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2002bonfim-cv

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CRISTINE VIEIRA DO BONFIM 
FILARIOSE BANCROFTIANA: 
 a representação espacial das desigualdades sociais
Dissertação apresentada ao Curso de 
Mestrado em Saúde Pública do 
Departamento de Saúde Coletiva – 
NESC, do Centro de Pesquisas Aggeu 
Magalhães – CPqAM, da Fundação 
Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, como 
requisito parcial para obtenção do grau 
de Mestre em Saúde Pública. 
ORIENTADORES: 
Profa. Dra. Zulma Medeiros 
Prof. Fábio Lessa 
Recife, 2002. 
Catalogação na Fonte 
 Biblioteca do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães
B713f Bonfim, Cristine. 
Filariose bancroftiana: a representação espacial das 
desigualdades sociais/ Cristine Bonfim; orientadores: Zulma 
Medeiros, Fábio Lessa. _Recife, 2002. 
137 f.: il., tabs., graf., figs. 
Dissertação (Mestrado em Saúde Pública)- Departamento de 
Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, 
Fundação Oswaldo Cruz. 
Inclui referências bibliográfica e anexos. 
1. Filariose 2. Wuchereria Bancrofti 3. Iniquidade social 4. 
Endemias 5. Estudos epidemiológicos 6. Distribuição espacial I. 
Medeiros, Zulma (Orient.) II. Lessa, Fábio (Orient.) III. Título 
CRISTINE BONFIM 
FILARIOSE BANCROFTIANA: 
 a representação espacial das desigualdades sociais
Aprovada em 20 de maio de 2002 
BANCA EXAMINADORA 
__________________________________________________________________ 
Professora. Dra. Mônica Maria Ozório 
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE 
___________________________________________________________________ 
Professora. Dra. Maria de Fátima Militão de Albuquerque 
Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – CPqAM/FIOCRUZ
__________________________________________________________________ 
Professora. Dra. Zulma Medeiros 
Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães – CPqAM/FIOCRUZ
Orientadora 
Suplente: 
____________________________________________________________________ 
Professora Dra. Laura Costa Brandão 
Universidade de Pernambuco 
 
Para vovó Severina e Dinilson por 
iluminarem meu caminho com seu 
amor, carinho e compreensão. 
AAggrraaddeecciimmeennttooss 
Aos meus orientadores Zulma Medeiros e Fábio Lessa pela 
competência, pela integridade de ações e pela dedicação exemplo a ser 
seguido durante toda minha carreira profissional. 
 Aos funcionários, estagiários e bolsistas do Subprograma de 
Filariose do Departamento de Parasitologia do Centro de Pesquisas Aggeu 
Magalhães. 
 Ao corpo docente e funcional do Departamento de Saúde 
Coletiva do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães. 
 À Secretária Municipal de Saúde de Jaboatão dos Guararapes 
pela possibilidade da execução desse trabalho. 
 À população do distrito de Cavaleiro pela sua participação no 
estudo. 
 Ao Departamento de Parasitologia da Universidade de 
Pernambuco pelo convívio durante a realização do Programa de estágio 
docência. 
 À Luciana Abrantes pela revisão das referências bibliográficas 
e toda equipe da biblioteca Mégine, Virgínia e Romero pela presteza e 
disponibilidade no atendimento das solicitações de material bibliográfico. 
 Aos colegas de turma do Mestrado em Saúde Pública pela 
relação de amizade construída ao longo desses dois anos de convivência. 
 A todos que contribuíram para a realização desse trabalho. 
“O território é o local onde vivem, 
trabalham, sofrem e sonham todos 
os brasileiros”.
“É o sonho que obriga o homem a 
pensar”.
(Milton Santos)
RREESSUUMMOO 
 A filariose linfática - que tem como agente etiológico a 
Wuchereria bancrofti - é considerada um grave problema de saúde pública 
no mundo. A Organização Mundial de Saúde estima que existem 
aproximadamente 1.2 bilhões de pessoas residentes em áreas endêmicas. 
Dessas cerca de 120 milhões já estão infectadas. No Brasil, as Regiões 
Metropolitanas do Recife, Maceió e Belém permanecem como focos da 
endemia, estimando-se em 49.000 o número de infectados. A 
disponibilidade de novas estratégias de controle fez com que a filariose 
linfática fosse considerada como uma doença infecciosa potencialmente 
erradicável. Em função disso, a OMS elaborou uma proposta para 
eliminação da filariose linfática no mundo. O Ministério da Saúde, com 
base na proposta da OMS, está implementando o programa de eliminação 
da filariose linfática no Brasil. No intuito de contribuir para o programa, 
esta dissertação tem por objetivo estudar a distribuição da ocorrência da 
microfilaremia no distrito de Cavaleiro - localizado no município 
pernambucano de Jaboatão dos Guararapes - bem como sua relação com 
os indicadores socioeconômicos. Para tanto, identifica áreas de risco 
naquele distrito partindo da suposição de que as diferenças nas condições 
de vida encontradas nos espaços intra-urbanos explicam, em grande 
parte, o risco de estar infectado. Os dados empregados no estudo foram 
coletados de forma direta junto à população do distrito. Para tanto, foram 
cadastradas 11.540 pessoas residentes dos 22 bairros; dessas, 9.520 
(82,5%) realizaram o exame, constatando a infecção em 213 (2,2%). 
Encontrou-se positividade em 17 (77,27%) dos 22 bairros pesquisados, 
com taxas de prevalência que variaram de 0% a 11,1%. No que diz 
respeito à descriminação por sexo, a população masculina apresentou-se 
como a mais acometida pela infecção, com 64,3% dos casos. Verificou-se a 
existência de infecção filarial em todas as faixas etárias, sendo que a faixa 
entre os 20-24 apresentou a maior prevalência; 77,5% de todos os casos 
encontraram-se entre 0 e 39 anos. Dentre os 213 casos positivos, somente 
13 (6,1%) relataram sintomas clínicos da doença. O indicador de carência 
social demonstrou sensibilidade na predição de áreas de risco, uma vez 
que cerca de 73% de todos os casos da infecção filarial situaram-se em 
estratos de alto risco (piores condições sociais). Este resultado sinaliza o 
potencial do indicador proposto como instrumento útil ao planejamento de 
ações de controle da filariose, na perspectiva da territorilização dos 
serviços de saúde. 
AABBSSTTRRAACCTT 
Lymphatic filariasis is considered as a major health problem 
in the world. According the World Health Organization (WH0), there are 
1.2 billion people that live in endemic areas. At least 120 million of these 
people are infected. In Brazil, the cities of Recife, Maceió, and Belém are 
still the focuses of the disease, with 49 thousand infected. New strategies 
of control made lymphatic filariasis a disease that could be eliminated. As 
a result, the WHO elaborated a program to get rid of it from the world. 
This program is being implemented in Brazil by the Ministry of Health. 
The aim of this dissertation is to study the occurrence of the 
microfilaeremia in the district of Cavaleiro, which belongs to the city of 
Jaboatão dos Guararapes – estate of Pernambuco – and its relation with 
socio economic indicators. The study will be also useful in identifying risk 
areas in that district, by the way of building a synthetic environmental 
indicator. The differences in life condition explain the risk to be sick. The 
district was subdivided in 22 sub-areas – neighborhoods – and 9,520 
people were examined. At about 2,2% were found to be infected. There 
were positive cases in 17 of the 22 neighborhoods. Of the 213 positive 
cases, only 13 were associated with the clinical symptoms of the disease. 
Circa 73% of the cases were found in the areas that show the larger risk 
indicator. This demonstrates the importance of the synthetic indicator as 
a planning tool to cope with the problem of Lymphatic filariasis in a 
spatial perspective. 
RREESSUUMMOO
AABBSSTTRRAACCTT
LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS
LLIISSTTAA DDEE GGRRÁÁFFIICCOOSS
LLIISSTTAA DDEE FFIIGGUURRAASS
LLIISSTTAA DDEE AANNEEXXOOSS
11.. IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO .......................................................................................................................................................................................................... 1177
11..11 FFiillaarriioossee lliinnffááttiiccaa bbaannccrrooffttiiaannaa.................................................................................................................................................. 1188
11..11..11 AAssppeeccttooss ggeerraaiiss ............................................................................................................................................................................ 1188
11..11..22 AAssppeeccttooss ccllíínniiccooss ........................................................................................................................................................................ 2222
11..11..33 EEppiiddeemmiioollooggiiaa .................................................................................................................................................................................. 2255
11..11..33..11 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo ggeeooggrrááffiiccaa nnoo mmuunnddoo .......................... 2255
11..11..33..22 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo ggeeooggrrááffiiccaa nnoo BBrraassiill .............................. 3300
11..11..33..33 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo ggeeooggrrááffiiccaa eemm PPeerrnnaammbbuuccoo ...... 3355
11..22 AA oorrggaanniizzaaççããoo eessppaacciiaall,, aa GGeeooggrraaffiiaa ee aa EEppiiddeemmiioollooggiiaa:: ccoonnssiiddeerraaççõõeess ssoobbrree
ssaaúúddee ee ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa .......................................................................................................................................................... 4422
22.. OOBBJJEETTIIVVOOSS .................................................................................................................................................................................................................. 5544
22..11 OObbjjeettiivvoo ggeerraall .................................................................................................................................................................................................. 5555
22..22 OObbjjeettiivvooss eessppeeccííffiiccooss .......................................................................................................................................................................... 5555
33.. PPRROOCCEEDDIIMMEENNTTOOSS MMEETTOODDOOLLÓÓGGIICCOOSS ........................................................................................................................ 5566
33..11 ÁÁrreeaa ddee eessttuuddoo ................................................................................................................................................................................................ 5577
33..22 PPooppuullaaççããoo ddee eessttuuddoo ee ppeerrííooddoo ddee rreeffeerrêênncciiaa ................................................................................................ 5577
33..33 DDeesseennhhoo ddoo eessttuuddoo .................................................................................................................................................................................. 5588
33..44 MMééttooddooss ddee ccoolleettaa ddee ddaaddooss ...................................................................................................................................................... 5599
33..55 EEqquuiippee EExxeeccuuttoorraa ........................................................................................................................................................................................ 6600
33..66 DDeeffiinniiççããoo ee ddeessccrriiççããoo ddee vvaarriiáávveeiiss .................................................................................................................................... 6611
33..77 PPrroocceessssaammeennttoo ee aannáálliissee ddooss ddaaddooss ............................................................................................................................ 6666
44.. RREESSUULLTTAADDOOSS .......................................................................................................................................................................................................... 6699
44..11 RReessuullttaaddooss ddoo eessttuuddoo ddee pprreevvaallêênncciiaa .......................................................................................................................... 7700
44..22 RReessuullttaaddooss ddoo eessttuuddoo ddee CCoorrrreellaaççããoo eeccoollóóggiiccaa ............................................................................................ 7799
55.. DDIISSCCUUSSSSÃÃOO ................................................................................................................................................................................................................ 8877
55..11 EEssttuuddoo ddee pprreevvaallêênncciiaa ...................................................................................................................................................................... 8888
55..22 EEssttuuddoo ddee CCoorrrreellaaççããoo eeccoollóóggiiccaa ........................................................................................................................................ 9955
66.. CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS .............................................................................................................................................................. 110055
77.. RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS BBIIBBLLIIOOGGRRÁÁFFIICCAASS .................................................................................................................................... 110077
AANNEEXXOOSS .............................................................................................................................................................................................................................. 112200
 
LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS 
TABELA 1 - Distribuição da população cadastrada, segundo a 
participação no inquérito epidemiológico para 
filariose bancroftiana, no distrito Cavaleiro, 2002. 
70
TABELA 2 - Distribuição da população examinada no inquérito 
epidemiológico para filariose bancroftiana, segundo o 
bairro e o resultado do exame de gota espessa, no 
distrito de Cavaleiro, 2002. 
72
TABELA 3 - Distribuição da população examinada no inquérito 
epidemiológico para filariose bancroftiana, segundo o 
sexo e o resultado do exame da gota espessa, no 
distrito de Cavaleiro, 2002. 
73
TABELA 4 - Distribuição da população examinada no inquérito 
epidemiológico para filariose bancroftiana, segundo a 
faixa etária e o resultado do exame da gota espessa, 
no distrito de Cavaleiro, 2002. 
75
TABELA 5 - Distribuição da população examinada no inquérito 
epidemiológico para a filariose bancroftiana segundo 
o sexo e a faixa etária e o resultado do exame de gota 
espessa, no distrito de Cavaleiro, 2002. 
77
TABELA 6 - Distribuição da população examinada no inquérito 
epidemiológico para a filariose bancroftiana segundo 
as manifestações clínicas, de acordo com o sexo e o
resultado do exame de gota espessa, no distrito de 
Cavaleiro, 2002. 
78
TABELA 7 - Distribuição da prevalência de filariose, segundo os 
quartis e os estratos de risco ambiental, agrupando-
se os quartis de médio risco 
80
TABELA 8 - Distribuição da prevalência de filariose, segundo os 
quartis e os estratos de risco ambiental 
80
TABELA 9 - Distribuição das variáveis empregadas na construção 
do ICS 
81
TABELA 10 - Distribuição do número de setores censitários por 
estrato de risco ambiental 
82
TABELA 11 - Distribuição dos estratos de prevalência segundo a 
classificação da OMS 
83
TABELA 12 - Resultados da regressão simples entre Taxa de 
prevalência e ICS 
86
LLIISSTTAA DDEE GGRRÁÁFFIICCOOSS 
GRÁFICO 1 - Distribuição da população examinada, segundo o 
bairro e o resultado do inquérito epidemiológico 
para filariosebancroftiana, no distrito de 
Cavaleiro, 2002. 
71
GRÁFICO 2 - Distribuição da população examinada no 
inquérito epidemiológico para filariose 
bancroftiana, segundo o sexo e o resultado do 
exame da gota espessa, no distrito de Cavaleiro, 
2002. 
74
GRÁFICO 3 - Distribuição da população examinada no 
inquérito epidemiológico para filariose 
bancroftiana, segundo a faixa etária e o resultado 
do exame da gota espessa, no distrito de 
Cavaleiro, 2002. 
76
GRÁFICO 4 - Distribuição da população examinada no 
inquérito epidemiológico para a filariose 
bancroftiana segundo o sexo e a faixa etária e o 
resultado do exame de gota espessa, no distrito 
de Cavaleiro, 2002. 
77
GRÁFICO 5 - Distribuição da prevalência de filariose, segundo 
os quartis e os estratos de risco ambiental 
82
LLIISSTTAA DDEE FFIIGGUURRAASS 
FIGURA 1 - Distribuição global da filariose linfática 29
FIGURA 2 - Distribuição da filariose linfática no Brasil 34
FIGURA 3 - Distribuição da filariose linfática na Região 
Metropolitana do Recife 
41
FIGURA 4 - Distribuição dos casos de microfilaremia segundo 
os estratos de risco do ICS 
84
FIGURA 5 - Distribuição dos casos de microfilaremia segundo 
os estratos de risco, de acordo com a metodologia 
da OMS 
85
 
LLIISSTTAA DDEE AANNEEXXOOSS 
ANEXO 1 - Termo de Consentimento 121
ANEXO 2 - Parecer da Comissão de Ética do 
CPqAM/FIOCRUZ 
122
ANEXO 3 - Questionário utilizado nas entrevistas 123
 
