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Júlia Figueirêdo - DOR PROBLEMA 4 – ABERTURA: CEFALEIAS: A cefaleia é uma queixa bastante comum na Medicina, podendo ser dividida em primária, quando a própria dor é a doença basal, e secundária, na qual esse incômodo é apenas parte do quadro de sintomas de outra moléstia, como distúrbios oftalmológicos, sinusites, problemas dentários, infecções ou neoplasias. Causas mais comuns para quadros de cefaleia Cerca de 46% da população adulta global é afetada pela cefaleia geral, sendo 42% afetada por cefaleia tensional (CTT), 11% por migrânea, e 3% por cefaleia crônica diária (CCD). CEFALEIAS PRIMÁRIAS: Normalmente, esse tipo de manifestação é comum, assumindo caráter infrequente ou leve, porém podem causar sofrimento e incapacidade quando sua intensidade e frequência forem elevadas. As principais classificações inerentes às cefaleias primárias são: Migrânea: observada principalmente em mulheres, é uma condição debilitante e incapacitante, ainda que frequente. Duas classificações podem ser distinguidas em relação ao quadro, a saber: o Migrânea sem aura: forma mais comum, corresponde a uma manifestação unilateral (sem preferência, mas apresenta “localização fixa” em até 50% dos portadores), com dor pulsante em intensidade moderada a intensa, que piora com a prática de atividades diárias, incapacitando o paciente e levando-o ao leito. Distribuição topográfica da migrânea Alguns sintomas associados como fotofobia, fonofobia, náuseas e vômitos podem ser observados, sendo esses últimos associados ao alívio do incômodo. O período de duração das crises varia entre 4 a 72 h, podendo ressurgir mesmo com o uso de analgésicos. Critérios diagnósticos para cefaleias sem aura Em crianças, as características da migrânea se alteram, com crises se estendendo por 2 a 72 h, de modo bilateral, principalmente nos lobos frontal e temporal. o Migrânea com aura: nessa apresentação, sintomas focais reversíveis (auras), relatados por cerca de 40% dos pacientes, se desenvolvem em 5 a 20 minutos, Júlia Figueirêdo - DOR precedendo ou acompanhando a cefaleia, perdurando por não mais que 60 minutos. Critérios diagnósticos das migrânea com aura A aura clássica conta com sintomas visuais (mais frequentes), marcados por linhas de fortificação, marcas em zigue-zague sem cor no centro do campo visual, causando alterações na visão, ou escotomas, pontos cintilantes no campo de visão; sensoriais, tipicamente unilaterais, partindo da mão e se irradiando em direção cefálica, afetando a face e a língua; e/ou de fala. Evolução da aura sensorial em paciente com migrânea FISIOPATOLOGIA: A fisiopatologia da migrânea é um tema complexo, que tem como um de seus aspectos mais importantes o caráter hereditário, inicialmente identificado por meio da constatação de que pacientes com enxaqueca apresentam ao menos um parente de 1º grau com o mesmo distúrbio. Fatores associados ao desenvolvimento de migrânea Estudos apontam que a migrânea com aura é uma disfunção multifatorial, com predisposição genética associada a alterações no gene C677T, excessivamente replicado nesses pacientes. Famílias com histórico de migrânea podem também apresentar mutações no cromossomo 19p13, responsável por modificar os genes codificadores de canais de sódio voltagem-dependentes tipo P/Q. Esse processo gera um menor gradiente de concentração para o Na+, permitindo assim maior liberação de glutamato na fenda sináptica. Uma outra mutação atinge o mesmo tipo de canal iônico, modulando um aminoácido que regula o fechamento rápido após a despolarização deste. Com essa modificação, a membrana não se Júlia Figueirêdo - DOR hiperpolariza, o que permite influxo contínuo de sódio. De forma geral, o entendimento dos aspectos genéticos para o desenvolvimento da enxaqueca sugere que ela, ou ao menos suas manifestações neurológicas (auras) sejam uma “ionopatia”, ou seja, associada a redução do limiar de estimulação de canais iônicos. Aspectos fisiopatológicos sugerem que a aura é um fator desencadeante para a migrânea, dando origem à cefaleia e demais sintomas associados, condição embasada na teoria de despolarização, conhecida também como depressão cortical alastrante (de Leão). Essa teoria propõe que as auras visuais são geradas por estímulos ao córtex visual primário, propagando-se por todo o córtex em uma velocidade específica (3 mm/min). Com a disseminação, o núcleo do trigêmeo passa a expressar c-fos, um marcador inespecífico de ativação neural, sugerindo assim a estimulação do sistema trigeminovascular. Esse fenômeno estimula a secreção de CGRP (peptídeo relacionado ao gene da calcitonina), promovendo vasodilatação arterial na pia-máter. Os vasos cranianos contam com a passagem de 3 tipos distintos de fibras nervosas em suas camadas média e adventícia, todos eles dotados de vesículas com agentes vasoativos, liberados tão logo é transmitido o impulso nervoso por elas, atuando na modulação do tônus vascular ao se ligarem a mediadores endoteliais. Essas estruturas dividem-se em: Fibras simpáticas: ramos oriundos do gânglio cervical superior, contém noradrenalina e neuropeptídeo Y, ambos vasoconstrictores; Fibras parassimpáticas: surgem a partir do gânglio esfenopalatino, apresentando vesículas com Ach (endoteliodependente) e peptídeo intestinal vasoativo (VIP), ambos vasodilatadores Fibras sensitivas trigeminais: são fibras nervosas tipo C, oriundas do Gânglio de Gasser, que também apresentam atuação eferente. Usa como neurotransmissores a substância P (SP), o CRGP e taquicininas (como a neurocinina A). As duas primeiras substâncias são vasodilatadoras. o Substância P: pode favorecer o condicionamento de receptores nociceptivos, mas não ultrapassa a barreira hematoencefálica; o CGRP: agente vascular potente, abundante no ramo oftálmico do trigêmeo. É capaz de elevar o extravasamento de proteínas plasmáticas, o que induz o aumento da SP. Seguindo o processo deflagrado pela ativação trigeminal, a vasodilatação e liberação de plasma para o meio extracelular criam um quadro de inflamação neurogênica. Nesse sentido, inserem-se como seus marcadores a SP e o CGRP. Com o comprometimento gradual de estruturas associadas à transmissão de estímulos dolorosos, como o núcleo do tracto solitário e a substância cinza periaquedutal, o hipotálamo passa a ser ativado, de forma a modular os estímulos nociceptivos liberados pela inflamação neurogênica. A ação de alguns vasodilatadores é indireta sobre o tecido endotelial, permitindo a liberação de óxido nítrico, neurotransmissor presente em fibras perivasculares. Essa substância, ao