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Farmacologia II 2018.2 Dayana Colatino @dayanacolatino @missaocrm Farmacologia II Responsável: Dayana Colatino Aula 1: Introdução da disciplina; Princípios do tratamento antimicrobiano; Introdução aos β-lactâmicos 25/Jul/2018 A Farmacologia tem importância direta na vida do profissional de medicina e é um dos principais pilares da prescrição médica, sendo esta, um ato inerente ao médico. Com isso, para prescrever, dentro de uma complexidade de matérias, uma das disciplinas que vai alicerçar tal ação é a Farmacologia. -- PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO ANTIMICROBIANO -- Para abordar inicialmente as características do tratamento antimicrobiano, é interessante discutir a seguinte matéria divulgada no portal de notícias da Globo, o G1: “Paraíba confirma 20 casos de infecção pela superbactéria KPC em 2018”. A matéria foi publicada em Junho deste ano. Superbactérias são bactérias que apresentam multirresistência a antibióticos. São micróbios que constituem um problema extremamente atual, com o qual os profissionais da área de saúde já convivem e que sua tendência natural é se agravar cada vez mais. Um dos principais fatores que leva a piora desse cenário é falta de inovação no campo do tratamento microbiano e uso de recursos muito antigos. Ainda com relação à notícia, a bactéria KPC, Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase, tem a capacidade de produzir uma enzima carbapenemase, eficaz na quebra de fármacos 1 carbapenêmicos (classe de β-lactâmicos que será abordada em aulas futuras). A grande apreensão reside no fato de os carbapenêmicos (e.g. Meropenem; Imipenem) constituírem uma das principais ferramentas da atualidade para o combate a esses patógenos e tais bactérias terem a capacidade de anulá-los em decorrência da carbapenamase. Hodiernamente, a multirresistência é um problema envolvendo microrganismos que se demonstra deveras inquietante. No entanto, os microrganismos já são motivo de preocupação à séculos, como ocorre em doenças como a sífilis. A sífilis é uma doença transmitida por via sexual e tem como agente causador dos sintomas o Treponema pallidum. A patologia se manifesta em estágios, sendo o primeiro deles a aparição de uma ferida genital que caso não tratada pode evoluir para um quadro de rash cutânea em aproximadamente 2 meses de infecção. Se a bactéria não for contida, anos depois o paciente tem os órgãos internos acometidos e vem a óbito. Hoje em dia praticamente não existem casos de morte por sífilis, pois os quadros são tratados com ferramentas farmacológicas como os antimicrobianos. Mas nem sempre foi assim. É possível notar que na história da humanidade esse tratamento é muito recente. Ao pesquisar mais sobre o assunto, notam-se registros de até 500 anos atrás que ilustram pessoas que provavelmente estavam com sintomas de sífilis. A sífilis é apenas um exemplo de infecção, mas já é possível perceber que a expectativa de vida da população era pequena muito em função dessa carência de medicamentos capazes de tratar quadros infecciosos. Todavia, houveram diversas outras purgas populacionais induzidas por microrganismos que causaram muito estrago, como a peste negra que dizimou quase metade da Europa. Essas patologias eram motivo de preocupação até o desenvolvimento da terapia antimicrobiana. Tal tratamento nasce no começo do século XX com o alemão Paul Ehrlich. O bacteriologista foi responsável pela criação da Teoria das cadeias laterais. A partir de um trabalho com corantes, o pesquisador percebeu que para uma substância se ligar à outra é necessária uma afinidade química. Ainda dentro deste trabalho, compreendeu o conceito de barreira hematoencefálica, pois notou que dentre todos os órgãos, apenas o encéfalo não se pigmentava com a utilização de corantes e deduziu que há uma junção mais aderida entre as células dos capilares, formando um bloqueio entre a corrente sanguínea e o sistema nervoso central. A Teoria das cadeias laterais foi um dos pontos embasadores usados por Sir Henry Dale na criação do conceito de receptor farmacológico, dando uma notoriedade imensa para o Paul Ehrlich. O bacteriologista pensou na seguinte hipótese: se uma pessoa está com uma infecção, por exemplo por Treponema pallidum, e as substâncias possuem afinidade química, será que é possível haver algum composto que tenha afinidade apenas pelo microrganismo e não pelo hospedeiro? Assim, o alemão inicia a busca por componentes tóxicos para o Treponema pallidum e inócuas para o portador. Na tentativa de número 606, ele encontra um composto que atende aos seus interesses e tal substância recebe o nome de “salvarsan”, sendo testado em humanos em 1909. Um detalhe da história é que logo depois que a substância começou a ser usada pelos médicos em seus pacientes, conta-se que ela estava causando um efeito deletério nos usuários. Com isso, Paul Ehrlich faz novas análises do salvarsan e detecta que quando a substância é deixada em prateleiras por um longo período de tempo, ela se degrada e forma um derivado tóxico. Após mais 300 tentativas de aperfeiçoamento, ele cria o neosalvarsan em meados de 1911. Esses eventos constituem o nascimento da quimioterapia antimicrobiana. Durante o semestre serão abordados quatro grupos principais: antibacterianos; antivirais; antifúngicos e antiparasitários (divididos ainda em antihelmínticos e antiprotozoários). -- BASE MOLECULAR DA TERAPIA ANTIMICROBIANA -- Em geral, a população sempre associa as bactérias a eventos negativos e querem eliminá-las a qualquer custo. No entanto, o corpo precisa delas para funcionar plenamente. Iogurtes como Yakult, Chamyto e Activia contém microrganismos em sua composição que auxiliam na regulação da microbiota intestinal. Ainda, em quadros de desarranjo intestinal é indicado uso de medicamentos como Repoflor e Floratil, que possuem Saccharomyces boulardii (levedura que possui atividade probiótica). Naturalmente, o organismo possui cerca de 9 bactérias para cada célula, o que representa uma proporção bastante significativa. Com isso, sempre que se faz um tratamento antimicrobiano para combater uma bactéria patogênica, como em um quadro de pneumonia, parte das bactérias comensais que constituem a microbiota normal também são atingidas, uma vez que a seletividade dos fármacos não é tão grande. Assim, esse é um dos riscos de tal tratamento (na esmagadora maioria dos casos, o benefício é maior que o risco). Para matar uma bactéria é necessário danificar uma estrutura essencial ou interromper um processo metabólico fundamental a ela. Por exemplo, é possível gerar comprometimento à parede celular; interromper o processo de síntese e manutenção da membrana plasmática; inutilizar as subunidades ribossômicas e, com isso, bloquear a produção de proteínas; inibir o metabolismo de ácidos nucléicos; paralisar a função de topoisomerases (importantes para o processo de duplicação de DNA); impedir a formação de um aminoácido específico ou folato indispensável, entre outros. -- FARMACOCINÉTICA DO TRATAMENTOANTIMICROBIANO -- Antes de compreender os mecanismos de ação, que se relacionam mais intimamente à Farmacodinâmica, é de extrema importância rever alguns conceitos da Farmacocinética. Para tal, é interessante observar a seguinte pesquisa envolvendo o medicamento Ciprofloxacino. O Ciprofloxacino é um antimicrobiano muito utilizado hoje em dia, principalmente para infecções do trato urinário. Em 1986, esse fármaco ainda estava sendo estudado e desejava-se conhecer mais a respeito da sua farmacocinética. Assim, para realizar os testes, pesquisadores reuniram um grupo de 26 pacientes (23 homens e 3 mulheres) que seriam submetidos a cirurgias longas. Logo, foi administrado Ciprofloxacino endovenoso nos pacientes e, durante o procedimento cirúrgico, foram coletadas amostras de hora em hora de sangue e tecidos e observadas as concentrações de fármaco. Gráfico das concentrações de Ciprofloxacino no sangue (soro) no decorrer do tempo A partir da mensuração da concentração de Ciprofloxacino no sangue (média dos pacientes) construiu-se o gráfico acima. Nele, é possível perceber que a concentração do medicamento diminui ao longo do tempo. É notável também que a plotagem não indica nenhum período de absorção (apenas de “eliminação”), uma vez que a via usada foi endovenosa. Sabe-se que absorção remete à passagem da substância de um compartimento do corpo para a circulação sanguínea e, nesse caso, o fármaco foi aplicado diretamente no sangue. Gráficos que representam fases de absorção assemelham-se aqueles que retratam administração por via oral. Outro dado interessante que o gráfico fornece é o tempo de meia-vida do fármaco. De 1 para 2 horas, a concentração