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PROBLEMA 2 CHOQUE ❖ A síndrome do choque circulatório é o conjunto de sinais e sintomas que caracterizam a falência circulatória aguda; ❖ Esse quadro pode advir de causas distintas e, por isso, ter fisiopatologias distintas; ❖ No entanto, a má perfusão tecidual é o que define o choque, independentemente de sua causa. ❖ O choque circulatório caracteriza-se por um estado de hipoperfusão tecidual, ou seja, o fluxo sanguíneo encontra-se inadequado para suprir as necessidades celulares. ❖ Assim, o denominador comum de todos os tipos de choque é a redução da pressão de enchimento capilar (PEC). - É importante ressaltar que, apesar da redução da PEC, o choque circulatório não cursa necessariamente com hipotensão arterial e débito cardíaco diminuído. ❖ Há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio e nutrientes, e um acúmulo de produtos metabólicos de excreção celular (como o gás carbônico) pela insuficiência na sua remoção. ❖ O choque, independentemente da causa, tem como resultado final a deterioração tecidual, caso não haja intervenção. - Isso porque, quando o choque atinge um estado em que os mecanismos compensatórios do próprio organismo não são mais suficientes, o próprio choque gera mais choque, uma vez que a má perfusão compromete de forma geral os tecidos corporais, inclusive o sistema cardiovascular. - Com o sistema cardiovascular comprometido, a perfusão se tornará cada vez mais insuficiente, formando um ciclo vicioso. Caso não haja intervenção neste momento, o choque se tornará irreversível, e a morte, inevitável. CLASSIFICAÇÃO ❖ Muitos foram os esquemas propostos para se classificar os diversos tipos de choque. Aqui irei adotar uma classificação com base em quatro grupos de etiologias do choque circulatório, baseadas em seu substrato fisiopatológico. São eles: o hipovolêmico, o cardiogênico, o distributivo e o obstrutivo. CARDIOGÊNICO ❖ O choque cardiogênico é aquele em que a má perfusão tecidual é resultado do baixo débito cardíaco oriundo de uma patologia cardíaca propriamente dita; ❖ A causa mais comum é o IAM → necrose de parede ventricular produzida pelo infarto → falência da bomba cardíaca; ❖ Há causas mecânicas, como doenças valvares, que também podem comprometer de forma significativa o débito cardíaco, levando ao choque cardiogênico; ❖ Assim como ocorre no choque hipovolêmico, no choque cardiogênico também haverá ativação simpática desencadeada pelos barorrecetores e quimiorreceptores. ❖ No entanto, é importante ressaltar que neste tipo de choque, a bomba de propulsão (coração) está comprometida; - Com os efeitos simpáticos sobre o coração, este quadro se agrava; - Além de a oferta estar diminuída, a demanda metabólica do miocárdio aumentará, já que a contração e a frequência cardíaca aumentadas consumirão ainda mais oxigênio. DISTRIBUTIVO ❖ No choque distributivo, a má perfusão é resultado uma vasodilatação periférica global que ocasiona drástica redução da PEC, comprometendo o fornecimento de oxigênio pelos capilares e a captura de oxigênio pelos tecidos; ❖ Nesse caso, o débito cardíaco encontra-se preservado, dado que não há qualquer problema nem com a bomba cardíaca, nem com o volume circulante de sangue; ❖ É a única modalidade de choque em que ocorre vasodilatação; - Em todos os outros tipos de choque vai ocorrer uma vasoconstrição reflexa, que ocorre como mecanismo compensatório determinado pela ativação simpática. ❖ No choque distributivo esse mecanismo compensatório não consegue atuar, já que a musculatura lisa arteriolar se encontra seriamente lesada, não respondendo ao estímulo simpático. - Por esse motivo, o choque distributivo é o tipo de choque mais grave, apresentando pior prognóstico e maiores índices de mortalidade. ❖ A vasodilatação periférica que ocasiona o choque distributivo tem quatro causas distintas, as quais dão nome aos quatro principais subtipos de choque distributivo: - Séptico; - Anafilático; - Neurogênico; - Decorrente de crise adrenal. CHOQUE SÉPTICO ❖ É decorrente de uma infecção grave, disseminada para todo o organismo. ❖ Ocorre normalmente em ambiente hospitalar e acomete indivíduos com o sistema imune comprometido ou aqueles que realizaram procedimentos invasivos. ❖ Uma infecção local é transmitida a outros tecidos pela corrente sanguínea, adquirindo assim caráter sistêmico → sepse; 2 ❖ Os agentes causadores da infecção são produtores de toxinas que induzem à produção de mediadores inflamatórios como interleucinas, bem como a síntese de óxido nítrico; - Essas substâncias têm uma potente ação vasodilatadora; - Essa resposta inflamatória é crucial para o combate a infecções locais, e a vasodilatação local não causa grandes prejuízos. ❖ No entanto, em uma infecção acometendo todo o organismo, uma vasodilatação generalizada diminui a RVP (resistêntica vascular periférica) e, consequentemente a PA e a PEC; ❖ Além disso, a venodilatação causa a diminuição da pré- carga e do retorno venoso, diminuindo o débito cardíaco; ❖ Como resultado, há a ativação da resposta simpática (o que explica a taquicardia nos estágios iniciais deste choque), porém tal resposta não consegue reverter a vasodilatação, uma vez que a microcirculação se encontra seriamente afetada. ❖ Os mediadores inflamatórios liberados condicionam também um aumento da permeabilidade vascular; - Isso resulta numa perda de plasma para os espaços intersticiais, além de uma perda concomitante de proteínas. Essa última diminui a pressão coloidosmótica nos capilares e induz a uma perda ainda maior de plasma, agravando o choque. ❖ Além disso, as endotoxinas podem atuar comoum veneno metabólico, intoxicando a musculatura lisa das arteríolas e produzindo uma vasodilatação generalizada e refratária a qualquer mecanismo compensatório e tratamento; - Isso faz do choque séptico uma das principais causas de óbito nas unidades de terapia intensiva. CHOQUE ANAFILÁTICO ❖ A má perfusão tecidual no choque