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Continente sombrio: a Europa no século XX (Mark Mazower)

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MAZOWER, Mark. O templo deserto: ascensão e queda da democracia. In: Continente 
sombrio: a Europa no século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 
 
A democracia liberal na Europa durante o entreguerras foi um experimento 
fadado ao fracasso 
 “o triunfo do liberalismo foi efêmero. A Revolução Russa e o espectro da subversão 
comunista lançaram sua sombra sobre o continente. Os valores democráticos 
desapareceram, e a polarização política levou grande parte da Europa à beira da guerra 
civil. Em muitos países, as elites governantes logo se mostraram inicialmente 
anticomunistas e depois democratas. Isso se evidenciou na Hungria, já em 1919, com a 
supressão do governo revolucionário de Béla Kun e a implantação do regime do almirante 
Horthy. Na Itália, as elites liberais apoiaram a formação de um governo fascista em 1922. 
Primo de Rivera tomou o poder na Espanha; a república portuguesa sucumbiu à ditadura 
do professor Salazar. A Polônia rompeu com o parlamentarismo em 1926, após uma fase 
de hiperinflação e instabilidade política. Ao iniciar-se a Grande Depressão, em 1929, um 
governo após outro se encaminhou para a direita. A tendência parecia inexorável” (p. 18). 
[...] 
“Na década de 1930 os parlamentos pareciam seguir o caminho dos reis. A esquerda havia 
sido derrotada ou posta na defensiva praticamente em todos os países a oeste da União 
Soviética, e todos os grandes debates políticos ocorriam na direita. Só nos extremos 
setentrionais do continente o parlamentarismo sobrevivia”. 
“Hoje é difícil ver como novidade o experimento com a democracia no período de 
entreguerras: contudo, não devemos supor que a democracia seja própria da Europa. 
Gostaríamos de acreditar que sua vitória na Guerra Fria constitui a prova de que suas 
raízes se entranham no solo europeu, mas a história nos diz outra coisa. Vencedora em 
1918, a democracia praticamente se extinguiu vinte anos depois. Talvez estivesse fadada 
a fracassar numa época de crise política e turbulência econômica, pois seus defensores 
eram utopistas demais, ambiciosos demais, poucos demais. Por se concentrar nos direitos 
constitucionais e negligenciar as responsabilidades sociais, ela muitas vezes parecia mais 
adequada ao século XIX que ao XX. Na década de 1930 tudo indicava que a maioria dos 
europeus já não queria lutar por ela; havia alternativas não-democráticas para enfrentar 
os desafios da modernidade. A Europa encontrou outras formas, autoritárias, de ordem 
política que não eram mais estranhas a suas tradições, nem menos eficientes como 
organizadoras da sociedade, da indústria e da tecnologia” (p. 19). 
 
A ascensão da democracia liberal no pós-guerra 
“Com a vitória das forças da Entente e dos Estados Unidos, em 1918, a reivindicação de 
reforma constitucional empolgou a Europa centro-oriental. Com a derrota da Alemanha, 
a Polônia e os Estados bálticos apressaram-se em afirmar suas ambições liberais e em 
elaborar constituições devidamente democráticas” (p. 20) 
[...] 
“em meio ao caos do pós-guerra na Europa central onde nacionalistas paramilitares, 
bandidos, camponeses e radicais e pró-bolcheviques procuravam explorar o colapso do 
antigo regime, advogados e políticos da classe média tentavam estabelecer as bases de 
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uma nova ordem democrática e constitucional [...]. Naquela estonteante primeira década 
do pós-guerra o jurista era rei. Os professores universitários exerciam extraordinária 
influência, e especialistas como Hugo Preuss, na Alemanha, e Hans Kelsen, na Áustria, 
puseram em prática suas teorias na constituição de seu respectivo país”. 
“Foram buscar inspiração em constituições liberais como a da França, dos Estados 
Unidos, da Inglaterra e da Suíça, tomando-a muitas vezes ao pé da letra. Contudo, 
superaram-nas em seu zelo para construir democracias realmente representativas 
abrangentes. O trabalho que fizeram refletiu as doutrinas mais modernas do direito 
público e sua relação com a política e a sociedade. O objetivo fundamental de seu esforço 
foi, segundo um importante comentarista, subordinar a política à lei, ‘racionalizar’ o 
poder e eliminar as incongruências e os resíduos irracionais da velha ordem feudal, 
considerando cada aspecto da vida social e política em artigos constitucionais 
específicos” (p. 21). 
[...] 
“A maioria das novas constituições começava enfatizando seu caráter democrático, 
nacional e republicano” (p. 22). 
[...] 
As novas constituições se afastaram nítida e polemicamente dos valores liberais do século 
XIX ao estender os direitos das liberdades políticas e civis às áreas da saúde, do bem-
estar, da família e da previdência social. Os objetivos da política social – novos na 
ambição e nas promessas – estavam presentes não só na Constituição de países como a 
Alemanha e a Áustria, onde os social-democratas detinham o poder no final da guerra, 
mas também na da Romênia, que falava dos ‘direitos sociais do homem’, e na do Reino 
dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, que mencionava a reforma agrária e a necessidade de 
uma legislação social e econômica. A Constituição espanhola declarou o país ‘uma 
república democrática de trabalhadores de todas as classes’ e estabeleceu a possibilidade 
de expropriações ‘para usos sociais’” (p. 23). 
[...] 
“as novas constituições tentaram conciliar o parlamentarismo antiquado com as pressões 
contemporâneas de uma sociedade de massas moderna que emergia da devastação da 
guerra. Misto de otimismo e ansiedade, espelharam a ambígua situação dos defensores da 
democracia – a burguesia europeia – no pós-guerra” (p. 23). 
 
