina, a teicoplanina por ser administrada tanto por via intravenosa quanto por via intramuscular. O pico sérico de teicoplanina ocorre 2h após uma dose intravenosa de 6mg/kg. Devido à alta ligação a proteínas plasmáticas, a teicoplanina possui uma distribuição grande nos tecidos e, por isso, uma meia-vida bastante prolongada (variando de 80-160h), permitindo a administração de dose única diária. A excreção da teicoplanina é realizada quase que completamente por mecanismos renais. ➔ USO CLÍNICO A parte geral sobre o uso clínico da teicoplanina é o mesmo da vancomicina. Diluição A diluição indicada é de 200 mg/3 mL de teicoplanina + 47 mL SF0,9%/RL ou 400 mg/3 mL + 97 mL SF0,9%/RL. Dose habitual As doses terapêuticas de teicoplanina para a maioria das infecções são realizadas em uma fase de ataque, seguida por uma fase de manutenção. Geralmente, essas doses são de 400mg 12/12h nos três primeiros dias, para que a droga possa ser amplamente distribuída, seguida por uma dose única diária de 400mg. ➔ TOXICIDADE A teicoplanina, geralmente, é uma droga muito bem tolerada e possui pouquíssimos efeitos adversos. A nefrotoxicidade é bem mais associada ao uso de vancomicina do que ao uso de teicoplanina, tanto, isoladamente, quanto em associação com outras drogas nefrotóxicas. As doses nefrotóxicas da teicoplanina encontradas em estudos com animais são muito superiores às doses utilizadas na terapêutica em humanos. Além disso, a ototoxicidade relacionada à teicoplanina é bem inferior àquela relacionada à vancomicina, sendo considerada um evento raro. Os efeitos adversos mais encontrados em pacientes que utilizam teicoplanina é o rash maculopapular ou eritematoso e a febre relacionada a medicamentos, sendo vista em menos de 10% dos pacientes. A síndrome do homem vermelho também pode ser desenvolvida com a rápida infusão de teicoplanina, mas é muito mais raramente encontrada quando comparada àquela desenvolvida em pacientes que usam vancomicina. Outros efeitos adversos que podem ocorrer em taxas similares às taxas encontradas com a vancomicina são neutropenia, trombocitopenia e eosinoflia, todas são associadas ao uso de altas doses. REFERÊNCIAS MACHADO, Olga Vale Oliveira et al. Antimicrobianos: revisão geral para graduandos e generalistas. Fortaleza: edUnichristus, 2019. 455 p. KATZUNG, B. G.; MASTERS, S. B.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
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