ANEXO 4 - Distribuição das somas das observações para 
cada variável, segundo o setor censitário 
125
ANEXO 5 - Distribuição dos escores atribuídos em cada 
variável e do indicador de carência social, 
segundo o setor censitário 
128
ANEXO 6 - Distribuição dos setores censitários segundo o 
indicador de carência social e as taxas de 
prevalência de filariose 
132
ANEXO 7 - Distribuição das taxas de prevalência de filariose 
segundo classificação da OMS e os estratos de 
risco de acordo com os quartis 
135
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
18
Cristine Bonfim 
11..11 FFIILLAARRIIOOSSEE LLIINNFFÁÁTTIICCAA BBAANNCCRROOFFTTIIAANNAA 
1.1.1 Aspectos gerais 
 A filariose linfática é uma doença infecto-parasitária, 
provocada por vermes filiformes, alongados e translúcidos, de aspecto 
opalino, revestidos por uma cutícula lisa, pertencentes à classe Nematoda, 
à ordem Filariidae e à superfamília Filarioidea (NAPIER, 1944; REY, 1991). 
A Wuchereria bancrofti, a Brugia malayi e a Brugia timori desenvolvem-se 
nos vasos e gânglios linfáticos, causando a filariose linfática (REY, 1991; 
DEANE, 1964). 
 Os vermes adultos de Wuchereria bancrofti possuem como 
habitat preferencial os vasos linfáticos, local no qual podem permanecer 
vivos por um período que varia de 8 a 10 anos. Apresentam dois sexos 
distintos: a fêmea, cujas dimensões são de 8 a 10 cm de comprimento por 
0.3 mm de diâmetro, e o macho, que possui de a 4 a 5 cm por 0.1 mm, 
respectivamente (REY, 1991; ARAÚJO et al., 1995; FONTES, 1995). 
 As microfilárias são os embriões resultantes do acasalamento 
entre os vermes adultos, possuem 250 a 300 µm de comprimento e 
movimentam-se ativamente na circulação sangüínea (FONTES, 1995; 
REY, 1991). A microfilaremia pode persistir no organismo do hospedeiro 
definitivo por um período de 5 a 10 anos, sem que seja necessária a 
ocorrência de reinfecção (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 
1988). 
Uma característica singular das microfilárias é a denominada 
periodicidade, que segue o curso circadiano das 24 horas (NAPIER, 1944). 
Durante o dia, esses parasitos localizam-se nos capilares profundos, 
especialmente pulmões, aparentemente sem causar qualquer dano 
(DREYER; MEDEIROS, 1990; DREYER et al., 1996), não aparecendo na 
circulação periférica. Ao anoitecer, migram, novamente, para a circulação 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
19
Cristine Bonfim 
periférica (EDESON, HAWKING; SYMES, 1957; HAWKING; THURSTON, 
1951). 
O comportamento das microfilárias é geneticamente 
determinado e geograficamente distinto (RAJAN; GUNDLAPALLI, 1997). O 
aparecimento na circulação periférica aponta para a correlação entre os 
horários de hematofagia do vetor transmissor local. Demonstrou-se que, 
em regiões, como por exemplo as Américas onde o Culex quinquefasciatus 
que exerce hematofagia noturna é o principal transmissor, as microfilárias 
circulam no sangue periférico durante a noite (EDESON, HAWKING; 
SYMES, 1957; HAWKING; THURSTON, 1951). Nas regiões do Pacífico sul e 
sudeste da Ásia, onde o Aedes é o vetor principal, as microfilárias 
apresentam-se circulando no sangue periférico, preferencialmente, ao 
longo do dia, sendo denominadas de “subperiódicas” (RAJAN; 
GUNDLAPALLI, 1997). 
Esses parasitos apresentam como características marcantes 
do seu ciclo evolutivo a obrigatoriedade de um estádio de maturação 
realizado em um artrópode hematófago (hospedeiro intermediário) e 
também um período de desenvolvimento com atividade reprodutora no 
hospedeiro vertebrado. Deve ser enfatizado que, em se tratando da 
Wuchereria bancrofti, o único hospedeiro definitivo é o homem (REY, 1991; 
NAPIER, 1944; DREYER, 1994). 
No hospedeiro intermediário (vetor), o ciclo evolutivo tem início 
quando o inseto, picando o homem infectado, ingere as formas 
embrionárias do parasito (microfilárias). No homem, o ciclo evolutivo se 
inicia com a picada do vetor infectado, que deposita na pele do indivíduo 
sadio as larvas do terceiro estádio (L3) (DREYER; ROCHA, 1996). 
Atualmente, sabe-se que, após penetrarem no organismo, as larvas 
ganham o sistema linfático, no qual sofrem duas mudas, transformando-
se em vermes adultos, de sexo distinto, com as fêmeas produzindo as 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
20
Cristine Bonfim 
formas embrionárias (microfilárias), reiniciando-se o ciclo (DREYER; 
NORÕES, 1997a). 
Em geral, o ciclo nos artrópodes dura em média 20 dias 
(FONTES, 1995). Entretanto, em boas condições ambientais (25 a 28ºC e 
de 55 a 80% de umidade relativa do ar), estima-se que esse tempo decline 
para cerca de 11 dias (CRUZ FERREIRA et al., 1996).
 O Culex quinquefasciatus é o principal transmissor da filariose 
bancroftiana, é um mosquito perfeitamente adaptado às áreas urbanas e 
semi-urbanas, cujo habitat preferencial são águas poluídas. 
 O processo através do qual o vetor transmite a filariose 
bancroftiana ao ser humano é considerado bastante ineficiente, sendo 
necessária uma prolongada e intensa exposição às picadas infectantes 
para a produção de um novo caso da infecção. Comprovação de tal 
ineficiência foi realizada através de estudos feitos em diversas localidades 
do mundo. Tais estudos estimam que seriam necessárias 
aproximadamente 15.500 picadas infectivas em Rangoon, cerca de 67.568 
em Fuji e 269 na Tanzânia, para a manutenção do ciclo da transmissão da 
bancroftose (REGIS et al., 1996). 
 O referido inseto possui hábitos domiciliares, proliferando-se, 
preferencialmente, em locais onde exista acúmulo de água com alto teor 
de matéria orgânica (fossas sépticas, canais, canaletas, tanques, poços, 
entre outros), em outras palavras, em áreas cujas condições sanitárias 
sejam precárias e o saneamento ambiental inadequado (OMS, 1988; 
WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1994; WORLD HEALTH 
ORGANIZATION, 1992; MOTT et al., 1990; ALBUQUERQUE, 1993). 
Outros fatores, também, contribuem no potencial de 
transmissão e na distribuição geográfica da filariose bancroftiana, tais 
como: as condições climatológicas (aumento da temperatura e modificações 
nos regimes pluviométricos e de ventos), os fatores ambientais e as 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
21
Cristine Bonfim 
condições socioeconômicas das populações (VIEIRA; COELHO, 1998; 
FONTES, 1995). 
 De fato, embora o papel desempenhadopelas condições 
climáticas não deva ser menosprezado, o que parece ser determinante na 
transmissão e na manutenção da bancroftose em níveis endêmicos é a 
interação entre os fatores ambientais e as condições socioeconômicas das 
populações (VIEIRA; COELHO, 1998; ALBUQUERQUE, 1993; HOUGARD 
et al., 1993; WHO, 1994; WHO, 2000). Existe uma relação inseparável 
entre as condições de ocupação do espaço territorial socialmente 
organizado e a manutenção da bancroftose (BRAGA et al., 2001). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
22
Cristine Bonfim 
11..11..22 AAssppeeccttooss ccllíínniiccooss 
A filariose linfática caracteriza-se por apresentar uma ampla 
diversidade de manifestações clínicas, com sinais e sintomas que variam 
de acordo com a resposta imunológica do hospedeiro definitivo e do 
estádio do verme adulto envolvido na infecção filarial (DREYER; NORÕES, 
1997a). Deve ser considerado que os aspectos clínicos, freqüentemente, 
variam de uma região endêmica para outra (OMS, 1988; WHO, 1992). 
Dreyer e Norões (1997) sugerem uma classificação adequada à 
Região Metropolitana do Recife. Trata-se de uma classificação ampliada e 
revisada em relação à proposta pelo Comitê de Especialistas da 
Organização Mundial de Saúde (OMS), consistindo em indivíduos 
endêmicos normais, amicrofilarêmicos portadores de vermes adultos vivos, 
microfilarêmicos, pacientes com manifestações agudas e pacientes com 
manifestações crônicas.
Assim, temos, o período de incubação, que é definido como o 
intervalo decorrido desde a penetração da L3 e o aparecimento do quadro 
clínico, com o desenvolvimento dos primeiros sinais e sintomas da doença. 
Geralmente, em comunidades endêmicas, esse período pode variar de dois 
a dez anos (DREYER; COUTINHO; ALBUQUERQUE, 1989). 
Acredita-se que o indivíduo infectado, na maioria dos casos, 
evolua do período pré-patente para a microfilaremia assintomática, 
podendo permanecer nesse estado, ou seja, sem desenvolver a doença 
filarial aguda ou crônica, pelo resto de sua vida. Isso ocorre devido à 
existência do equilíbrio imunológico entre o parasito e o hospedeiro 
definitivo. Supostamente, essas diversas respostas imunológicas são 
responsáveis pelos diferentes estados patológicos que constituem esse 
amplo aspecto da bancroftose (DREYER; COUTINHO; ALBUQUERQUE, 
1989). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
23
Cristine Bonfim 
Os indivíduos endêmicos normais são todos os residentes de 
áreas endêmicas, por período de tempo não menor que 15 anos, não 
apresentam sintomatologia, amicrofilarêmicos e não têm vermes adultos. 
Aparentemente, trata-se de um grupo de constituição heterogênea, que 
engloba os indivíduos que não foram suficientemente expostos para serem 
infectados; os naturalmente imunes, ou seja, suficientemente expostos, 
porém que não desenvolveram a doença; e outros indivíduos portadores de 
formas subclínicas (DREYER; NORÕES, 1997a). 
Os amicrofilarêmicos portadores de vermes adultos vivos são 
indivíduos, na sua grande maioria, assintomáticos nos quais não se 
detectam microfilárias circulantes no sangue periférico, mesmo 
examinando-se volumes de até dezesseis mililitros (DREYER; NORÕES, 
1997a). Foram descobertos recentemente, através do uso da ultra-
sonografia como técnica diagnóstica (AMARAL et al., 1994). 
Consideram-se como microfilarêmicos os indivíduos residentes 
em áreas endêmicas que desenvolvem a microfilaremia, todavia não 
apresentam qualquer sinal ou sintoma da doença filarial. Às vezes 
acontece de esses indivíduos permanecerem assintomáticos por vários 
anos, ou até mesmo pelo resto de suas vidas, podendo desenvolver o 
quadro clínico da bancroftose ou tornar-se espontaneamente 
amicrofilarêmicos (DREYER; NORÕES, 1997a). Contudo, esse grupo 
mantém o ciclo de transmissão, pois é o elo entre o vetor e os indivíduos 
sadios, constituindo–se no mais importante grupo do ponto de vista da 
saúde pública. 
As manifestações agudas da filariose bancroftiana, 
geralmente, caracterizam-se por ataques recorrentes de adenolinfangites, 
orquites, epididimite, dentre outras, associadas com febre e mal-estar 
(WHO, 1992). 
Os pacientes com manifestações crônicas representam o grupo 
de maior importância clínica e patológica, devido às lesões (linfedema, 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
24
Cristine Bonfim 
hidrocele uni ou bilateral, quilúria, quilocele e eosinofilia pulmonar 
tropical), na maioria dos casos, irreversíveis, além das graves seqüelas que 
se deve considerar, também, às conseqüências de ordem psicológica e 
social (WHO, 1992). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
25
Cristine Bonfim 
11..11..33 EEppiiddeemmiioollooggiiaa 
 
11..11..33..11 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo 
ggeeooggrrááffiiccaa nnoo mmuunnddoo 
 
A filariose linfática bancroftiana, causada pela Wuchereria 
bancrofti, destaca-se como um grave problema de saúde pública, não só 
por sua ampla distribuição geográfica, atingindo cerca de 80 países em 
todo o mundo e acometendo aproximadamente 120 milhões de pessoas, 
sendo que 1.2 bilhão de pessoas vivem em áreas de risco1, como também 
pelo seu aspecto clínico, com danos linfáticos e seqüelas muitas vezes 
irreversíveis (WHO, 1994; WHO, 2000). 
Consiste em uma doença parasitária originária da Polinésia, 
sendo posteriormente introduzida na China e em outras regiões da Ásia e, 
em seguida, no continente africano. Acredita-se que a parasitose tenha 
sido introduzida nas Antilhas e na América do Sul através do tráfico de 
escravos (LAURENCE, 1968; 1989). 
Por volta dos séculos XVII e XVIII, por ocasião da descoberta 
da ilhas do Pacífico, a elefantíase já era freqüentemente registrada na 
Polinésia Oriental e Ocidental, o que veio a ser posteriormente confirmado 
pelos missionários que lá chegaram (LAURENCE, 1989). Do leste Pacífico, 
através da migração, a Wuchereria bancrofti teria sido introduzida na Ásia 
(LAURENCE, 1989). 
Os primeiros estudos na região foram conduzidos por Thorpe 
(apud SASA, 1976) no ano de 1896, indicando, no primeiro momento, a 
ausência de periodicidade de microfilaremia. Em Fiji, o autor examinou 
24 pacientes do hospital local, encontrando positividade em 6 (25%). Em 
estudo subseqüente, o autor examinando 96 nativos, encontrou taxas de 
prevalência de microfilaremia que variaram de 0 (zero) entre as mulheres 
 
