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Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina DOR DOR VISCERAL Tópicos ● Introdução ● Dor Visceral Verdadeira ● Via Parental ● Mecanismos ● Estímulos ● Visceroceptores ● Manifestações Clínicas ● Dor Visceral em diferentes Órgãos/aparelhos Resumo Dor visceral ocorre quando os estímulos que vão produzir a sensação de dor provêm das vísceras. Pode ser dividida em referida e direta. A dor visceral referida é transmitida pela via visceral propriamente dita , que leva à percepção da sensação dolorosa em regiões distantes do órgão de origem da dor no ponto do segmento medular onde ela se insere no corno posterior da medula. É sentida como se fosse superficial , porque esta via faz sinapse na medula espinhal com alguns dos mesmos neurônios de segunda ordem que recebem fibras de dor da pele. Assim, quando as viscerais para a dor são estimuladas, os sinais de dor das vísceras são conduzidos por pelo menos alguns dos mesmos neurônios que conduzem sinais de dor procedentes da pele. Freqüentemente, a dor visceral referida é sentida no segmento dermatotópico do qual o órgão visceral se originou embriologicamente. Isso se explica pela área que primeiro codificou a sensação de dor no córtex cerebral. Um exemplo, seria o caso do infarto do miocárdio onde a dor é sentida na superfície do ombro e face interna do braço esquerdo. Um outro caso é a cólica de origem renal que é comum o paciente sentir dor na face interna da coxa. a dor visceral direta é transmitida pela via parietal, a partir do peritôneo parietal , pleura ou pericárdio, que leva à percepção da dor diretamente sobre a área dolorosa. 1 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Introdução Os mecanismos neurais que envolvem a geração da dor inflamatória e da dor visceral, por muito tempo foram tidos como iguais, porém existem diferenças relevantes. As vísceras raramente são expostas a estímulos externos mas são alvos comuns de diversas doenças. O conceito de aferentes nociceptivos ativados por um estímulo direto sobre o tecido é difícil de transferir para os tipos de dor visceral. A sensibilidade do tecido visceral a estímulos térmicos, químicos e mecânicos difere significativamente. As vísceras parecem mais sensíveis à distensão de órgãos cavitários de parede muscular, sem dano tecidual, isquemia, e inflamação. A área sobre a qual o estímulo acontece pode ser uma determinante crucial no desenvolvimento dos tipos de dor. Os receptores mecânicos ou mecanorreceptores existentes na musculatura lisa de todas as vísceras ocas são do tipo Aδ e C, e respondem a estímulos mecânicos leves, tensão aplicada ao peritônio, contração e distensão da musculatura lisa. O trato gastrintestinal possui receptores químicos e mecânicos de adaptação lenta e rápida que são classificados em dois grupos: o grupo de receptores de alto limiar para estímulos mecânicos leves, e o grupo de baixo limiar para estímulos mecânicos que responde a estímulos agressivos e não agressivos. O primeiro grupo é encontrado no esôfago, sistema biliar, intestino delgado e cólon e o segundo, apenas, no esôfago e cólon. A relação entre a intensidade do estímulo e a atividade nervosa é somente evocada após a estimulação nociva. A dor visceral é profunda e dolorosa, mal localizada e frequentemente relacionada a um ponto cutâneo. O mecanismo da dor referida não está totalmente esclarecido, mas pode ser relacionado a ponto de convergência de impulso sensorial cutâneo e visceral em células do trato espinotalâmico na medula espinhal. 2 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Dor Visceral Verdadeira Quando a dor visceral é referida para a superfície do corpo, a pessoa, em geral, a localiza no segmento dermatômico de origem do órgão visceral no embrião, e não necessariamente no local atual do órgão visceral. Por exemplo, o coração se origina do dermátomo do pescoço e da região superior do tórax, assim as fibras para a dor visceral do coração cursam de forma ascendente ao longo dos nervos simpáticos sensoriais e entram na medula espinal entre os segmentos C-3 e T-5. Portanto, a dor cardíaca é referida ao lado do pescoço, sobre o ombro, sobre os músculos peitorais, ao longo do braço e na área subesternal da região superior do tórax. Essas são as áreas da superfície corporal que enviam suas próprias fibras nervosas somatossensoriais para os segmentos C-3 a T-5 da medula espinal. Em geral, a dor se localiza no lado esquerdo, porque o lado esquerdo do coração está envolvido, com maior