anafilático também é resultado de uma vasodilatação generalizada e tem hemodinâmica semelhante ao choque séptico; - No entanto, a causa é distinta, no choque anafilático a causa é alergia. ❖ No choque anafilático o paciente sofre uma reação alérgica ao ser exposto a um antígeno, a que é previamente sensível; ❖ A interação antígeno-anticorpo, mediada pela IgE, é extremamente significativa e provoca a degranulação de mastócitos com consequente liberação de histamina (dentre outros mediadores); - A histamina produz venodilatação, diminuindo o retorno venoso; vasodilatação arteriolar, diminuindo a resistência vascular periférica; e aumento da permeabilidade vascular, causando extravasamento de plasma e proteínas dos capilares para os espaços intersticiais; - O grande aumento da permeabilidade pode produzir o edema de glote, que muitas vezes leva ao óbito antes mesmo que o choque circulatório se instale. ❖ Obviamente, nem toda reação alérgica produz choque anafilático. A intensidade e a distribuição dessa reação irão depender do grau de hipersensibilidade do indivíduo àquele determinado antígeno. CHOQUE NEUROGÊNICO ❖ Culmina na má perfusão tecidual pela perda súbita do tônus vascular; - Tônus vascular é um estado de ligeira contração mantido nos vasos sanguíneos pelo sistema nervoso autônomo, e é crucial para a manutenção da PA e da PEC. ❖ A perda desse tônus de forma sistêmica causa dilatação das arteríolas - diminuição da RVP -, e das vênulas - diminuindo o retorno venoso; - Esse desequilíbrio hemodinâmico causa o choque, semelhante ao anafilático e ao séptico. ❖ Ocorre devido à injúria no centro vasomotor no sistema nervoso central; - Tal injúria pode ser proveniente de anestesia geral profunda (por excessiva depressão do centro vasomotor),uso de drogas ou fármacos que deprimem o sistema nervoso central, anestesia espinhal (por bloqueio da descarga simpática acima da medula espinhal) ou por lesão cerebral difusa que cause paralisia vasomotora. CRISE ADRENAL ❖ O cortisol é o hormônio mais importante para a manutenção do tônus vascular. ❖ Além disso, a presença de níveis adequados de cortisol é indispensável para que a adrenalina (hormônio de estresse) consiga atuar; - Assim, se houver uma insuficiência dos níveis de cortisol, ocorrerá uma vasodilatação generalizada com consequente redução da PEC. ❖ Tal situação acontece em pacientes usuários crônicos de corticosteróides, pois nestes pacientes ocorre uma inibição crônica do ACTH que acaba por levar a uma atrofia da zona fasciculada do córtex adrenal. ❖ Outras causas de crise adrenal seriam a hemorragia global das adrenais (sepse) e os defeitos congênitos que afetam a síntese de esteróides adrenais (a chamada hiperplasia adrenal congênita, que pode acometer recém-nascidos); - Nesses casos a situação é ainda mais grave, pois a zona glomerular também é acometida, levando a um déficit de aldosterona com consequente redução da reabsorção de sódio e água, podendo produzir um choque hipovolêmico, somado ao choque distributivo já instalado pela falta do cortisol. OBSTRUTIVO ❖ É ocasionado por uma obstrução ou uma compressão dos grandes vasos ou do próprio coração. 3 ❖ Pode ocorrer por diversas causas, porém três merecem destaque: ❖ O pneumotórax hipertensivo pode levar ao choque obstrutivo por ser uma situação aguda de aumento da pressão intratorácica; - Neste caso as grandes veias podem sofrer pressão em sua superfície externa diminuindo seu calibre em trechos sensíveis. Há casos em que o calibre é extremamente diminuído ou o vaso é até mesmo colapsado; - A passagem da veia cava inferior pelo diafragma é um bom exemplo. Um pneumotórax poderia desviar todas as estruturas torácicas lateralmente, inclusive a veia cava. No entanto, como ela encontra-se fixa no forame da veia cava inferior, ao desviar-se, ela sofre estrangulamento. Neste caso o retorno venoso estaria seriamente comprometido, diminuindo por conseguinte o débito cardíaco, ocasionando o choque. ❖ O tamponamento cardíaco é outra causa de choque obstrutivo; - Por algum motivo, ocorre um acúmulo de líquido entre as lâminas parietal e visceral do pericárdio seroso do coração. Como o pericárdio fibroso (externo ao seroso) tem uma consistência firme, este impede que esse acúmulo de líquido no pericárdio seroso se faça de forma a aumentar o volume do pericárdio como um todo; - Logo, ocorre um aumento concêntrico do pericárdio, comprimindo o coração; - A compressão do coração compromete sua dilatação na diástole, comprometendo o volume diastólico final (que consiste no volume de sangue que se encontra no ventrículo esquerdo ao final da diástole). Com um volume diastólico baixo, o débito sistólico também se comprometerá, diminuindo o débito cardíaco e levando ao choque. ❖ O tromboembolismo pulmonar também causa choque obstrutivo; - A existência de um trombo na circulação venosa, normalmente em membros inferiores, pode ser o ponto de partida para a ocorrência deste choque; - O atrito entre o trombo e o fluxo sanguíneo acaba por destacar pequenos êmbolos; - Esses êmbolos seguem para o coração direito → artérias pulmonares → capilares pulmonares; - O pequeno calibre destes vasos faz com que os êmbolos fiquem estacionados, formando microtrombos e obstruindo os capilares pulmonares. Caso esse fenômeno ocorresse com poucos capilares pulmonares, não haveria maiores repercussões. No entanto, isso ocorre com milhares deles; - Com a rede capilar significativamente obstruída, não há quantidade considerável de sangue para retornar ao coração; - Pouco sangue chega ao átrio esquerdo → pouco sangue será entregue ao ventrículo esquerdo → pouco sangue será bombeado para o organismo (baixo débito cardíaco) → choque. ACHADOS CLÍNICOS Um ponto importante na diferenciação clínica dos tipos de choque é entender a diferença entre os ditos choques hipodinâmicos (frios) e hiperdinâmicos (quentes), em que os primeiros, representados pelos choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo, são os que apresentam baixo DC e alta RVS, enquanto os segundos, representados pelos distributivos, apresentam baixa RVS e DC alto. CARDIOGÊNICO ❖ Dependendo da causa, pode haver dispneia, dor no peito ou palpitações; ❖ Ao exame físico pode haver crepitações à ausculta respiratória refletindo a congestão pulmonar, além de sopro, galope ou abafamento de bulhas a ausculta cardíaca; ❖ Pode haver sinais de congestão pulmonar a radiografia, sinais de isquemia miocárdica ao eletrocardiograma (ECG) além de elevação de enzimas cardíacas. 