cai de 0,85 para 0,46, ou seja, é quase reduzida pela metade. Com isso, nessa primeira fase, o tempo de meia-vida é de 1 hora (rápida; parte mais íngreme do gráfico), mas há uma tendência para a mudança desse quadro. Depois, o tempo de meia-vida no intervalo de 0,2 para 0,1 é maior que 3 horas aproximadamente (demorada; parte mais constante do gráfico). Isso se deve ao fato do medicamento sair da corrente sanguínea e, em seguida, ocupar os tecidos (e.g.: em casos de infecção urinária, o fármaco migra do sangue para o TGU para iniciar sua ação). Por isso, o tempo de meia-vida inicial é chamado de tempo de meia-vida α ou de distribuição e o da próxima fase corresponde ao tempo de meia-vida β ou de metabolização e excreção. Para comprovar isso, pode-se plotar um novo gráfico que represente as concentrações de Ciprofloxacino nos tecidos. Gráfico das concentrações de Ciprofloxacino no sangue (em azul) e nos tecidos (em vermelho) no decorrer do tempo O traçado vermelho mostra os níveis de Ciprofloxacino no tecido muscular. Por meio do gráfico, é possível observar que o nível de fármaco está aumentado, o que indica o medicamento migrou do sangue para os tecidos, incluindo os músculos (a concentração diminui no sangue e aumenta no músculo). Na sequência, há uma nova queda de concentração nos tecidos, pois o composto retorna para a corrente sanguínea para ser eliminado (chega no tecido, faz seu “trabalho” e retorna à circulação). Se o paciente estiver, por exemplo, com um abscesso muscular, o medicamento chegará ao local, mesmo que seja administrado sistemicamente. No entanto, a substância não age em todos os tecidos. Esse fato é mostrado no próximo gráfico, que mostra as concentrações de Ciprofloxacino na pele. Gráfico das concentrações de Ciprofloxacino no sangue (em azul), nos tecidos (em vermelho) e na pele (em verde) no decorrer do tempo Baseado no esquema acima, é possível notar que caso haja uma infecção na pele, o uso de Ciprofloxacino sistêmico não seria eficiente, uma vez que o medicamente não consegue atingir a concentração adequada no tecido cutâneo. Nesse caso, o mais indicado seria a administração por via tópica. Por meio dos gráficos, fica claro a importância do conhecimento em Farmacocinética para o sucesso da terapia antimicrobiana, pois é ela que determinará se fármaco alcançará ou não o local de ação. Sendo assim, deve-se encarar a Farmacocinética e a via de administração como fatores determinantes para tratar os pacientes nos mais variados casos. Por exemplo, no caso de uma pneumonia, deseja-se que o medicamento chegue até as vias aéreas, mas é necessário considerar o compartimento de absorção. Pela via oral, o compartimento de absorção é o trato gastrointestinal. Na sequência, o fármaco é absorvido e vai para a corrente sanguínea. Depois, é preciso considerar a capacidade do medicamento de se distribuir até o tecido onde ele é necessário. Chegando lá, a substância também pode retornar à circulação. Daí, é importante considerar que a droga pode se distribuir para outros tecidos, como os rins (recebem 25% do débito cardíaco). Esses dois pequenos órgãos recebem um volume de sangue muito grande e é natural que se tenha um acúmulo desses fármacos. Um tratamento de pneumonia com Gentamicina pode levar a um quadro de nefrotoxicidade, devido aos fatores já mencionados. Por isso, deve-se levar em conta que a droga vai se distribuir tanto para o tecido de interesse como para alguns outros. -- TESTES DE SENSIBILIDADE -- Além das questões de Farmacodinâmica, é importante relembrar alguns conceitos de Microbiologia. O teste de sensibilidade, por exemplo, é essencial no desenvolvimento de fármacos. Como visto no 2º período, pode-se fazer testes de sensibilidade para avaliar o crescimento bacteriano em contato com determinado antibiótico. Essa verificação é feita conforme a imagem ao lado, onde são semeadas bactérias em uma placa e colocados diversos discos contendo diferentes antimicrobianos. A sensibilidade dos patógenos é classificada conforme o tamanho do halo de inibição que se forma ao redor no fármaco. A resistência bacteriana é indicada por um halo muito pequeno ou mínimo. O teste não permite quantificar a dose de medicamento que deve ser administrada, por isso essa determinação é dada pela concentração inibitória mínima (CIM). A CIM é definida da seguinte maneira: em um primeiro tubo não há fármaco e nos demais há uma dose crescente do antimicrobiano. Depois, é colocada a mesma quantidade de bactérias em todos os tubos. Com isso, aqueles que têm muito pouco ou nada de antibiótico possibilitam que a bactéria cresça e torne o conteúdo do recipiente turvo. Mas, haverá um tubo em que a concentração será grande o suficiente para inibir o crescimento bacteriano. Logo, essa será tida como a concentração inibitória mínima. Se o antibiótico X tem a CIM de 2 μg/ml e o antibiótico Y, 16 μg/ml, sabe-se que o medicamento X é mais potente, pois uma concentração menor é capaz de destruir a mesma quantidade de bactérias. Não será cobrado durante a disciplina esquema posológico, mas sim escolha terapêutica. No entanto, no futuro, todos os médicos vão se deparar com situações onde a escolhaposológica é trivial. Imagine dois cenários: primeiro, tem-se uma dose de 120 mg de determinado medicamento sendo administrada de uma única vez (A); em outro cenário (B), é dada a mesma dose ao paciente, só que dividida em três partes de 40 mg a cada 8h. Sabe-se que para que o antibiótico funcione, é necessário que ele chegue no local da infecção com uma concentração acima da CIM. Na figura ao lado, o traço pontilhado representa a concentração inibitória mínima. Pela representação gráfica, é possível perceber que no cenário B a concentração é mantida pela maior parte do dia. No quadro A essa concentração se mantém por aproximadamente 12h apenas. Daí, faz-se o questionamento: o esquema posológico sempre vai ser esse? E a resposta é não. Em algumas situações, os fármacos têm efeito pós-antibiótico, pois o efeito permanece por mais tempo, mesmo depois da concentração ter diminuído abaixo da CIM (o medicamento tem seu alvo no interior da bactéria. Assim, ainda que a concentração externa tenha caído, o fármaco já teria entrado no patógeno e perpetuado sua atividade). É válido salientar que esse tipo medicamento “ataca” um microrganismo dentro de um outro organismo, então a sistemática nem sempre é igual a de outras classes terapêuticas. -- TIPOS E OBJETIVOS DO TRATAMENTO ANTIMICROBIANO -- Quando discute-se questões sobre o tratamento antimicrobiano, é importante que use os termos de forma correta. O tratamento antimicrobiano pode ser: • Profilático: é aquele em que se começa a administrar o antibiótico para uma pessoa que não tem infecção, não apresenta sinais dela e não está em um grupo de risco, mas será submetida a algum procedimento que aumentará muito a probabilidade de adquirir uma infecção. Por exemplo, para extração de um dente, é comum que o cirurgião-dentista prescreva um antimicrobiano cerca de dois dias antes da intervenção (no dia que paciente faz uso do fármaco, ele não apresenta sinal algum de infecção); • Preventivo: aqui, já se sabe que existe uma infecção incipiente e que o paciente está em um grupo de risco, tendo 100% de chance de ser infectado. Um exemplo muito comum são os portadores do vírus do HIV. Por estarem imunocomprometidos, pressupõe-se que esses paciente logo logo sejam acometidos por uma infecção, já que seus níveis de linfócitos T CD4+ e sua defesa natural encontram-se muito fragilizados. Por isso, são administrados antibióticos de forma preventiva; • Empírico: é um tipo de tratamento bem comum. Por exemplo, um paciente chega ao consultório com infecção bem avançada das vias aéreas e aparentemente debilitado. Dessa forma, são coletadas amostras para análise laboratorial a fim de saber qual a bactéria responsável pela patologia (ou ainda o médico não tem um laboratório disponível). Durante o tempo de espera do resultado dos exames, faz-se um tratamento empírico, ou seja, o paciente tem a infecção, manifesta os sintomas e com base nisso, se analisa quais patógenos geralmente estão envolvidos nesses quadros, fazendo-se uma prescrição que contemple tais agentes (e.g.: 90% dos casos de infecção do TGU são por E. coli, por isso em tratamentos empíricos para casos como esse, são utilizados antibióticos com boa cobertura para Gram-negativa). Esse tipo de tratamento é realizado a partir de dados clínicos e epidemiológicos e sua execução será discutida ao longo de todo o semestre; • Definitivo: é o tratamento no qual se conhece o patógeno e a qual medicamento ele é sensível. Por exemplo, um paciente chega ao hospital com uma infecção bastante avançada e, por isso, solicita-se