frequência, na doença coronariana. O estômago se origina, aproximadamente, entre o sétimo e o nono segmento torácico do embrião. Portanto, a dor do estômago é referida ao epigástrio anterior acima do umbigo, que é a área de superfície do corpo suprida pelos segmentos torácicos de sete a nove. 3 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Via Parietal A dor oriunda de vísceras frequentemente se localiza em duas áreas na superfície do corpo ao mesmo tempo, por causa da dupla transmissão da dor pela via visceral referida e a via parietal direta. Os impulsos dolorosos passam inicialmente do apêndice por fibras dolorosas viscerais, localizadas nos fascículos nervosos simpáticos, seguindo para a medula espinal no nível de T-10 ou T-11; essa dor é referida para área ao redor do umbigo e é do tipo persistente e espasmódica. Os impulsos dolorosos, geralmente, se originam no peritônio parietal, onde o apêndice inflamado toca ou está aderido à parede abdominal. Esses impulsos causam dor do tipo pontual diretamente sobre o peritônio irritado, no quadrante inferior direito do abdome. Essas duas vias muitas vezes são ativadas simultaneamente. Por exemplo, inicialmente a dor de um órgão lesionado não cirurgicamente é transmitida pela via de dor visceral verdadeira e essa dor, persistente e espasmótica, induz liberação de mediadores inflamatórios sobre a superfície parietal, ocasionando a ativação da via parietal, que culmina em dor pontual e aguda, já cirurgicamente a dor via parietal é inicialmente ativada, no entanto ocorre mais tardiamente ativação da visceral verdadeira devido ao procedimento. Frente a este princípio, a dor oriunda de vísceras frequentemente se localiza em duas áreas na superfície do corpo ao mesmo tempo, por causa da dupla transmissão da dor pela via visceral referida e a via parietal direta. Além do mais, a via pós-sináptica do funiculo posterior ou via da coluna posterior foi recentemente incluída como participante na transmissão da informação nociceptiva, principalmente a visceral. Esse trato tem origem em neurônios das lâminas III e V e, em menor quantidade das lâminas V I e VII, que enviam axônios, que deslocam -se rostral e ipsilateralmente na medula via funículo dorsomedial ou coluna posterior, efetuam sinapses no núcleo grácil, decussa e entra na cápsula do lemnisco medial até o tálamo. 4 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Mecanismos Sensibilização Periférica dos Neurônios Aferentes dos Intestinos Existe uma grande quantidade de mediadores periféricos (bradicinina, citocinas, prostaglandinas, serotonina, ATP, prótons H+) que agem diretamente nos receptores nociceptivos gastrintestinais e inicia a transmissão dolorosa. Podem ativar imunócitos locais ou outras células, como mastócitos e varicosidades simpáticas, que liberam interleucinas e substâncias adrenérgicas, perpetuando e facilitando, assim, a hiperexcitabilidade neuronal. Na sensibilização periférica ocorre, então, redução da intensidade dos estímulos necessários para iniciar a despolarização neuronal e aumento do número ou da amplitude de descarga neuronal, em resposta a certos estímulos químicos ou mecânicos. As neurocininas (fator de crescimento nervoso - FCN) estão presentes no tecido intestinal e mastócitos e são liberadas durante a degranulação mastocitária. Estão envolvidas na plasticidade neuronal e podem alterar a distribuição de nociceptores, e o limiar de sensibilidade para os estímulos mecânicos e químicos. Em decorrência das fibras C intestinais possuírem muitos “receptores silenciosos” para as neurocininas, essassubstâncias possuem um papel importante na transmissão das mensagens nociceptivas do intestino. 5 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina A Serotonina, dentre os mediadores, é o único que parece ter alta seletividade para a nocicepção visceral. É Liberada no intestino pelas células enterocromafins, plaquetas e degranulação dos mastócitos e, subseqüentemente, age nos aferentes viscerais através de receptores específicos, expressados também no SNC (estruturas límbicas, tronco cefálico e cordão espinhal). O peptídeo relacionado ao gene - calcitonina (CGRP) - está presente na maioria dos aferentes esplâncnicos e, quando liberado perifericamente, pode modificar a descarga sensorial, causando alterações no fluxo sangüíneo, contração da musculatura lisa, reação imune e desgranulação dos mastócitos. A sensibilização periférica pode também ser mediada através de canais de sódio resistentes à tetrodoxina (TTX). Esses canais estão