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Anamnese psiquiátrica Acadêmica: Juliana Rabelo da Silva Sousa Referência: MIGUEL, Euripedes C. GENTIL, Valentim. GATTAZ, Wagner F. Clínica psiquiátrica. FMUSP, 2011. Entrevista clínica psiquiátrica Objetivo: obtenção de informação confiável, válida e útil a respeito dos problemas mentais, que deverá ser elabo- rada e codificada, com o objetivo de planejar e implementar ttos, motivando o pct e criando e mantendo uma rela- ção terapêutica sustentável. O paciente: requer-se colaboração e eficiência (clareza, precisão, abrangência e concisão na comunicação de seus problemas). Obs: É um paradoxo e desafio o fato de que os problemas mentais que devem ser esclarecidos podem afetar essa colaboração e eficiência, trazendo dificuldades ao processo de comunicação. O entrevistador: requer-se eficiência, naturalidade e humanidade. É necessário estar preparado física e psicologi- camente, pois essa entrevista desenrola-se dentro de uma perspectiva estratégica. Estratégia de entrevista: planejamento e adequação global aos diferentes problemas mentais e diferentes pcts. Tática de entrevista: planejamento e adequação ao momento, tema ou etapa que se desenrola. Podemos dividir os processos da entrevista nos seguintes: Controle do vínculo com o paciente Realização de procedimentos específicos Aplicação de técnicas de entrevista Avaliação do estado mental Elaboração das informações obtidas de acordo com os diferentes métodos psicopatológicos OU Introdução Abertura Corpo da entrevista Devolutiva Encerramento O vínculo na entrevista clínica psiquiátrica É o canal ou ambiente de comunicação. Define o clima da entrevista e a força da ligação entre entrevistador e pct (rapport) Primeiro é necessário abrir o canal de comunicação. Mesmo quando foi construída de maneira satisfatória, há momentos da entrevista em que se encontra ameaçada, o que obriga o entrevistador a uma atitude ativa na re- solução desse problema. O entrevistador deve exercer controle e direcionamento, de maneira eficiente, porém, sensível. O manejo do vínculo é exercido pelos tipos básicos de vínculo: Vínculo de autenticidade Vínculo de empatia Vínculo de conhecimento Vinculo da aliança terapêutica Vínculo de liderança Obs: São implementados pelas técnicas de vínculo, divididas em facilitadoras e para comportamentos desadaptati- vos e disruptivos. Vínculo de autenticidade – “Eu sou como você” Utilizado para abrir o canal de comunicação, sinalizando para o pct que o psiquiatra está disponível para aju- dá-lo. Instrumento poderoso para controlar a insegurança e ansiedade do pct e do entrevistador, e reduzir a tensão em momentos difíceis da entrevista. Foque a atenção no pct, e não no seu desempenho pessoal como entrevistador. Adeque suas linguagens verbal e não verbal à do pct e exercite suas habilidades sociais. Conseguirá transmitir espontaneidade e consistência. Responsável pela sensação de que uma boa entrevista clínica psiquiátrica foi natural. Vínculo de empatia – “Eu o compreendo” Facilita e aprofunda a ligação com o pct, sinalizando que o psiquiatra o compreende e sente pesar pelo seu so- frimento. Libera reações emocionais espontâneas e autênticas do pct, que permite a obtenção e validação de sintomas e sinais. Chega-se à compreensão do problema sob uma perspectiva humana, psicológica. Nem sempre isto é fácil. Focar nas emoções e sofrimento do pct, estabelecer bom contato visual. Obs: Esse exercício e o da compaixão pelo outro, só sobrevivem quando há o mínimo de julgamento moral e pre- conceito. As técnicas de vínculo de empatia em geral aprofundam o rapport mas, paradoxalmente, podem bloquear o vínculo em um subgrupo de pct, que podem não aceitar uma determinada perspectiva que seja veiculada pela técnica ou mesmo não querem vivenciar o estado emocional "liberado" por estas técnicas. Pacientes defesivos, paranoicos, retraídos ou mesmo psicóticos podem ter mais dificuldade de aceitação de técnicas de empatia, em especial as técnicas de expressão de compreensão e de compaixão, apresentando uma propensão maior a respostas em espiral paranoica. Exemplo de espiral paranoica Paciente: Meu marido é um homem estranho. Ele é um demônio. Ele fica fazendo o joguinho do divórcio para me fazer parecer doida, para então se divorciar