uma cultura. Com o resultado do exame em mãos (e.g.: Pseudomonas aeruginosa sensível a carbapenêmicos), o médico pode prescrever o melhor tratamento para aquele quadro (sem erros), um tratamento definitivo (que no caso seria Imipenem + Cilastatina); • Supressor: pacientes com recorrentes quadros infecção, que pertencem a grupos de risco com propensão a esse tipo de problema ou que tem abscessos de difícil acesso (o fármaco não chega até o local com facilidade) precisam de um tratamento que se estenda além do habitual. Todo tratamento acima do tempo necessário é chamado de supressor. -- RESISTÊNCIA AOS ANTIBIÓTICOS -- Tão importante quanto o compreender o mecanismo de ação antibacteriano, é conhecer os mecanismos de resistência. Esse problema é ilustrado pelas charges abaixo: A imagem à esquerda é uma figura de jornal do final da Segunda Guerra Mundial, cuja manchete diz “Graças a Penicilina, eles vão voltar para casa!”, representando como o desenvolvimento da Penicilina e o avanço da terapia antimicrobiana impactaram a qualidade de vida da população, evitando que muitos soldados morressem por infecções bacterianas contraídas após os ferimentos de combate (não só os soldados, mas a população local como um todo) em meados dos anos 1940. A ilustração da direita é uma charge atual e retrata uma superbactéria (MRSA - Staphylococcus aureus resistente à meticilina) invadindo a casa do Tio Sam (Home sweet home - Lar doce lar). Ao entrar na residência, a bactéria fala “Aquilo que não me mata, me fortalece!”, referindo-se ao uso indevido de antimicrobianos que favorecem a resistência. A Penicilina desenvolvida na década de 40 foi produzida a partir de pesquisas com Staphylococcus aureus e, atualmente, praticamente todas as cepas dessa espécie são resistentes a ela (em 1929, Fleming mostra a ação da Penicilina em cima de cepas de S. aureus). Em um espaço de menos de 70 anos teve-se a completa inutilidade de uma substância que era a principal ferramenta de controle destas bactérias. Com relação especificamente à resistência, um fato que deve ser levado em consideração é a sua base. A maior parte dos processos de resistência ocorrem devido a mutações. Para que determinado antimicrobiano exerça seu efeito, é necessário que ele tenha afinidade por um alvo farmacológico na bactéria. Se esse alvo apresenta determinada conformação e a bactéria sofre uma mutação capaz de mudar o formato da estrutura alvo, o fármaco se torna inútil e a cepa adquire resistência a ele, ou seja, a alteração genética induziu uma alteração conformacional do alvo, de forma que o medicamento não funciona mais. Essa informação está contida no DNA da bactéria. A bactéria tem um revestimento que guarda seu material genético, o qual geralmente se apresenta de forma circular (diferente do DNA humano que mostra-se como uma dupla fita em forma de helicoidal). No entanto, também há a possibilidade da bactéria ter pequenos fragmentos de DNA fora da principal cadeia de ácidos nucleicos, os plasmídeos. Imagine que determinada bactéria sofre uma mutação genética, inicia uma alteração conformacional e ganha resistência. Provavelmente, essa informação genética está situada no DNA principal do microrganismo. Todavia, tal informação pode acabar permutando com plasmídeos e gerar transposons que se repliquem neles com facilidade (a informação genética é capaz de transitar entre o DNA e os plasmídeos).Um fator preocupante dessas mutações é o fato de toda a prole da cepa conter a mesma resistência. Outro agravante encontra-se no processo de conjugação, onde as bactérias podem transferir plasmídeos de resistência entre si. A base da resistência é genética, onde cepas específicas terão alterações de natureza conformacional e expressão de novas proteínas. As possibilidades de resistência são: • Liberação de enzimas microbianas que destroem o antibiótico: a bactéria libera enzimas - como a carbapenemase - que clivam o fármaco, inutilizado-o; • Alterações das proteínas-alvo: mudanças na estrutura-alvo da bactéria alteram a afinidade do medicamento por ela; • Acesso reduzido ou aumento da eliminação do antibiótico por bombas de efluxo: se o alvo da droga é dentro da bactéria, é necessário que o fármaco chegue ao domínio intracelular. Para tal, ele pode usar uma aquaporina. Assim, um dos mecanismos de resistência é a redução da expressão dessas estruturas na superfície bacteriana e a consequente diminuição da quantidade de fármaco que entraria na célula. Além disso, a bactéria adquire a capacidade de desenvolver na MP bombas de efluxo que são responsáveis por bombear a droga para fora (dificulta o acesso do fármaco ao domínio intracelular por duas maneiras: fechando a porta de entrada ou colocando um “segurança” para expulsar a substância tóxica); • Desenvolvimento de vias metabólicas alternativas às que foram suprimidas pelo antibiótico: suponha que um fármaco tenha como alvo farmacológico a enzima A. Quando o medicamento entra na bactéria e se liga a essa enzima, a cepa pode ter desenvolvido uma outra enzima B que desempenhe a mesma função, fazendo com que o fármaco não gere um prejuízo ao microrganismo no final das contas (muito comum para resistência à sulfonamidas e trimetoprima). -- INTRODUÇÃO AOS β-LACTÂMICOS -- Os β-lactâmicos compõem um vasto grupo de antimicrobianos. O termo “β-lactâmico” se refere à estrutura química do medicamento e dentro desse grupo existem subdivisões: as penicilinas (que serão abordadas mais adiante na aula), as cefalosporinas e os carbapenêmicos. Todavia, antes de mais nada, é importante revisar a técnica de coloração de Gram, pois o espectro da substância medicamentosa, em muitos casos, se baseia nela. O procedimento segue as seguintes etapas: 1º. A amostra é posta na lâmina; 2º. Coloca-se um corante cristal violeta (cora todas as bactérias); 3º. Aplicação de iodo (na forma de Lugol, por exemplo) como mordente, ajudando na fixação do corante nas Gram-positivas; 4º. Lavagem da lâmina com álcool para que o cristal violeta (púrpura) saía das bactérias, com exceção das Gram-positivas (nessa etapa, as gram-negativas ficam sem cor); 5º. Faz-se a contra-coloração com safranina ou eosina (rosa) para que as Gram-negativas se tornem visíveis (ao final nesse passo, é possível ver os dois tipos de bactérias). A repercussão estrutural da coloração de Gram diz respeito à presença ou não de parede celular nas bactérias. Tem-se diferenças no revestimento desses micróbios a depender de ser Gram-positiva ou negativa. As Gram-positivas têm uma parede celular muito mais espessa e uma única membrana plasmática, enquanto que as Gram-negativas possuem uma parede celular mais discreta e uma dupla bicamada lipídica (uma mais externa e uma mais interna). Tendo revisado isso, agora discutir-se-á de fato os β-lactâmicos. Historicamente, sempre que as penicilinas são mencionadas, um nome que vem a mente é o de Alexander Fleming. Em 1929, o britânico trabalhava em um hospital em Londres tanto como clínico como pesquisador. Seus estudos destinavam-se à análise antimicrobiana de algumas enzimas. Certo dia, o médico vai para uma viagem e esquece algumas placas de cultura fora do local de armazenamento apropriado. Quando retorna, percebe que muitas delas estavam repletas de fungos. Ao observar tais placas, nota que ao redor do fungo havia um halo de inibição e percebe que esses organismos eram capazes de inibir do crescimento bacteriano. A partir daí, começa pesquisar a mais sobre a espécie do fungo que havia crescido na placa e tenta entender o processo. O cientista compreende que aquele fungo - o Penicillium notatum - produzia alguma substância que impedia o crescimento bacteriano e a esse composto dá o nome de Penicilina. Uma das limitações do estudo se o encontrava no fato do Fleming não conseguir isolar a Penicilina. Por volta de 9 anos após a publicação de Fleming sobre a Penicilina, dois pesquisadores (Ernst Boris Chain, químico e Howard Walter Florey, médico patologista) em Oxford que também estudavam enzimas de atividade antimicrobiana, ao buscar artigos sobre o assunto, se depararam com o escrito de Fleming e decidiram replicar o experimento, só que uma proporção maior (ao invés de cultivar os fungos em placas, eles usaram penicos de barros). Assim, conseguiram extrair Penicilina e iniciaram os testes em camundongos (estudo pré-clínico). Uma das vantagens da utilização desses animais, é que eles pesam entre 30-40g e, por isso, a quantidade de substância administrada é pequena. No estudo foram usados 8 camundongos. Administrou-se Streptococcus em grande quantidade em todos eles, de forma a induzir a sepse aguda. Apenas ratos 4 receberam doses de Penicilina (10mg; 5mg e doses de manutenção de 5mg no decorrer das horas). Dentre