presentes nos aferentes nociceptivos no cólon e aumentam em densidade após a aplicação de mediadores inflamatórios in vitro. Sensibilização Central A sensibilização central é um processo resultante da atividade sustentada que acontece na fibra aferente primária, após a sensibilização periférica, favorecendo a liberação de neurotransmissores excitatórios. Estes aumentam a eficácia da transmissão sináptica entre os neurônios aferentes primários e os cornos dorsais, envolvendo, portanto, receptores pré e pós-sinápticos específicos. Embora o mecanismo de sensibilização visceral central não seja totalmente conhecido, acredita-se que alguns mediadores como a substância P, CGRP, aspartato, glutamato, neurocininas, somatostatina VIP estejam envolvidos no desenvolvimento e manutenção da sensibilização central induzida pela inflamação. A Ação desses neuromediadores receptores específicos ionotrópicos (AMPA, cainato) e metabotrópicos (NMDA) ativa segundos mensageiros (cAMP, PKC, fosfatidilinositol, fosfolipase C) para abertura de canais de cálcio e entrada dessas substâncias para o interior das membranas celulares. Ocorre então produção de outros mediadores (óxido nítrico e metabólitos do ácido araquidônico) e formação de oncogenes (cfos, fos B, C jun, jun B e D), que provavelmente alteram a transmissão do potencial de ação e ultra-estrutura dos nervos e suas sinapses, sensibilização medular e fenômeno de wind up (aumento da duração da resposta de certos neurônios). Acredita-se, também, que as conexões entre estruturas espinhais e supraespinhais, as chamadas projeções supraespinhais, estejam envolvidas no processo de sensibilização 6 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina central para hiperalgesia visceral. Essas projeções estão relacionadas aos reflexos autonômicos e motores que acompanham a dor visceral, como náusea e aumento da tensão muscular da parede abdominal, e podem explicar, também, o caráter difuso e mal localizado da dor visceral referida. As vias ascendentes envolvidas na transmissão do estímulo visceral agressivo incluem o trato espinotalâmico, o espinohipotalâmico, o espinosolitário, o espinorreticular e o espinoparabraquial. Uma série de estudos tem demonstrado que pacientes com desordens da função gastrintestinal e hiperalgesia visceral (duodeno e cólon) possuem uma alteração do núcleo rostro- ventral da medula (NRV) no tronco encefálico. Esse núcleo projeta em sentido descendente, fibras inibitórias e excitatórias do estímulo aferente nociceptivo visceral. O balanço entre essas influências inibitórias ou excitatórias determinaria a quantidade de informação dolorosa visceral que chegaria aos centros supraespinhais. Existe, também, a possibilidade dos pacientes com síndrome do intestino irritável (SII) não ativarem regiões mesencefálicas e talâmicas modulatórias da dor, após estimulação agressiva repetida do sigmóide. Estes pacientes possuem uma redução da ativação de áreas corticais que integram as respostas afetivas, autonômicas e antinociceptivas em resposta ao estímulo agressivo, e preferencialmente acionam áreas cerebrais envolvidas nas respostas emocionais negativas; demonstrável através de tomografia computadorizada de crânio com emissão de pósitrons. Aspectos Neurobiológicos do Estresse e as Desordens Gastrintestinais O organismo, quando submetido a uma situação agressiva repetidas vezes, pode alterar sua capacidade de manter os mecanismos homeostáticos. Estas situações agressoras denominadas de estressores são classificadas em dois tipos: os estressores sistêmicos (citocinas) e os psicológicos (abuso físico ou sexual, participação em combates, história de acidentes ou estupro, ausência da interação mãe-filho, perdas financeiras ou de entes queridos). As respostas aos vários estressores incluem a autonômica, a hipotálamo-hipofisária, a de modulação da dor e a das vias aminérgicas ascendentes. A corticotropina (CRH) é o mediador químico mais importante da resposta central ao estresse, com receptores locados em neurônios efetores do núcleo paraventricular (NPV), amígdala e locus ceruleos. A secreção do CRH está sob a regulação de retroalimentação positiva por vias noradrenérgicas centrais e vice-versa. O estresse ativa e modifica a resposta dos 7 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina sistemas centrais de forma individualizada, relacionada à história genética e psicossocial do sujeito e da presença de doenças associadas. ➔ Autonômica No NPV, as células autonômicas projetam fibras visceromotoras separadas