de mim. Entrevistador: O que você quer dizer com isso? Paciente: Por três meses eles me espionam. Eu acho que eles usam telescópios e sondas mentais para me obser- var. Entrevistador: É amedrontador estar sendo espionado pelos outros. Paciente: O que você quer dizer com isso? Como você poderia saber o que estou sentindo? Técnicas facilitadoras para a empatia Qualificação “Você foi muito corajoso admitindo isto.” Reforço “Muito bem!” Expressão de compreensão fenomenológica: compreensão da emoção e nomeação “Você me parece muito triste!” Expressão de compreensão genética: compre- ensão dos motivos e interpretação “Parece que isto acontece porque você se sente impoten- te frente a estas situações, muito semelhante ao que lhe aconteceu na infância, quando foi abusado!” Expressão de compaixão “É horrível isto ter acontecido com você... Sinto muito!” Revelação pessoal Numa situação parecida do passado, eu também fiquei muito triste... Entrevistador: Bem, pela situação que você descreve, é amedrontador. Paciente: Amedrontador o suficiente para deixar alguém louco? Entrevistador: Bem, isto é difícil de se dizer ... Paciente: Qual é, doutor? Amedrontador o suficiente para deixar alguém louco, não é? Pois preste bem atenção, eu não sou louca não, ouviu? Quero ir embora daqui! Técnicas de expressão de compreensões fenomenológicas e genéticas Podem ser divididas em dois grupos: Técnicas básicas, com menor efeito empático, porém mais conservadoras, menos arriscadas Técnicas complexas, com maior efeito empático, porém mais arriscadas no sentido de poderem provocar mais facilmente o aparecimento de uma espiral paranoica. Exemplos de expressões de compreensão fenomenológica básicas e comoplexas Dimensão analisada Técnica básica Técnica complexa Intensidade do afeto “Você me parece chateado”. “Você me parece arrasado”. Vivacidade representativa “Você me parece perdido”. “Você me parece sem rumo, como numa noite escura”. Convicção “Você me parece triste”. “Com certeza você está triste!” Intimidade “Você está sentindo a perda”. “A gente sente a perda, não é?” Exemplos de expressões de compreensão genética básicas e complexas Dimensão analisada Técnica básica Técnica complexa Linguagem “Parece-me que você se sentiu exposto, ao ter que competir”. “Parece-me que você é afetado por um complexo de inferioridade”. Perspectiva “Parece-me que você se sentiu exposto, ao ter que competir (subjetiva)”. “Parece-me que você se sentiu diminuí- do, ao ter que competir (do entrevista- dor)”. Abrangência inter- pretativa “Parece-me que você se sentiu exposto, ao ter que competir naquela situação”. “Parece-me que em todas as situações de competição você se sente exposto”. Obs: Embora seja um elemento poderoso no aprofundamento da ligação com o paciente, deve-se estar seguro do momento oportuno para o início da sua aplicação. Obs: Deve-se observar o resultado e corrigir o rumo, conforme necessário e de acordo como o descrito na análise de cada círculo empático. Análise do círculo empático Fase 1 Paciente expressa um sentimento Fase 2 O entrevistador percebe e compreende o sentimento Fase 3 O entrevistador aplica técnica de vínculo de empatia Fase 4 O paciente recebe a técnica Fase 5 O paciente dá feedback para a técnica Obs: Se comportamento defensivo, paranoico ou resistência presente é melhor evitar o uso de técnicas de vínculo de empatia complexas, principalmenteno início da entrevista. Obs: Em alguns casos, não utilizar técnicas de vínculo de empatia é a melhor solução. Exemplo de como evitar uma espiral paranoica Paciente: Meu marido é um homem estranho. Ele é um demônio. Ele fica fazendo o joguinho do divórcio para me fazer parecer doida, para então se divorciar de mim. Entrevistador: O que você quer dizer com isso? Paciente: Por três meses eles me espionam. Eu acho que eles usam telescópios e sondas mentais para me obser- var. Entrevistador: E como você sente sendo espionada pelos outros? Paciente: O que você acha? Em cada lugar que eu vou, tem gente atrás de mim. A gente vai ficando acuada ... Entrevistador: Bem, eu nunca vivi esta situação, mas imagino que seria muito difícil. Paciente: Às vezes eu acho que estou ficando louca ... Entrevistador: Talvez eu pudesse ajudá-la com esta sensação ... Paciente: Eu acho que estou precisando de um calmante, senão