1 Isto corresponde a 1/5 da população mundial (DEAN, 2000). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
26
Cristine Bonfim 
residentes de Vavau até 57% (18 de 31) entre os residentes do sexo 
masculino da localidade de Lifuka (SASA, 1976). 
Na região do Pacífico, a parasitose se distribui por 24 países2
(WHO, 2000). Nessa região cerca de 1,8 milhões de indivíduos são 
portadores da infecção (MICHAEL; BUNDY, 1997). Destacam-se, aqui, as 
ilhas Filipinas, onde aproximadamente 20 milhões de pessoas vivem em 
áreas de risco 58,44% (45/77) das províncias do arquipélago são 
endêmicas para a bancroftose, com um total estimado de 645.232 
portadores da parasitose (KRON et al., 2000). 
Na Ásia, encontram-se relatos da infecção filarial na Índia 
desde o século VI a.C., também, pode ser encontrada descrição dos sinais 
e sintomas da doença no Tratado Madhava Nidhana, de autoria de 
Madhavakara (século VII d.C.). No ano de 1709, Clarke (apud SASA, 1976) 
descreve a elefantíase nas pernas, na localidade de Cochin, sul da Índia 
(SASA, 1976). Em 1872, Lewis encontrou a microfilária no sangue 
periférico de um homem hindu, na Índia (SASA, 1976). 
Da Ásia a Wuchereria bancrofti distribui-se nas áreas de clima 
tropical e subtropical, com exceçãodas áreas do deserto (SASA, 1976). A 
situação da filariose linfática na região do sudeste da Ásia encontra-se 
configurada através da endemicidade comprovada em oito países, com 
cerca de 62,35 milhões de pessoas infectadas (aproximadamente 50% do 
total mundial) (MICHAEL; BUNDY, 1997). Somente a Índia detém 44% do 
total de casos da região e possui cerca de 454 milhões de pessoas vivendo 
em áreas de risco, sendo 113 milhões residentes de áreas urbanas (WHO, 
2000). 
Acredita-se que a introdução da filariose bancroftiana na 
África tenha ocorrido devido ao movimento forçado de africanos na 
 
2 Países endêmicos: América Samoa, Micronésia, Fiji, Polinésia Francesa, Malásia, Coréia, 
Filipinas, Ilhas Salomão, Tonga, Vanuatu, Vietnã, China, Camboja, República Democrática do 
Laos, Papua Nova Guine, Samoa, Wallis, Cook Islands, Brunei Darussalam. Kiribati, Niue, Futuna, 
Nova Caledônia (WHO, 2000). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
27
Cristine Bonfim 
condição de escravos durante o século XIX. Outra teoria, menos provável, 
relaciona a introdução da parasitose com a peregrinação dos viajantes do 
Cairo a Meca (rota de comércio) (LAURENCE, 1989). 
No continente africano, 84,76% (39/46) países que compõem 
a região são endêmicos em filariose linfática, estimando-se em 420 
milhões o número de pessoas residentes em áreas de risco e em 50,57 
milhões o quantitativo de infectados pela doença, com taxa média de 
prevalência de 8,97% (WHO, 2000; MICHAEL; BUNDY, 1997). 
Destaca-se nesse continente o Egito, cuja endemicidade é 
conhecida desde os tempos dos faraós (WHO, 2000). Um estudo realizado 
com 325.000 residentes de 314 aldeias da região do delta do Nilo, no 
Egito, revelou que a taxa de prevalência, a qual era menor que 1% em 
1951, em 1993 encontrava-se em 20%, em alguns focos. Estima-se que 
aproximadamente 3,65 milhões de pessoas vivam em áreas de risco e que, 
dessas, 242.400 já estão infectadas (HARB et al., 1993). 
 Nas Américas, os primeiros relatos de filariose devido a 
Wuchereria bancrofti foram encontrados na América do Norte, cidade de 
Charleston, Carolina do Sul (EUA); presumivelmente, a introdução do 
parasita ocorreu pela imigração das Índias Ocidentais (SASA, 1976). Na 
América do Sul, a introdução do parasita, provavelmente, deu-se através 
do tráfico de escravos de Barbados para o Suriname (LAURENCE, 1989). 
No continente americano, foram encontrados focos da filariose 
em países da América do Norte e Central3 e América do Sul4 (SASA, 1976), 
sendo que a grande maioria desses focos foi gradualmente se extinguindo. 
Permanecem como os principais países de ocorrência da doença na região 
a Costa Rica (focos residuais com prevalência variando de 1,8% até 3,3%), 
República Dominicana (100.000 casos), Haiti (200.000 casos), Guiana, 
 
3 Estados Unidos da América e Costa Rica (manifestações clínicas e microfilaremia), México e 
Guatemala (microfilaremia) (SASA, 1976). 
4 Colômbia (presença de microfilaremia), Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Brasil 
(manifestações clínicas e presença de microfilaremia) (SASA, 1976). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
28
Cristine Bonfim 
Suriname e Trinidad e Tobago (estes três países apresentam baixa taxa de 
endemicidade) e o Brasil (3 milhões de pessoas em área de risco, 49.000 
infectados) (PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION - PAHO, 1997; 
BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000 e WHO, 2000). 
A estimativa para o continente americano é de que cerca de 
6,5 milhões de pessoas vivam em áreas de risco, dessas 420.000 estão 
infectadas (WHO, 2000). Especificamente na América Latina, existem 
cerca de 40 mil pessoas infectadas (MICHAEL; BUNDY, 1997). 
 Atualmente, existem focos da filariose em quase todas as 
regiões de clima tropical e subtropical, estendendo-se entre 30° de latitude 
norte e 30° de latitude sul no hemisfério Ocidental, e 40° norte e 30° sul 
no hemisfério Oriental (REY, 1991). 
A filariose linfática bancroftiana apresenta uma ampla 
distribuição geográfica – Américas, África, Índia, ilhas do Pacífico e 
sudeste da Ásia – (MICHAEL; BUNDY; GRENFELL, 1996; MICHAEL; 
BUNDY, 1997) (figura 1), abrangendo 80 países no mundo e respondendo 
por aproximadamente 90% dos casos de filariose linfática no mundo 
(WHO, 1994; 2000). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
29
Cristine Bonfim 
 
Figura 1- Distribuição global da filariose linfática 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
30
Cristine Bonfim 
11..11..33..22 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo ggeeooggrrááffiiccaa nnoo BBrraassiill 
 
 No Brasil, o primeiro a encontrar a microfilária foi o 
pesquisador Otto Wucherer, na Bahia, em 1866; estudando a 
esquistossomose, ele encontrou os vermes na urina hematoquilosa de um 
paciente do Dr. Silva Lima (WUCHERER, 1868). 
 
 Em 1877, no Brasil, o Dr. Silva Araújo denominou o verme 
adulto de Wuchereria bancrofti, homenageando o Dr. Otto Wucherer 
(descobridor da microfilária) e o Dr. Joseph Bancrofti (descobridor do 
verme adulto) (AMARAL, 1919). 
 
 Alguns estudos investigativos foram conduzidos no Brasil 
sobre a filariose bancroftiana, anteriores aos estudos sistematizados da 
década de 1950. O primeiro desses estudos foi efetuado por Patterson 
(1878), na cidade de Salvador, que identificou um índice de microfilaremia 
de 8,4% (FRANCO; LIMA, 1967). O trabalho seguinte foi realizado por 
Oliveira, em 1908, na mesma cidade, no qual 400 pessoas foram 
examinadas, encontrando-se uma prevalência de 9,5%. 
 
 Em 1922, Coqueiro realizou um estudo na cidade de Maceió, 
cujos resultados encontraram 17% de positividade, sendo que 46,5% 
apresentavam manifestações clínicas da doença (FRANCO; LIMA, 1967). 
 
 No período de novembro de 1942 a dezembro de 1943, Causey 
e colaboradores (1945) conduziram um inquérito hemoscópico em Belém, 
examinando 5.000 pessoas, encontrando 541 casos de infecção filarial e 
taxa de prevalência de 10,8% e 1,3% das pessoas examinadas com 
elefantíase. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
31
Cristine Bonfim 
Até a década de 1950, as informações de que se dispunha 
sobre a prevalência e a distribuição espacial da filariose no Brasil eram 
provenientes de inquéritos hemoscópicos isolados, como os de Paterson 
(1878), Oliveira (1908), Magalhães (1928), todos na cidade de Salvador/BA; 
Causey, Deane e Costa e Deane (1945), na cidade de Belém/PA, e o de 
Coqueiro (1922), em Maceió/AL (FRANCO; LIMA, 1967).
A partir da criação da Campanha contra a Filariose Linfática 
pelo Ministério da Educação e Saúde, em 1951, é que irão ser realizados 
inquéritos epidemiológicos sistemáticos em todo o país. A responsabilidade 
pela realização dessa campanha foi atribuída ao Serviço Nacional de 
Malária e, posteriormente, ao Departamento Nacional de Endemias Rurais 
– DNERu, e a coordenação coube a René Rachou (FRANCO; LIMA, 1967). A 
principal tarefa consistia na consecução de estudos sobre a prevalência e a 
distribuição geográfica da doença no país, promovendo simultaneamente 
as ações necessárias ao seu combate (FRANCO; LIMA, 1967; ROCHA; 
FONTES, 1998; COUTINHO; MEDEIROS; DREYER, 1996). 
Entre 1951 e 1958, foram efetuados inquéritos 
epidemiológicos em 538 localidades, sendo encontrados portadores de 
microfilaremia em 89 (16,5%) das mesmas. No entanto, em apenas 11 
(Manaus/AM – 0,2%; Belém/Pa – 9,8%; São Luís/MA – 0,6%; Recife/PE – 
6,9%; Maceió/AL – 0,3%; Salvador/BA – 0,4%; Castro Alves/BA – 5,9%; 
Florianópolis/SC – 1,4%; Ponta Grossa/SC – 14,5%; Barra de Laguna/SC, 
9,4% e Porto Alegre/RS– 0,1%) dessas localidades ficou comprovada a 
transmissão ativa através do encontro simultâneo de mosquitos com 
larvas infectadas e indivíduos portadores de microfilaremia (RACHOU, 
1960; RACHOU, 1957; FRANCO; LIMA, 1967). 
Dentre esses focos, os de maior importância médico-sanitária 
são o de Belém (9,8%) e o de Recife (6,9%), estimando-se em cerca de 
50.000 e 80.000, respectivamente, o número de portadores da parasitose 
(RACHOU, 1960). Segundo os resultados desses inquéritos a distribuição 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
32
Cristine Bonfim 
geográfica da filariose linfática é fundamentalmente focal e urbana, 
incidindo mais fortemente em cidades litorâneas (RACHOU, 1957). 
Sucessivamente aos inquéritos, foram realizadas as ações de 
combate à filariose linfática que consistiam, basicamente, de duas linhas 
de ações: tratamento do indivíduo parasitado e combate químico ao vetor 
(aplicação de inseticidas), quando necessário (FRANCO; LIMA, 1967). Na 
década de 1960, somente alguns focos da doença foram considerados 
como problema de saúde pública, a saber: Recife (PE), Belém (PA), Castro 
Alves (BA) e Florianópolis (SC), os demais não apresentavam gravidade e 
Maceió (AL) já havia sido controlado (RACHOU, 1960). 
Já na década de 1970 a SUPERINTENDÊNCIA DAS 
CAMPANHAS DE SAÚDE PÚBLICA (SUCAM) considerou Recife, 
juntamente com Belém, Vigia, Soure, Cametá, Salvador e Castro Alves 
como as áreas que ainda permaneciam como endêmicas desde os 
primeiros levantamentos feitos na década de 1950 (COUTINHO; 
MEDEIROS; DREYER, 1996; BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1985). 
Em 1980, a SUCAM restringiu suas ações às áreas que ainda 
apresentavam endemicidade: Recife (2,3%) e Belém (0,3%) (BRASIL, 
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1982). 
No ano de 1985, o Ministério da Saúde, considerando o 
declínio apresentado nos índices de microfilaremia em Recife (6,9% em 
1954 para 0,7% em 1984) e Belém (9,8% em 1952 para 0,03% em 1983), 
concluiu que a endemia estava sendo controlada de forma satisfatória e 
não oferecia a mesma gravidade do passado (BRASIL, MINISTÉRIO DA 
SAÚDE, 1985). Entretanto, estudos realizados nas cidades de Maceió 
(DREYER et al., 1991) e Recife (MORAIS, 1982) punham em dúvida o fato 
de a endemia estar devidamente controlada. 
Em Maceió, Dreyer et al. (1991) examinaram 731 militares, 
encontrando dois casos positivos autóctones de Jacintinho. O inquérito 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
33
Cristine Bonfim 
realizado com 9.699 estudantes revelou 112 casos de infecção filarial 
autóctones (taxa de prevalência de 1,1%). 
Os resultados das pesquisas conduzidas por Fontes e
colaboradores (1994) indicam que a filariose linfática apresenta-se 
focalmente distribuída por quatro bairros (Feitosa, Jacintinho, 
Pitanguinha e Chã de Jaqueira), todos localizados na região, onde foi 
encontrado o primeiro foco da doença nos inquéritos realizados pelo 
DNERu. 
 