uma da outra, fortalecendo a ideia de que não são ativadas de forma estereotipada. Algumas dessas vias regulam a produção de muco pelas células intestinais caliciformes, a absorção de água, a permeabilidade da mucosa, a desgranulação de mastócitos e a liberação de peptídeos pelas células enterocromafins. Além disso, as vias simpáticas possuem função imunomodulatória direta, inervam a vasculatura e o parênquima de órgãos linfóides, incluindo o intestino. Por outro lado, podem levar à inibição gastro-vagal ou ativação das vias sacrais parassimpáticas. Desse modo pode-se concluir que há uma interface entre a luz intestinal, as vias neuroendócrinas, o sistema imune e o sistema nervoso neurovegetativo. ➔ Hipotálamo-hipofisária A resposta se caracteriza pela ativação do sistema adrenérgico e a liberação de cortisol. Essas substâncias vão exercer uma ação regulatória no hipocampo e córtex medial pré-frontal, com regulação para baixo de receptores para corticóides. Pode ocorrer, contudo, hiperatividade do neuro-eixo com hipercortisolismo (depressão, desordem do pânico, anorexia nervosa e abuso sexual) ou hipocortisolismo (estresse pós-traumático, síndrome da fadiga crônica, fibromialgia e diarréia na SII). ➔ Modulação da dor Evidência recente sugere que o estresse induz a hipoalgesia somática (através de vias inibitórias descendentes) e a hiperalgesia visceral. Isso pode ser decorrente do desequilíbrio entre vias excitatórias e inibitórias centrais ou da ação indireta, via sistema nervoso autônomo, estimulando a liberação de substâncias de células da parede intestinal (mastócitos ou células cromafins) que sensibilizam os aferentes terminais viscerais. ➔ Vias monoaminérgicas Neurônios de projeção noradrenérgico, serotoninérgico e colinérgico para o córtex pré-frontal e subcortical (incluindo núcleo paraventricular, amígdala, hipocampo e núcleo do trato solitário) possuem um papel importante na modulação dos sistemas emocional e motor. Por exemplo, a modulação noradrenérgica da transmissão sináptica vagal no núcleo do trato solitário pode estar envolvida no controle dos reflexos 8 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina vago-vagais e duodeno-gástricos, na acomodação gástrica, no relaxamento do esfíncter esofagiano inferior. Uma hiperativação desse sistema no estresse repetido está associada a uma regulação para baixo de receptores alfa-2 e serotoninérgico (5-HTA1A) e um aumento da liberação de noradrenalina e serotonina. Isso, por outro lado, provoca uma regulação para baixo de receptores beta e alfa-1-adrenérgicos. Assim, as alteraçõesneuroplásticas iniciais aumentam a liberação pré-sináptica de noradrenalina e diminui a ação pós-sináptica dos neurônios. Desse modo, o estresse pode alterar a efetividade da rede neuronal central, sendo responsável por uma série de respostas mal adaptadas. Estímulos ➔ Isquemia: causa dor visceral do mesmo modo que em outros tecidos, devido à formação de produtos finais metabólicos ácidos ou produtos degenerativos dos tecidos, como a bradicinina, enzimas proteolíticas ou outras que estimulem as terminações nervosas para dor; ➔ Estímulos Químicos: substâncias nocivas escapam do trato gastrointestinal para a cavidade peritoneal, como o suco gástrico pode escapar por úlcera gástrica ou duodenal perfurada. Esse suco causa digestão disseminada do peritônio visceral, estimulando amplas áreas de fibras dolorosas; ➔ Espasmo de Víscera Oca: o espasmo pode causar dor, possivelmente, pela estimulação mecânica das terminações nervosas da dor, ou também pelo fato de que o espasmo pode acarretar diminuição do fluxo sanguíneo para o músculo, o que combinado com o aumento das necessidades metabólicas do músculo para nutrientes causando uma dor grave; ➔ Distensão Excessiva de Víscera Oca: o preenchimento excessivo de víscera oca também pode resultar em dor, devido à distensão excessiva dos tecidos propriamente ditos; ➔ Vísceras Insensíveis: poucas são as áreas viscerais insensíveis 9 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Visceroceptores Todas as vísceras abdominais e torácicas têm inervação aferente associadas com nervos simpáticos e parassimpáticos, com exceção do pâncreas. Alguns desses aferentes possuem apenas função regulatória (autonômica) enquanto outros geram respostas sensitivas de dor. São formados por fibras Aδ e fibras tipo C. Os visceroceptores ou também conhecidos como interoceptores recebem estímulos dos órgãos internos. Os visceroceptores especializados no interior do sistema circulatório, sensíveis