participar da via NO-cGMP, é responsável Júlia Figueirêdo - DOR por desencadear diversos tipos de cefaleia. A ação do óxido nítrico é mais relevante para a migrânea quando em sua forma vascular, regulada via feedback positivo na vigência da depressão alastrante. Os triptanos, usados no tratamento da enxaqueca, tem como principal impacto não a estimulação da constrição vascular (os receptores 5- HT mediam esse processo, pré e pós- juncionalmente), mas sim no controle do processo de inflamação neurogênica. Exames de espectrometria, capazes de avaliar alterações de cunho energético e metabólico, também detectaram uma possível desordem de origem mitocondrial, principalmente nos lobos frontal e frontotemporal. Esses achados, mais evidentes em pacientes com auras, não identificaram mudanças na quantidade de ATP produzido, mas sim em sua capacidade energética, uma vez que há aumento de fosfatos de pequena energia (Pi) em detrimento de variantes mais eficientes. Representação da fisiopatologia damigrânea, processo que abrange fatores genéticos, neurológicos e vasculares, desencadeando um estado de susceptibilidade à dor TRATAMENTO: Para o tratamento farmacológico das crises de migrânea, os medicamentos prescritos em 1ª linha são AINES (ácido acetilsalicílico, ibuprofeno, naproxeno sódico, ácido tolfenâmico ou diclofenaco), preferencialmente associados à cafeína, que aumenta a velocidade para o início da ação destes. Antieméticos podem ser prescritos para pacientes com sintomas gastrintestinais. Na refratariedade a esses medicamentos, o próximo passo é a prescrição de agonistas seletivos para receptores 5HT (tipos B e D). A prescrição de ergotaminas deve ser exceção, aplicada principalmente a pacientes irresponsivos aos demais tratamentos. Esses medicamentos não apresentam diferença significativa quanto ao efeito em relação a outras preparações, além de ter alta incidência de efeitos vasoconstrictores generalizados, cefaleia de rebote e risco de abuso. Medicamentos empregados no controle de crises de enxaqueca De forma geral, opioides não devem ser recomendados, pois apresentam elevado risco de abuso e potencial para desencadear CEM. O controle dos sintomas enxaquecosos em emergências, com crises prolongadas ou refratárias, é realizado por meio de ergotaminas e antipsicóticos, estes últimos prescritos apenas em casos de insucesso terapêutico. Júlia Figueirêdo - DOR Medidas profiláticas permitem modular a intensidade e a frequência dos episódios de migrânea, ainda que estes não desapareçam por completo (não exclui a necessidade de manejo sintomático). Os fármacos mais utilizados nesse processo são ADT (amitriptilina ou imipramina em doses > antidepressivas), anticonvulsivantes (carbamazepina, clonazepam, valproato de sódio e topiramato, todos podendo causar interações medicamentosas e reações adversas), bloqueadores de canais de Ca2+ (nimodipino, nifedipino e verapramil) bloqueadores β- adrenérgicos (propranolol, metoprolos e atenolol, bem tolerados, principalmente qundo o gatilho das crises é o stress). Pacientes com comorbidades podem se beneficiar mais com o emprego de classes medicamentosas específicas (e.: pacientes hipertensos > 60 anos e o uso de atenolol). Recentemente, foi descoberta a classe dos inibidores de CGRP, representados por medicamentos como Erenumab, Fremanezumab e outros. Sua prescrição ainda não é amplamente difundida pelo seu alto custo e ausência de estudos comparativos, mas podem representar alternativas para pacientes intolerantes às demais estratégias. Ressalta-se que o sucesso terapêutico da profilaxia consiste na diminuição da intensidade e da duração das crises, além de seu espaçamento num período de 2 a 3 meses. Medicações para a profilaxia da enxaqueca Dentre as principais medidas não farmacológicas para o controle da migrânea encontram-se a identificação/ remoção de agentes condicionantes (ex.: contraceptivos orais, consumo de cafeína, estresse), o repouso em quarto escuro e silencioso e a acupuntura. Profilaticamente, as medidas de suporte não farmacológico envolvem a prática de atividades físicas, alimentação balanceada (evitando o consumo de alimentos que desencadeiam episódios, ricos em glutamato), a promoção de bons hábitos de sono. Abordagens psicoterápicas e cognitivo-comportamentais podem também apresentar sucesso, assim como hipnoterapia, manipulação cervical, TENS e técnicas de relaxamento. Cefaleia do tipo tensional: ainda que seja a forma de cefaleia mais prevalente em estudos populacionais, devido à baixa intensidade dos sintomas, não é comumente observada nas clínicas. Esse quadro também acomete mais mulheres, ainda que em menor proporção. Atualmente, a CTT pode ser dividida como episódica (CTTE) e frequente (CTTF). A primeira ainda é segmentada em infrequente (CTTEI - < 12 dias anuais de dor) e frequente (CTTEF - > 12 e < 180 dias de dor por ano). Júlia Figueirêdo - DOR Critérios diagnósticos para CTTEI Critérios diagnósticos para a CTTEF Nos quadros em que há episódios em mais de 180 dias/ano, a CTT pode ser classificada como crônica (CTTC). Critérios para diagnóstico da CTTC A dor na cefaleia tipo tensional é manifestada de forma bilateral, em pressão/aperto, com intensidade leve a moderada, que não aumenta com a prática de exercícios. Foto ou fonofobia podem ser observadas, mas não há náusea. Distribuição topográfica da CTT O dolorimento muscular, frequentemente associado à CTT, é detectado por meio da palpação dos músculos frontal, temporal masseter, pterigoideo, esternocleidomastoideo, esplênio e trapézio. O incômodo nesses pontos pode ser classificado entre 0 a 3, definindo uma contagem individual de dor. Esse sintoma também pode estar presente em pacientes com migrânea crônica. Comparações entre cefaleia tensional e migrânea (enxaqueca) FISIOPATOLOGIA: A origem da CTT ainda não é completamente estabelecida, porém o atual consenso é de que a manifestação episódica infrequente é gerida por mecanismos periféricos, ao passo que a CTTE frequente se correlaciona a alterações na modulação central de dor. A presença de pontos dolorosos miofasciais é evidente na maior parte dos Júlia Figueirêdo - DOR pacientes com cefaleia tensional, associada ao surgimento de dor após contração muscular voluntária. No entanto, os mecanismos que promovem essa predisposição ainda não estão estabelecidos. Uma possível explicação para esse fenômeno é que a exposição contínua miofascial a estímulos dolorosos promova sensibilização do SNC, diminuindo os limares excitatórios nociceptivos e favorecendo a conversão de CTT episódica para CTT crônica (estes últimos