 Recentemente, Rocha et al. (2000) efetuaram um inquérito 
nesses quatro bairros de Maceió, no qual foram examinadas 10.973 
pessoas, encontrando-se 226 casos de positividade, com taxas de 
prevalência que variaram de 0,0% em Chã de Jaqueira até 5,4% em 
Feitosa, com prevalência média de 2,5%, indicando que a situação da 
filariose linfática necessita do acompanhamento das autoridades de saúde 
locais. 
A situação da filariose linfática em Belém, capital do estado do 
Pará, é considerada sob controle, com gradativo declínio nos índices de 
positividade (19,9% em 1952; 5,4% em 1959; 1,2% em 1969; 0,35 em 
1979; 0,03 em 1989 e 0,001 em 1999), concomitantemente a uma 
redução das manifestações crônicas da doença (BRASIL, MINISTÉRIO DA 
SAÚDE, 2000). 
Na Região Metropolitana do Recife (RMR), durante a década 
de 1990, foram realizados diversos estudos, tanto em áreas 
reconhecidamente endêmicas, quanto em áreas indenes, encontrando-se 
taxas de prevalência de até 15% (MACIEL et al., 1996) em alguns bairros 
carentes. O estado atual da endemia na RMR será mais explorado na 
seção seguinte. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
34
Cristine Bonfim 
FFiigguurraa 22 --DDiissttrriibbuuiiççããoo ddaa ffiillaarriioossee lliinnffááttiiccaa nnoo BBrraassiill.. 
antigas áreas endêmicas 
endêmicas atuais 
Fonte: BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000 
 RACHOU, 1960 
 RACHOU, 1954 
•Recife 
 Manaus•
•Alagoas 
•Belém 
•São Luís 
•Porto Alegre 
•Florianópolis 
•Barra de Laguna 
Ponta Grossa•
•Castro Alves 
•Salvador 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
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Cristine Bonfim 
11..11..33..33 EEvvoolluuççããoo hhiissttóórriiccaa ddaa ddiissttrriibbuuiiççããoo ggeeooggrrááffiiccaa 
eemm PPeerrnnaammbbuuccoo 
O primeiro inquérito epidemiológico realizado no Recife para a 
detecção da prevalência da filariose linfática data de 1952, quando 
Azevedo e Dobbin Júnior (1952) examinaram 450 pessoas de ambos sexos 
e várias faixas etárias, residentes no bairro de Afogados. Nesse estudo, 
foram encontrados 44 casos positivos (9,7%) e 17 desses casos já 
apresentavam sintomas clínicos da doença. 
No período de 1954 a 1955, René Rachou coordenou um
estudo composto de inquérito epidemiológico e entomológico nessa cidade. 
Na parte epidemiológica, foram examinadas 23.065 pessoas, divididas por 
13 bairros, identificando 1.589 pessoas infectadas, com 7 bairros 
(Madalena, Santo Amaro, Casa Amarela, Beberibe, Encruzilhada, Várzea e 
Afogados) apresentando taxa média superior a 6,9%. Estimava-se que o 
número de portadores da doença poderia chegar a 80.000 (RACHOU et al., 
1956). 
O inquérito entomológico examinou 14.158 fêmeas de Culex 
pipiens, atualmente conhecido como Culex quinquefasciatus, dessas, 
1.036 estavam infectadas. Caracterizou, ainda, esse mosquito como 
principal vetor responsável pela transmissão local, compreendendo 99% 
dos insetos capturados no domicílio (RACHOU et al., 1956). 
Em função dos resultados desse estudo, a filariose linfática 
passou a ser considerada como um grave problema de saúde pública, 
abrangendo quase todos os bairros e apresentando índices de 
microfilaremia que se situavam entre os mais altos do país (RACHOU et 
al., 1956). A parir de então, foram iniciadas as ações de combate à doença 
na região, as quais consistiam basicamente no combate ao agente 
etiológico por meio do tratamento quimioterápico dos pacientes infectados 
(MORAIS, 1982). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
36
Cristine Bonfim 
Como parte das ações de combate à endemia, foram 
realizados vários inquéritos epidemiológicos em diversas localidades do 
estado. O primeiro deles foi efetuado na Ilha de Fernando de Noronha 
(1957), examinando 78,8% (809 pessoas) da população local. Foram 
identificados 8 casos positivos, todavia nenhum era autóctone, todos os 
indivíduos eram oriundos da cidade de Recife (DOBBIN JUNIOR; 
COELHO; CRUZ, 1958). 
No ano de 1959, foi conduzido um estudo na região do litoral 
da Mata pernambucano (Goiana, Igarassu, Paulista, Cabo, Ipojuca, 
Serinhaém, Rio Formoso, Barreiros e Jaboatão dos Guararapes). A maioria 
dos municípios apresentou índices inferiores a 1%, com exceção da Vila 
Militar do Socorro – Jaboatão dos Guararapes. Esse apresentou índices de 
4,59%, mas todos os indivíduos eram procedentes de Recife. Diante disso 
concluiu-se que a filariose linfática não representava de um problema de 
saúde pública nessas localidades (DOBBIN JUNIOR; CRUZ, 1967). 
Em 1960, o DNERu divulgou o resultado dos inquéritos 
realizados no país, no período de 1951 a 1958, em 538 localidades. Foram 
identificados 11 focos da doença, considerando-se dois como os de 
maiores gravidades, devido ao grande número de portadores (80.000 em 
Recife e 50.000 em Belém) e também às suas condições geográficas, quefavoreciam a alta densidade vetorial (RACHOU, 1960). 
Em 1966, um novo inquérito foi efetuado na cidade do Recife, 
no qual foram examinados 60% da população total, encontrando-se uma 
taxa de prevalência de 6,5% (appud COUTINHO; MEDEIROS; DREYER, 
1996). 
Durante a década de 1970, a cidade do Recife permaneceu 
sendo considerada endêmica pelo Ministério da Saúde, sendo alvo das 
ações de controle da bancroftose, que se centravam basicamente no 
controle químico vetorial e no tratamento dos indivíduos parasitados 
(BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1993). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
37
Cristine Bonfim 
No decênio de 1980 já eram constatadas divergências entre as 
informações do Ministério da Saúde e os estudos efetuados localmente. 
Como exemplo, cite-se o estudo desenvolvido por Morais (1982), 
demonstrando que o declínio na prevalência da filariose, divulgado pelo 
Ministério da Saúde, não se mantinha quando se analisava 
separadamente cada bairro, com taxas que variavam de 0,56% (Graças) 
até 3,84% (Beberibe). 
Em 1985, o Ministério da Saúde divulga o relatório sobre a 
Campanha de Combate à Filariose, no período de 1979 a 1984, segundo o 
qual a endemia não apresentava a mesma gravidade de outrora, fato 
comprovado através da redução do número de pacientes com 
manifestações crônicas e pela redução no índice de lâminas positivas. 
Além disto, os dois focos de maior importância médico-sanitária, Belém e 
Recife, vinham apresentando gradativa redução em suas taxas. O Recife, 
que no inquérito inicial apresentava índice de 6,9%, tinha decrescido para 
1,5% (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1985). 
No final dessa década, foi realizado um inquérito hemoscópico 
no município de Olinda - RMR, examinando-se 754 pessoas residentes em 
três áreas (Triângulo de Peixinhos, Bultrins e Ilha de Santana), 
encontrando-se taxas de prevalência de 10.3%, 5.0% e 5.0%, 
respectivamente (RANGEL; DREYER, 1988). 
Entre 1987 e 1989, foi desenvolvido um estudo nos três 
principais municípios da Região Metropolitana do Recife - RMR (Olinda, 
Recife e Jaboatão dos Guararapes), analisando somente indivíduos 
autóctones. Constatou-se a ocorrência de transmissão ativa da 
bancroftose através da existência de casos autóctones e do índice de 
infectividade do Culex quinquefasciatus (0,6% em Recife, 1,3% em Olinda e 
1,2% em Jaboatão dos Guararapes); demonstrou-se também a expansão 
da endemia na RMR (MEDEIROS et al., 1992). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
38
Cristine Bonfim 
Desenvolvendo um estudo comparativo de duas áreas da RMR 
Maciel e colaboradores (1994) selecionaram dois bairros do Recife (Santo 
Amaro e Campo Grande), reconhecidamente endêmicos desde a década de 
1950, e dois bairros de Olinda (Sapucaia e Salgadinho), considerados de 
recente endemicidade. Nesse estudo, foram examinadas 466 pessoas em 
Recife, das quais 63 (13,5%) eram positivas; e, em Olinda, 685 pessoas, 
com 84 (12,3%) positivas, demonstrando que a parasitose permanece com 
índices similares aos encontrados na década 1950 (MACIEL et al., 1994). 
Estudando duas áreas endêmicas do Recife (Coque e 
Mustardinha), Albuquerque e colaboradores (1995a) visando comparar 
duas estratégias de controle, pesquisaram 2.321 pessoas no Coque, 
detectando 248 (10,7%) casos positivos e, na Mustardinha, 2.776 pessoas, 
com 212 (9,3%) positivas, o que indicava um alto índice de endemicidade 
nas áreas. 
Maciel et al. (1996) conduziram um inquérito em 21 Zonas de 
Interesses Especiais – ZEIS, pesquisando 10.664 indivíduos, encontraram 
positividade em 683, com índices de prevalência que 0,0% em Casa 
Amarela até 14,6% em Campo Grande. 
Medeiros et al. (1999) examinaram 23.773 soldados do 
Exército Brasileiro, oriundos de vários quartéis da RMR (no período de 
1989 a 1995), identificando 585 (2,5%), desses 174 eram casos 
autóctones. O estudo revelou a existência de casos autóctones de filariose 
linfática em 7 municípios da RMR, 3 reconhecidamente endêmicos 
(Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Recife) e 4 de endemicidade recente 
(Paulista, Abreu e Lima, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe). 
Para o ano de 1999, segundo o Relatório de Avaliação da 
Filariose Linfática no Brasil, em Pernambuco, a taxa de prevalência de 
filariose era 1,69%, com base em 120.127 exames realizados, dos quais 
2.030 tiveram resultado hemoscópico positivo (BRASIL, MINISTÉRIO DA 
SAÚDE, 2000). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
39
Cristine Bonfim 
Quando se analisa por município da RMR, observa-se que se 
adotou no Recife uma metodologia de amostragem estratificada para a 
detecção da prevalência da doença. Foram encontradas taxas de 
prevalência que variaram de 0,1% a 3,0% (BRASIL, MINISTÉRIO DA 
SAÚDE, 2000). 
No município de Olinda, a prevalência da bancroftose é de 
1,3%, segundo dados de uma pesquisa hemoscópica realizada com 3.232 
indivíduos, durante o ano de 1999 (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 
2000). A Secretaria de Saúde municipal realizou também uma busca 
passiva, na qual os bairros de maior positividade foram: Águas Compridas 
(3,5%), Alto Nova Olinda (3,88%), Alto da Conquista (3,62%) e Azeitona 
(4,30%) (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). 
Na ilha de Itamaracá, foi realizado um inquérito hemoscópico, 
pesquisando-se 7.553 pessoas, identificando-se 13 casos, com 5 
autóctones (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). 
No município de Camaragibe, o estudo mais recente data de 
1998, no qual a positividade constatada foi 0,13% (2/1554) (BRASIL, 
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). 
Na cidade de Moreno, foi realizado um inquérito 
epidemiológico de base amostral, no qual foram pesquisados 612 
domicílios (2.504 indivíduos), detectando-se 2 casos positivos. No entanto, 
foram identificadas manifestações de formas clínicas da doença (BRASIL, 
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). 
No Cabo de Santo Agostinho foram examinadas 8.018 
pessoas, identificando-se 6 casos positivos, sendo três pertencentes a uma 
mesma família (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000). 
Em Jaboatão dos Guararapes, foi realizado um inquérito 
epidemiológico no ano de 2000, através de busca ativa, no qual foram 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
40
Cristine Bonfim 
examinadas 30.590 pessoas (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000) e 
cujos resultados serão abordados em etapa posterior deste estudo. 
Diante dos resultados dos estudos supracitados, dois fatos 
devem ser enfatizados: a manutenção da endemicidade e a expansão da 
filariose linfática bancroftiana na RMR. 
Com efeito, a filariose bancroftiana permanece endêmica na 
região e em expansão, pois em municípios até pouco tempo considerados 
como indenes foi comprovada a existência de casos autóctones da infecção 
filarial. Quando se analisa a distribuição da infecção por unidades 
menores, como bairros, observam-se altas taxas de prevalência (de até 
15%), resultado similar ao encontrado na década de 1950, por ocasião da 
realização dos primeiros inquéritos na região. Transcorridos mais de 50 
anos da realização desses inquéritos, a filariose bancroftiana ainda 
permanece como um problema de saúde pública, necessitando de medidas 
de controle e atenção dos administradores e planejadores de saúde. 
 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
41
Cristine Bonfim 
FFiigguurraa 33 -- DDiissttrriibbuuiiççããoo ddaa ffiillaarriioossee lliinnffááttiiccaa nnaa RReeggiiããoo 
MMeettrrooppoolliittaannaa ddoo RReecciiffee 
Novos Focos Focos conhecidos 
 Fonte: Medeiros et al., 1999. 
Novos Focos
Focos conhecidos 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
42
Cristine Bonfim 
11..22 AA oorrggaanniizzaaççããoo eessppaacciiaall,, aa ggeeooggrraaffiiaa ee aa 
eeppiiddeemmiioollooggiiaa:: ccoonnssiiddeerraaççõõeessssoobbrree ssaaúúddee ee 
ccoonnddiiççõõeess ddee vviiddaa 
A relação entre a geografia e a saúde é reconhecida desde a 
Antiguidade (ANDRADE, 2000; ROJAS, 1998). Atribui-se a Hipócrates 
(480 a.C.) a primeira publicação sobre a relação entre o local e o 
aparecimento de enfermidades, em seu célebre trabalho “Ares, Águas e 
Lugares”, destacava a importância que elementos, como o modo de vida, o 
clima, o solo, a água, entre outros desempenhavam na produção de 
doenças (SILVA, 1997; 2000; COSTA; TEIXEIRA, 1999; DUCHIADE, 
1992). 
A partir do século XVI e XVII, com o advento dos grandes 
descobrimentos, ocorre uma impulsão nos estudos da geografia médica, 
tendo em vista a necessidade de se conhecer as doenças das terras 
colonizadas como medida de proteção à saúde dos colonizadores (COSTA; 
TEIXEIRA, 1999; ANDRADE, 2000). Os estudos realizados nesse contexto 
enfatizavam a influência do meio ambiente no aparecimento das doenças 
(COSTA; TEIXEIRA, 1999). 
O primeiro estudo epidemiológico a usar a análise espacial 
como categoria de pesquisa foi o de John Snow, em 1854, ao longo da 
epidemia de cólera que então assolava Londres. Snow demonstrou, 
através da distribuição espacial dos casos, que o veículo de transmissão 
da doença era uma bomba pública de água instalada na localidade de 
Broad Street. A principal variável utilizada por Snow foi o espaço, ponto de 
início para suas inferências sobre os casos da doença (NAJAR; MARQUES, 
1998). O trabalho de Snow era de uma corrente contagionista. Tal 
corrente acreditava que a causa das doenças era o contato com pessoas 
ou objetos contaminados pelos agentes infecciosos (COSTA; TEIXEIRA, 
1999). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
43
Cristine Bonfim 
Com o desenvolvimento da microbiologia no final do século 
XIX, tem-se o privilegiamento da concepção da doença centrada no agente 
etiológico infeccioso, em detrimento de outros fatores, tais como a 
natureza e o ambiente (COSTA; TEIXEIRA, 1999). 
Na década de 1930, Pavlovsky, parasitologista russo, 
desenvolveu a Teoria dos Focos Naturais das Doenças Transmissíveis ou 
Teoria da Nidalidade das Doenças Transmissíveis; o ponto basilar da 
mesma consistia em considerar o espaço (patobiocenose) como o local de 
circulação dos agentes infecciosos (SILVA, 1997; 2000; CZERESNIA; 
RIBEIRO, 2000). Todavia, o que de fato interessa aos estudos 
epidemiológicos nessa abordagem é a consideração de que as ações do 
homem poderiam alterar a patobiocenose e conseqüentemente a 
circulação dos agentes infecciosos (SILVA, 1997). 
A abordagem de Pavlovsky foi ampliada por Max Sorre, que no 
seu trabalho, enfatizou a relevância da ação do homem na formação e na 
alteração do complexo patogênico (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000; SILVA, 
2000). 
Historicamente, sempre existiu uma aproximação entre a 
saúde pública e a geografia. Apesar disso, durante o século passado 
ocorreu um distanciamento entre essas duas disciplinas, proporcionado, 
em grande parte, pela divisão social do trabalho. Os estudos 
epidemiológicos baseados em categorias espaciais caíram em desuso, 
sendo substituídos pelos estudos de nexo causal sobre as doenças 
(NAJAR; MARQUES, 1998; SILVA, 2000). 
A partir da década de 1950, tem início, no âmbito das 
Ciências Geográficas, um processo de renovação que dá origem à 
denominada Geografia Crítica, a qual considera o conceito de espaço como 
dinâmico e dialético, associado à dinâmica social, ou seja, leva em conta 
as relações existentes entre os homens e o meio modificado pelos próprios 
(SIMÕES BARBOSA, 1985). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
44
Cristine Bonfim 
Processo semelhante ocorreu com a epidemiologia, que retoma 
o espaço como categoria analítica para os estudos sobre as condições de 
saúde das populações (COSTA; TEIXEIRA, 1999). 
A partir da vertente da Epidemiologia Social e da sua 
preocupação com as condições de vida da população como determinante 
no processo saúde-doença é que o espaço será visto como uma totalidade 
que engloba as dimensões sociais, culturais e econômicas, transcendendo 
o aspecto eminentemente geográfico (COSTA; TEIXEIRA, 1999). 
Na fase atual, tem-se uma reaproximação entre a 
epidemiologia e a geografia, motivada pela redefinição dos conceitos e 
métodos que fazem parte do arcabouço metodológico de cada uma dessas 
disciplinas (ANDRADE, 2000). Cada vez mais, estão sendo utilizados 
mapas que permitem observar a distribuição espacial de situações de 
risco e problemas de saúde, que permitam uma alocação racional de 
recursos (SANTOS; PINA; CARVALHO, 2000). 
O estudo das condições de vida e de seus reflexos sobre a 
situação de saúde da população cada vez mais está presente nos 
trabalhos epidemiológicos, em face das mudanças econômicas que têm 
afetado, consideravelmente, a qualidade de vida, acentuando as 
desigualdades e a exclusão social (BARCELLOS, 2000). 
A transformação apresentada, atualmente, na sociedade 
urbano-industrial tem revelado a complexidade do processo saúde-
doença. O processo de produção e reprodução social na sociedade 
capitalista gera grupos sociais diferenciados, sob o ponto de vista das 
relações econômico-sociais. Essa situação de desigualdade reflete-se nas 
condições de sobrevivência (CASTELLANOS, 1990). Dito de outra forma, 
as condições de vida expressam as condições materiais de sobrevivência e 
dependem sobretudo da inserção de cada grupo na estrutura de produção 
(PAIM, 1997). 
 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
45
Cristine Bonfim 
 O processo saúde-enfermidade é determinado, em grande 
parte, por condicionantes que atuam a partir da vida em sociedade 
(CASTELLANOS, 1990). Esses condicionantes têm uma forte ligação com a 
forma de organização da existência concreta das pessoas, isto é, com sua 
condição de moradia, trabalho, educação, renda, nutrição, saneamento e 
assistência à saúde (SABROZA, 1991). 
 