O triunfo de Lenin 
 O triunfo de Lenin, “como depois o de Mussolini na direita, foi realmente consequência 
do fracasso do liberalismo. Os liberais russos foram os primeiros, mas não os últimos, a 
acreditar, erroneamente, que se podia resolver uma profunda crise social oferecendo ao 
‘povo’ liberdades constitucionais. Tais liberdades não eram o que ‘o povo’ – sobretudo 
os 15 milhões de camponeses conscritos - queria. Paz e terra interessavam-lhe mais, e os 
liberais não lhe ofereciam nem uma nem outra, assim como pouco tinham a oferecer aos 
trabalhadores urbanos. A ordem social estava ruindo nas fábricas, nos campos, nas Forças 
Armadas, e entre os políticos russos não havia meio-termo. O governo provisório de 
Kerensky se esvaziara muito antes de a Guarda Vermelha de Trotsky tomar o poder em 
Petrogrado” (p. 24). 
3 
 
[...] 
“A cidadania nesse novo Estado era irrestrita – ao menos teoricamente – no tocante a sexo 
e local de nascimento, de modo que os direitos civis se estendiam às mulheres e alguns 
estrangeiros. Era restrita, porém, no tocante à condição social, favorecendo ‘o 
proletariado urbano e rural’ e ‘os camponeses mais pobres’: o voto foi negado a pelo 
menos sete categorias de pessoas – entre elas as que viviam de rendas, os monges e os 
comerciantes. Ademais, todos os direitos eram condicionais: o governo podia suspendê-
los, se considerasse seu exercício prejudicial à revolução socialista. Quando o 
menchevique Martov criticou as repetidas violações da Constituição por parte da 
Revolução, em dezembro de 1919, Lenin replicou que o (p. 25) que Martov reivindicava 
‘voltar à democracia burguesa, e nada mais’, acrescentando que ‘o terror e a Cheka são 
[...] indispensáveis’. Um ano depois foi ainda mais claro. ‘O termo científico ‘ditadura’ 
equivale pura e simplesmente a autoridade livre de qualquer lei, isenta de qualquer norma 
e baseada na força’, escreveu. Assim, o regime comunista manifestou seu caráter 
absolutista muito antes de Stalin; como no tempo dos czares, preservou uma concepção 
administrativa da lei, em vez de adotar uma visão coerente com a separação ‘burguesa’ 
de poderes. Naturalmente diferia do regime czarista e, mais importante, das inovações 
constitucionais que ocorriam na Europa por priorizar os benefícios socioeconômicos das 
massas – moradia, assistência médica,educação, liberalização das leis do casamento e do 
divórcio – em detrimento das clássicas liberdades individuais. Mas diferia também por 
ver a política revolucionária como guerra civil, em que o terror por parte do Estado 
desempenhava um papel especial como instrumento da luta de classes’. 
Todavia, o desenvolvimento do sistema soviético teve sobre o restante da Europa um 
impacto menos imediato do que parecia em 1918. A intervenção do Ocidente na Guerra 
Civil Russa não conseguiu derrubar o regime comunista. Em contrapartida, no resto do 
continente a temida revolução ou não se materializou, ou foi facilmente reprimida. Apesar 
da onda de sovietes, greves, motins e insurreições que inundou a Europa em 1918-9, da 
Escócia ao Adriático, com arruaças na Alemanha e uma violenta guerra civil na Finlândia, 
o regime bolchevique só chegou ao poder e o deteve durante algum tempo na Hungria. 
Como na Rússia, a consequência foi a guerra civil, porém o desfecho foi muito diferente” 
(p. 26). 
 