4 OBSTRUTIVO ❖ A presença de sinais de insuficiência respiratória, enfisema subcutâneo, ausência de murmúrio vesicular, timpanismo a percussão e desvio de traqueia sugerem fortemente pneumotórax hipertensivo; ❖ Taquicardia, bulhas abafadas e estase jugular sugerem tamponamento cardíaco; ❖ Outros sinais como dispneia, dor retroesternal, cianose e pulso paradoxal podem estar presentes e correlacionados a TEP, coartação de aorta, entre outros. DISTRIBUTIVO ❖ Dependendo da causa, pode haver dispneia, tosse produtiva, disúria, hematúria, calafrios, mialgias, dor, história de picada de insetos ou trauma raquimedular; ❖ Ao exame físico, o paciente pode apresentar febre, taquipneia, taquicardia, petéquias, alteração do estado mental, rubor, e leucocitose ao hemograma. CHOQUE HIPOVOLÊMIC O ❖ É o tipo mais frequente de choque; ❖ O choque hipovolêmico é causado por uma redução do volume sanguíneo (hipovolemia); ❖ A redução do volume pode ser devida a uma hemorragia (causa mais frequente) em que há perda tanto de eritrócitos quanto de plasma, ou a uma perda isolada de plasma, que ocorre em casos mais específicos. - A hemorragia pode ser externa (traumas etc.) ou interna (úlcera perfurada etc.). ❖ De uma forma ou de outra, o que ocorre é uma queda na pressão de enchimento capilar (PEC) ou pressão hidrostática. ❖ A fim de recuperar a perfusão tecidual o organismo lança mão de estratégias fisiológicas como a ativação simpática. Essa ativação desencadeia três respostas principais: - A primeira é a contração das arteríolas, que aumenta a resistência vascular periférica (RVP); - A segunda é a contração das veias, que aumenta o retorno venoso e, consequentemente a pré-carga; - E a terceira são os efeitos cardíacos diretos: o aumento da frequência cardíaca (efeito cronotrópico positivo) e o aumento da força de contração do coração (efeito inotrópico positivo). ❖ Tais efeitos atuam em conjunto contribuindo para o aumento da pressão arterial (PA); - Isso por que: PA= DC X RVP, ou seja, a PA é diretamente proporcional ao débito cardíaco (DC) e a resistência vascular periférica (RVP). ❖ O débito cardíaco, por sua vez; é dado por: DC = DS X FC, ou seja, o débito cardíaco é diretamente proporcional ao débito sistólico (DS), que consiste no volume de sangue ejetado pelo coração a cada batimento cardíaco, e à frequência cardíaca (FC). - A FC foi alterada pela ativação simpática (efeito cronotrópico positivo); - O débito sistólico, por sua vez, sofre influência tanto da contratilidade cardíaca (efeito inotrópico positivo, resultado da ativação simpática) quanto do retorno venoso (aumentado pela vasoconstrição venosa). CAUSAS HEMORRÁGICAS ❖ Hemorragia Gastrointestinal: - Ruptura de varizes esofágicas; - Síndrome Mallory-Weiss; - Gastrite; - Úlceras gástricas ou duodenais sangrantes; - Câncer do esofago ou estômago; - Câncer de cólon; - Divertículos. ❖ Traumas: - Lesões vasculares; - Lesões hemorrágicasde fígado e baço; - Perfuração cardíaca; - Rupturas de grandes vasos (ex.: base do crânio); - Fratura da pelve ou do fêmur. ❖ Ruptura de aneurismas (ex.: aorta torácica ou aorta abdominal); ❖ Coagulopatias; ❖ Terapia anticoagulante; Aneurisma abdominal - A maioria dos especialistas considera como sendo dilatação > 3 cm; - Os aneurismas de aorta abdominal podem permanecer estáveis durante anos, mas alguns crescem rapidamente; - Mesmo sendo uma doença assintomática, pode apresentar alguns sinais, como sensação de pulsação abdominal; - Estão associados à aterosclerose → presença de placas de gordura e calcificação nas artérias; - Os fatores que mais influenciam no aparecimento e no crescimento dos aneurismas são: → Envelhecimento; → Sexo masculino (embora também possa afetar as mulheres); → Tabagismo; → Histórico familiar de aneurisma (principalmente familiares de primeiro grau). - Estima-se que 2% a 5% da população do sexo masculino com mais de 60 anos de idade tenham dessa dilatação, embora a maioria a desconheça. 5 ❖ Ginecológicas/Obstétricas: - Placenta prévia; - Descolamento prematuro da placenta; - Ruptura de gravidez ectópica; - Ruptura de cisto ovariano. ❖ Pulmonares: - Embolia pulmonar; - Câncer de pulmão - Tuberculose; - Síndrome de Goodpasture. ❖ Hemorragia retroperitoneal. NÃO HEMORRÁGICAS ❖ DM descompensado→ nefropatia diabética; ❖ Diabetes insipidus → distúrbio do ADH ; - Transferência de fluidos para o meio extravascular → edemas; ❖ ↑ Desidratação → perda de fluido acelular para o meio externo (vômitos incoercitíveis, diarreia, diurese osmótica); ❖ ↑ Queimado; ❖ Fístulas entéricas e/ou pancreáticas. FISIOPATOLOGIA ❖ Com a progressão da depleção volêmica, ocorre diminuição das pressões de enchimento de câmaras cardíacas, inicialmente compensada por taquicardia ❖ Segue-se um aumento na atividade simpática com acentuada venoconstrição, ativação do sistema renina- angiotensina-aldosterona, de respostas neuroendócrinas, aumento de endotelina e liberação de vários outros mediadores de estresse ❖ Os tecidos aumentam a extração de oxigênio, ocorre queda da saturação venosa mista de O2 (SvO2) e aumento da diferença entre o conteúdo de O2 arterial e venoso (CA-V) ❖ Com a manutenção da hipoperfusão, o metabolismo anaeróbio cresce ainda mais, os estoques de ATP são depletados, intensifica-se a produção de lactato e íons H+, com acidificação intracelular, evoluindo com dano mitocondrial, lesão endotelial, ativação e agregação plaquetária, coagulopatia, estase