os quatro animais que não receberam Penicilina, um morreu 12 horas após a administração de bactérias, outros dois, 14 horas e o último, 16 horas depois. Já entre os camundongos tratados, um sobreviveu por 4 dias, o segundo por 6 dias, o terceiro por 13 dias e o último por mais de 6 semanas. Ao publicar os resultados obtidos no experimento no renomado periódico The Lancet, Chain, Florey e Fleming receberam o prêmio Nobel por conta do desenvolvimento da Penicilina. Com os resultados dos testes em animais nas mãos, o que desejava-se era iniciar os estudos em humanos. No entanto, havia uma limitação: a quantidade de Penicilina. Para isso, deram início a produção do Penicillium em larga escala para isolar Penicilina suficiente para tratar um ser humano. O caso relatado no box acima aconteceu de fato. Quando os estudiosos conseguiram isolar uma quantidade grande o suficiente de Penicilina, testou-se inicialmente em uma senhora e, por conta de problemas na purificação da substância, a paciente veio a óbito. O segundo tratamento começou a dar certo, porém os estoques do medicamento se esgotaram. Com isso, ao analisar a urina do paciente, o químico Ernst Chain percebeu que a Penicilina ali presente era a mesma daquela administrada, indicando que a substância não sofre metabolização e é excretada de forma inalterada. Dessa forma, era possível extrair o medicamento da urina do paciente e administrá-la novamente. Devido às perdas nos processos de extração e a decorrente falta de Penicilina, o paciente veio a óbito, mas esse foi o primeiro registro clínico de um sucesso terapêutico dessa substância (1940-1941).Na época das pesquisas, a Europa estava no auge da Segunda Guerra Mundial e a Inglaterra encontrava-se sem recursos para investir na recém descoberta. Por isso, Florey e um técnico de laboratório viajam até os Estados Unidos e lá dão sequência à pesquisa. Com auxílio das indústrias, eles conseguem aperfeiçoar o processo de isolamento e purificação de Penicilina e dar início aos testes clínicos em solo americano. Em 1942, o próprio Florey consegue conduzir o primeiro ensaio clínico em zona de Guerra no norte da África. Enquanto isso, ainda em Oxford, Ernst Chain estudava ainda mais sobre a composição da Penicilina e, em 1943, consegue determinar sua estrutura química. O quadrado vermelho da figura ao lado é chamado de anel β-lactâmico e é ele que caracteriza a classe (caracterização com base química). Todas as penicilinas possuem esse anel e tal estrutura está diretamente envolvido com mecanismo de ação do grupo. Mesmo tendo sido desenvolvida na década de 1940, até hoje a Penicilina é utilizada. A Penicilina G, popularmente conhecida pelo seu nome comercial de Benzetacil, é a mesma substância estudada a mais 70 anos atrás. A Penicilina G só é administrada por via intramuscular, mas no decorrer da história produziu-se a Penicilina V (Meracilina, nome comercial) que tem boa absorção por via oral. No entanto, atualmente a Penicilina V encontra-se em desuso por conta do surgimento de ferramentas melhores e pelo fato de praticamente todas as cepas terem desenvolvido resistência a essa substância. Hoje em dia, a Penicilina G é uma das únicas que tem relevância clínica. As duas Penicilinas - G e V - têm um espectro parecido, se diferenciando apenas por questões de Farmacocinética (V, boa administração por via oral e a G, apenas uso parenteral). Sempre que estuda-se uma classe de medicamentos, é importante se atentar ao espectro de ação. No caso das Penicilinas, esse espectro se dá principalmente contra bactérias Gram-positivas e dentro dessas, de forma mais ávida contra os Streptococcus. Também age contra alguns cocos Gram-negativos e anaeróbios, desde que esses não produzam enzimas β-lactamases, que tem capacidade de clivar o anel β-lactâmico. No entanto, as chances disso ocorrer são mínimas, pois praticamente todas as cepas possuem essa resistência. Por isso, diz-se que no espectro “válido” constam apenas as Gram-positivas, essencialmente os Streptococcus. Em 1929, quando o Alexander Fleming desenvolveu seu estudo, a pesquisa era em cima de uma cepa de Staphylococcus aureus (Gram-positiva) e o antibiótico funcionava muito bem. Porém, na década de 1940, ao receber o prêmio Nobel o britânico já afirmava que o fármaco não era mais efetivo contra S. aureus, ou seja, desde o início da descoberta das terapias antimicrobianas já se enfrentava o problema de resistência. Esse fato impulsionou a criação de Penicilinas de segunda geração que tinham um espectro muito mais direcionado contra os Staphylococcus. Assim, em meados de anos 1960, cria-se a Oxacilina (também chamada de Meticilina), uma penicilina antiestafilocócica, usada principalmente contra Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis, demonstrando um espectro bem pontual e limitado. No entanto, após o desenvolvimento da Oxacilina, houve uma necessidade de fármacos não mais com um espectro restrito, mas sim medicamentos que tivessem espectro cada vez maior. Por isso, a terceira geração de Penicilinas vai na contramão e passa a incluir no espectro além das bactérias Gram-positivas, as Gram-negativas (são as chamadas Penicilinas de espectro ampliado). Os principais exemplos usados até hoje na clínica são Amoxicilina, Ampicilina e Piperacilina. Esses fármacos conservam o espectro das Penicilinas originais contra as Gram-positivas (como Streptococcus e Staphylococcus), mas ganharam espaço nas Gram-negativas (como Escherichia coli, Proteus mirabilis, Salmonella e Shigella). Vale salientar que independentemente do microrganismo ser Gram-positivo ou negativo, se ele produzir β-lactamase, quebrará o anel β-lactâmico e, por consequência, desenvolverá resistência. Farmacologia II Responsável: Dayana Colatino Aula 2: β-lactâmicos (Penicilinas) 27/Jul/2018 As Penicilinas foram o primeiro grupo de β-lactâmicos estudados e, como já debatido na aula anterior, elas foram evoluindo com o passar dos anos. A primeira Penicilina foi produzida em meados da Segunda Guerra Mundial, então é óbvio que ao longo desse tempo teve-se uma ampliação considerável no desenvolvimento de novos fármacos. A primeira Penicilina estudada, atualmente é conhecida como Penicilina G (famosa Benzetacil, nome comercial). Esse fármaco é utilizado exclusivamente pela via parenteral. No entanto, com a avanço da indústria farmacêutica, foi produzida a Penicilina V, um medicamento que pode ser administrado por via oral. Hoje em dia, a Penicilina V se tornou obsoleta e pouco usada, ao passo que a Penicilina G ainda tem uma utilização muito importante em determinados casos. Independentemente da classe de medicamentos, é muito importante se atentar para algumas informações como o espectro de ação, ou seja, quais tipos de microrganismos são destruídas pelo uso do fármaco. As Penicilinas G e V são muito boas contra bactérias Gram-positivas (principalmente do tipo Streptococcus), algumas poucas Gram-negativas e anaeróbios (no casos das duas últimas, não se tem um impacto clínico significativo). Quando o Alexander Fleming mostrou a ação antibacteriana da Penicilina, o experimento foi feito em cima de uma cepa de Staphylococcus aureus. Ao fazer seu discurso durante a premiação do Nobel, ele diz: “Praticamente não existe mais nenhum Staphylococcus aureus que morra com Penicilina.”. Com isso, é possível notar que em um período de 15-20 anos, os Staphylococcus desenvolveram uma resistência com muita facilidade a essa substância. Assim, a segunda geração de Penicilinas era direcionada específicamente contra Staphylococcus (aureus e epidermidis, principalmente), denominada antiestafilocócica. O único exemplo dessa classe que será requisitado é a Oxacilina (ou Meticilina), sendo um medicamento que tem um espectro bem direcionado a esse tipo de bactérias. Como visto na aula anterior, o tratamento antimicrobiano pode ser profilático, preventivo, empírico, definitivo e supressor. O tratamento empírico é aquele onde não se sabe exatamente qual bactéria está causando a patologia, mas faz-se uso de antimicrobianos com base em dados epidemiológicos e no relato clínico do paciente. Em casos assim, não é aconselhável utilizar fármacos muito específicos. Dessa forma, é possível notar que a tendência dos medicamentos, com exceção da Oxacilina, quase sempre é buscar uma ampliação de espectro. Então, as Penicilinas mais recentes (de terceira geração; uso largamente difundido) são denominadas Penicilinas de espectro ampliado, pois atuam nos mesmos microrganismos das gerações anteriores (Gram-positivos)e ganham espaço do campo das Gram-negativas (como Escherichia coli, espécies de Proteus, Salmonella, Shigella). Os principais exemplos são a Amoxicilina, Ampicilina e Piperacilina. É importante frisar