A ascensão do fascismo na Itália 
“Em outubro de 1922, quando o rei convidou Mussolini a compor o governo, o 
movimento fascista ainda era relativamente pequeno. O que o ajudou a chegar ao poder 
foi menos a impressão criada pela melodramática, para não dizer farsesca, Marcha sobre 
Roma, que o medo do socialismo, gerado pelos resultados do novo sufrágio universal 
masculino nas eleições de 1919. Esse medo explica por que vastas camadas da polícia, 
do funcionalismo público, da Justiça e do Parlamento viam o fascismo com simpatia. O 
primeiro governo de Mussolini consistiu numa coalizão com outros três partidos políticos. 
Sem seu apoio, sobretudo dos liberais, Mussolini não teria sido capaz de formar um 
gabinete. Sem seu apoio, e inclusive o dos socialistas, não teria sido capaz de fazer 
aprovar a reforma eleitoral de 1923, que assegurou ao governo o controle sobre a Câmara 
dos Deputados” (p. 28). 
[...] 
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“Nos quatro anos seguintes os contornos do Estado fascista tornaram-se mais nítidos. 
Algumas características do passado persistiram: o rei se manteve como chefe de Estado 
(embora com poderes gradativamente restritos), o Parlamento prosseguiu com seus 
debates estéreis e o emprego generalizado da força policial nas províncias continuou 
sendo tão indispensável quanto na época dos liberais. Assim, sob alguns aspectos o 
fascismo sucedeu tranquilamente ao liberalismo, e a democracia de massa do pós-guerra 
foi como um brevíssimo interlúdio numa longa história de elites governantes”. 
 “A grande diferença entre o fascismo e o liberalismo estava na franca defesa do Estado 
autoritário. ‘A disciplina tem de ser aceita’, afirmou Mussolini, que, afinal, escolhera 
como símbolo de seu movimento o fasces, representação da autoridade na Roma antiga. 
‘Quando não é aceita, tem de ser imposta’. Os direitos individuais e coletivos 
naturalmente se reduziram. As virtudes da violência foram exaltadas e o Parlamento foi 
acusado de ineficiência e retórica vazia. Como o próprio Duce explicou em sua prosa 
inimitável: 
O fascismo rejeita na democracia o embuste convencional da igualdade 
política, o espírito de irresponsabilidade coletiva e o mito da felicidade e do 
progresso indefinido [...] Não se deve exagerar a importância do liberalismo 
no século passado, nem convertê-lo numa religião da humanidade para o 
presente e o futuro, quando na realidade ele foi apenas uma das muitas 
doutrinas daquele século [...] Agora o liberalismo está prestes a fechar as 
portas de seu templo deserto [...] É por isso que todos os experimentos 
políticos do mundo contemporâneo são antiliberais e o desejo de excluí-los da 
história é supinamente ridículo: como se a história fosse uma zona de caça 
reservada para o liberalismo e os professores, como se o liberalismo fosse a 
última e incomparável palavra em civilização [...] O presente século é o século 
da autoridade, um século da direita, um século fascista. 
Ao atacar o individualismo liberal, o fascismo propôs um projeto social revolucionário 
em suas implicações: a divisão burguesa da vida em esferas pública e privada devia ceder 
lugar a uma concepção ‘totalitária’ da política como uma experiência de vida completa 
(p. 29): ‘Não se pode ser fascista na política [...] e não-fascista na escola, não-fascista no 
círculo familiar, não-fascista no trabalho’. Com todas as reviravoltas do longo governo 
do Duce, ao menos esses elementos do fascismo se mantiveram constantes (p. 30). 
 