às alterações na pressão sanguínea são os barorreceptores, também temos os quimiorreceptores que monitoram os gases respiratórios e células nervosas sensitivas que produzem a sensibilidade proveniente das vísceras (dor interna, fome, sede, fadiga, náuseas). Os receptores dos neurônios aferentes viscerais primários são localizados na mucosa, músculo, serosa e de órgãos ocos e respondem a estímulos químicos locais e luminais e a estímulos mecânicos. Há duas classes de nociceptores viscerais: ➔ Receptores de alto limiar e estímulos naturais: respondem a estímulos mecânicos de alcance nocivo. Eles inervam exclusivamente órgãos cuja dor é a única sensação consciente como ureter, rins, pulmão, coração, veias, vesícula biliar, esôfago, intestino delgado, cólon, bexiga e útero. ➔ Receptores de baixo limiar para estímulos naturais: estímulos mecânicos que codificam a intensidade do estímulo na magnitude da sua descarga, desde estímulos inocuos e nocivos. 10 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Manifestações Clínicas A dor visceral, é uma queixa frequente entre os pacientes ambulatoriais nos consultórios e departamentos de emergência, pode ser benigna e autolimitada ou apresentar sintoma de doença grave que ameaça a vida. A dor visceral crônica que está presente há meses ou anos, na ausência de outras doenças orgânicas, é quase sempre funcional e não necessita de avaliação de urgência. Em contrapartida, a maioria dos pacientes com dor visceral aguda grave necessita de uma avaliação detalhada , emergencial, que pode rapidamente revelar uma doença cirúrgica aguda. Deve-se levar em consideração os exames laboratoriais e de imagens. Os sintomas mais comumente associados à dor visceral indicam atividade do sistema nervoso autônomo. Podem ser caracterizados por palidez, sudorese, cólicas abdominais, diarreia e aumento significativo na pressão arterial. 11 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Dor Visceral em diferentes Órgãos/Aparelhos Coração A estimulação mecânica do coração é indolor. O principal evento desencadeador de dor cardíaca certamente é a isquemia, como a vista na angina e no infarto. É descrita como sensação de constrição ou aperto na região retroesternal, mas pode se irradiar para o pescoço, mandíbula e membro superior esquerdo. Muitos pacientes, no entanto, podem apresentar isquemia sem dor. Isso ocorre, em especial, em neuropatias, como o diabete, ou quando a área afetada tem pouca inervação, em especial na região subendocárdica. O coração apresenta dupla inervação, tanto pelo vago (gânglio nodoso), como pelas fibras aferentes simpáticas, que têm seus corpos vertebrais nas três ou quatro raízes dorsais, e daí penetram na medula tanto na região cervical como na torácica alta. Pulmão O parênquima pulmonar e a pleura visceral são praticamente insensíveis à dor. Por causa disso, muitos problemas, como contusões traumáticas e neoplasias, podem passar despercebidos, aparecendo dor apenas quando atingem a pleura parietal ou os brônquios. É possível, no entanto, que, em situações de dispnéia, como em situações de exercícios extenuantes ou no edema agudo, algumas fibras aferentes do pulmão possam gerar sensação de pressão torácica. Outras sensações, como a pressão relacionada à hiperinsuflação, são mais provavelmente decorrentes de estimulação da parede torácica. Vias Aéreas Processos irritativos nas vias aéreas são descritos como sensação de desconforto e queimação. Os aferentes têm inervação tanto vagal (gânglios nodoso e jugular) como simpática. O papel das fibras simpáticas é menor, sendo relacionadas à cadeia simpática torácica, que se dirigem à medula espinal nos níveis torácicos superiores 12 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Esôfago O esôfago pode manifestar dor ou desconforto frente a situações diversas, como ingestão de alimentos quentes ou frios, processos inflamatórios e distensão mecânica. Na prática clínica, em situações como a esofagite de refluxo, se localiza na região retroesternal; por essa razão, frequentemente se confunde com a dor de origem cardíaca. Apresenta poucos aferentes vagais, com fibras aferentes simpáticas se dirigindo para múltiplos níveis, predominantemente na região torácica. Estômago Em condições normais, o estômago é praticamente insensível ao corte e aos estímulos elétricos. O principal estímulo doloroso ocorre quando há distensão mecânica, que é descrita pelos pacientes em situações como a insuflação de ar durante procedimento de endoscopia. No entanto, em situações em que