que independentemente da Penicilina que se tenha, em um caso, por exemplo, de infecção por Escherichia coli capaz de produzir uma penicilinase (uma β-lactamase eficaz na quebra de um anel β-lactâmicos de uma Penicilina), o tratamento não será eficiente, porque a bactéria adquiriu resistência. O espectro funciona para dar um direcionamento, mas é essencial sempre estar atento aos casos de resistência bacteriana. No que diz respeito ao mecanismo de ação, os β-lactâmicos (incluindo a Penicilina) atuam inibindo a síntese da parede celular da bactéria. A proteína responsável pela produção da parede celular é uma enzima chamada de proteína de ligação da Penicilina (PBP - Penicillin-binding proteins) ou transpeptidase. A Penicilina é capaz de se ligar à transpeptidase e inutiliza-la, inviabilizando a vida do microrganismo. -- RESISTÊNCIA AOS β-LACTÂMICOS -- O principal mecanismo de resistência desenvolvido pelas bactérias a Penicilina foi a capacidade de produzir β-lactamase, assim, o anel β-lactâmico, que é indispensável para que a substância funcione, é clivado e perde seu efeito (a β-lactamase se liga à PBP/transpeptidase). Para que a Penicilina seja efetiva, é necessário que ela tenha afinidade química pela PBP. Assim, se a bactéria sofrer uma mutação que altere a conformação da transpeptidase, o fármaco, que se liga apenas à forma natural da enzima, fica impossibilitado de se acoplar a ela. Desse modo, tem-se uma enzima capaz de sintetizar parede celular de peptidoglicano e que não tem afinidade pelas Penicilinas. A alteração estrutural da proteína-alvo conferiu resistência da bactéria às Penicilinas. Em alguns casos, para que o antimicrobiano faça efeito, é necessário que ele chegue ao domínio periplasmático (principalmente nas Gram-negativas). Entretanto, se a bactéria diminui a expressão das porinas (estruturas que permitem a entrada de substâncias na célula), o medicamento tem dificuldade de acesso e bactéria torna-se resistente. Outra possibilidade, é o microrganismo criar estruturas capazes de movimentar o fármaco para o ambiente extracelular, as bombas de efluxo. Esses quatro mecanismos podem conferir resistência a uma cepa específica de determinada bactéria (o mais importante é a produção de β-lactamase). -- USO CLÍNICO -- ➢ PENICILINAS Atualmente, a Penicilina G é muito utilizada para infecções estreptocócicas, principalmente nos casos de faringite por Streptococcus pyogenes (agente patogênico mais comum). Ainda, a Penicilina G é usada como primeira escolha terapêutica em quadros de Sífilis. ➢ OXACILINA (PENICILINA ANTIESTAFILOCÓCICA) Utilizada em infecções por Staphylococcus. ➢ PENICILINAS DE ESPECTRO AMPLIADO Amoxicilina, Ampicilina e Piperacilina podem ser utilizadas, normalmente, para infecções das vias aéreas superiores, tanto por Streptococcus pyogenes e Streptococcus pneumoniae (Gram-positivas), quanto por Haemophilus influenzae (Gram-negativa; muito comum em infecções desse tipo). Isso representa uma vantagem desses fármacos no tratamento empírico, pois o espectro de atuação deles é maior (objetivo do tratamento empírico: cobrir o maior espectro dentro das possibilidades). Esses medicamentos também podem ser empregados no tratamento para sinusite, otite média, exacerbações agudas de bronquite e epiglotite. Com relação a infecções do trato urinário, esses medicamentos já foram mais utilizados, entretanto, hoje em dia tem-se outras opções mais comumente escolhidas. A E. coli (Gram-negativa) é habitualmente responsável por infecções do TGU, mas existem escolhas terapêuticas melhores para estes casos (se está no espectro, é uma possibilidade, porém não são os fármacos mais utilizados). -- INIBIDORES DE β-LACTAMASE -- A pesquisa por novos β-lactâmicos era muito baseada em “tentativa e erro”. Dentre essas tentativas, testou-se moléculas como o Ácido clavulânico, o Sulbactam e o Tazobactam. É possível notar que os três fármacos têm estrutura tipo anel β-lactâmico, mas não possuem atividade antimicrobiana. Entretanto, essas moléculas apresentam um potencial muito bom, pois são capazes de inibir a β-lactamase. Assim, faz-se associação do antimicrobiano (mais comumente uma Penicilina de espectro ampliado) com um inibidor da β-lactamase. O inibidor da β-lactamase sozinho não é capaz de matar a bactéria, contudo permite a ação do β-lactâmico. Por isso, essa classe não é categorizada como β-lactâmico (mesmo que tenham o anel), mas sim por sua função: inibidor de β-lactamase. O Clavulin é um fármaco bastante utilizado e consiste na combinação de Amoxicilina com Ácido Clavulânico, uma das formulações mais comuns de se ver. Nunca se prescreve apenas Ácido Clavulânico (ou Clavulanato), mas sim um β-lactâmico com um inibidor da β-lactamase (ou somente um β-lactâmico). Para o tratamento empírico, essa combinação é uma ferramenta interessantíssima. Além disso, as associações são fixas: Amoxicilina com Ácido clavulânico; Ampicilina com Sulbactam e Piperacilina com Tazobactam. Farmacologia II Responsável: Dayana Colatino Aula 3: β-lactâmicos (cefalosporinas e carbapenêmicos); Glicopeptídeos 01/Ago/2018 Os β-lactâmicos são assim classificados com base em uma estrutura química (anel β-lactâmico). Dentro desse grupo, tem-se uma subdivisão: Penicilinas, Cefalosporinas e Carbapenêmicos. A presente aula abordará as Cefalosporinas e os Carbapenêmicos, além do grupo dos Glicopeptídeos. Sempre que se estuda antimicrobianos, é muito importante ter um domínio básico da microbiologia clínica. Assim, é essencial entender quais os principais microrganismos associados a cada tipo de infecção. Por exemplo, nos quadros de infecção urinária, o principal patógeno envolvido é a bactéria Gram-negativa Escherichia coli. Esse tipo de informação é de interesse clínico, sobretudo na execução de tratamentos empíricos. -- CEFALOSPORINAS -- As Cefalosporinas têm uma origem muito semelhante a das Penicilinas, onde havia um fungo produtor de uma substância capaz de inibir o crescimento bacteriano. No caso das Cefalosporinas, o efeito inibitório era muito sutil (fraco). Por isso, os pesquisadores pegaram a molécula produzida pelo fungo e a melhoraram quimicamente (processo de síntese com base neste precursor), resultando num derivado semissintético obtido a partir desses produtos naturais. Tais derivados exibiam uma atividade antimicrobiana excelente. As β-lactamases não são de um único tipo. Se atuam contra Penicilinas, por exemplo, são chamadas de Penicilinases. Assim, pode-se ter uma bactéria resistente à Penicilina, mas ainda sensível a uma Cefalosporina (para que a cepa seja resistente a essa classe de β-lactâmicos, ela tem possuir uma enzima Cefalosporinase). Como as Cefalosporinas possuem anel β-lactâmico, são classificadas de acordo com tal estrutura. O mecanismo de ação se mantém para toda a classe, ou seja, inibição da síntese da parede celular. Didaticamente,os livros de Farmacologia organizam as Cefalosporinas em gerações (alguns até a 5ª geração). Na presente aula, serão abordadas 8 Cefalosporinas (consideradas as mais importantes) agrupadas em 4 gerações. ➢ CEFALOSPORINAS DE PRIMEIRA GERAÇÃO São as Cefalosporinas mais antigas. Com relação ao espectro de ação, caracterizam-se por serem eficazes contra microrganismos Gram-positivos, principalmente Staphylococcus e Streptococcus (não tem uma ação muito boa contra Enterococcus, não só na primeira geração, mas também nas demais) e alguns poucos Gram-negativos, como Escherichia coli, klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis. Não tem ação contra uma série de microrganismos importantes clinicamente, como por exemplo Pseudomonas aeruginosa e Haemophilus influenzae (ambas Gram-negativas). Somado a isso, muitas das bactérias citadas já desenvolveram resistência devido ao uso do medicamento por um longo período. A parte do espectro de ação contra Gram-negativas se mostra bem deficiente nessa geração, além de apresentar ineficácia contra anaeróbios (espectro de ação bem limitado). Com relação ao espectro de ação dos antibióticos, é importante sempre destacar se o fármaco é eficiente contra Gram-positivas, Gram-negativas, anaeróbias e Pseudomonas aeruginosa (Gram-negativa “problemática”; requer um olhar diferenciado). Os principais exemplos são: • Cefalexina (via oral); • Cefadroxila (via oral); • Cefazolina (via parenteral); São utilizados em infecções variadas como do trato urinário, da pele, de tecidos moles, como também em algumas situações de infecção das vias aéreas superiores (infecções mais simples de garganta). ➢ CEFALOSPORINAS DE SEGUNDA GERAÇÃO As Cefalosporinas de segunda geração ganham espaço no campo das bactérias Gram-negativas, porém continuam funcionando contra Staphylococcus e Streptococcus. Os fármacos desta geração