A crise da democracia liberal 
A crise da democracia liberal “ultrapassava o sistema eleitoral. Os partidos políticos – 
altamente organizados e dispondo, em geral, de serviços educacionais, culturais, 
beneficentes e paramilitares próprios – muitas vezes eram acusados de atuar como 
intermediários de interesses seccionais, quando deveriam representar o país como um 
todo. Um teórico conservador alemão falou do ‘egotismo’ dos partidos políticos e viu sua 
influência como o ‘sintoma de uma enfermidade’ e ‘uma degeneração’. Os belgas 
referiam-se depreciativamente ao ‘regime de partidos’ que detinha o poder. Havia os 
partidos dos camponeses; havia o partido Social-Democrata e o Comunista para o 
operariado; havia até um ‘partido das Classes Médias, dos Artesãos e Comerciantes’ (na 
Tchecoslováquia). Organizavam-se partidos por etnias e por classes. Um efêmero Partido 
pela Renovação Espiritual surgiu em Weimar. O Parlamento parecia uma lente que 
aumentava as tensões sociais, nacionais e econômicas, em vez de resolvê-las. Não era 
raro ver deputados trocando insultos e atirando cadeiras uns nos outros. Um caso extremo 
foi o do parlamentar sérvio que em 1928, no Skupstina [Parlamento] de Belgrado, matou 
o líder croata do Partido dos Camponeses com um disparo à queima-roupa; seu gesto 
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levou o rei Alexandre a dissolver o Parlamento, revogar a Constituição e, numa atitude 
de extrema esperança, rebatizar a terra dos Sérvios, Croatas e Eslovenos com o nome de 
Reino da Iuguslávia. Mas isso de pouco adiantou, e em 1934 o próprio Alexandre foi 
assassinado por nacionalistas croatas radicais (p. 31). 
[...] 
“A multiplicidade de interesses partidários concorrentes dificultava cada vez mais a 
formação de governos. Depois de 1918 praticamente não havia na Europa um país em 
que um gabinete tivesse permanecido mais de um ano no poder; a média era de oito meses 
na Alemanha e na Áustria, cinco na Itália e menos de quatro na Espanha após 1931. Na 
Terceira República francesa – modelo ineficaz de tantas constituições da Europa oriental 
- , a duração média do gabinete caiu de dez meses, em 1870-1914, para oito em 1914-
32 e quatro em 1932-40. Esse quadro refletia a falta quase universal de legislaturas 
bipartidárias estáveis ou de partidos capazes de comandar maiorias absolutas. ‘Restaurar 
a autoridade do Estado numa democracia [...] será [...] o primeiro e mais cruel item de 
nosso programa’, Paul-Boncour anunciou em dezembro de 1932; seu gabinete caiu um 
mês depois. Tais governos naturalmente encontravam dificuldades para fazer aprovar 
reformas socioeconômicas prometidas em suas constituições e nos programas dos 
partidos” (p. 32). 
“O impasse do Legislativo provocou reivindicações por um fortalecimento do Executivo” 
(p. 33). 
[...] 
Revisões constitucionais com o propósito de reforçar o Executivo ocorreram na Polônia 
e na Lituânia (1926 e 1935), na Áustria (1929) e na Estônia (1933 e 1937). A Constituição 
espanhola de 1931 – a mais moderna na Europa do entreguerras – autorizou a delegação 
de substancial poder legislativo ao Executivo. Muitos temiam, porém, que tais medidas, 
em vez de salvaguardar a democracia, acabassem preparando o caminho para a ditadura 
– como aconteceu, por exemplo, na Polônia de Pilsudski. ‘Precisamos defender a 
democracia’, o liberal francês Victor Basch advertiu a Liga dos Direitos do Homem em 
maio de 1934. ‘Não aceitaremos a dissolução do Parlamento,nem esses decretos lei que 
podem ser constitucionais, mas contrariam os próprios princípios da democracia’”. 
“É justamente aqui que podemos distinguir o choque entre os democratas liberais, para 
os quais ‘o poder’ constituía ‘um inimigo que nunca se conseguiria enfraquecer o 
bastante’, e os constitucionalistas mais pragmáticos, para os quais, numa crise, o 
Executivo devia usar todos os poderes constitucionais disponíveis a fim de preservar a 
substância da democracia. Em nenhum lugar esse choque teve implicações mais 
profundas que na Alemanha de Weimar” (p. 33). 
 
A crise do Parlamento na Alemanha de Weimar 
 “No final da década de 1920 o jurista de direita Carl Schmitt já havia analisado o ‘estado 
de exceção’ – no qual se empregam poderes constitucionais de emergência para defender 
a Constituição, e não para instituir uma ditadura. Com o Reichstag paralisado, Schmitt 
promoveu a concepção do presidente como defensor da Constituição. Entre março de 
1930 e janeiro de 1933, por meio de decretos de emergência, Weimar caminhou para um 
sistema de governo presidencialista. Nas desastrosas eleições de setembro de 1930, os 
nazistas e os comunistas despontaram como respectivamente o segundo e o terceiro 
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partidos do país, impossibilitando uma coalização de maioria e corroborando os 
argumentos de Schmitt. A Alemanha agora parecia estar numa situação em que decretos-
lei emitidos com base no artigo 48 da Constituição eram essenciais para impedir que o 
governo caísse nas mãos de partidos dedicados à completa derrocada da democracia” (p. 
34). 
[...] 
“O debate constitucional alemão - semelhante a muitas discussões travadas alhures - 
elucida o complexo relacionamento entre o autoritarismo e a democracia na atmosfera de 
crise existente na Europa do entreguerras. Weimar nos anos 1920 era claramente uma 
democracia; sob o chanceler Brüning, era menos democrática; sob Von Papen e 
Schleicher – o predecessor imediato de Hitler – já estava prestes a se converter num 
Estado autoritário. A maioria das pessoas achava necessário rever o modelo liberal de 
democracia parlamentar, mas havia duas questões importantes: primeiro, em que medida 
transferir poderes do Legislativo para o Executivo; segundo, que função o Parlamento 
devia ter quando o Executivo predominasse. Afinal, era raro dissolver por completo os 
parlamentos ou suspendê-los por tempo indeterminado; eles persistiram, como sombras, 
na Alemanha de Hitler, na Itália fascista e em muitos Estados autoritários – sinal de que 
esses regimes ainda desejavam o tipo de legitimidade popular que as assembleias 
representativas podiam oferecer, qualquer que fosse sua constituição”. 
 