existe reação inflamatória, como na gastrite e úlcera, existe resposta dolorosa à pressão local, como na ingestão de alimentos. A dor localiza-se classicamente na região epigástrica, mas pode se irradiar à região torácica e até mesmo dorsal. Recebe inervação predominantemente simpática, com aferentes trafegando para a região torácica por meio da cadeia simpática torácica e gânglio celíaco. Intestino Os intestinos delgado e grosso não respondem a estímulos táteis ou nocivos, tais como corte ou coagulação de suas paredes, porém respondem a distensão mecânica, estiramento e aumento do peristaltismo. No primeiro caso, ocorre sensação de plenitude e desconforto, enquanto, no último caso, há dor tipo cólica, comum em processos como as enterocolites. Outros mecanismos de dor incluem a isquemia e a presença de substâncias inflamatórias. As fibras vagais parecem ter mais relação com mecanismos reflexos, enquanto a dor tem como aferência principal as fibras simpáticas carreadas por meio dos nervos esplâncnicos. Nas regiões mais distais, em especial no reto, a sensibilidade aumenta, sendo maior ainda na região do ânus. 13 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Pâncreas O pâncreas apresenta grande aferência dolorosa, gerando dor intensa em situações como neoplasias, pancreatite ou obstrução de seus ductos. A aferência vagal parece ter pouco papel na transmissão da dor, sendo que as fibras simpáticas são certamente o principal meio de transmissão desses estímulos. Na prática clínica, as neoplasias de pâncreas respondem muito bem a bloqueiose neurólise (alcoolização) do gânglio celíaco Fígado Conforme citado anteriormente, o parênquima hepático é praticamente insensível ao corte ou à destruição por processos neoplásicos. Tal fato se confirma na clínica, quando, mesmo na presença de múltiplas metástases, a ocorrência de dor hepática é quase nula. No entanto, quando existe distensão significativa em grandes tumores, nos abscessos ou nas hepatites, existe dor, provavelmente mediada pela distensão da cápsula ou pela compressão de vias biliares. Vias Biliares A vesícula biliar e suas vias de drenagem demonstram muita sensibilidade à dor, em especial às situações de distensão mecânica ou espasmos. As dores costumam ser referidas como em ondas (cólicas), localizadas no hipocôndrio direito, podendo irradiar para todo o abdome superior, dorso e ombro direito. Rins A secção cirúrgica do rim não dispara dor em indivíduos sob anestesia local. No entanto, a distensão decorrente de obstrução de suas vias é extremamente dolorosa. As fibras aferentes são tanto vagais como simpáticas, essas últimas relacionadas aos nervos esplâncnicos, se dirigindo ao plexo celíaco e daí para penetrar nos níveis da transição toracolombar. 14 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina Ureteres Apesar de que, à primeira vista, a cólica nefrética se deva à presença de um cálculo trafegando sobre a parede dos ureteres, alguns trabalhos experimentais demonstram que o evento causador dessa dor se deve à dilatação proximal das vias urinárias. A dor da cólica renal localiza-se geralmente na região lombar, porém comumente se irradia à fossa ilíaca, indo até a bolsa escrotal ou os grandes lábios. Bexiga A bexiga é sensível aos aumentos de volume em seu interior. Em volumes crescentes, passam de uma sensação de pressão à dor. Caso exista infecção, a dor aumenta e mesmo pequenos volumes podem gerar sintomas, localizados na região do hipogástrio. Útero/Ovários O útero é inervado tanto pelo parassimpático como pelo simpático, trafegando pelos nervos hipogástricos. O útero é particularmente sensível à existência de contraturas repetidas, como por ocasião do parto, apesar de que, na fase de expulsão, outros locais também produzem dor, decorrente da distensão da vagina e compressão de estruturas da parede abdominal. Podem, no entanto, gerar dor em outras situações, tais como durante a menstruação, processos inflamatórios e na endometriose. Os ovários podem manifestar dor leve durante a ovulação, mas clinicamente a maior causa de dor ocorre durante os processos inflamatórios e as neoplasias volumosas. Testículo/Órgãos Reprodutores Masculinos O testículo e o epidídimo são ricamente inervados, com presença de fibras polimodais, com resposta a estímulos mecânicos, térmicos e químicos. Por essa razão, manifestam dor acentuada frente a traumas, processos inflamatórios ou neoplásicos. 15 Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina 16
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