passam a ter êxito contra Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis (ambas Gram-negativas), microrganismos importantes que a primeira geração não cobria. Continuam ineficazes contra Enterococcus e Pseudomonas aeruginosa. Os dois principais representantes são o Cefaclor (via oral) e Cefuroxima (vias oral e parenteral). Os quadros onde esses fármacos são empregados são casos de sinusite, otite média e infecções das vias aéreas. Como pode-se observar, são usados em infecções mais simples, não severas. ➢ CEFALOSPORINAS DE TERCEIRA GERAÇÃO O ganho das Cefalosporinas de terceira geração encontra-se mais uma vez no campo das Gram-negativas, onde elas obtêm uma ampliação quase que definitiva do espectro dentro desse grupo de bactérias. Continuam agindo contra Gram-positivas, mas perdem um pouco da eficácia. Têm atividade excelente contra as Gram-negativas, como os elementos da família Enterobacteriaceae (Escherichia coli, Klebsiella sp., Haemophilus influenzae, Neisseria sp. - gonorrhoeae e meningitidis, principalmente-, Shigella sp., Moraxella sp.). É importante observar que existem algumas espécies de bactérias têm maior facilidade para desenvolver resistência contra Cefalosporinas de terceira geração, tais como Citrobacter sp., Serratia sp. e Providencia sp., Os medicamentos deste subgrupo só estão disponíveis por via parenteral. Com isso, a partir da terceira geração, há uma mudança da utilização clínica das Cefalosporinas e elas passam a ser restritas do ambiente hospitalar (situações mais graves que exigem internação e cuidados mais intensivos). Os dois principais exemplos desses medicamentos são Ceftazidima e Ceftriaxona. A Ceftazidima pode ser usada para infecções por Pseudomonas aeruginosa (Ceftriaxona não). Outra vantagem dessas Cefalosporinas diz respeito à Farmacocinética, pois elas conseguem atravessar a barreira hematoencefálica e, assim, serem usadas em casos de meningites (também pelo fato de atuarem pelo principal agente causador da patologia, o Meningococo, Neisseria meningitidis). Também podem ser utilizados para pneumonias de diferentes tipos, gonorréia, mas principalmente infecções a nível hospitalar. ➢ CEFALOSPORINAS DE QUARTA GERAÇÃO O único exemplo dessa geração que será requisitado é a Cefepima (ou Cefepime). Este medicamento mantém todas as vantagens adquiridas até a terceira geração (age contra Gram-positivos e negativos, Pseudomonas aeruginosa e é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica). No entanto, de maneira geral, tem uma maior resistência a hidrólise por β-lactamases (ganho). As indicações clínicas são as mais variadas possíveis: desde pneumonias até septicemias e meningites. Foram vistos 8 exemplos de fármacos divididos em quatro gerações de Cefalosporinas e eles tem em comum o fato de sempre iniciarem com as letras “Cef”. Assim, se porventura, durante a prática clínica, surgir um medicamento não citado nesta aula, mas que comece com “cef”, é muito provável, principalmente se for um antimicrobiano, que se trate de uma Cefalosporina. Outra dica de memorização, é aprender os fármacos das gerações mais novas para as mais velhas (4ª → 1ª), pois elas possuem menos exemplos. Classe Gram-positiva Gram-negativa Anaeróbias Pseudomonas aeruginosa Cefalosporinas de 1ª geração Sim Não Não Não Cefalosporinas de 2ª geração Sim Sim Não Não Cefalosporinas de 3ª geração Sim Sim (definitiva) Não Sim (apenas Ceftazidima) Cefalosporinas de 4ª geração Sim Sim (definitiva) Não Sim -- CARBAPENÊMICOS -- Dentre os Carbapenêmicos, apenas dois exemplos serão exigidos: o Imipenem e o Meropenem (ambos disponíveis apenas pela via parenteral). Uma diferença significativa entre esses medicamentos e que, geralmente, o Imipenem é utilizado em uma associação fixa com a Cilastatina e o Meropenem não. Isso se dá porque o Imipenem é facilmente degradado por enzimas renais, as desidropeptidases (por ser administrado sistemicamente, na hora que passa pelo rim, é quebrado) e, assim, seu tempo de meia-vida é bem pequeno. Com isso, a função da Cilastatina é inibir as enzimas responsáveis pela degradação renal, ou seja, diminuir a metabolização pelos rins e aumentar o tempo de meia-vida do Imipenem. A desidropeptidase é uma enzima humana, por isso que a Cilastatina não combate um mecanismo de resistência bacteriana, mas sim, tenta minimizar uma característica farmacocinética do indivíduo. O Meropenem não sofre essa degradação, logo não vem associado à Cilastatina. Os espectro de ação dos Carbapenêmicos abrange: • Gram-positivas, como Staphylococcus, Streptococcus e Enterococcus (com exceção dos S. aureus resistentes à meticilina e E. faecium); • Gram-negativas, inclusive a Pseudomonas aeruginosa; • É excelente contra anaeróbias. Além do espectro vasto, outra vantagem da classe é que dificilmente um Carbapenêmico vai ser quebrado por uma penicilinase ou uma cefalosporinase. Do ponto de vista farmacocinético, esse grupo de fármacos têm a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica (assim como as Cefalosporinas de terceira e quarta geração). Por ser um medicamento tão completo, é compreensível a preocupação com pacientes que adquirem infecções hospitalares por KPC (klebsiella pneumoniae carbapenemase),capazes de quebrar o anel β-lactâmico dos Carbapenêmicos. Esses medicamentos são indicados para uma imensa variedade de infecções: trato urinário, vias respiratórias, intra-abdominais (infecções normalmente relacionadas a microrganismos anaeróbios), ginecológicas, de pele, entre outras. Porém, em geral, não são medicamentos de primeira escolha, sendo “guardados” para quadros mais complicados (resistência, por exemplo). Logo, pacientes que têm bactérias com resistência a Penicilinas e Cefalosporinas, recomenda-se o uso de Carbapenêmicos (é necessária uma enzima mais específica para quebrá-los). Os usuários de Carbapenêmicos podem apresentar reações adversas que merecem destaque, como náuseas, vômito (1 a cada 5 pacientes) e convulsões (1,5% pacientes para o Imipenem e 0,5% para o Meropenem). -- GLICOPEPTÍDEOS -- Os Glicopeptídeos são fármacos que agem inibindo a síntese da parede celular bacteriana, só que por um mecanismo diferente dos β-lactâmicos (nesse caso, o β-lactâmico se liga à transpeptidase, enzima responsável por “construir” a parede). Esses fármacos se ligam com alta afinidade à extremidade terminal D-alanil-D-alanina (resíduos de aminoácido) das subunidades precursoras da parede celular. O único exemplo que será cobrado dessa classe de antibióticos é a Vancomicina. A molécula desse medicamento é muito maior e complexa quando comparada com as demais classes até agora estudadas, além de ser muito polar, possuindo diversos grupos hidroxila, átomos de cloro (bastante eletronegativos), grupos ácido carboxílico, etc. (pelo fato da molécula ser muito grande, ao se ligar ao substrato enzimático que iria compor a parede, acaba por inutilizá-lo). O mecanismo de resistência que as bactérias desenvolveram contra esse medicamento foi a alteração do alvo farmacológico. A Vancomicina consegue reconhecer resíduos de D-alanil-D-alanina e, por isso, a bactéria passa a utilizar resíduos de D-alanil-D-lactato, anulando o efeito do fármaco. A superfície de uma bactéria Gram-negativa é composta por duas membranas plasmáticas (uma mais interna e outra mais externa) e uma delgada parede celular entre elas. Já as Gram-positivas têm uma parede celular espessa e uma MP logo abaixo. Assim, pelo fato da molécula da Vancomicina ser muito grande, nas Gram-negativas, o fármaco não consegue atravessar a bicamada lipídica e chegar até o alvo farmacológico na parede celular. Por isso, o espectro de ação da Vancomicina é exclusivamente bactérias Gram-positivas (todas elas, inclusive a Staphylococcus aureus resistente à meticilina - MRSA). Esse medicamento demora mais tempo para induzir um processo de recessão clínica (demora, mas funciona). A Vancomicina não é usada pela via oral. Isso se deve ao fato da molécula ser grande e não conseguir atravessar a bicamada lipídica das células epiteliais do trato gastrointestinal, não sendo, assim, absorvida. Ao ser usada pela via endovenosa, por exemplo, tal fármaco tem mais chance de chegar ao tecido infectado. Se a bactéria patogênica estiver na luz do TGI, aí sim, a Vancomicina será utilizada por via oral (nesse caso, administração EV não seria eficiente). Tudo vai depender do local da infecção: se for um órgão interno, usa-se pela via parenteral; caso seja na luz TGI, faz-se uso por via oral. Também não é indicada para infecções do sistema nervoso central, devido a incapacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, mas há uma exceção. Quando se tem uma meningite, a permeabilidade da barreira hematoencefálica aumenta