O triunfo da violência sobre a democracia 
 “Os parlamentos não eram o único foco de controvérsia; a democracia liberal sofria 
ataques de uma frente muito mais ampla. Para formular a questão da maneira mais 
simples: até onde ia a mentalidade democrática da Europa no entreguerras? (p. 34) 
Juristas desiludidos diziam que o problema estava não no excesso de democratismo das 
constituições, mas numa ausência de valores democráticos entre o povo. Moritz Bonn 
repetiu a opinião de muitos ao dizer que por trás da crise dos parlamentos estava ‘a crise 
da vida europeia’” 
“Desde o último quartel do século XIX, credos antiliberais e antidemocráticos vinham 
ganhando terreno. Na esteira da Grande Guerra eles difundiram-se rapidamente por meio 
de um ‘evangelho da violência’, mais visível no movimento fascista, porém comum a 
muitos membros do que um historiador chamaria de ‘geração de 1914’. Criados na 
guerra, ideólogos extremistas preferiam a violência à razão, a ação à retórica: de Marinetti 
a Ernest Jünger, muitos jovens europeus dos anos 1920 dispunham-se a justificar e 
mesmo defender a política da confrontação. ‘Nada se realiza sem derramamento de 
sangue’, escreveu em Le feune Européen o jovem direitista francês Drieu la Rochelle. 
‘Anseio por um banho de sangue’. A violência obcecava os artistas, desde os 
expressionistas até os surrealistas. Alguns viam a herança da guerra na atmosfera de 
‘guerra interna’ que estava polarizando a maioria dos países europeus e que alcançou sua 
expressão jurídica na concepção leninista de ‘guerra civil interna’ e no ‘estado de 
emergência’ nazista” 
“Entre os veteranos do front havia pensadores como Jünger e políticos de direita como 
Rohm, dirigente das SA [Tropas de Assalto], Oswald Mosley, o nacionalista flamengo 
Joris van Severen, o húngaro Ferenc Szálasi (fundador do movimento extremista Cruz 
em Seta) e, naturalmente, o próprio Hitler . Eles criticavam a democracia por ser 
‘burguesa’: indolente, materialista, insípida e incapaz de despertar a simpatia das massas, 
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refletindo as aspirações de uma geração mais velha, cujos políticos usavam fraque e 
cartola” (p. 35). 
 
A incompatibilidade das constituições liberais com a pluralidade étnica das nações 
“Alguns críticos observaram que a democracia não conseguiu encarnar e expressar a 
nação como um todo, conforme alardeava. Antes se mostrara muito segura: ‘Nós, a nação 
tchecoslovaca, a fim de criar uma união mais perfeita da nação [...]’, dizia o preâmbulo 
da Constituição tcheca de 1920, embora ninguém soubesse se os eslovacos, os judeus, os 
húngaros e os alemães do país se consideravam incluídos nessa frase. Hugo Preuss 
declarou na Constituição de Weimar que ‘não existe nação prussiana ou bávara [...] existe 
apenas uma nação alemã, que fatos provaram o contrário: a Áustria não pôde unir-se à 
nova Alemanha e a Baviera não conseguiu separar-se; a própria Constituição foi redigida 
num clima de guerra civil. A confiante afirmação burguesa de que as constituições 
liberais reconheceriam e alimentariam a nação foi desmentida praticamente em toda parte 
por cisões étnicas e sociais. Consequentemente, aqueles que tinham como prioridade 
máxima a unidade nacional sentiam-se cada vez mais tentados por formas de governo 
mais integrais e autoritárias; a democracia liberal falhara com a nação, e era permitido 
sacrificá-la para que a nação sobrevivesse. ‘Quando uma Constituição se revela inútil’, 
Hitler escreveu ao chanceler Brüning, em1931, ‘a nação não morre – a Constituição é 
alterada’” (p. 38). 
 
A cultura política autoritária da Europa 
“A história da Europa oriental não sugeria que a democracia havia sido um presente – se 
não uma imposição – dos vencedores reunidos em Versalhes, e não o resultado de uma 
mobilização popular? As raízes superficiais da democracia na tradição política da Europa 
ajudavam a explicar por que regimes antiliberais se estabeleceram com tamanha 
facilidade e tão poucos protestos”. 
“Certa vez, Benedetto Croce definiu o fascismo como um parêntese na história 
italiana, indicando que a democracia liberal era a condição natural do país. Muitos 
críticos do fascismo preferiam ver a adesão da Europa à direita como um acesso de 
insanidade coletiva, uma forma de loucura de massa sobre a qual a razão necessariamente 
acabaria prevalecendo. Mesmo hoje parece que muita gente tende a imaginar a Europa no 
entreguerras como um continente que foi desencaminhado 
por ditadores insanos, e não que optou por abandonar a democracia. Devoramos 
livros que retratam Mussolini como um bufão, Hitler como um fanático demente 
e desorganizado, Stalin como um psicopata paranoico. Mas o que, por exemplo, a 
vida de Mussolini pode realmente dizer-nos sobre a sedução do fascismo? Michael 
Oakeshott observou em 1940 que foi um erro típico dos liberais ver o inimigo da 
liberdade como ‘o tirano isolado, o déspota’ — primeiro monarcas, depois ditadores — e 
não perceber onde estava o verdadeiro desafio à democracia” (p. 39). 
 