são mais sensíveis à dor e apresentam pontos dolorosos musculares, sendo o primeiro fator ausente em pacientes com CTTE). Assim, nota-se que a ação periférica não é evidente na totalidade dos pacientes com cefaleia tensional, evidenciando o papel da sensibilização central nesse processo. Isso ocorre de diversos modos: Sensibilização trigêmino-espinal: fibras nervosas localizadas na cabeça, pescoço e ombros fazem sinapse nos cornos dorsais medulares e no núcleo caudal trigeminal, este último recebendo sinalização convergente de estruturas vasculares, musculares e de outros nervos localizados no polo cefálico, participando do sistema de modulação descendente. O modelo vascular-supraespinal- miogênico (VSM) sugere que a cefaleia seja decorrente do influxo combinado de estímulos ao sistema trigeminal, com predominância das vias supraespinal e miofascial na CTT. Esse processo torna a sensibilidade à dor restrita apenas na região pericraniana. Uma das evidências para essa disfunção espinal se baseia na curvatura linear de resposta dor- pressão à palpação muscular cervical. Esse fenômeno sugere a ocorrência de uma reorganização funcional em interneurônios nos focos de sinapse supracitados, de forma a tornar mecanorreceptores sensitivos com baixo limiar de ação em nociceptores. Sensibilização supraespinal: pacientes com manifestações crônicas de CTT apresentam menor tolerância à estímulos lesivos de origem mecânica, térmica e elétrica, sugerindo que o quadro possui alterações de sensibilidade mais generalizadas que aquelas descritas no tópico anterior. Esse processo ocorre em neurônios de 3ª ordem (talâmicos) ou em estruturas corticais, contribuindo para o processamento deturpado dos sinais dolorosos musculares evocados pelo núcleo trigeminal. Corroboram essa teoria diversos achados em exames de imagem, que apontam redução da massa tecidual em diversas regiões associadas ao controle da dor em pacientes com CTT crônica, como aponte, córtex cingulado anterior, córtex insular, lobo temporal, córtex orbitofrontal e o hipocampo. Não se sabe, no entanto, se essa alteração é primária ou secundária à cefaleia (menos massa porque é ativado demais ou é mais permissivo a estímulos de dor por ser atrofiado). Efeito Wind-up e somação temporal: a atividade cerebral cumulativa decorrente da estimulação nociceptiva periférica impede que as fibras nervosas retornem a seus níveis basais de ação, o que, fisiologicamente, é conhecido como efeito Wind-up. O equivalente patológico desse processo é a somação temporal, associada principalmente a mecanismos centrais, uma vez que fibras C apresentam redução de atividade após estímulos Júlia Figueirêdo - DOR repetitivos, e os demais nociceptores apresentam algum tipo de fadiga semelhante. Além disso, é possível induzir esse fenômeno com a estimulação elétrica muscular, processo que não contempla as fibras aferentes dolorosas. Modulação da dor: os mecanismos centrais envolvidos na CTT promovem deficiências na modulação da dor, seja de forma independente ou concomitante aos mecanismos de sensibilização central. Esses pacientes apresentam menor segundo período silencioso exteroceptivo temporal (ES2, período de supressão do fechamento voluntário da mandíula após estímulo toloroso trigeminal) quando comparados à populaçaõ geral. Acredita-se que esse processo seja regido por um complexo mecanismo inibitório interneural do tronco cerebral que contempla fibras descendentes do sistema límbico (modulador da dor), porém essa interação ainda não é comprovada. Possível supressão da ES2 no mecanismo da CTT Sistemas centrais para inibição da dor, como o controle difuso de inibição nociva é ineficiente em pacientes com cefaleia tensional. De acordo com esse sistema, neurônios dorsais medulares e trigeminais nociceptivos são inibidos por estímulos lesivos aplicadas longe do campo de atividade do receptor, fazendo com que dor numa parte do corpo iniba o incômodo sentido em outra. As vias de ação desse mecanismo ainda não são plenamente estabelecidas. Processamento psicológico da dor: a resposta psicológica à dor pode ser aumentada em portadores de cefaleia tensional, condição que pode ou não estar relacionada aos mecanismos fisiopatológicos de sensibilização ou inibição deficiente. Os principais aspectos que colaboram para essa elevação são a hipervigilância/atenção excessiva à dor, interpretação de estímulos excitatórios como dolorosos, comportamento exacerbado de relatos álgicos e a existência de crenças sobre a dor. A presença de distúrbios emocionais acessórios que alterem a percepção de estímulos de dor também é comum na CTT, sendo observados principalmente transtorno depressivo, ansiedade e problemas com raiva. Os processos que levam a essas mudanças psicológicas não são claros, porém existe a possibilidade de que a sensibilidade periférica a dor promova uma maior susceptibilidade para ativação de áreas corticais associadas a componentes emocionais da dor. Mecanismo simplificado para a fisiopatologia da CTT, destacando o estresse como fator desencadeante TRATAMENTO: O tratamento abortivo para crises de CTT pode contar com o uso de AINES e analgésicos simples, associados ou não a adjuvantes, como a cafeína, porém essa prescrição deve ser realizada com prudência, uma vez que pode levar ao Júlia Figueirêdo - DOR surgimento de CEM se usado por longos períodos de tempo. Principais medicamentos empregados para o tratamento da cefaleia tensional, seus efeitos adversos e eficácia (ambos medidos numa escala de 0 a 4) O tratamento preventivo, por sua vez, é indicado para a CTT frequente ou crônica, baseando-se no uso de ADT (amitriptilina em doses baixas), antiepiléticos (valproato de sódio [não indicado para mulheres em idade fértil] e topiramato), triptofano e toxina botulínica (apresenta poucos estudos comprobatórios). Dentre as modalidades terapêuticas não farmacológicas encontram-se a evitação de fatores desencadeantes (conflitos, ambientes estressores), alterações no estilo de vida (sono, alimentação e prática de atividades físicas), terapia cognitivo- comportamental (identificação e modulação de pensamentos-gatilho para a dor, com uso de distratores) e biofeedback, permitindo a identificação de focos de contração muscular. Cefaleias trigêmino-autonômicas: nesse grupo se inserem diversas formas de cefaleia unilateral com sinais autonômicos parassimpáticos cranianos lateralizados em concordância com o foco de dor. Há ativação hipotalâmica complexa, modulando a dor craniofacial nas manifestações dessa categoria. o Cefaleia em salvas: correspondem a crises álgicas intensas, de