consideravelmente. Logo, durante a vigência do processo infeccioso (meningite por pneumococo, por exemplo), caso a bactéria patogênica seja resistente a outros fármacos, pode-se administrar Vancomicina (com o aumento da permeabilidade, o fármaco consegue passar). Vale salientar que a medida que a infecção for regredindo, a inflamação diminuirá e integridade da barreira vai ser restaurada, limitando o acesso da droga ao local. O medicamento possui eliminação renal, principalmente. A utilização clínica da Vancomicina se dá basicamente em qualquer infecção por Gram-positiva, em geral aquelas mais graves. Um exemplo bem característico onde o fármaco é empregado é a colite pseudomembranosa causada pelo Clostridium difficile (Gram-positivo). Outra possibilidade de uso, é na composição de um tratamento, por exemplo, de uma endocardite. Por atuar apenas contra Gram-positivas, associa-se Vancomicina a fármacos com boa cobertura contra Gram-negativos, como os Aminoglicosídeos (Gentamicina; Amicacina; usados em ambiente hospitalar / associação típica: Vanco + Genta). Farmacologia II Responsável: Dayana Colatino Aula 4: Aminoglicosídeos; Sulfonamidas, trimetoprima e quinolonas; Tetraciclinas 08/Ago/2018 Todos os fármacos abordados até agora (β-lactâmicos e Glicopeptídeos) atuam na inibição da parede celular. Na presente aula serão abordadas novas classes de medicamentos que têm um mecanismo de ação diferente. -- AMINOGLICOSÍDEOS -- Da mesma forma que tantas outras classes, os Aminoglicosídeos são produzidos a partir de moléculas/estruturas derivadas de microrganismos e que têm atividade antimicrobiana. Ao se estudar o Streptomyces griseus, normalmente encontrado no solo, descobriu-se sua ação antimicrobiana. De início, havia uma confusão, pois, ao fazer a coloração de Gram, o microrganismo se assemelhava muito a um fungo. Depois de análises, pode-se afirmar que se tratava de uma bactéria. Com interesse de encontrar uma substância capaz de matar o agente causador da tuberculose (a Mycobacterium tuberculosis), o Selman Waksman começou a testar substâncias com atividade antimicrobiana produzidas pelo Streptomyces griseus. No começo da década de 40, o pesquisador consegue isolar uma molécula de estreptomicina (batizada assim por causa do fungo) e ela demonstra eficaz atividade antibacteriana, mais precisamente, ação antimicobacteriana (contra Mycobacterium tuberculosis). Assim, a estreptomicina é o primeiro aminoglicosídeo, o primeiro fármaco com capacidade de matar Mycobacterium tuberculosis. Da mesma forma que tantas outras, a classificação dos Aminoglicosídeos é feita com base na estrutura química do medicamento. Essa classe possui uma hexose central (açúcar) e dois aminoaçúcares nas extremidades, além disso tem-se glicídios com função amina na molécula e esse fato dá nome a classe. A mesma estrutura que se encontra na estreptomicina foi preservada nos fármacos desenvolvidos posteriormente, como a Gentamicina e a Amicacina (mais importantes e mais usados). Com relação ao mecanismo de ação, os Aminoglicosídeos atuam na inibição da síntese proteica, pois têm bastante afinidade pela subunidade 30s dos ribossomos bacterianos (estruturas responsáveis por ler as tríades de bases do RNA e, a depender da combinação, traduzir a informação em aminoácidos que se conectam e formam cadeias peptídicas) e, ao se ligar à ela, causam a inibição da função ribossomal. Essa ligação tem três possibilidades: • Bloqueia o início da síntese proteica; • O ribossomo começa a produçãoda cadeia peptídica normalmente, mas o fármaco interrompe o processo, gerando uma proteína disfuncional; • O ribossomo até constrói a cadeia completa, porém incorpora aminoácidos incorretos, fazendo com que a conformação tridimensional da proteína seja modificada e também sejam concebidas proteínas disfuncionais. Independentemente da forma que o Aminoglicosídeo se ligue, a bactéria terá significativo prejuízo (perde proteínas de três formas diferentes). Em se tratando dos mecanismos de resistência, a principal forma contra os Aminoglicosídeos é a produção de enzimas inativadoras. Essas enzimas agem de modo diferente das β-lactamases (que danificam o anel β-lactâmico), pois elas não quebram, mas sim, incorporam alguma molécula grande ao fármaco (por exemplo, um grupo fosfato ou acetato) e alteram sua conformação química, diminuindo assim, a afinidade pelo alvo farmacológico. Outro mecanismo de resistência é o impedimento da entrada do Aminoglicosídeo dentro da bactéria e, com isso, a impossibilidade de agir sobre os ribossomos. No entanto, os transportadores que fazem esse influxo são dependentes de oxigênio. Tal fato confere a estes fármacos uma melhor ação contra bactérias aeróbias e uma resistência contra as anaeróbias (o espectro de ação não cobre as anaeróbias). As bactérias também podem se tornar resistentes alterando a proteína ribossomal, ou seja, o ribossomo muda sua conformação e o fármaco fica impossibilitado de agir (mecanismo menos importante). Do ponto de vista farmacocinético, vale a pena destacar que as moléculas dos Aminoglicosídeos são bastante polares (muitos agrupamentos amina e hidroxila). Por isso, a absorção pelo trato gastrointestinal é limitada (a Gentamicina e a Amicacina têm uma utilização quase exclusivamente pela via parenteral - EV ou IM). Em geral, esses medicamentos são administrados em esquemas posológicos diferentes, podendo ser utilizados várias vezes ao dia ou com apenas uma ou duas aplicações por dia (mesmo com o tempo de meia-vida de 2-3 horas; possui efeito pós-antibiótico, ou seja, sua ação perdura mesmo que as concentrações no sangue caiam abaixo da CIM). Alguns efeitos adversos dos Aminoglicosídeos merecem destaque. Os néfrons possuem na membrana luminal uma série de transportadores e canais iônicos, bem como, o sistema auditivo dispõe de estruturas parecidas (a movimentação dos cílios faz com que haja abertura de canais e, dessa forma, ocorre despolarização com a posterior compreensão da informação pelo SNC). Os Aminoglicosídeos têm uma afinidade considerável por esses canais iônicos. O problema é que tal afinidade vem acompanhada por um efeito deletério, promovendo prejuízo às estruturas, ao ponto de poder levar à nefrotoxicidade ou à ototoxicidade. Essas são duas possibilidades de efeitos adversos que podem ocorrer com a utilização de Gentamicina ou Amicacina. Normalmente, há uma maior probabilidade de haver Nefrotoxicidade com o uso de Gentamicina e de Ototoxicidade com a administração de Amicacina, mas ambos podem induzir os dois efeitos. Os efeitos provocados pelos Aminoglicosídeos merecem atenção, pois existem casos relatados na literatura de tratamentos pediátricos feitos com fármacos dessa classe que fizeram com que a criança (3-4 anos) perdesse a audição (efeito irreversível). O espectro de ação desse grupo cobre principalmente as Gram-negativas aeróbias (anaeróbias não). Pode haver alguma variação de potência dentro da classe. Por exemplo, contra E. coli um medicamento pode se sobressair a outro e isso também ocorre com Pseudomonas aeruginosa. A potência da atividade antimicrobiana é comparada por meio da concentração inibitória mínima. Pela tabela é possível perceber que é necessária uma concentração menor de Gentamicina para combater a E. coli do que de Amicacina, no entanto, para Pseudomonas aeruginosa, o quadro se inverte. Na prática, ambos funcionam, o que varia é apenas a quantidade que será requisitada. Especificamente com relação a Amicacina, é importante relembrar que é o fármaco mais novo da classe. Por isso, uma de suas vantagens é a possibilidade de maior resistência contra as enzimas inativadoras já comentadas (devido a sua conformação, é menos susceptível). A utilização clínica se dá em infecções por bactérias Gram-negativas (desde que elas sejam aeróbias). Durante a prática clínica, é mais comum o uso de Gentamicina do que de Amicacina e essa utilização se dá por dois motivos: custo menor e tempo de experiência (é mais antiga, com grau de evidência maior). Uma outra prática frequente é a combinação de um Aminoglicosídeo com outro fármaco, como ocorre na associação de Gentamicina + Vancomicina. Isso se dá para que o espectro de ação seja ampliado e se tenha uma maior eficácia de tratamentos empíricos (Genta → Gram-negativa / Vanco → Gram-positiva), mas também, tais associações podem buscar um sinergismo, ou seja, os efeitos dos fármacos se complementam e garantem uma melhor eficácia final (a conjunção dos dois promove uma eficácia superior do que se fossem usados individualmente). Outra vantagem das associações é que a bactéria pode ser acometida em mais de ponto (mecanismos de ação diferentes; por exemplo, pode-se inibir a síntese da parede celular e a função