A derrota da esquerda europeia 
“O fato é que na maior parte da Europa – fora da faixa setentrional – em meados da década 
de 1930 o liberalismo dava mostras de cansaço, a esquerda organizada fora destruída e as 
8únicas lutas relativas a ideologia e governo ocorriam na direita – entre autoritaristas, 
conservadores, tecnocratas e extremistas. Só na França a guerra civil entre esquerda e 
direita prosseguiu nos anos 1930, até Vichy. Mas já havia eclodido na Áustria (por um 
breve período de 1934) e na Espanha (onde se estendeu por mais tempo e terminou com 
o triunfo da direita). Na Itália, na Europa central e nos Balcãs a direita detinha o poder. 
Os regimes variavam da ditadura monárquica do rei Carol, na Romênia, ao Estado de 
partido único na Alemanha e na Itália, passando pelo governo militar na Espanha, na 
Grécia e na Hungria. Nem todos eram fascistas; na verdade, alguns consideravam os 
fascistas seus maiores inimigos”. 
“A diferença crucial era entre a velha direita, que queria atrasar o relógio para voltar a 
uma época elitista pré-democrática, e a nova direita, que tomou e manteve o poder com 
os instrumentos da política de massas. A primeira incluía o general Franco e o ditador 
grego Metaxas, homens que temiam a política de massas e se aliaram a bastiões da ordem 
estabelecida, como a monarquia e a Igreja. Nos Balcãs, a direita regrediu ao século XIX, 
quando um monarca forte e autocrático escolhia seus ministros, supervisionava os 
partidos políticos e organizava eleições rigidamente controladas”. 
 
A vitória eleitoral da extrema-direita 
“A nova direita radical, em contrapartida, chegou ao poder na Itália e na Alemanha por 
meio de eleições e do processo parlamentar. Seu instrumento foi o partido, que lhe 
conferiu legitimidade e poder numa época de sufrágio universal, assim lhe permitindo 
suplantar e enfraquecer conservadores obsoletos, menos habituados com o novo jogo da 
política de massas. Quando explicou ao chanceler Brüning que ‘a tese fundamental da 
democracia é: Todo o poder emana do povo’, Hitler estava falando como o líder de um 
partido vitorioso nas urnas. Movimentos abrangentes, como o NSDAP (o Partido 
Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), eram os autênticos sucessores dos 
impulsos populistas da década de 1920, pois reconheciam o tremendo poder incorporado 
na reivindição popular por um governo representativo. A verdadeira tensão entre a velha 
e a nova direita evidenciava-se mais em países como a Áustria, a Hungria e a Romênia, 
onde, nos anos 1930, eclodiram conflitos políticos mortais entre conservadores e 
nacionalistas radicais”. 
“Naturalmente, essa nova direita, apesar de usar o partido de massas como veículo para 
o poder, insistia em que não estava dando continuidade ao jogo parlamentar e propunha 
alternativas ao parlamentarismo a fim de satisfazer a reivindicação por formas 
unificadoras de políticas participativas que surgiu depois de 1918” (p. 41). 
[...] 
A lei na Alemanha nazista 
“Se as constituições liberais europeias da década de 1920 visavam subordinar a política 
à lei, para Hitler a lei estava subordinada à política. No entanto, o Terceiro Reich não era 
um Estado sem lei. Ao contrário, o regime nazista dizia defender a lei e a ordem contra 
as forças da anarquia, e tal afirmação era fundamental para sua popularidade e auto-
imagem. Nos três primeiros anos do Terceiro Reich, publicaram-se mais de 4 mil 
estatutos, decretos e ordens só no boletim oficial. Depois de eliminar seu colega Ernst 
Rohm na Noite dos Longos Punhais, em 1934, Hitler expediu um decreto em que 
declarava ‘legais as medidas tomadas nos dias 30 de junho e 1º e 2º de julho para reprimir 
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ataques traiçoeiros’. Havia lei de sobra no Terceiro Reich, mas ela funcionava numa 
