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A não inclusão da multiplicidade da língua nas escolas

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ 
Curso Letras - Português 
Disciplina: Linguística aplicada ao ensino de língua portuguesa 
Título do Relatório: A não inclusão da multiplicidade da língua nas escolas 
Aluna: Ana Paula Tavares Silva – mat.: 20180840765-2 
Professor: Antônio Ricardo Rosa Russo 
Data: 31/10/2019 
 
 
INTRODUÇÃO TEÓRICA 
 
A variação linguística é um acontecimento natural que ocorre pela diversidade da língua em 
relação às possíveis mudanças de seus elementos, tais como: vocabulário, pronúncia, 
morfologia e sintaxe. 
A variação existe porque as línguas são dinâmicas e sensíveis a fatores como região 
geográfica, sexo, idade, classe social, e também, o grau de formalidade do contexto da fala. 
É imprescindível adequar a fala às necessidades comunicativas e cognitivas do emissor, 
portanto, não podemos julgar errada determinada variação linguística devido a um juízo de 
valor, pois estaremos praticando o preconceito linguístico. 
O preconceito é um reflexo do ambiente e, embora ele se manifeste individualmente, é 
resultado do processo de socialização, como resposta a conflitos gerados (CROCHÍK, 2006). 
 
O preconceito linguístico é gerado devido ao valor definido à variedade padrão e também ao 
rótulo associado às variedades não padrão, consideradas erradas pela gramática normativa. 
 
Atualmente, evidencia-se que as variedades linguísticas são negligenciadas como objeto de 
ensino na maioria das aulas de língua portuguesa. 
No que tangue a educação formal, existe uma grande preocupação sobre o uso dos materiais 
didáticos produzidos e utilizados no Brasil. A importância crescente de análise e avaliação 
desse material, se dá, principalmente, pelo fato de muitas vezes não ser uma fonte atualizada, 
contextualizada e rica nas diversidades sociais, culturais e linguísticas do país. 
Na década de 1950, durante o período conhecido como “democratização do ensino”, a 
utilização do livro didático foi adotada em larga escala no Brasil (SOARES, 2000). 
 
Ao escolhermos um livro didático para estudo é necessário reconhecermos nele um material 
linguístico e histórico que passou por um processo de legitimação (CORACINI, 1999). Ao 
reconhecermos sua legitimidade como suporte às atividades de ensino e aprendizagem é 
essencial também destacarmos dois elementos que irão interferir no processo: 
 
O primeiro é a instituição escolar, com o dever de ensinar valores, cultura, história e demais 
traços de nosso patrimônio. O segundo elemento é o professor. Profissional responsável por 
concretizar em sala de aula atividades que estejam de acordo com os objetivos que a escola se 
propõe a cumprir, em um ambiente que motiva a busca e a construção de conhecimentos. 
 
A multiplicidade da língua portuguesa exige o ensino dessa variação nas escolas. Os 
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) defendem que “não se pode mais insistir na idéia de 
que o modelo de correção estabelecido pela gramática tradicional seja o nível padrão de 
língua ou que corresponda à variedade linguística de prestígio”. (BRASIL, 1998) 
 
 
METODOLOGIA 
 
Este relatório foi produzido com base na análise de dois livros didáticos de português - Ensino 
fundamental – 2° ano. São eles: 
 
 LIVRO 1 - Aprender juntos português – Adson Vasconcelos 
 LIVRO 2 - Vivenciando a linguagem: o mundo em palavras – Lourdes Sirtoli de 
Oliveira 
 
 
ANÁLISE DOS LIVROS 
 
O livro didático de português influencia e determina o que pode e deve ser ensinado nas aulas 
de língua portuguesa na escola, uma vez que seguem os critérios estabelecidos pelo Ministério 
da Educação e Cultura, e mantém o controle do Estado sobre a produção e distribuição desses 
materiais. 
 
LIVRO 1 - Aprender juntos português 
 
O primeiro livro é grande (287 páginas) e pesado (em relação ao livro 2), sendo que as 35 
páginas iniciais fazem uma abordagem geral do conteúdo do livro, com fichas de avaliação 
para cada unidade apresentada e ficha de auto avaliação para o aluno. 
 
Também apresenta embasamento sobre as etapas de desenvolvimento de uma criança de 6 a 8 
anos, texto sobre educação inclusiva e textos extensos sobre o ensino da língua portuguesa. 
Ao final do livro, tem-se 30 páginas para recortar e ensinar a jogar “jogo da memória”. 
 
A construção do livro quanto ao material de ensino direto se divide em quatro unidades: 
Unidade 1 – Palavras que divertem: 
 Capítulo 1 – Quem conhece se diverte 
 Capítulo 2 – Ciranda, cirandinha 
 Capítulo 3 – Sempre cabe mais um 
 
Unidade 2 – A escrita no dia a dia 
 Capítulo 1 – Anotando no diário 
 Capítulo 2 – Papéis que vão e vêm 
 Capítulo 3 – Textos que ensinam 
Unidade 3 – Quem lê vai mais longe 
 Capítulo 1 – Muito além das palavras 
 Capítulo 2 – Viajando para lugares fantásticos 
 Capítulo 3 – Que história é essa? 
 
Unidade 4 – Nossa terra, nossa gente 
 Capítulo 1 – Festeja, Brasil! 
 Capítulo 2 – Hoje tem espetáculo? 
 Capítulo 3 – Gente do Brasil 
 
O livro inteiro não trata de forma integralizada as variações linguísticas, nem no capítulo 3 da 
Unidade 4, que possui como tema “Gente do Brasil”. Havia uma expectativa para que 
houvesse uma abordagem quanto às diferenças culturais e linguísticas do país, no entanto, seu 
conteúdo é focado em pintores brasileiros famosos e histórias sobre suas vidas. A parte 
gramatical é relacionada à construção da escrita, como o uso da letra S, e a mudança dos sons 
quando a letra está entre vogal ou consoante. 
 