e trombose microvascular ❖ No choque hemorrágico, sobretudo quando relacionado ao trauma, vários mecanismos adicionais podem influenciar as manifestações fisiopatológicas, como: - Lesão tecidual e/ou fraturas ósseas, com liberação de várias substâncias tóxicas na circulação, levando à ativação inflamatória sistêmica, o que acrescenta um componente distributivo ao choque hemorrágico - Pneumotórax e/ou tamponamento cardíaco causados pelo próprio trauma (componente obstrutivo) - Trauma torácico com lesão pulmonar, agravando a hipoxemia RESUMINDO ❖ Hipovolemia → Redução de pré-carga → Redução de enchimento diástólico ventricular → Redução do DC ❖ Aumento da resistência vascular periférica (RVP); ❖ Redução da Pressão Arterial Média; ❖ Hipoperfusão tecidual. CLASSIFICAÇÃO I (PERDA ATÉ 15% DO VOL. SANGUÍNEO) ❖ FC normal ou levemente alterada; ❖ Não há alteração da PA; ❖ Não há alteração da FR; ❖ Não há alteração do tempo de enchimento capilar. II (PERDA DE 15-30%) – 1000 ML ❖ FC entre 100 e 120 bpm; ❖ FR entre 20 e 30 irpm; ❖ Pele fria e pegajosa; ❖ Tempo de enchimento capilar > 2 seg; ❖ Pressão arterial em repouso é geralmente preservada; ❖ Hipotensão postural. II I (PERCA DE 30-40%) ❖ FC > 120 bpm; ❖ FR entre 30 - 40 irpm; ❖ Queda significante da PAS inicial (30-40%) ou PAS < 90 mmHg; ❖ Tempo de enchimento capilar aumentado > 2 seg; ❖ Alteração do estado de consciência; ❖ Oligúria. IV (PERDA > 40%) ❖ FR > 120 bpm; ❖ FR > 35 irpm; ❖ PAS < 90 mmHg; ❖ Anúria; ❖ Agitação; ❖ Coma. QUADRO CLÍNICO ❖ Os sinais do choque hipovolêmico não são específicos e decorrem de hipoperfusão sistêmica. ❖ O quadro clínico do choque hemorrágico depende da velocidade da perda sanguínea e diminuição de volume, da duração do tempo de hemorragia, dos antecedentes clínicos do doente e presença de processos patológicos concomitantes. ❖ Manifestações que permitem uma detecção imediata do estado de choque incluem: - Taquicardia; 6 - Hipotensão → ocorre na maioria dos pacientes que chegam ao prontosocorro, podendo ser absoluta (PAS 40 mmHg na PAS), entretanto não necessariamente está presente, e deve-se restaurar a perfusão o mais precocemente possível, mesmo na sua ausência; - Oligúria → é um dos sinais mais precoces do choque e a melhora deste parâmetro ajuda a guiar a terapêutica. É mais sensível e confiável na avaliação da perda de volume. Decorre da perfusão diminuída pelo volume diminuído; - Extremidades frias; - Pulso periférico fraco; - Diminuição da pressão de pulso (< 25 mmHg); - Atraso no enchimento capilar (> 2 segundos); - Estado mental alterado → são mudanças contínuas durante o choque e geralmente cursam com agitação, podendo progredir para confusão ou delírio e finalmente em obnubilação e coma. ❖ No entanto, nem sempre o choque é tão óbvio e pode coexistir com sinais vitais normais. TRÊS CONJUNTOS DE SINTOMAS ❖ Os sintomas induzidos pela depleção de volume estão principalmente relacionados com a diminuição da perfusão tecidual; - Os primeiros sintomas são lassidão, fatigabilidade fácil, sede, cãibras musculares e tonturas; - Perdas de volume mais acentuadas podem originar dor abdominal, dor torácica ou letargia e confusão devido a isquémia mesentérica, coronária ou cerebral, respectivamente; - Estes sintomas são geralmente reversíveis mas pode ocorrer necrose tecidual se a situação persistir. ❖ De acordo com o tipo de líquido perdido, a hipovolemia sintomática ocorre com mais frequência em doentes com concentração isosmótica de sódio e perda de água, nos quais a maioria do déficit de líquido vem do espaço extracelular. ❖ Quanto aos distúrbios eletrolíticos e ácido-base associados, estes dependem do mecanismo como o fluido que se perdeu; - Os sintomas mais graves e anormalidades associadas incluem fraqueza muscular devido a hipo ou hipercalemia, poliúria e polidipsia devido a hiperglicemia ou hipercalemia grave e letargia, confusão, convulsões e coma devido a hipo ou hipernatremia ou hiperglicemia; - Estes sintomas têm sido descritos em doentes com perda de volume ligeira a moderada mas que ainda são capazes de manter um nível adequado de perfusão tecidual; - No entanto, com o agravamento da hipovolemia, há aumento da atividade simpática que se caracteriza por taquicardia, frio, sudorese, extremidades úmidas, cianose, diminuição do débito urinário, agitação e confusão mental. Má perfusão periférica: Avaliada por uma pele fria, pegajosa e com enchimento capilar lentificado (>3 segundos), este quadro clínico ocorre devido aos mecanismos de vasoconstrição periférica para redirecionar o fluxo aos órgãos vitais nos choques hipodinâmicos. Entretanto, é diferenciada no choque distributivo, onde antes do mecanismo de vasoconstrição compensatório, apresenta uma pele corada, hiperemiada e quente. 7 PELE ❖ Em parte, a elasticidade da pele depende do volume intersticial da pele e tecido celular subcutâneo; ❖ A perda de volume intersticial leva à diminuição da elasticidade da pele; ❖ Em doentes jovens, a diminuição da elasticidade da pele é um indicador fiável de depleção moderada e lenta de volume; ❖ - O mesmo nãose aplica a doentes mais velhos (mais de 55 – 60 anos) pois a elasticidade diminui com a idade. No entanto, uma elasticidade normal não exclui a presença de hipovolemia. FC E OUTROS ACHADOS ❖ A taquicardia (> 100 batimentos por minuto) é considerada um dos sintomas clássicos; - No entanto, a frequência cardíaca por si só desempenha um papel pouco importante na manutenção da tensão arterial; - Não é um indicador sensível para identificar doentes em hipovolemia ou choque. ❖ Só as perdas de volume superiores a 15% do volume total induzem alterações na frequência cardíaca; - Pela ação dos mecanismos compensatórios, a taquicardia constitui um sintoma tardio; - Fazer uma estimativa da perda de sangue com base em parâmetros clínicos como a frequência cardíaca é incorreto; - Pode estar associado a uma pressão larga de pulso e pulsos latejantes → fase hiperdinâmica aguda do choque; - Pode