caráter unilateral exclusivo ou combinado nas regiões orbital, supraorbital ou temporal, se estendendo por 15 a 180 minutos. Os episódios podem ser singulares, a cada um ou dois dias, ou ocorrerem em múltiplas apresentações diárias. Essa periodicidade dá o nome de salvas ao quadro. Localização geral da dor na cefaleia em salvas Critérios diagnósticos da cefaleia em salvas A idade de início desse tipo de cefaleia vai dos 20 aos 40 anos, afetando principalmente os homens (motivo desconhecido). Durante as salvas, o consumo de álcool, a liberação de histamina e a hipoxemia podem desencadear crises álgicas. A dor pode estar associada a diversos outros sintomas e sinais, sempre do mesmo lado que a cefaleia, como Júlia Figueirêdo - DOR hiperemia conjuntival, rinorreia, congestão nasal, lacrimejamento, sudorese, edema/ptosepalpebral, miose e/ou agitação. Sintomas secundários da cefaleia em salvas As salvas podem ser classificadas como episódicas (7 dias a 1 ano de crises separadas por um ou mais meses assintomáticos) e crônicas (mais de um ano de crises sem remissão ou com intervalos inferiores a 1 mês). Essas últimas afetam até 15% dos pacientes. Critérios diagnósticos para classificação da cefaleia em salvas como episódica ou crônica Nas crises em salva, o sistema trigeminovascular é ativado, liberando concentrações exageradas de CGRP, potente vasodilatador e agente inflamatório na dura-máter. Com a resposta autonômica gerada pelo aumento do calibre vascular, fibras parassimpáticas são estimuladas no crânio, principalmente em regiões próximas ao próprio núcleo trigeminal, agindo nas estruturas vasculares, glandulares e secretoras associadas à sintomatologia secundária a dor. Há também indícios que a periodicidade, ponto-chave desse quadro, esteja associada à hiperatividade do núcleo supraquiasmático, centro regulador dos diversos “relógios biológicos” atuantes no organismo. o Hemicrania paroxística: nesses casos, as crises de dor apresentam curta duração (2 a 30 minutos), porém ocorrem diversas vezes num só dia (até 18h de 24h), com localização estritamente unilateral (não muda) e caráter excruciante. Critérios diagnósticos gerais para a hemicrania paroxística As cefaleias causadas por essa disfunção podem ser episódicas ou crônicas, apresentando os mesmos critérios de temporalidade que a cefaleia em salvas. Critérios diagnósticos para a hemicrania paroxística episódica e crônica Não é observada a ocorrência de fenômenos gastrintestinais ou de alterações da visão, porém congestão Júlia Figueirêdo - DOR nasal e lacrimejamento ipsilateral à dor são comuns. O pico da crise é sentido de forma intensa na área temporal, porém, em episódios severos, todo o hemicrânio é afetado, com irradiação difusa para o pescoço, ombro e membro superior. FISIOPATOLOGIA: A cefaleia em salvas, assim como as demais cefaleias primárias, não possuem seus mecanismos fisiopatológicosesclarecidos. Atualmente, estudos propõem que manifestações dolorosas trigêmino- autonômicas são decorrentes da ativação do sistema trigêmino-vascular e do reflexo trigêmino-autonômico, composto pelas fibras que conectam o núcleo do trigêmeo e as vias parassimpáticas do nervo facial, ambas no nível do tronco cerebral. Os impulsos decorrentes de estímulos álgicos ao núcleo trigeminal acabam por ativar o núcleo salivar superior do nervo facial, desencadeando reações parassimpáticas, responsáveis pelo surgimento de lacrimejamento e congestão nasal/rinorreia, além da liberação de vasodilatadores (NO e VIP), elevando o fluxo sanguíneo para as meninges e para os vasos extracranianos. Frente às respostas endoteliais carotídeas (edema e dilatação vascular), o plexo simpático local pode sofrer disfunções, estimulando o desenvolvimento de ptose palpebral e miose. Percebe-se, portanto, que a ativação desse reflexo é responsável pela ativação autonômica, que leva à vasodilatação cerebral e seu consequente aumento do fluxo sanguíneo, que pode ocorrer também pela ação antidrómica (em sentido inverso) dos aferentes do trigêmeo, liberando o CGRP também vasoativo. Todos esses processos fomentam a hipótese anatômica para o surgimento da dor no ramo oftálmico do trigêmeo (V1) e dos demais sintomas associados ipsilaterais. Com base nessa teoria, a cefaleia em salvas é uma cefaleia neurovascular com ação trigeminal, de modo similar à migrânea, diferindo apenas no local da ativação neural. A periodicidade das salvas está intimamente relacionada à duração do período luminoso diário, com maior prevalência entre julho e janeiro, sugerindo a participação de mecanismos extra hemodinâmicos, como o “relógio biológico”, regulado no núcleo supraquiasmático por ação hipotalâmica. Há alterações circadianas na secreção e síntese de múltiplos hormônios em pacientes com cefaleia em salvas, como LH, cortisol, TSH, GH e prolactina, além da melatonina, produzida de modo deficitário, com redução do pico de sua concentração noturna. Esse processo foi evidenciado por meio de exames de imagem funcional, que detectaram ativação mascarada da área hipotalâmica ventral induzida por nitroglicerina, com notável aumento do volume dessa região (somente durante as crises). Tais achados justificam o sucesso de terapias de neuroestimulação para a cefaleia em salvas Essa conexão entre hipotálamo e a dor de cabeça em clusters pode estar associada à existência de pequenas interações entre essa estrutura e o sistema trigêmino-vascular, além do papel modulador hipotalâmico sobre vias nociceptivas e autonômicas. Júlia Figueirêdo - DOR Aspectos hereditários podem ser responsáveis por até 5% dos casos de cefaleia em salvas, porém as mutações ou seleções gênicas envolvidas ainda não foram descobertas. TRATAMENTO: A implementação de terapêuticas assertivas para a cefaleia em salvas é dificultada por características inerentes ao distúrbio, como a baixa prevalência (poucos participantes em estudos) e a incapacidade de padronizar o número e a frequência das crises de dor. Nesse sentido, o tratamento se direciona para o controle da dor, sem atuar nos sintomas autonômicos associados. As estratégias terapêuticas abortivas contam com a inalação de O2 por máscara nasal (alívio em 5 a 10 minutos) e o uso de sumatriptano subcutâneo, que garante alívio rápido e persistido nas crises seguintes. Esse último medicamento não deve ser usado em pacientes > 65 anos ou com risco cardiovascular elevado, dada sua potente ação constritora vascular. A profilaxia para cefaleia em salvas pode ser realizada por meio da administração de verapamil (bloqueador de canais de cálcio), carbonato de lítio, corticoides (em ciclos