eu vou ficar louca mesmo. Vínculo do conhecimento – “Eu conheço o seu problema” Uma vez aprofundado o vínculo, deve-se dar ao paciente a oportunidade de consolidar a ligação com o psiqui- atra. Consegue-se isso com o vínculo de conhecimento, este sinaliza que está interessado nos sintomas (visão médica) e problemas e que tem familiaridade com os mesmos. São obtidos e validados os sintomas, chegando ao diagnóstico e à explicação do problema sob a perspectiva médica. É necessário focar-se nos fatos e sintomas, usar um estilo de linguagem mais técnico e assumir atitude de obje- tividade, postura investigativa e didatismo. Objetivo: é o de tornar o paciente mais seguro com relação à capacidade do profissional. Aliança terapêutica – “Eu estou ao seu lado” Mesmo após termos aberto o canal de comunicação e aprofundado e consolidado de maneira satisfatória a li- gação, há momentos em que corremos o risco de perder todo o progresso. A principal ameaça nasce da dificuldade de conciliação de visões que existe entre o pct e o psiquiatra. Impor a sua visão do problema a pcts psicóticos delirantes, antes de eles estarem preparados resulta na não terapêutica e contribui fortemente para a criação de situações de impasse que caminham rapidamente para o rompimento da relação. Para evitar isso, utilizamos a aliança terapêutica, que sinaliza ao pct que aceitamos a sua visão do problema e que somos seu aliado. Importante ao se comunicar um diagnóstico e para estabelecer uma estratégia de tto. Focar na visão subjetiva do pct, avaliar a sua crítica com relação à realidade dos fatos (crítica plena, parcial ou ausente) e desenvolver uma atitude de aceitação e cumplicidade. Vínculo de liderança – “Pode contar comigo” Embora tudo pareça muito natural e espontâneo, durante toda a entrevista o profissional terá que exercer um controle ativo, mas sutil. É dado pelo vínculo de liderança, que sinaliza ao pct que se está interessado na sua melhora e que tem condi- ções de guiá-lo até lá. Foque na detecção de resistências, defesas e comportamentos disruptivos. Técnicas facilitadoras para o conhecimento Doença em perspectiva social “Este é um problema que atinge boa parte da população ...” Termos técnicos “É chamado de síndrome de ...” Informações especializadas “Acomete indivíduos com tais características ...” Familiaridade “Tivemos muitos casos semelhantes na nossa clínica...” Lidar com dúvida “Percebo que você tem dúvidas ... Procure informações adicionais com outros especialistas no assunto. O mais importante é você se sentir seguro a respeito do seu problema e tratamento...” Técnicas facilitadoras para a aliança terapêutica Expressão de aceitação “ Ser perseguido por inimigos poderosos é muito estressante!” Expressão de empatia e compaixão “Eu compreendo o que você sente e me preocupo com isto ...” Aliança com a "parte sadia" do paciente “Você precisa estar emocionalmente fortalecido para enfrentar tal situação!” Estabelecimento de objetivos comuns - agendas aberta e encoberta “Esta medicação tomará você invulnerável aos seus inimigos! – E também reduzirá ou curará os seus delírios ...” Seja assertivo e assuma a iniciativa. Demonstre interesse no bem-estar do paciente. Procedimentos da entrevista clínica psiquiátrica Esses procedimentos estão associados à coleta de informações e realização do diagnóstico e ao contrato de trata- mento, garantindo a continuidade e adesão do paciente ao mesmo. Principais procedimentos da entrevista clínica psiquiátrica Apresentação Identificação pessoal e informações básicas Anamnese psiquiátrica Exame físico e neurológico Comunicação de diagnósticos e prognósticos Explicações sobre os problemas Proposta de tratamento Orientações e prescrições Marcação de nova entrevista I consulta e despedida Introdução Apresentação Apresentar-se ao paciente, cumprimentá-lo formalmente, identificar-se e explicar o objetivo da conversa. Regra básica: inicialmente o pct entrar sozinho, de maneira que seja preservada a sua privacidade. Quebra des- ta regra em função da idade, estado de dependência, incapacidade pessoal, demanda de paciente ou familiares, casos de potencial periculosidade física do pct, onde medidas de segurança ao psiquiatra devem ser tomadas (porta semiaberta, auxiliares e pessoal de segurança em alerta). É o pct quem indica