 Para Barcellos (2000: 27), “se a doença é considerada uma 
manifestação do indivíduo, as condições de vida são manifestações do 
lugar. O lugar configura-se como resultado de uma acumulação de 
situações históricas, ambientais e sociais” (BARCELLOS, 2000). 
Sabroza (2001) desenvolve reflexão semelhante sobre o 
“lugar”, considerando-o como um espaço organizado para análise e 
intervenções, no qual se deve buscar a identificação da situação de saúde 
com os seus determinantes culturais, ambientais e socais. 
Nesse contexto, o espaço transcende a limitação de espaço 
geográfico para configurar-se em uma totalidade que engloba as 
dimensões econômica, cultural e social (COSTA; TEIXEIRA, 1999). 
Assim, conceitos considerados fundamentais para as ciências 
geográficas tais como: paisagem, território e espaço, modificam-se para 
poder acompanhar as mudanças da realidade social (SANTOS, 1997). 
A paisagem, antes vista meramente sob o prisma natural, 
recebe também o significado do espaço social, ou seja, do espaço 
produzido pelo homem. Nessa medida, a paisagem pode ser entendida 
como formada pela combinação de objetos naturais (não são feitos pelo 
homem, nem jamais foram tocados pela ação humana) e objetos 
fabricados (são representantes do trabalho humano) (SANTOS, 1997). 
Entende-se que essa paisagem é mutável, acompanha as 
mudanças ocorridas na sociedade. O mesmo pode ser dito em relação ao 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
46
Cristine Bonfim 
espaço, isto é, à medida que a sociedade passa por mudanças econômicas, 
sociais, políticas e outras, o espaço se transforma, visando a atender às 
novas necessidades sociais demandadas (SANTOS, 1997). 
Nas palavras de Santos (1997:38), “o movimento da totalidade 
social modificando as relações entre os componentes da sociedade, 
alteram os processos, incitamas novas funções. Do mesmo modo, as 
formas geográficas se alteram ou mudam de valor; e o espaço se modifica 
para atender às transformações da sociedade”. 
O território, nos primórdios da história da humanidade, 
definia-se como o conjunto composto pelos meios naturais. Com o 
desenvolvimento da história da sociedade, vai-se configurando a 
transformação do território através da ação do homem, com a construção 
de diversas obras. O território passa a conter muito mais elementos de 
produção social do que até mesmo da própria natureza (SANTOS, 1999). 
Para Santos (1998:16), “o território são formas, mas o 
território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço 
habitado. Deve-se ter claro que a configuração territorial não corresponde 
ao espaço. O território possui uma existência material própria, ao passo 
que o espaço depende das relações sociais para conferir-lhe a sua 
existência social”. 
Nesta mesma perspectiva Santos, (1999:51) define “o espaço 
como um conjunto indissociável, solidário e contraditório, composto por 
sistemas de objetos e sistemas de ações” que ocorrem no contexto 
histórico. Os sistemas de objetos são dados de acordo com a forma como a 
estrutura material adquire sentido e significância no âmbito das condições 
sociais e técnicas presentes no contexto histórico. Os sistemas de ações 
são representados nas relações e práticas sociais. 
 