terapêuticos curtos) e ergotamínicos, contraindicados na gravidez e em caso de distúrbios cardiovasculares (efeitos vasoconstrictores). Como medidas não farmacológicas aplicáveis ao manejo do paciente com cefaleia em salvas encontram-se as orientações para impedir o consumo de álcool e outros vasodilatadores, além de evitar a exposição ao calor. Cefaleia crônica diária: compreende as manifestações de cefaleia que ocorrem em mais de 15 dias durante 1 mês. Suas manifestações são bastante heterogêneas. Nesse termo guarda-chuva atualmente são inseridas múltiplas cefaleias primárias, tendo como critério determinante a ocorrência de crises diárias (ou quase), se estendendo por 4 horas ou mais na ausência de tratamento. Destacam-se a CTTC, cefaleia persistente e diária desde o início (CPDI), hemicrania contínua (HC), migrânea crônica (MC) e migrânea transformada (MT). O principal critério de transformação corresponde ao uso de analgésicos, mas ele não é obrigatório. A MC é descrita como cefaleia de duração > 15 dias mensais por 3 meses ou mais, sendo que a sintomatologia de migrânea deve ocorrer por ao menos 8 desses dias. O caráter episódico das crises pode ser retomado com a retirada dos fármacos para controle da dor (quadro classificado como cefaleia por uso excessivo de medicamentos – CEM). Critérios diagnósticos para a migrânea crônica A CEM se estende por 15 dias ou mais por mês (ao longo de, no mínimo, 3 meses), estando associada ao uso contínuo e regular de medicações para o manejo da dor. Ao serem retirados os fármacos, o Júlia Figueirêdo - DOR desfecho mais usual é a regressão do incômodo. Conforme o comporto em uso, os critérios diagnósticos podem sofrer alterações, porém a cronicidade dos sintomas é imprescindível. Critérios diagnósticos para a cefaleia por uso excessivo de medicamentos A HC apresenta os mesmos sintomas da hemicrania paroxística, podendo ser dividida em remitente, com períodos de dor sendo interrompidos por remissões de cerca de 1 dia, e não remitente, na qual esses momentos estão ausentes por ao menos 1 ano. Critérios diagnósticos para a HC Critérios diagnósticos para as formas remitente e não remitente da HC A cefaleia persistente desde o início também apresenta características próprias, mas pode assumir caráter igual ao da migrânea ou da CTT, por vezes sendo uma “combinação de ambas”. Esse quadro se torna não remitente em pouco tempo, e tem predileção por indivíduos sem histórico prévio (condição não excludente), capazes de recordar vividamente o primeiro episódio de dor. É possível estabelecer duas subdivisões para esse quadro, autolimitada, que desaparece ao longo de meses na ausência de tratamento, e refratária, que prevalece mesmo com terapêuticas agressivas. Critérios diagnósticos para a CDPI FISIOPATOLOGIA: A cefaleia crônica diária (CCD) é uma síndrome marcada por dores de cabeça diárias ou quase (ao menos 15 dias por mês), ocorrendo por pelo menos 3 meses. O mecanismo de cronificação das cefaleias ainda não é conhecido, mas pode estar relacionado ao abuso de analgésicos e a comorbidades psiquiátricas, quadros comuns em portadores de migrânea e CTT, Júlia Figueirêdo - DOR disfunções que tendem a se tornarem recorrentes. Representação do ciclo de transformação e cronicidade em cefaleias primárias A classificação da cefaleia como CCD só é estabelecida após o desmame total de analgésicos e opioides, de forma a avaliar o padrão basal de dor e enquadrar o quadro como alguma manifestação cronificada. A cronificação da cefaleia por meio do uso de medicamentos ocorre devido a diminuição do limiar doloroso individual e à redução da eficácia de terapias profiláticas por interações medicamentosas. Nota-se, no entanto, que a evolução dessa condição é substância-dependente, com diversos fármacos causando CCD em intervalos temporais distintos. Além da influência medicamentosa, atualmente3 fatores fisiopatológicos estão associados à cronificação da cefaleia, a saber: Fator de crescimento neuronal (NGF): esse fator de proliferação é encontrado de forma mais abundante em pacientes com dor crônica e hiperalgesia, estando associado a fenômenos de up- regulation inflamatórios. Por meio dessa ação o NGF sensibiliza receptores aferentes, graças à cascata de inflamação neurogênica por ele deflagrada (associado ao quadro de migrânea). Essa substância também causa alterações na secreção de substância P e CGRP, de forma similar a mecanismos fisiopatológicos migranosos. Sensibilização de neurônios trigeminais: apresenta os mesmos mecanismos de ocorrência descritos no desenvolvimento da enxaqueca, sendo o Wind-up um importante fenômeno para a propagação e prolongamento da dor; Modulação da dor no diencéfalo: a modulação da sensibilidade à dor é mediada por meio de dois grandes grupos celulares, off-cells, inibidores, e on-cells, de ação excitatória aos nociceptores. Quando a atividade dessas últimas células for elevada, os estímulos aferentes no tronco medular serão mais facilmente captados. TRATAMENTO: A conduta para quadros de CCD se resume, majoritariamente, à reversão do abuso medicamentoso por analgésicos, fator que, quando suprimido, pode promover a melhora dos sintomas após um estágio inicial de piora (rebote). Os resultados só serão observados em seu máximo após 3 a 6 meses da suspensão do uso excessivo de analgésicos, seguido pelo início da profilaxia específica para a causa base (migrânea ou CTT). CEFALEIAS SECUNDÁRIAS: A cefaleia aparece frequentemente como um sintoma secundário de outros distúrbios de complexidade diversa, tornando-a uma queixa frequente, principalmente em mulheres. No segmento cefálico, são sensíveis a dor todas as estruturas faciais (superficiais e profundas), o couro cabeludo, o periósteo do crânio, a estrutura vascular extracraniana, as artérias do polígono de Willis, a porção basal da dura-máter e os nervos sensitivos. A inflamação, distensão Júlia Figueirêdo - DOR ou tração dessas estruturas podem levar a quadros álgicos. Por sua vez, não são sensíveis à dor os ossos que compõem o crânio, a leptomeninge e o restante da dura- máter, o parênquima encefálico e sua rede vascular. A classificação das cefaleias secundárias é um processo complexo, sendo o ponto principal para diferenciá-las das primárias a associação temporal estreita com uma doença orgânica. O diagnóstico desse quadro só deve ser realizado quando for conhecido que o distúrbio basal possa ser capaz de causar a dor. Os distúrbios mais prevalentes que apresentam a cefaleia como um de seus sintomas são: Alterações encefálicas isquêmicas; Traumatismo craniano; Cefaleia induzida