relação com a política muito diferente da que existia nas democracias”. 
“A tradição jurídica alemã sempre fora extremamente conservadora. O positivismo, a 
natureza autocrática da administração guilhermina e a estrutura da carreira judiciária 
levaram os juízes a ver a lei como um instrumento para proteger o Estado, não o indivíduo 
(p. 44). Na época de Weimar, suas simpatias conservadoras e nacionalistas revelaram-se 
em sua tolerância com a extrema direita. Depois de 1933, elas se adaptaram às novas 
circunstâncias, consolando-se com a ideia de que o nacional-socialismo era uma 
continuação legal dos regimes anteriores. No entanto, logo se evidenciou que, por trás da 
fachada de legalidade, o regime acalentava aspirações revolucionárias” 
“Para começar, os nazistas repudiaram explicitamente os valores da jurisprudência liberal 
representados pela Constituição de Weimar. [...] Em vez de elaborar uma nova 
Constituição, como fizeram os bolcheviques, os nazistas basearam sua justiça no 
Führerprinzip – o princípio de que a Justiça devia refletir a vontade de Hitler, 
funcionando como um instrumento do regime para alcançar seu objetivo de construir uma 
‘comunidade racial sadia’. O Führerprinzip subordinava os ‘critérios jurídicos formais’ 
a medidas arbitrárias validades pela autoridade de Hitler. A ‘proteção de 
Volksgemeinschaft’ significava que a lei não protegia mais os direitos dos judeus e dos 
ciganos, nem os das classes de arianos ‘degenerados’: indivíduos insociais, 
homossexuais, física e mentalmente deficientes e outros. A repressão policial e a 
violência médica cresceram em intensidade e substituíram os esquemas terapêuticos do 
Estado assistencial de Weimar. O famoso Roland Freisler enfatizou que ‘os direitos 
fundamentais que criam esferas livres para indivíduos intangíveis ao Estado são 
irreconciliáveis com o princípio totalitário do Novo Estado’” (p. 45). 
[...] 
“O abandono do liberalismo na busca de uma comunidade racial sadia evidenciava-se não 
só no predomínio da ideologia sobre o precedente jurídico, mas também na extensão da 
política a todas as áreas da vida. A lei nazista - ainda mais que indivíduo, mediante o que 
o próprio Hitler definiu como seu ‘amplo direito ao poder, destruindo todas as formas 
liberais de autonomia’. A velha distinção burguesa entre público e privado era contestada, 
pois ‘na luta do povo alemão pela própria preservação já não existe nenhum aspecto da 
vida que não seja político’. Um jurista nazista afirmou que ‘a chamada esfera privada é 
apenas relativamente privada; é ao mesmo tempo potencialmente política’”. 
“Por um lado, os membros da Volksgemeinschaft beneficiaram-se com um Estado ativista 
que construía moradias, orientava a educação das crianças, publicava livros de culinária, 
custeava férias e oferecia moderna assistência médica – muitas vezes adotando a mesma 
política de bem-estar intervencionista iniciada pelos social-democratas na década de 1920 
e despertando o mesmo tipo de intenso idealismo cívico (p. 46). Por outro lado, porém, a 
saúde da coletividade implicou a segregação, a esterilização e até a eliminação, por parte 
do Estado, dos indivíduos mental, física ou racialmente doentes, o controle do casamento 
e da reprodução e violentas sanções contra quem dele discordasse. A tradicional unidade 
familiar viu-se, assim, sustentada mas também subjugada por um poder superior”. 
“O medo da denúncia e da vigilância tomou conta da família, do lar e até do 
subconsciente. Em 1934, um médico alemão de 45 anos registrou o seguinte sonho: 
Eram cerca de nove horas da noite. Eu havia encerrado minhas consultas e 
descansava no sofá, lendo um livro sobre Matthias Grünewald, quando 
subitamente as paredes de minha sala e, depois, as de meu apartamento 
10 
 