estar associado a pulsos fracos e filiformes → Choque hemorrágico grave. ❖ Sinais de hipoperfusão de artérias coronárias: - Dor torácica e dispneia; - Distensão das veias jugulares; - Estertores e crepitações pulmonares; - Galope de B3 e B4, sopro de regurgitação mitral; - Alterações no ECG de isquemia miocárdica. FR E OUTROS ACHADOS PULMONARES ❖ O agravamento da hipovolemia começa a surgir hipóxia e pode haver taquipneia ( > 24 ciclos/minuto) como compensação de uma acidose metabólica por hiperlactacidemia ou edema pulmonar; ❖ A acidose metabólica ocorre devido à redução da conversão do lactato pelo fígado, rins e músculo esquelético, além do aumento da produção do mesmo pelo metabolismo anaeróbio quando o choque progride para falência circulatória e hipóxia; ❖ A magnitude da taquipneia varia de acordo com a depleção do volume intravascular. ❖ Dispneia, hipoxemia progressiva; ❖ Infiltrados pulmonares bilaterais difusos; ❖ Complacência reduzida; ❖ Achados radiográficos: edema pulmonar; ❖ PO2 baixa (< 65 mmHg). PRESSÃO ARTERIAL ❖ Normalmente, os mecanismos compensatórios desencadeiam vasoconstrição suficiente para manter a pressão arterial em valores relativamente normais; - Geralmente, os valores de PA permanecem dentro da normalidade até perdas de 30% do volume total de sangue. ❖ O conceito de “pressão arterial normal” que é dependente do valor usual de cada doente; - Apesar de 130/80 mmHg ser normal, num estado de choque hipovolemico corresponde a um valor baixo se o doente for hipertenso com valores na ordem dos 180/100 mmHg, porque a microcirculação está adaptada a esses valores. ❖ É um indicador pouco confiável. DÉBITO URINÁRIO ❖ É usado para avaliar a perfusão tecidular e a eficácia da reposição de fluidos; - A sua aplicação baseia-se no fato da perfusão renal estar diminuída em doentes com hipovolemia. ❖ Não é um fator preditivo da perfusão ou função renal; ❖ Há fatores que influenciam a exatidão do débito urinário são cálculos renais, obstrução extra-renal do fluxo urinário, distensão abdominal, uso de diuréticos, álcool e posição do doente. ACHADOS CEREBRAIS ❖ Sintomas de Hipóxia Cerebral: - Quando a PAM cai abaixo de 60 a 70 mmHg → PAM= PAS + (PAD x 2) / 3 - Dependem da gravidade e duração da hipovolemia; - Alterações sutis na acuidade mental – Classe I e II; - Confusão, letargia, obnubilação e coma – Classe III e IV. ACHADOS GASTROINTESTINAIS ❖ As vísceras abdominais estão entre os órgãos mais acometidos no choque pela hipoperfusão; - Pois são os primeiros a sofrerem vasoconstrição por ação adrenérgica. ❖ Diversas consequências: - Gastrite isquêmica; - Lesão aguda da mucosa gástrica; - Pancreatite, - Íleo metabólico; - Colite isquêmica → Hematoquezia. 8 ACAHADOS HEPÁTICOS ❖ Hepatite isquêmica: - Ocorre pelo aumento de aminotransferases, fosfatase alcalina e bilirrubinas. ❖ Hipoalbuminemia. ❖ Disfunção hepática primária: - Pode haver deficiência de fatores de coagulação → Alargamento do tempo de protrombina; - Coagulação intravascular disseminada (CIVD) - Sangramento. ❖ Disfunção hepática secundária: - Hiperbilirrubinemia devido degradação de eritrócitos e disfunção hepatocelular; - Mais frequente na sepse. DIAGNÓSTICO TRATAMENTO ❖ Esforços devem ser feitos para aumentar o reconhecimento do choque em suas fases iniciais e tratá-lo agressivamente; quanto mais precoce o tratamento, melhor o prognóstico ❖ De maneira geral, o tratamento do paciente em choque inclui dois principais aspectos, usualmente conduzidos de forma concomitante ❖ Restauração rápida da perfusão e da oferta de oxigênio aos órgãos vitais - Ressucitação com fluidos - Vasopressor, se indicado - Suporte respiratório e correção da hipoxemia ❖ Identificação e tratamento da causa base; assim, a atitude imediata e mais importante em casos específicos de choque é tratar a causa, por exemplo: pericardiocentese no tamponamento cardíaco; punção torácica no pneumotórax hipertensivo; cardioversão imediata nas taquiarritmias; revascularização do miocárdio, se choque + síndrome coronariana aguda; trombólise de embolia maciça; epinefrina na anafilaxia; ou estancar imediatamente uma hemorragia RESSUSCITAÇÃO COM FLUIDOS ❖ A restauração da volemia é de grande importância no tratamento da grande maioria dos pacientes e ocasiona melhora no fluxo sanguíneo microcirculatório e aumento do débito cardíaco ❖ Rápida e apropriada restauração da volemia bloqueia o círculo vicioso do choque e diminui a necessidade de vasopressores ❖ Mesmo no choque cardiogênico, pequenas ofertas de volume podem ser conduzidas, exceto no paciente em franco edema pulmonar ❖ Essa reposição de fluidos deve ser feita de forma seriada, observando-se a resposta do paciente, com todo esforço para evitar edema pulmonar por hipervolemia 9 Principais aspectos são: ❖ Acesso venoso: dois acessos venosos calibrosos (antecubitais e/ou jugular externa) ❖ Escolha da solução inicial: ainda é tema controverso e nem coloides nem cristaloides parecem ser superiores um ao outro, porém o custo das soluções cristaloides é bem menor e, por isso, são as recomendadas - Soro fisiológico (NaCl a 0,9%): tem 154 mEq/L de sódio e de cloro - Ringer lactato: solução mais balanceada que o soro fisiológico, tem capacidade tampão (lactato + hidrogênio é convertido em CO2 e H2O no fígado), não causa coagulopatia e não causa acidose hiperclorêmica. Entretanto, não deve ser usada se houver suspeita de hipercalemia e em pacientes com disfunção hepática (lactato é metabolizado no fígado, podendo se acumular) ❖ Quantidade de cristaloide: - Em geral, de 20 a 40 mL/kg nas primeiras horas - Bolus adicionais podem ser repetidos - A avaliação do estado hemodinâmico deve ser feita com a monitorização de perto e frequente da frequência cardíaca, pressão arterial, exame cardiovascular, tempo de reenchimento capilar e avaliação de pele e mucosas DROGAS VASOATIVAS ❖ Em pacientes que não conseguem corrigir a hipotensão com solução cristaloide ou naqueles que já apresentam