por exercício físico; Transtornos vasculares diversos; Hemorragia subaracnoidea; Tumores cerebrais. Principais etiologias associadas à cefaleia secundária (cada uma apresenta critérios específicos para o diagnóstico) Critérios gerais para identificação e diagnóstico de cefaleias secundárias Aspectos temporais, modo de início e a evolução do quadro podem ser ferramentas importantes para diferenciar manifestações primárias e secundárias. Episódios localizados ou difusos, súbitos (segundos ou minutos) e explosivos que rapidamente atingem o pico de dor (cefaleia em trovoada) associados à náuseas e vômitos, por exemplo, sugerem hemorragias pela ruptura de aneurismas ou outras alterações vasculares, que deve ser descartada antes de serem consideradas manifestações benignas. Diagnósticos diferenciais para as cefaleias de início súbito As cefaleias agudas, com ápice de intensidade em minutos ou poucas horas, são normalmente secundárias a meningites, encefalites, sinusite e Júlia Figueirêdo - DOR hemorragias. Alguns sinais preditivos de etiologia grave são idade > 50 anos, início súbito e anormalidades neurológicas. Quadros insidiosos e progressivos, com intensidade máxima alcançada em dias ou até 3 meses são indícios de hematomas subdurais, meningites crônicas ou tumores. Por fim, manifestações cronificadas e sem alteração de intensidade são normalmente associadas a quadros primários. A gravidade do quadro basal nem sempre é dependente da intensidade da dor, o que faz com que até mesmo quadros leves, mas que ocorrem em períodos específicos, devam ser observados atentamente. Cefaleias referidas, também frequentes em ambulatórios, são reflexos de processos oftalmológicos, respiratórios ou odontológicos em curso, inicialmente identificados no sítio original da dor, mas que se irradiam e generalizam com a evolução do distúrbio. EXAMES COMPLEMENTARES E DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS PARA CEFALEIAS: Na avaliação de queixas de cefaleia, a anamnese é o maior contribuinte para a formação de hipóteses diagnósticas. Assim, alguns pontos merecem destaque especial, a saber: Sexo: mesmo que ambos os sexos possam ser afetados pela cefaleia, seus subtipos podem prevalecer em um ou outro grupo (ex.: cefaleia em salvas mais comum em homens, migrânea e CTT, em mulheres); Idade de início dos sintomas e idade atual do paciente: pode ser utilizada para avaliar a cronicidade do quadro ou para direcionar as suspeitas diagnósticas, mesmo que todos os grupos etários possam sofrer com cefaleias; Distribuição temporal do quadro: compreende o processo de instalação do primeiro episódio de dor (insidioso ou súbito) e sua evolução (progressiva ou sem alterações); Presença de pródromos: alguns sintomas podem preceder a cefaleia em algumas horas, como distúrbios de humor na migrânea, ou mal-estar e anorexia em quadros infecciosos; Sintomatologia inicial: abrangem as manifestações que antecedem imediatamente a dor, como as auras sensoriais e cognitivas da migrânea, que se instalam em 5 a 60 minutos e podem evoluir de forma rápida ou gradual. A identificação e temporização desses eventos é crucial, permitindo a diferenciação entre a migrânea com aura e outros distúrbios, como crises isquêmicas transitórias ou crises epiléticas. Perguntas inerentes à dor: o Modo de instalação: permite a separação de quadros insidiosos, que evoluem com crises sucessivas, subagudos, com o ápice da dor sendo atingido em minutos, e agudos, de aparecimento rápido e intenso da dor o Caráter: pode ser descrito como em pressão (sensação de aperto constante na cabeça), queimação, fisgada (instalação súbita, durando apenas segundos), ou como pulsátil (latejando com os batimentos cardíacos); o Localização e irradiação: as cefaleias afetam principalmente as porções anteriores (frontal e temporal), em detrimento de áreas posteriores, como os segmentos parietais e occipital. Manifestações bilaterais Júlia Figueirêdo - DOR ou em alternância de hemisférios são mais comuns que as estritamente unilaterais, sendo elas frequentemente associadas a patologias orgânicas localizadas; o Duração: o estabelecimento preciso da duração de cada episódio pode ser determinante para a consolidação do diagnóstico, uma vez que condições de apresentação semelhante diferem entre si pela extensão das crises. Normalmente, é maior para quadros secundários; o Frequência: em cefaleias primárias, esse quesito normalmente é inversamente proporcional à duração (quanto mais extensas as crises, maior o intervalo entre elas); Nesse item, também é válido pontuar o horário de ocorrência dos episódios, que auxilia no processo de formulação do esquema terapêutico. o Periodicidade: a alternância entre crises e intervalos remissivos permite a classificação de diversos tipos de cefaleia primária como episódicos (intervalados) ou crônicos;o Sintomas associados: permitem a identificação de quadros clínicos típicos, como na migrânea e na CTT, além de serem pontos importantes para a estruturação terapêutica; o Fatores de melhora e piora: geralmente, as manifestações de cefaleia se agravam com a prática de atividades físicas, além de fatores vasculares e posturais. Essa identificação favorece o diagnóstico diferencial entre dois quadros (ex.: migrânea e cefaleia tensional) e direciona possíveis técnicas de controle terapêutico; o Fatores desencadeantes: podem estar relacionadas à realização de certas atividades ou ao consumo ou evitação de substâncias; Possível correlação hormonal: em mulheres, as crises de migrânea normalmente surgem com a puberdade, tornando-se mais intensas no período menstrual. O uso de anticoncepcionais pode agravar a dor, ao passo que na gestação as crises podem até mesmo desaparecer; o Antecedentes pessoais: a identificação de comportamentos ou sintomas sugestivos ao longo da vida do paciente pode facilitar a formulação diagnóstica; o Histórico familiar: relevante principalmente na migrânea, cujos portadores referem histórico familiar em 70% dos casos. Diagnóstico diferencial entre cefaleias primárias, tendo como base os dados coletados na anamnese Após a coleta de dados inicial, o profissional passa à realização do exame físico que pode identificar ou excluir sinais patognomônicos de vários distúrbios. Os principais pontos a serem avaliados são: Aferição da PA; Análise da FC e FR; Inspeção e palpação da cabeça e do pescoço; Avaliação da articulação temporomandibular; Exame neurológico; o Identificar possível rigidez nucal; o Exame de pares cranianos; o Avaliação da simetria nos testes de reflexo motor e na análise sensorial; Júlia Figueirêdo - DOR