sumiram. Olhei ao redor e, para meu horror, descobri que nenhum apartamento 
ao alcance de minha vista tinha paredes. Então ouvi um alto-falante anunciar: 
“Em conformidade com o decreto do dia 17 deste mês, referente à abolição das 
paredes [...]. 
Depois de registrar esse pesadelo, o médico sonhou que havia sido acusado de registrar 
sonhos. Até dormir deixara de algo privado”. 
“Já que não se reconhecia a liberdade de consciência, uma testemunha de Jeová que 
dissesse apenas ‘Heil’, em vez de ‘Heil Hitler’ (por acreditar que tal saudação deveria 
dirigir-se unicamente a Deus), podiaperder o emprego por justa causa. As crianças 
educadas de acordo com valores tidos como incompatíveis com os da Juventude Hitlerista 
podiam ser transferidas para um lar de adoção, já que seus pais as ‘negligenciavam’. Em 
1938, por exemplo, uma família desintegrou-se porque o pai não permitiu que os filhos 
ingressassem na Juventude Hitlerista. Segundo o tribunal local, ele ‘abusou de seu direito 
de custódia da prole’”. 
 
Teria o nazismo exercido poder apenas por meio do terror de Estado? 
“Essa eliminação da distinção entre a esfera privada e a pública é importante na avaliação 
das atitudes populares em relação aos nazistas. Numa democracia, os cidadãos livres 
escolhem quem vão apoiar e que grau de fervor darão a seu apoio. No Terceiro Reich, 
entretanto, qualquer sentimento inferior a entusiasmo podia ser considerado 
potencialmente subversivo e, portanto, passível de punição. A opinião não existia, pois 
não tinha meios de expressar-se; como, então, medir a popularidade do regime?” (p. 47). 
[...] 
“Os projetos utópicos fundamentais – construção do socialismo em um só país, de uma 
Volksgemeinschaft alemã ou de uma Itália imperial – apresentavam imagens positivas de 
uma nação nova, indivisa, e estavam longe de ser impopulares. Agora as questões 
políticas eram debatidas não entre partidos, mas dentro do único partido possível ou por 
intermédio dos ministérios e outras instituições públicas e privadas. A oposição a aspectos 
do regime podia, assim, expressar-se de muitas maneiras, além de total rejeição ao 
sistema: nas disputas internas do partido havia a possibilidade de alinhamentos com as 
pessoas ‘normais’, contra os fanáticos, ou com os ‘idealistas’, contra os conformistas”. 
“O alto grau de apoio ao Reich em tempo de paz revela-se também de outras formas. É 
óbvio que o regime nazista usou a lei e a polícia como instrumentos repressivos para obter 
a obediência das massas. Antes de 1939, seus tribunais pronunciaram milhares de 
condenações à pena máxima; considerando-se que no mesmo período foram condenados 
à morte na Itália fascista 29 prisioneiros políticos e que no Japão esse número foi menor, 
a relativa severidade da lei nazista se destaca. Por outro lado, os poderes coercitivos do 
Estado praticamente nunca se evidenciaram tanto na Alemanha nazista em tempo de paz 
como na União Soviética de Stalin: os campos de concentração nazistas abrigaram na 
década de 1930 entre 25 mil e 50 mil prisioneiros, enquanto nos gulags havia milhões. 
Hoje aquelas teorias de totalitarismo elaboradas nos anos 1950, que postulavam um 
estado de coisas no qual uma pequena elite controlava uma vasta população pelo terror, 
parecem cada vez mais uma confortável ilusão, cujo efeito é fechar-nos os olhos para a 
estabilidade dos regimes não-democráticos da Europa no entreguerras. O Terceiro Reich 
não se fundamentava apenas na repressão, nem era essa a única função de seu sistema 
11 
 
jurídico. A maioria dos alemães não votou em Hitler, mas tampouco se opôs a ele. As 
pessoas aceitaram a nova situação, e o regime tornou-se parte da vida normal”. 
As diferenças entre os maiores Estados europeus de partido único – a Alemanha nazista 
e a Rússia soviética – superam as semelhanças. O nazismo chegou ao poder com o apoio 
das urnas, enquanto o comunismo recorreu ao golpe de Estado. O Terceiro Reich era 
governado por um grande partido, cujo líder detinha um poder inconteste tanto em seu 
interior quanto no país como um todo (p. 49). A União Soviética, com o dobro da 
população espalhada num imenso território, possuía um partido mais ou menos do mesmo 
tamanho, dividido por tensões internas e externas, conturbado pela aguda crise sucessória 
que se seguiu à morte de Lenin e liderado por um indivíduo cioso de sua posição como 
primus inter pares. Enquanto Hitler valorizava seus ‘velhos guerreiros’, que o 
reconheciam como Führer, Stalin expulsou do partido seus antigos companheiros a fim 
de fortalecer seu poder pessoal. A Noite dos Longos Punhais, apesar de toda a sua 
brutalidade, não afetou a maioria do partido; entretanto, no final da década de 1930 o 
Partido Comunista tinha pouco em comum com a força revolucionária criada por Lenin”. 
 
A construção do estado de bem estar racial: 
a utopia de Hitler para o Terceiro Reich 
“Esses contrastes refletem o diferente propósito ideológico do partido nos dois casos. A 
Alemanha de Hitler era a maior potência industrial da Europa, com uma força de trabalho 
altamente instruída; o objetivo do NSDAP no âmbito nacional consistia na criação de um 
estado do bem-estar racial - a Volksgemeinschaft – que em seus aspectos tanto 
construtivos como coercitivos utilizou e expandiu tradições assistenciais mais antigas. 
Internamente, suas principais vítimas constituíam uma pequena minoria, ao contrário dos 
milhões de camponeses alvejados pelos bolcheviques, cujo objetivo era muito mais 
radical: abolir a propriedade privada, desenvolver uma nova nacionalidade soviética que 
mantivesse a União coesa e transformar a economia agrícola mais atrasada da Europa, 
condensando numa única década uma revolução industrial que em outros países se 
estendera por boa parte do final do século XIX. Daí as extraordinárias pressões e tensões 
que os bolcheviques enfrentaram ao tentar impor esse projeto. É a diferença entre esses 
dois empreendimentos que explica os diversos níveis de violência interna praticada pelos 
dois países na década de 1930” (p. 50). 
[...] 
Enquanto Mussolini deificou o Estado, Hitler insistiu na necessidade de controlar sua 
inércia e passividade usando o dinamismo do partido. ‘Não é o Estado que nos comanda, 
somos nós que comandamos o Estado’, declarou no congresso do partido, em 1934. A 
mensagem política do partido devia ‘penetrar no coração das massas, pois é o veículo 
maior e mais forte de nossa convicção’. Com que finalidade? O gigantesco programa de 
rearmamento lançado na década de 1930 nos dá pista. Para o Füher – com os olhos 
voltados para os milhões de alemães que viviam fora das fronteiras do Reich -, só podia 
haver uma resposta. Somente na guerra se poderia realizar o projeto nazista de salvação 
racial da nação alemã” (p. 51).

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