 Para o autor, a característica atual marcante desse conjunto 
de sistemas é que “os sistemas de objeto são cada vez mais artificiais e os 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
47
Cristine Bonfim 
sistemas de ações são cada mais estranhos ao lugar” (SANTOS, 1999:51).
 
 O espaço é composto por sistemas de ações e sistemas de 
objeto que definem modos de funcionamento e processos articulados entre 
as áreas e territórios que são as horizontalidades e verticalidades. As 
horizontalidades serão o domínio da contigüidade, daqueles lugares 
vizinhos, reunidos por uma continuidade territorial, enquanto as 
verticalidades seriam formadas distantes uma das outras, ligadas por 
todas as formas e processos sociais (SANTOS, 1998). 
 
 Sob o prisma desses elementos, ocorre uma nova aproximação 
entre a Epidemiologia e a Geografia, possibilitando uma nova abordagem 
do espaço como uma concepção social e historicamente constituída 
(SILVA, 1985). 
 
 Recentemente, um conjunto de métodos capazes de 
possibilitar a análise dos determinantes do processo saúde-doença tem 
explorado, nos estudos ecológicos, o aprofundamento do espaço como 
unidade de análise que pode oferecer muitas explicações (DUCHIADE, 
1992). Partindo do princípio de que o processo de ocupação e modificação 
do espaço pelo homem faz parte dos determinantes das condições de vida 
e de saúde das populações (AKERMAN et al., 1994; CASTELLANOS, 1998). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
48
Cristine Bonfim 
Nas palavras de Silva (1997:590), “o espaço é o cenário onde 
se desenvolvem as interações entre os diferentes segmentos das 
sociedades humanas e entre estas e a natureza. As doenças surgem ou 
pelo menos são modificadas por estas interações”. 
 
 Nessa medida, compreender a organização do espaço
possibilita uma maior aproximação dos fatores relacionados ao 
desenvolvimento das doenças e da sua distribuição entre os diversos 
grupos sociais.Estudos recentes (ALBUQUERQUE, 1993; SILVA, 1985; 
GEROLOMO; PENNA, 2000; COSTA; NATAL, 1998) têm procurado 
evidenciar a complexidade do processo de desenvolvimento das doenças e 
a relevância dos determinantes socioambientais na produção do processo 
endêmico-epidêmico. 
 
 O crescimento urbano rápido e desordenado que vem
ocorrendo na maioria dos países do mundo, principalmente nos países 
subdesenvolvidos, com a migração de grandes contingentes populacionais 
das áreas rurais para as cidades, possibilita a urbanização de doenças 
rurais, assim como contribui para o adensamento dos agravos urbanos. 
Boa parte desses migrantes irá formar os grandes bolsões de pobreza 
localizados nas periferias das cidades (MOTT et al., 1990; SABROZA, 
1985; SABROZA, TOLEDO; OSANAI, 1992; SABROZA; KAWA; CAMPOS, 
1999). 
 
 De fato, altas densidades populacionais em áreas onde as 
condições ambientais são precárias (ausência de saneamento básico, 
abastecimento de água insuficiente, moradias inadequadas), fatores 
educacionais e culturais geram as condições favoráveis para a 
manutenção e a expansão de certas doenças, especialmente as 
infecciosas-parasitárias (MOTT et al., 1990, GEROLOMO; PENNA, 2000; 
COSTA; NATAL, 1998; SABROZA, KAWA, CAMPOS, 1999). 
 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
49
Cristine Bonfim 
É nesse cenário que deve ser visualizada a filariose 
bancroftiana, cujo agente etiológico é a Wuchereria bancrofti, tendo como 
principal vetor o Culex quinquefasciatus, que tem como habitat
preferencial os adensamentos aquáticos ricos em matérias orgânicas, 
facilmente encontrados em áreas de saneamento básico inadequado 
(ALBUQUERQUE, 1993). 
 
 A manutenção e a expansão da filariose bancroftiana na RMR 
estão diretamente relacionadas com a baixa qualidade de vida da 
população, com o processo migratório desordenado (urbanização), que se 
concretiza no fenômeno da “favelização” (ALBUQUERQUE, 1993). 
Acrescentem-se, ainda, as precárias condições de saneamento básico, 
moradia inadequada e fatores culturais e educacionais: todos esses 
elementos proporcionam condições favoráveis à proliferação do mosquito. 
Na RMR, os aglomerados urbanos desordenados e o superpovoamento de 
espaços pouco apropriados, resultantes da migração rural/urbana, 
refletem nitidamente a pobreza de grande parcela da população. 
 