ribossomal). Além disso, é bem mais difícil/raro que ela desenvolva mecanismos de resistência para os dois fármacos simultaneamente quando comparado a uma monoterapia. -- SULFONAMIDAS E TRIMETOPRIMA -- Historicamente, as Sulfonamidas constituem uma classe muito importante, mas hoje em dia são pouco utilizadas. Tem-se um número bastante reduzido de medicamentos e apenas um será cobrado: o Sulfametaxazol. O mecanismo de ação dessa classe é o seguinte: o Sulfametaxazol compete com o substrato natural da enzima Di-hidroptreoato sintetase. O Ácido p-aminobenzóico (PABA) é a substância usada pela Di-hidroptreoato sintetase para produzir Ácido di-hidrofólico, que por sua vez é transformado em Ácido tetra-hidrofólico, sendo este convertido em purinas (bases nitrogenadas) e, sequencialmente, em DNA. Sabe-se que multiplicação do DNA é um processo vital para que a bactéria vingue e forme colônias. Por isso, a rota metabólica ao lado é muito ativa em muitos microrganismos. Assim, a sulfonamida disputa com o substrato natural da Di-hidroptreoato sintetase, fazendo com que haja uma tendência do PABA o do Sulfametaxazol competirem por um mesmo sítio catalítico. Logo, os produtos subsequentes da cadeia vão diminuir significativamente (redução do número de folatos e, por consequência, de DNA) e a reprodução bacteriana se tornará deficiente. No tocante do espectro de ação, as Sulfonamidas contemplam as bactérias Gram-positivas e negativas, salvo algumas exceções, como a Enterococcus faecalis e a Pseudomonas aeruginosa (esses microrganismos usam outra rota metabólica para produção de DNA e, por isso, são primariamente resistentes). Além disso, apresentam atividade insuficiente contra anaeróbios. Os mecanismos de resistênciaestão diretamente relacionados ao PABA, pois as bactérias passaram a aumentar consideravelmente sua produção (quanto mais reagente, mais produto) e, assim, restaurar a quantidade de produtos, contrabalanceando as substâncias que estão competindo pelo sítio catalítico. Logo, a produção excessiva de Ácido p-aminobenzóico é o principal artifício de resistência. Os mecanismos menos importantes são a produção de uma enzima com baixa afinidade pela Sulfonamida (mas preserva a compatibilidade pelo PABA) e a diminuição da permeabilidade da MP. No decorrer da história, as Sulfonamidas foram usadas em larga escala e, naturalmente, os mecanismos de resistência se tornaram cada vez mais frequentes. Assim, durante o avanço da Farmacologia, descobriu-se uma molécula denominada de Trimetoprima, capaz de inibir a enzima Di-hidrofolato redutase (a segunda enzima necessária na rota metabólica abordada anteriormente). Dessa maneira, a rota metabólica pode ser inibida em dois pontos diferentes com uma associação de Sulfametaxazol com Trimetoprima, criando duas “travas” na reação química (Di-hidroptreoato sintetase e Di-hidrofolato redutase) e comprometendo a produção de DNA. Boa parte da características se mantêm, como o espectro e mecanismos de resistência. No entanto, atualmente não se vê a utilização de Sulfonamida sozinha, quase sempre ela está associada a Trimetoprima, onde o principal exemplo é o Bactrim. Um detalhe importante a respeito da combinação de Sulfonamida + Trimetoprima é que além de combater bactérias Gram-positivas e negativas, ela é capaz de matar um tipo de fungo que usa essa rota metabólica, o Pneumocystis jiroveci. Este fungo tem uma importância clínica considerável, principalmente em pacientes imunocomprometidos (portadores de HIV, pacientes transplantados que se encontram em terapia imunossupressora, etc.), os quais apresentam facilidade em adquirir infecções das vias aéreas por tal patógeno. O Bactrim é bastante empregado em quadros assim, às vezes, até mesmo como tratamento preventivo. Além disso, dado o espectro Gram-positivo e negativo, há possibilidade de utilizar o Bactrim em uma variedade muito grande infecções respiratórias, intestinais e urinárias, como também em sinusites, otites e contra Neisseria gonorrhoeae (Gram-negativa; pode causar uretrite e cervicite). Todavia, já se têm cepas resistentes à associação. Logo, E. coli e pneumococo têm grandes chances de não serem danificados por este medicamento. -- FLUOROQUINOLONAS -- As Fluoroquinolonas são derivadas do Ácido nalidíxico, uma substância usada antigamente e que tinha uma atividade antibacteriana fraca e sutil. A partir dessa molécula, começaram a se produzir compostos, onde se incorporaram átomos de flúor, resultando em derivados fluorados do Ácido nalidíxico. Portanto, a denominação da classe origina-se nesse fato, ou seja, uma classificação com base na estrutura química. Os principais exemplos são o Ciprofloxacino, Norfloxacino e o Levofloxacino (todos os fármacos que terminam com “floxacino” são Fluoroquinolonas). Para que haja duplicação do DNA, é necessário “abri-lo”, ou seja, separar as fitas para que as bases complementares do RNA se encaixem e formem os dois filamentos. As enzimas que fazem a “abertura” da dupla fita são a DNA-girase (ou topoisomerase II) e a topoisomerase IV. Tais enzimas são o alvo das Fluoroquinolonas, pois são capazes de inibi-las e impedir a bactéria de se multiplicar (mecanismo de ação). O espectro de ação cobre tanto Gram-positivas, quanto negativas, mas pode apresentar variações dentro do grupo (essas variações podem interferir na escolha terapêutica). No que diz respeito à potência, o Norfloxacino é um pouco menos ativo que o Levofloxacino e o Ciprofloxacino. Assume-se que, dentro das Gram-negativas, esses medicamentos têm ação inclusive contra Pseudomonas aeruginosa (são fármacos que possuem atividade melhor contra Gram-negativas, porém também funcionam contra Gram-positivas). Os exemplos mais tradicionais da classe são os três medicamentos citados. Porém, já é frequente a prescrição de Moxifloxacino. Além disso, alguns fármacos que podem figurar entre os mais utilizados daqui a alguns anos são o Gatifloxacino e o Gemifloxacino. O primeiro, atualmente, encontra-se disponível em solução oftálmica para quadros de conjuntivite bacteriana, enquanto que o segundo é utilizado para tratamento por via oral de infeções. A vantagem dessa geração mais nova é que a atividade contra Gram-positivos foi melhorada, acrescida da eficiente ação contra Gram-negativas já conhecida dos fármacos mais antigos. O mecanismo de resistência se baseia principalmente na alteração da enzima alvo, ou seja, as topoisomerases mudam sua conformação a ponto do medicamento não conseguir mais se ligar. A resistência também pode se dar por alterações da permeabilidade da MP (impedir que o composto adentre a bactéria). No que se trata da Farmacocinética, a classe apresenta excelente biodisponibilidade pela via oral. Os medicamentos mais novos, em geral, apresentam essa característica de melhora da Farmacocinética. Por exemplo, o tempo de meia-vida do Ciprofloxacino varia de 3-5 h e do Levofloxacino é de 5-7h, enquanto que o T1/2 do Gemifloxacino é de cerca de 8h. A utilização clínica se dá para infecções do trato genitourinário causada por diferentes microrganismos (na maior parte dos casos a E. coli, mas cobre mesmo que a infecção seja causada por P. aeruginosa); diarréias bacterianas causadas por Gram-negativas como Shigella, Salmonella, E. coli toxigênica e Campylobacter; infecções dos tecidos moles e trato respiratório; infecções por gonococos (Neisseria gonorrhoeae) e meningococos (Neisseria meningitidis), ambas Gram-negativas. A utilização indiscriminada desses fármacos gera resistência bacteriana. Por volta de 2000, haviam estudos que recomendavam Ciprofloxacino para pneumonias severas, atualmente, menos de 20 anos depois, este tratamento praticamente não é mais utilizado em casos assim. Boas opções para o quadro acima são Ciprofloxacino, Levofloxacino, principalmente, mas também poderia ser usada uma Penicilina de espectro ampliado associado a um inibidor de β-lactamase (não é preferível, mas daria certo). Não se deve continuar utilizando Sulfametaxazol com Trimetoprima, pois há grande possibilidade das cepas já terem adquirido resistência. Um ponto que vale a pena chamar a atenção é que as Fluoroquinolonas não devem ser administradas em conjunto com suplementos de cálcio (a paciente tem osteoporose), dado que o fármaco interage com os íons de cálcio (com outros cátions di e trivalentes também) e estes impedem sua absorção (os íons recobrem a molécula da droga e impossibilita que seja absorvida). Assim, a suplementação deve ser administrada cerca de 3-4 horas entre os medicamentos. O mesmo vale para o leite (já que ele é rico em cálcio) e para antiácidos, como o hidróxido de alumínio, e o leite de magnésio. -- TETRACICLINAS -- As Tetraciclinas,
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