a preferência de estar só ou acompanhado de alguém ao exame. Cadeiras uma à frente da outra podem parecer ameaçadoras para pcts defensivos. Mesa entre entrevistador e pct reforça vínculo de conhecimento, reforçando a imagem médica, mas pode dis- tanciar e dificultar o vínculo empático. Identificação pessoal e informações básicas Identificação como profissional e a identificação do pct: nome, sobrenome, apelido, forma de tratamento pre- ferida. As informações básicas devem ser anotadas: sexo, cor, raça, idade, estado civil, profissão, ocupação e mora- dia. Fase de abertura Anamnese psiquiátrica Investigação inicial: motivo da consulta, motivo do encaminhamento, queixa principal. Investigação principal: história do problema principal e varredura dos problemas secundários. Corpo da entrevista História de problemas passados, de uso de drogas, médica e de exames subsidiários, do desenvolvimento, so- cial, de personalidade e comportamento e médica familiar. Devido ao tempo, completar a coleta de informações num segundo encontro e decidir rapidamente quais serão nossas prioridades. Anotações extensas podem tirar a sua atenção do paciente ou causar nele insegurança quanto ao sigilo. É infinitamente melhor compreender o paciente que anotar toda a vida dele num papel. Exame físico Definir a necessidade de realização de exame físico geral e especializado e exame neurológico pelo problema e contexto apresentados pelo pcts. Caso se decida pela realização do exame, atente para a necessidade de haver acompanhante ou outro profissio- nal presente. O exame físico deve ser sempre realizado. É comum o paciente ser encaminhado por um clínico ou cirurgião, nesses casos torna-se desnecessário novo exame somático, desde que o psiquiatra tenha se certificado da realização do mesmo pelos encaminhadores do paciente. Às vezes o exame físico é postergado devido ao comportamento não cooperativo do paciente, estados de agi- tação, agressividade ou pela intuição do psiquiatra. Nas emergências psiquiátricas a realização do exame é difícil pelo comportamento inadequado do paciente, sendo então muito importante a constante observação dos parâmetros vitais pela enfermagem. Certos achados físicos em psiquiatria apresentam algumas peculiaridades e devem ser procurados. Estado geral Sinais físicos sugestivos de doença aguda ou crônica Obesidade Emagrecimento Deformidades Pele: lesões, equimoses ou cicatrizes, indicando quadros de auto-mutilações,crises epilépticas, uso de drogas. Caracteres sexuais secundários: voz, mamas, cabelos e pelos pubianos. Posturas: podem indicar desconfortos, algias, mal-estar, abatimento. Higiene corporal, perda do controle esfincteriano, hálito (cetônico, etílico), temperatura, PA e pulso. Constituição física: biótipo, pícnico ( endomórfico ), atlético (mesomorfo) e leptossomático (ectomórfico ), podem ajudar na compreensão de certas correlações com o temperamento do paciente. Endomórficos: propendem a expressar mais facilmente suas afetividades. Ectomórficos: são mais reservados. Mesomórficos: necessitam de mais atividade motora. Exame neurológico É importante, devido à proximidade de doenças neuropsiquiátricas. Examinado motilidade, sensibilidade, marcha, tônus estático, paresias, contraturas, discinesias, praxias, lin- guagem e sinais localizatórios focais. Exame dos demais aparelhos, cardiovascular, respiratório, digestivo, genito-urinário devem ser feitos. Fase da devolutiva Comunicação de diagnósticos e prognósticos Explicações sobre os problemas Proposta de tratamento Explicamos todo o possível sobre o tratamento, discutimos diferentes opções e, junto com o paciente, defini- mos a estratégia e quem fará o tratamento. Sempre que possível, negociaremos e tentaremos chegar a uma situação de decisão compartilhada. Orientações e prescrições São imperativos a clareza e a simplicidade. Verifique se o pct compreendeu a prescrição. Talvez seja necessário fazer o mesmo com o acompanhante. Encerramento Marcação de nova entrevista ou consulta e despedida. Isso pode incluir a marcação de contato a distância em período intermediário (telefone, e-mail) e a orientação sobre procedimentos e contatos em casos de intercorrências e situações de emergência. Quando nos despedimos, transmitimos apoio, qualificação e sempre uma mensagem de esperança.