o Realização de testes de equilíbrio (Romberg); o Análise da marcha; o Realização de testes de compressão radicular; o Observação e comparação do diâmetro pupilar e da simetria entre os hemisférios; Realização da fundoscopia (investigação de papiledema). Achados no exame físico que direcionam o raciocínio clínico para quadros secundários O diagnóstico de cefaleias é eminentemente clínico, sendo os exames laboratoriais (punção do LCR) e de imagem (principalmente radiografias, na atenção básica) solicitados principalmente frente a suspeitas de alterações estruturais e de doenças sistêmicas. Em quadros crônicos a tomografia e a ressonância magnética são prescritas apenas na ausência de alterações no exame físico neurológico ou em casos primários refratários ao tratamento. Frente a casos agudos, por sua vez, esses recursos se fazem úteis principalmente na presença de sinais de alerta. O eletroencefalograma deve ser solicitado apenas em quadros sugestivos de alterações funcionais ou na presença de sintomas associados à epilepsia. Na avaliação inicial do paciente com cefaleia, é crucial a identificação de sinais de alerta, condições que sugerem maior gravidade do quadro (exclusivamente secundário) e podem direcionar o indivíduo par atendimento de urgência. Mnemônico SNOOP para a identificação de sinais de alerta para cefaleia secundária As principais condições consideradas nesse modelo de sinais são: Primeira ou pior cefaleia da vida, com início súbito ou abrupto: a instalação súbita desse quadro pode indicar a ocorrência de hemorragia subaracnóidea, ainda mais evidente na presença de náuseas e vômitos, alterações no estado de consciência, rigidez nucal e hemorragia ao fundo de olho. Podem ocorrer hemorragias sentinelas antes do quadro doloroso, marcando distensões no aneurisma. Outras possíveis causas para cefaleia súbita são fechamento de glaucoma de ângulo agudo (cefaleia intensa com dor ocular e alteração visual), trombose venosa cerebral, hidrocefalia aguda, hemorragia intraparenquimatosa e a cefaleia em trovoada. A realização de TC tem positividade > 95% no primeiro dia de sangramento, 74% no terceiro, e praticamente zero após duas semanas. Em situações nas quais o exame seja normal ou inconclusivo, é solicitada punção do LCR para descartar hemorragias (teste dos 4 tubos). Caso todos os exames não mostrarem anormalidades, o paciente pode ser classificado como portador de cefaleia em trovoada que pode acompanhar a expansão ou o sangramento inócuo de um Júlia Figueirêdo - DOR aneurisma, sendo necessária uma RM. Cefaleia de início recente: cefaleias iniciadas há menos de 1 ano normalmente estão associadas a doenças intracranianas, que causam dor por meio da compressão direta a estruturas sensíveis (viscerais), o que faz com que o quadro seja referido mais superficialmente. O restante das características da dor varia conforme o tipo de acometimento e sua localização. Esse tipo de acometimento deve ser ainda mais bem avaliado em pacientes com mais de 50 anos, uma vez que há maior risco para o desenvolvimento de quadros vasculares e neoplásicos potencialmente debilitantes e, por vezes, fatais. Cefaleia associada a rebaixamento de consciência, alterações neurológicas ou sinais de irritação meníngea: disfunções neurológicas são os principais indícios para o acometimento por quadro intracraniano, seja decorrente de tumorações, traumas ou infecções, todos capazes de elevar a pressão intracraniana e causar incômodo. A presença de sintomas de AVE pode indicar a dissecção das artérias carotídeas e vertebrais, que nem sempre provocam alterações imediatas ao exame, facilitando sua baixa detecção precoce. Alterações nos nervos cranianos também estão sempre sob suspeita de desencadearem quadros graves. Quando há a detecção de papiledema na fundoscopia, a PIC encontra-se elevada, seja por trombose local ou por hipertensão intracraniana idiopática. Esses pacientes devem ser tratados rapidamente, de forma a prevenir isquemias. Papiledema como sinal diagnóstico em pacientes com cefaleia por aumento da PIC o Cefaleia pós-traumatismo craniano: marcada por dor intensa que atinge seu máximo no sítio do trauma. O desenvolvimento do quadro deve ter ocorrido em até 7 dias da lesão ou da recuperação da consciência. Todo paciente com essa queixa, ainda que leve, deve ser investigado para fraturas de base de crânio, hipotensão ou hematomas intracranianos; o Cefaleia por esforço: é associada principalmente a malformações vasculares intracranianas e a doenças nos seios da face. A cefalalgia cardíaca (cefaleia + isquemia miocárdica) pode ser observada em indivíduos > 50 anos com fatores de risco cardiovasculares; o Cefaleia associada a distúrbios visuais: a gravidade do quadro normalmente é associada à natureza dos sintomas visuais. Quando as auras da migrânea duram por mais de 1h ou são distintas das manifestações habituais, cabe pesquisar um distúrbio adjacente. A hemianopsia em adultos pode ser secundária a hemorragias intracranianas, infarto cerebral ou tumorações locais. o Cefaleia associada a alterações posturais: procedimentos que envolvam a retirada de líquor podem causar cefaleia por hipotensão liquórica, que surge ao sentar ou levantar-se, melhorando apenas em decúbito. O quadro pode Júlia Figueirêdo - DOR ou não ser acompanhado por náuseas, vômitos, vertigem e alterações no nível de consciência Cefaleia nova em pacientes imunossuprimidos ou com coagulopatias: exames de imagem e punção liquórica devem ser feitos com prioridade, pois esses pacientes possuem maior risco para doenças do SNC. Em indivíduos com neoplasias, a cefaleia pode resultar do efeito de massa causado pelo tumor, causando aumento da PIC, ou ser fruto do próprio tratamento utilizado. No entanto, os sintomas neurológicosmais comuns são convulsões, distúrbios neuropsiquiátricos e déficits focais. Nos pacientes HIV-positivos, o risco de doença intracraniana é 24% maior que na população geral, podendo haver acometimento por meningite bacteriana, tuberculose ou linfomas. Esse mesmo quadro pode ser encontrado após o recebimento de transplantes. Todo paciente em uso de anticoagulantes ou portador de disfunção hematológica deve ser monitorado de perto, uma vez que apresenta maior chance de desenvolver trombose venosa cerebral (hipercoagulabilidade) ou hemorragias/hematomas (hipocoagulabilidade). Representação de uma lesão isquêmica por trombose, que pode causar cefaleia o Cefaleia gestacional: ainda que essa população seja mais susceptível ao aparecimento de migrânea e CTT, a propensão a distúrbios hipertensivos e vasculares justifica a