grave hipotensão, o uso de vasopressor é recomendado ❖ Noradrenalina (norepinefrina): catecolamina natural com efeitos α e β-adrenérgicos, provocando intensa vasoconstrição - Foi demonstrado que em pacientes sépticos, adequadamente ressuscitados do ponto de vista volêmico - A noradrenalina aumenta o ritmo de filtração glomerular - É a primeira escolha quando há a necessidade de rapidamente elevar-se a PAM no paciente em choque não responsivo a cristaloide (comparada com a dopamina, a noradrenalina causa menos arritmias e se associa a menor mortalidade) - Início: 0,1 mcg/kg/min (5 a 10 mcg/min) - Aumentar a infusão a cada 2 a 5 minutos, conforme a avaliação clínica (PAM,diurese, perfusão periférica etc.) e/ou laboratorial ❖ Dopamina: catecolamina já presente no organismo, sendo precursora da noradrenalina - Doses baixas (< 3 μg/kg/min): seu uso não é recomendado (sem efeito) - Doses intermediárias (5-10 μg/kg/min): predomina a ação β-adrenérgica, com aumento do inotropismo cardíaco e da frequência cardíaca - Doses maiores (> 10 μg/kg/min): predomina a resposta α-adrenérgica, com aumento da resistência sistêmica e da pressão arterial - Doses maiores que 20 μg/kg/min: não são recomendadas - Não são a primeira opção para a restauração rápida da PAM (alta mortalidade) - Ela é uma opção no paciente com choque e bradicardia absoluta ou relativa ❖ Dobutamina: catecolamina sintética que possui efeitos predominantemente β-adrenérgicos - Apresenta efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos, discreta vasodilatação sistêmica, o que facilita o trabalho do ventrículo esquerdo e propriedades positivas na microcirculação; dose inicial de 2,5 μg/kg/minuto, com aumentos de 2,5 μg/kg/minuto, até uma dose de 15 a 20 μg/kg/minuto, se tolerada e/ou indicada - A dobutamina pode ser útil nos pacientes em choque cardiogênico ❖ Epinefrina ou vasopressina: - A epinefrina pode ser a primeira escolha nos pacientes com choque anafilático, pois ela tem propriedade broncodilatadora, reduz o edema de vias aéreas, aumenta a contratilidade cardíaca e é um potente vasoconstritor - Também pode ser associada à noradrenalina nos casos que o paciente persiste em choque e já está em uso de altas doses de noradrenalina (terapia de “resgate”) - Nessa circunstância, a epinefrina apresenta vários eventos adversos, que incluem: taquiarritmias, piora do fluxo esplâncnico e aumento do lactato ❖ Vasopressina: pode ser indicada no choque séptico, nos pacientes que persistem hipotensos com doses moderadas de noradrenalina e iniciaram a hidrocortisona 10 - O efeito da vasopressina é reduzir a necessidade da noradrenalina, podendo ser útil nos pacientes que apresentam taquiarritmias com a noradrenalina - A dose é de 0,01 a 0,04 U/minuto (não usar dose maior que 0,04 U/minuto) ❖ Inibidor da fosfodiasterase 3: a milrinona é um agente inotrópico positivo, tem pouco efeito na frequência cardíaca e apresenta propriedades vasodilatadoras - A milrinona tem meia-vida longa (2 h) e a dose deve ser reduzida se clearance de creatinina < 50 mL/min - É uma alternativa quando se busca aumentar a contratilidade cardíaca (disfunção sistólica grave de VE) - Também tem ação vasodilatadora em circulação pulmonar e pode ser usada quando houver grave disfunção de VD - Por fim, ela pode ser útil nos pacientes com choque cardiogênico e que estavam em uso de betabloqueadores ❖ Levosimendan: classe dos sensibilizadores do cálcio, tornando a troponina C mais sensível ao cálcio intracelular - O efeito final é o aumento da contratilidade cardíaca com baixo consumo de oxigênio - Também tem propriedades vasodilatadoras, o que pode resultar em hipotensão - Dose de 0,1 a 0,2 μg/kg/min por 24 horas ❖ Balão intra-aórtico: a pós-carga também pode ser diminuída artificialmente através do balão intra-aórtico, tradicionalmente indicado no paciente em choque após uma IAM ou no pós-operatório de cirurgia cardíaca HIPOXEMIA E INSUFICIÊNCIA RES PIRATÓRIA ❖ Melhorar a oferta de oxigênio às células é imprescindível no tratamento do choque ❖ A oximetria de pulso não é confiável nessa situação devido à má-perfusão periférica, devendo ser inicialmente guiada pela gasometria arterial ❖ Dependendo da gravidade do caso, pode-se iniciar com máscara de O2 ou cânula nasal de alto fluxo ❖ Ventilação não invasiva (VNI) pode ser uma alternativa em casos selecionados de IC aguda - Entretanto, em pacientes com hipoxemia refratária e/ou grave, deve-se considerar a intubação orotraqueal de rápida sequência, seguida de ventilação mecânica. Assim, as vias aéreas ficam protegidas de aspiração orotraqueal e a hipoxemia é corrigida de maneira mais rápida e eficaz OUTROS TÓPICOS IMPORTANTES DO TRATAMENTO ❖ Hidrocortisona: indicada em pacientes que persistem hipotensos a despeito do uso de noradrenalina ou que necessitam constantemente aumentar a BIC de noradrenalina para manter PAM ≥ 65 mmHg; a dose é de 200 mg, IV, em BIC, a cada 24 horas ou 50 mg, IV, 6/6 horas ❖ Insulina (controle glicêmico): pacientes que apresentam glicemias acima de 180 mg/dL devem receber insulina regular IV, com a meta de mantê-las em valores abaixo de 180 mg/dL, necessitando de controles a cada 1 a 2 horas ❖ Profilaxia de tromboembolia venosa: se não houver contraindicação, recomenda-se profilaxia farmacológica e/ou mecânica ❖ Farmacológica: heparina de baixo peso molecular 1 x/dia é a preferência (enoxaparina, dalteparina etc.); heparina comum é uma alternativa ❖ Mecânica: dispositivos de compressão pneumática intermitente devem ser indicados - Se houver contraindicação à terapia farmacológica - Associados a uma das heparinas ❖ Profilaxia de sangramento digestivo: indicado se houver risco de sangramento (p. ex., ventilação mecânica > 48 horas, coagulopatia, necessidade de vasopressor): - Antagonista H2: ranitidina, 50 mg, IV, de 8/8 ou 6/6 horas; ou - Bloqueador da bomba de prótons: omeprazol, 40 mg IV, 1 ou 2 x/dia ❖ Transfusão de hemácias: indica-se a transfusão de hemácias se o valor de hemoglobina for menor que 7 g/dL com a meta de mantê-la entre 7 e 9 g/dL, exceto em circunstâncias especiais, em que a transfusão pode ser mais liberal, tais como: presença de isquemia miocárdica, hipoxemia muito grave ou hemorragia aguda (choque hemorrágico) HEMODERIVADOS ❖ O sangue coletado e não processado é conhecido como sangue total e tem sua aplicação transfusional praticamente abolida. O resultado do processamento por fracionamento resulta na produção dos diferentes hemocomponentes descritos abaixo: - Concentrado de hemácias (CH); - Concentrado de plaquetas (CP); - Plasma fresco congelado (PFC); - Crioprecipitado (CRIO); - Concentrado de granulócitos (CG). 