Considerações gerais: É um livro denso, complicado para crianças na faixa etária de 7-8 anos. 
Os textos são muito extensos, possui pouco enfoque na parte gramatical, além de “perder 
muito espaço” na parte inferior das páginas, com instruções de apoio didático para os 
professores. 
 
LIVRO 2 - Vivenciando a linguagem: o mundo em palavras 
 
O segundo livro é menor (com 159 páginas) e mais leve (em relação ao livro 1). A construção 
do livro se divide em cinco unidades, e no final, possui dois contos populares: 
 
Unidade 1 - Eu, você e a escola Unidade 4 – O mundo dos bichos 
 Um sonho de criança 
 
 Aquarela 
 O que é, o que é? 
 Classificado poético 
 Joaninha 
 Massinha de modelar 
 Bebês em bolsa 
 Que rei sou eu? 
 O leão e o ratinho 
Unidade 2 – Diferentes linguagens Unidade 5 – O doce sabor das frutas 
 Comunicação e identificação 
 Alfabeto 
 Sabiá lá na gaiola 
 Brincando com as letras 
 Fique ligado 
 Quadrinhas de nosso folclore 
 Trabalhando com nomes 
 Rótulos e embalagens 
 Açúcar si, mas com cuidado 
 Marco 
 O que é, o que é? 
 Magali em O que me lembra? 
 Semelhanças ou lembranças 
 Caju 
 
Unidade 3 – Cantando e brincando Histórias para ler e sonhar 
 A canoa virou 
 Caranguejo 
 Contramão 
 Você troca? 
 Amarelinha (1) 
 Amarelinha (2) 
 Falar à toa 
 Horácio 
 Nesta rua 
 Quarto de guardados 
 Brincadeiras esquecidas 
 Os três porquinhos 
 
 Chapeuzinho vermelho 
 
É um livro com uma linguagem mais simples, direta e acessível às crianças na idade de 7 a 8 
anos. Os temas dos capítulos são divertidos e leves, porém não existe a abordagem direta ou 
indireta quanto às variações linguísticas. 
 
Nesse livro, também havia uma expectativa que houvesse conteúdo direcionado às variações 
linguísticas na “Unidade 2 - Diferentes Linguagens”, porém o assunto tratado é sobre a 
comunicação verbal e não-verbal, símbolos e ícones, tipologias diferentes de letras e 
significados de nomes. 
 
CONCLUSÃO 
 
Os dois livros analisados, embora bem diferentes na abordagem e conteúdos, não tratam a 
variação linguística no Brasil, nem em um capítulo específico, muito menos como parte 
integrante do livro, fazendo parte de todo o seu contexto. Nos textos utilizados não há uma 
abordagem, por exemplo, que cite as variações da língua no nordeste ou sertão. 
 
Faraco (2008) afirma que já se reconhece a variedade linguística na escola, mas ainda estamosdespreparados para lidar com essa diversidade, e ela permanece um problema. 
 
No cotidiano, cada indivíduo fala em função da situação de comunicação em que está 
inserido, ou seja, adequa suas palavras e construções sintáticas ao seu receptor, ao local e ao 
tempo em que acontece a conversa. 
 
É função das instituições escolares proporcionarem um ensino da Língua Portuguesa 
mantendo a noção de língua como um conjunto de variedades. 
 
O essencial é ensinar o aluno a “falar” conforme a norma padrão, imposta pela gramática 
normativa, mas também indicar que ele pode escolher a melhor forma de linguagem de acordo 
com o contexto de produção, e sempre, respeitando as variedades existentes no seu convívio 
social. 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
SCHNEIDERS, Caroline M; SILVA, Cleiton Reisdorfer. A constituição dos livros didáticos 
pela determinação das teorias linguísticas. Matraga, Estudos Linguísticos e Literários. Rio 
de Janeiro, v.24, n.40, jan/abr. 2017. Disponível em: 
 https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/27234/21190. 
Acesso em: 31. out. 2019 
 
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/27234/21190
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. 
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil /Ministério da Educação e do 
Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Vol.1. Brasília: MEC\SEF, 1998. 
 
CORACINI, M. J. (Org.). Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. 
Campinas: Pontes, 1999. 
 
CROCHÍK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 
2006. 
 
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola, 2008. 
 
MARQUES, Taciane Marcelle; BARONAS, Joyce Elaine de Almeida. Pedagogia da 
variação linguística: por uma abordagem heterogênea da língua a fim de minimizar o 
preconceito linguístico. SIGNUM: Estud. Ling., Londrina, n. 18/1, p.283-308, jun. 2015. 
 
OLIVEIRA, Lourdes Sirtoli. Vivenciando a linguagem: o mundo em palavras. 2° ano: 
letramento e alfabetização lingüística. 2. Ed. Curitiba: Base Livros Didáticos, 2009. 
 
RIGONATTO, Mariana. O que é variação linguística?; Brasil Escola. Disponível em: 
https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/portugues/o-que-e-variacao-linguistica.htm. 
Acesso em 29. Out. 2019. 
 
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 
2000. 
 
VASCONCELOS, Adson. Aprender juntos português. 2° ano: ensino fundamental. 4. Ed. 
São Paulo: Edições SM, 2013.

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