investigação detalhada do sintoma, que pode ser associado a pré-eclâmpsia ou trombose venosa, principalmente com gestantes com IG > 20 semanas ou até 6 semanas do puerpério. Cefaleias progressivas ou refratárias ao tratamento. Sinais de alerta e suas possíveis etiologias na cefaleia secundária FATORES DESENCADEANTES E CRONIFICANTES EM CEFALEIAS: O desencadeamento de crises álgicas em pacientes com cefaleias primárias está associado a um grande número de estímulos, que podem variar de pessoa a pessoa. Os principais são: Estressores psicológicos: a liberação de mediadores do estresse, principalmente quando crônico, pode desencadear ações inflamatórias de impacto neurológico e vascular (vasodilatação), deflagrando crises de CTT e migrânea; Má-postura e tensão muscular em pontos-gatilho: podem desencadear a cefaleia tensional ao ativarem pontos dolorosos cervicais e a sua sensibilização periférica; Alterações no clima: o resfriamento da temperatura está associado à ocorrência Júlia Figueirêdo - DOR de CTT pela maior tensão muscular desencadeada pelo frio; Menstruação: a alteração na dinâmica hormonal favorece o surgimento de crises de migrânea e cefaleia tipo tensional, uma vez que a progesterona apresenta ação vasodilatadora; Distúrbios do sono: a alteração hipotalâmica observada em pacientes com quadros de cefaleia em salvas pode causar insônia, desregulando também a secreção de diversos hormônios e neurotransmissores; Bruxismo e movimentos mastigatórios: a estimulação repetida de músculos inervados pelo trigêmeo pode causar sensibilização periférica à dor, marcadamente em pacientes com CTT; Consumo de cafeína: sua ação estimulante e vasoconstrictora pode causar crises de cefaleia, quadro ainda mais grave em pacientes com a modalidade tensional, que também sofrem com o efeito desidratante desse composto sobre a musculatura; Retirada abrupta do uso de analgésicos. CONDUTA NO MANEJO DE CEFALEIAS NA ATENÇÃO BÁSICA: As demandas para o tratamento de cefaleias em serviços de atenção primária normalmente estão associadas aos quadros primários, uma vez que manifestações secundárias frequentemente surgem em caráter de urgência ou emergência, com o manejo sendo direcionado para o controle da causa basal. Processo de triagem do paciente com cefaleia na Unidade Básica de Saúde Fluxograma para o atendimento e triagem de casos de cefaleia na Atenção Básica Alguns pontos iniciais devem ser considerados no tratamento inicial das crises de dor, a saber: Estabelecimento exato do diagnóstico; Júlia Figueirêdo - DOR Considerar comorbidades no momento da prescrição, evitando interações medicamentosas e efeitos adversos; Restringir a frequência do uso de analgésicos para evitar desenvolvimento de CEM; Utilizar de fármacos adequados à intensidade do quadro (escada analgésica da OMS); Instruir o paciente a cooperar no tratamento. De forma geral, recomenda-se que todo paciente com cefaleia realize a confecção de um diário da dor para monitorar a evolução do quadro e seus fatores desencadeantes/atenuantes, o que pode auxiliar na consolidação do diagnóstico e na definição de condutas futuras. O tempo mínimo de preenchimento deste documento é de 8 semanas. Modelo básico do diário da dor Crises leves de CTT podem ser aliviadas com o repouso ou com a prática de atividades relaxantes, ao passo que as demais manifestações podem ser tratadas com o uso de analgésicos comuns, como a dipirona, e AINES, destacando-se o paracetamol e o ibuprofeno, preferencialmente em formulações com cafeína. O tratamento profilático contra a cefaleia tensional faz uso de antidepressivos (ADT, IRSR e IRSN) e miorrelaxantes, além de acupuntura. A migrânea tem seu tratamento agudo definido com base na intensidade das crises, que podem apresentar: Fraca intensidade: analgésicos simples e AINES (destacando-se o paracetamol, droga de escolha na gestação) podem ser empregados juntamente a antieméticos, frente a quadros de náusea. Como medidas não farmacológicas, destacam-se o repouso e o afastamento de estímulos sensoriais excessivos que possam ter desencadeado a crise; Possíveis fármacos para o manejo de crises de fraca intensidade Intensidade moderada: além dos fármacos supracitados, nesse estágio também são recomendados agonistas de receptores de serotonina seletivos e não seletivos, sempre associados a antieméticos; Fármacos empregados no manejo de crises moderadas de migrânea Forte intensidade: recomenda-se o uso de agonistas de receptores de serotonina (triptanos), além de AINES (indometacina) e antipsicóticos (clorpromazina). O uso de dexametasona ou haloperidol também pode ser uma alternativa. No manejo agudo de crises intensas, o paciente pode reagir bem à dipirona injetável, acompanhada ou não de antiespasmódicos. Júlia Figueirêdo - DOR Alternativas medicamentosas para o tratamento de crises intensas de enxaqueca Caso haja mais de 4 crises mensais ou migrâneas incomuns, a profilaxia medicamentosa é recomendada, fazendo uso de betabloqueadores (Propranolol, evitado em casos de distúrbios pulmonares ou cardiovasculares), ADT (amitriptilina, contraindicada em indivíduos com elevado risco cardiovascular), anticonvulsivantes (topiramato e gabapentina). Essa estratégia é mantida inicialmente por 6 meses, momento após o qual é reavaliada a sua necessidade. Fluxograma de atendimento para quadros de crises por migrânea no PS Na cefaleia em salvas, o manejo terapêutico é direcionado para a evitação de comportamentos que desencadeiem as crises podendo ser utilizados agonistas de receptores da serotonina (ergotamina e triptanos), além de oxigênio em máscara facial (7 litros por 15 minutos), não sendo indicada a prescrição de AINES, paracetamol e opioides. No tratamento contínuo desses pacientes, também podem ser empregados o Verapramil, bloqueador de canais de cálcio, e corticoides, casos as crises sejam crônicas. Em pacientes com cefaleia por excesso de medicamentos, o tratamento deve ser baseado na orientação da interrupção abrupta do uso de analgésicos por ao menos 30 dias, esclarecendo os possíveis efeitos desagradáveis dessa estratégia e fornecendo o suporte necessário no período de abstinência. O quadro deve ser reavaliado após 4 ou 8 semanas. Quadro terapêutico em CTT, migrânea e CEM No que diz respeito ao tratamento de cefaleias secundárias, este pode ser realizado por meio de esquemas analgésicos comuns, com AINES, dipirona, paracetamol ou opioides, em casos extremos. Sempre será priorizado o manejo da causa inicial da dor, de modo que o paciente seja constantemente acompanhado.
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