11 CONCENTRADO DE HEMÁCIAS ❖ O CH é preparado com base no sangue total, por centrifugação, tem hematócrito de 65 a 80% e volume entre 200 e 250 mL, apresenta quantidades residuais de plaquetas e leucócitos não funcionantes, bem como o plasma restante (± 60 mL), que não contém fatores de coagulação lábeis; ❖ O propósito primário da transfusão de CH é aumentar a concentração de oxigênio aos tecidos melhorando a disponibilidade de oxigênio tecidual; RECOMENDAÇÕES: - A transfusão não está indicada quando Hb > 10 g/dl. - A transfusão está habitualmente indicada quando Hb < 7 g/dl. - A transfusão deve ser administrada conforme a velocidade de perda. No máximo 2 Unidades de CH por solicitação. É aconselhável reavaliar o paciente após cada unidade transfundida, até que se atinja o nível de Hb entre 7 e 10 g/dl assim como a estabilidade hemodinâmica. Verificar o quadro clínico (taquicardia, hipotensão) e parâmetros laboratoriais. - Em pacientes acima de 65 anos ou cardiopatas instáveis e pneumopatas, é aceitável transfundir quando Hb < 8 g/dl. - Em pacientes com 65 anos sintomáticos, é aceitável 12 transfundir quando Hb < 10 g/dl. - Em coronariopatas, na vigência ou com história de doença coronariana instável, é aceitável transfundir quando Hb < 11 g/dl. - Em pacientes urêmicos com sangramento, transfundir se Hb < 10 g/dl. PROCEDIEMNTOS ESPECIAS ❖ CH lavadas: - Os CH podem ser lavados com solução salina estéril. Tal procedimento tem como finalidade a remoção de quase todo o plasma residual (aproximadamente 98%), reduzindo a quantidade de leucócitos e removendo plaquetas e restoscelulares. ❖ CH desleucocitado: - Os CH desleucocitados são aqueles dos quais foram retirados mais de 99,9% de leucócitos. ❖ CH irradiadas: - A irradiação de componentes sangüíneos celulares (CH, CP e CG) tem como finalidade prevenir a DECH pós- transfusional mediada por linfócitos T. ❖ CH fenotipadas: - CH fenotipadas são aquelas nas quais há ausência de antígenos para outros sistemas de grupos sangüíneos que não ABO e Rh. ❖ CH CMV-negativo: - Com o objetivo de diminuir o risco de transmissão de citomegalovírus (CMV) pós-transfusional. ❖ CH criopreservadas: - São CH submetidos a processo de congelamento por meio de uma substância crioprotetora e estocados em freezer a -65°C ou menos, com validade de dez anos. ❖ Autotransfusão: - É uma alternativa para evitar uso de sangue homólogo. É o processo de coleta, estocagem e reinfusão de sangue do próprio paciente. TESTES PRÉ-TRANSFUSIONAIS ❖ Os testes pré-transfusionais têm como objetivo fundamental garantir a compatibilidade sanguínea entre doador e receptor a fim de que os hemocomponentes transfundidos tenham sobrevida aceitável e não causem dano ao receptor; ❖ Em hemocomponentes que contenham eritrócitos, como sangue total, CH e CG, é obrigatória a realização dos seguintes testes: - Na amostra sanguínea do receptor: determinação do grupo ABO e tipo Rh e pesquisa de anticorpos irregulares; - Na amostra do hemocomponente: redeterminação do grupo ABO/Rh, teste de hemólise e prova cruzada maior entre o soro do receptor e as hemácias do doador. EFEITOS ADVERSOS/COMPLICAÇÕES TIPOS MAIS FREQUENTES ❖ Reação Hemolítica Aguda: é a reação mais grave e põe em risco a vida do paciente, devido à hemólise intravascular. Está relacionada normalmente à incompatibilidade ABO e pode ocorrer devido a erros na identificação da amostra de sangue para classificação sanguínea, identificação errada da bolsa de sangue ou erro na identificação do paciente; - Os sintomas mais comuns são: febre, calafrios, dor lombar e no local da punção venosa, hemoglobinúria, dificuldade respiratória, hipotensão e choque. Ainda pode haver CIVD e insuficiência renal; - Deve-se hidratar o paciente, acompanhando a diurese, e corrigir a CIVD com hemocomponentes. ❖ Reação febril não-hemolítica: é o tipo mais frequente de reação; - Pode ser associada à febre e calafrios; - Geralmente ocorre em pacientes politransfundidos, devido aos anticorpos contra antígenos leucocitários do CH e citocinas. Antitérmicos e meperidina são utilizados para debelar a febre e o calafrio, respectivamente. Para prevenir o aparecimento de outras reações deste tipo, recomenda- se transfundir hemocomponentes desleucocitados ou filtrados. 13 ❖ Reação anafilática: reação de hipersensibilidade imediata, mediada por IgE. O alérgeno é algum anticorpo presente no plasma do doador; - Normalmente ocorre nos primeiros minutos da transfusão, e os sintomas mais comuns são tosse, broncoespasmo, insuficiência respiratória, síncope, choque, náusea, dor abdominal hipotensão, e até óbito; - Interromper imediatamente a transfusão e utilizar adrenalina e anti-histamínicos são indicados no tratamento da reação. Devese lavar o CH para retirar o máximo possível de anticorpos plasmáticos. ❖ Reação alérgica: reação decorrente de alergia do receptor a alguma substância no plasma do doador, mediada por anticorpos anti-IgE ou anti-IgG. Os sintomas mais comuns são: urticária, rash cutâneo, prurido e febre; - Para tratar, deve-se utilizar anti-histamínicos, e estes também podem ser utilizados antes das próximas transfusões. ❖ TRALI - Lesão Pulmonar Aguda Relacionada à Transfusão: reação associada a várias etiologias, como: transfusão de anticorpos dirigidos contra o