 Essa migração, por sua vez, decorre da ausência de 
alternativas de sobrevivência na Zona da Mata pernambucana e no 
Sertão, algo particularmente agudo nos últimos anos, com a falência de 
várias usinas do estado (ALBUQUERQUE, 1993). Por piores que sejam as 
condições de vida no interior, a opção representada pela capital se mostra 
mais vantajosa, contendo sempre a “esperança de uma vida melhor”. 
 
 Portanto é perfeitamente possível relacionar a situação 
socioeconômica e a ocupação do espaço (SILVA, 1997). Associadas a essa 
relação, encontram-se as condições de vida e saúde das populações 
(CASTELLANOS, 1997). 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
50
Cristine Bonfim 
O espaço é construído socialmente e constitui, portanto, uma 
possibilidade de estratificar a população segundo a condição de vida. A 
unidade espaço/população tem, então, a possibilidade de ser uma 
unidade em que operam os processos determinantes (condição de vida), 
expressam-se os problemas de saúde e desenvolvem-se as ações de saúde 
e bem-estar (CASTELLANOS, 1997). 
Nessa perspectiva, o recurso à categoria espaço para a 
aproximação das condições de vida, como mediação entre os 
determinantes estruturais e a situação da saúde apresenta-se 
potencialmente como uma opção para apreender processos relativos à 
reprodução social. 
À medida que o conceito de território ou espaço transcenda a 
sua condição física ou natural e recupere o seu caráter histórico e social, o 
estudo das condições de vida, segundo a inserção espacial dos grupos 
humanos no território, tende a ser uma alternativa teórico-metodológica 
para análise das necessidades e das desigualdades sociais de saúde 
(PAIM, 1997). Em especial com relação à filariose bancroftiana, que está 
diretamente associada com a qualidade de vida da população 
(ALBUQUERQUE, 1993). 
A análise da situação de saúde segundo as condições de vida 
está inseridana vertente da vigilância da saúde, que apresenta como um 
dos elementos nucleares a noção de “territorialização” dos sistemas locais 
de saúde (BARCELLOS, 2000). Trabalhos mais recentes procuram 
evidenciar as desigualdades no perfil epidemiológico de grupos sociais 
distintos, através do recurso à construção de indicadores compostos por 
diversas variáveis socioeconômicas (CASTELLANOS, 1990; AKERMAN et 
al., 1994; AKERMAN, 1997). 
 
 A impossibilidade de captar a totalidade do conceito de 
qualidade de vida com um único indicador, reflete a limitação dessa 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
51
Cristine Bonfim 
estratégia, contudo a combinação de indicadores e a utilização de técnicas 
multivariadas podem-se fazer aproximar da realidade (BARCELLOS, 2000; 
AKERMAN, 1994). 
 
 Com efeito, o que mais importa nos estudos em curso não é 
demonstrar relações causais definitivas, mas validar certas estratificações 
do espaço urbano, segundo condições de vida, pelos indicadores de saúde, 
orientar políticas públicas setoriais voltadas para a eqüidade que 
possibilitem intervenções sobre tais condições de vida e de saúde (PAIM, 
1997). À medida que puderem discriminar grupos relativamente 
homogêneos da população, estarão oferecendo as possibilidades técnicas 
de monitoramento da deterioração da vida (BREILH, 1990) ou da melhoria 
das condições de vida e saúde. 
A principal função desses indicadores consiste em possibilitar 
a identificação de situações de saúde diferenciadas entre os segmentos 
populacionais, orientando as ações de saúde (BARCELLOS, 2000). 
Nessa perspectiva a importância desta proposta de trabalho 
justifica-se pela necessidade de se estudar a epidemiologia da filariose no 
distrito de Cavaleiro, pertencente à área urbana do município 
pernambucano de Jaboatão dos Guararapes, de forma a apreender 
diferenciais intra-urbanos que expressem a diversidade do risco de 
adoecer e sua relação com as condições de vida da população, 
considerando-se a ausência de estudos semelhantes no município. 
A maioria dos estudos tem buscado conhecimento em áreas 
de favelas, o que dificulta a compreensão do problema (ALBUQUERQUE, 
1993; ALBUQUERQUE et al., 1995; MACIEL et al., 1996). Além disso, não 
possibilita o reconhecimento de áreas de risco em espaços que não sejam 
classificados como de assentamentos populares e “aglomerados 
subnormais”. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
52
Cristine Bonfim 
Considere-se, ainda, a necessidade de se conhecer a
distribuição da microfilaremia que expresse as iniqüidades, ao mesmo 
tempo em que localize os grupos prioritários em espaços determinados, 
auxiliando no planejamento das ações de controle da doença e de 
vigilância da saúde. Faz-se mister a construção de um instrumental 
adequado ao planejamento das ações a nível local. 
Outro aspecto relevante para a realização do estudo é a 
inserção em um projeto institucional da prefeitura municipal de Jaboatão 
dos Guararapes, que faz parte do Plano de Eliminação Nacional da 
Filariose Linfática, do Ministério da Saúde. 
Recentemente, a disponibilidade de novas estratégias de 
controle fez com que a filariose fosse considerada como uma doença 
eliminável potencialmente erradicável (DREYER; COELHO, 1997). Em 
função disso, a Organização Mundial de Saúde – OMS elaborou uma 
proposta para a eliminação da filariose linfática como um problema de 
saúde pública no mundo. O Ministério da Saúde, com base nessa 
proposta, implementou-se o Programa de Eliminação da Filariose Linfática 
no país. 
 
 Uma das principais estratégias de intervenção apresentada 
pelo referido plano consiste na definição de indicadores sintéticos de risco 
ambiental, a partir da estratificação do espaço urbano. 
Deve ser enfatizada a mudança na proposta apresentada por 
esse plano, que rompe, com a abordagem tradicional, centrada no risco 
individual, para uma abordagem do risco coletivo, cuja base está na 
observância da inseparável relação existente entre o processo de ocupação 
do espaço e as condições para a manutenção da transmissão da doença 
(ALBUQUERQUE; MORAIS, 1996; 1998). 
Os programas de combate à filariose linfática desenvolvidos ao 
longo desses 50 anos centravam-se basicamente nas ações de 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
53
Cristine Bonfim 
identificação e tratamento dos indivíduos parasitados, desconsiderando a 
importância desempenhada pelas condições socioeconômicas. 
 
 Defende-se aqui que os estudos desenvolvidos sobre a análise 
da situação de saúde segundo condições de vida, ao mesmo tempo em que 
informam sobre a distribuição espacial de um conjunto de problemas de 
saúde, estimulando a análise da situação de saúde e o uso da 
epidemiologia pelos serviços de saúde, possibilitam intervenções setoriais 
específicas sobre os mesmos, capazes de reduzir o sofrimento (PAIM, 
1997). 
 Do mesmo modo, ao configurarem as condições de vida das 
populações residentes nos distintos espaços do território de um país ou de 
uma cidade, poderão balizar reformas sociais e políticas saudáveis, 
visando à eqüidade e à melhoria da qualidade de vida e da saúde da 
população. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
55
Cristine Bonfim 
22..11 OOBBJJEETTIIVVOO GGEERRAALL:: 
Estudar a distribuição espacial da ocorrência da 
microfilaremia no Distrito de Cavaleiro (localizado no espaço urbano do 
município de Jaboatão dos Guararapes) e sua relação com indicadores 
socioeconômicos, identificando áreas geográficas de maior risco de 
transmissão. 
22..22 OOBBJJEETTIIVVOOSS EESSPPEECCÍÍFFIICCOOSS:: 
� Determinar a prevalência de microfilaremia nos setores 
censitários identificando as áreas de risco. 
� Identificar áreas no distrito de Cavaleiro com padrões 
homogêneos, a partir de um indicador, formado por 
variáveis ligadas aos domicílios e aos chefes de famílias. 
� Correlacionar a microfilaremia com o indicador nas 
respectivas áreas. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
57
Cristine Bonfim 
33..11 ÁÁrreeaa ddee eessttuuddoo 
A área de estudo referiu-se ao distrito de Cavaleiro, 
pertencente ao município pernambucano de Jaboatão dos Guararapes; 
possui 137.826 habitantes, distribuídos em 27.969 domicílios 
particulares, com média de cinco pessoas por domicílio, segundo a 
recontagem do IBGE de 1996. 
O referido município está localizado na Região Metropolitana 
do Recife – RMR, possuindo uma área total de 257.3 km2, correspondente 
a 0,26% do estado de Pernambuco. 
33..22 PPooppuullaaççããoo ddee eessttuuddoo ee ppeerrííooddoo ddee rreeffeerrêênncciiaa 
Para o estudo de prevalência (seccional de base 
populacional), os dados populacionais foram constituídos por uma 
amostra do universo de 137.826 habitantes, tendo como referência os 
domicílios (27.969 domicílios particulares), estimou-se uma prevalência de 
6% de filariose nas áreas estudadas e um erro aceitável de 5% para cada 
intervalo de confiança (IC) de 95%. 
Para o cálculo dessa amostra, consideraram-se como universo 
os 27.969 domicílios de Cavaleiro, chegando-se a um quantitativo de 
2.011 (10.055 indivíduos). 
Não houve qualquer distinção quanto a sexo, idade, 
manifestação clínica e tempo de residência no município para a realização 
do exame. Todos os residentes no domicílio foram cadastrados, sendo 
necessário apenas que concordassem com a execução do exame. O 
inquérito epidemiológico foi realizado no período de abril a outubro de 
2000. 
FILARIOSE BANCROFTIANA: a representação espacial das desigualdades sociais
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Cristine Bonfim 
Já no estudo de correlação ecológica, a população de estudo 
compreendeu o universo dos 137 setores

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