sistema HLA ou antígenos neutrofílicos que reagem com leucócitos e plaquetas do receptor, levando a uma sequência de eventos que aumentam a microcirculação pulmonar, permitindo a passagem de líquido para os alvéolos; - Demora em média 4 a 6 horas para aparecer, caracterizada por insuficiência respiratória grave com febre, dispneia e choque; - Deve-se interromper a transfusão imediatamente, iniciar suporte de oxigenoterapia e acompanhamento em UTI de suporte, se possível; - É importante utilizar CHL sempre que possível para reduzir o número de anticorpos plasmáticos. TRANSFUSÃO SANGUÍNEA – QUESTÕES BIOÉTICAS Segundo a RESOLUÇÃO CFM nº 1.021/80: Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis. ❖ A Resolução CFM 1.021/80 encontra-se superada pela jurisprudência do próprio Conselho Federal de Medicina. De fato, o Tribunal Superior de Ética Médica do CFM, nas únicas três vezes que chamado a enfrentar o tema, em diferentes câmaras, expressou o mesmo entendimento sóbrio e coerente: o médico que deixa de transfundir sangue em paciente, respeitando sua consciência e valores íntimos, não comete nenhuma infração ética. O “iminente perigo de vida” não retira a validade da manifestação prévia do paciente ❖ O Código de Ética Médica que, assim como a Resolução CFM 1.021/80, é hierarquicamente inferior à Constituição Federal ; - A afronta deliberada da autonomia do paciente adulto por mera intepretação de preceitos éticos do CFM é ilegal e coloca cada vez mais o profissional de saúde em franca situação de risco jurídico. ❖ O artigo 56 do Código de Ética Médica muitas vezes tem sido citado para apoiar a idéia de que o médico pode desrespeitar as decisões feitas de antemão pelo paciente no que tange ao seu tratamento de saúde, e praticar um ato médico que o paciente considera impróprio para si, se o paciente estiver em iminente risco de vida. ❖ A razão para essa desconsideração para com as crenças individuais, segundo alguns pensadores, seria a beneficência. Porém, Sprung e Eidelman escreveram que a "beneficência requer que o médico faça o que beneficiará o seu paciente, de acordo com a visão do paciente e não com a visão do médico”. O respeito à autonomia do paciente deve estender-se aos seus valores religiosos. Certamente, os profissionais de saúde estarão agindo dentro dos limites da ética médica ao respeitar as crenças religiosas de seus pacientes, provendo- lhes tratamento médico compatível com tais crenças. ❖ É preciso alertar que o apego a uma Resolução que contraria a lei e a Constituição tem levado profissionais à prática de transfusão de sangue forçada mediante atos desumanos (contenção no leito por meio de amarrações, uso de sedativos, aflição mental, etc.); - O médico pode ser acusado quando intervêm contra a vontade do paciente nesses moldes, faltando ao respeito com sua consciência, como crime de tortura, independentemente da existência de iminente risco de vida. ❖ E algo de extrema importância deve ser salientado: legalmente, o médico não se compromete a curar; - A Medicina é considerada como atividade de meio; não de resultado. Assim, o comprometimento do médico é com o domínio de sua técnica e com o respeito ao seu paciente como ser dotado de valor próprio e autodeterminação. 14 ❖ Uma das preocupações dos médicos no atendimento de pacientes Testemunhas de Jeová é a propalada responsabilidade pelo crime de omissão de socorro, tipificado no art. 135 do Código Penal; - A análise do tipo indica que a conduta punível do art. 135 do Código Penal é “deixar de prestar assistência”; ❖ Contudo “deixar significa abandonar, largar, soltar”. É preciso, portanto, que o paciente nãoreceba qualquer tratamento médico ou simplesmente não seja atendido, para configurar omissão de socorro. ❖ Além do mais, o crime de omissão de socorro só é punido a título de dolo, ou seja, é necessária manifesta intenção por parte do médico de abandonar aquele que necessita de ajuda, deixando deliberadamente de prover-lhe o socorro necessário, abandonando-o à sua própria sorte e risco. Há nítida diferença entre “deixar de prestar assistência” e tratar o paciente com o emprego de técnicas que dispensam o uso de transfusão de sangue. ❖ Curiosamente, não há registro na jurisprudência de condenação por omissão de socorro médico no tratamento de pacientes Testemunhas de Jeová. ❖ O que fazer diante deste cenário? Em virtude da posição claudicante do CFM no assunto, recomenda-se aos diligentes profissionais de saúde que se mantenham informados e atualizados com os contínuos avanços médicos; ❖ O dever de atualização envolve conhecer e utilizar os tratamentos e procedimentos médicos que dispensam o uso de transfusões de sangue. ❖ Em casos de emergência, no qual se perde muito plasma (parte líquida do sangue), utilizam-se os Expansores do volume do Plasma, tais como os Cristalóides (incluindo a solução salina, lactato de Ringer e a solução salina hipertônica), os quais são fluidos intravenosos compostos de água, com vários sais e açucares, que têm a função de manter o volume circulatório do sangue no corpo. ❖ Nos casos de pacientes que dão entrada no hospital com uma variedade de ferimentos, utilizam-se os equipamentos de Recuperação intraoperatória de sangue; - Assim, recupera-se parte do sangue derramado (o qual é lavado ou filtrado pelo equipamento) e depois ele é reinfundido no paciente; - O sangue pode ser desviado do paciente para um aparelho de hemodiálise ou para uma bomba coração- pulmão. O sangue flui para fora através de um tubo até o órgão artificial que o bombeia e filtra (ou oxigena) e daí volta para o sistema circulatório do paciente. ❖ Há também instrumentos para a Recuperação pós- operatória do sangue (tubo de drenagem, no qual o sangue derramado é processado e devolvido ao paciente). ❖ A Hemodiluição, quando é usado um circuito fechado e não se faz coleta de sangue pré-operatório é aceitável para muitas Testemunhas de Jeová.
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