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Livro - Historia e Cultura Indigena

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HISTÓRIA 
E CULTURA INDÍGENA
Carolline Martins de Andrade
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Curitiba
2018
Historia
e Cultura Indígena
ó
Carolline Martins de Andrade
Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael.
A553h Andrade, Carolline Martins de
História e cultura indígena / Carolline Martins de Andrade. – 
Curitiba: Fael, 2018.
182 p.: il.
ISBN 978-85-5337-039-9
1. Indios 2. Cultura indígena I. Título
CDD 980.41
Direitos desta edição reservados à Fael.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.
FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Editora Coletânea
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Capa Vitor Bernardo Backes Lopes
Imagem da Capa Shutterstock.com/Curioso
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário
Carta ao Aluno | 5
1. Por que estudar história indígena? | 7
2. As culturas e as línguas indígenas | 21
3. Teorias raciais e a ilusão do primitivismo | 39
4. A história indígena na historiografia brasileira | 55
5. Fontes para a história indígena | 69
6. Os povos indígenas na América portuguesa | 83
7. Os povos indígenas e o Estado brasileiro: 
do Império à República | 99
8. Povos indígenas na Constituição de 1988 | 117
9. Populações indígenas no Brasil contemporâneo | 131
10. A história indígena na sala de aula | 145
Gabarito | 157
Referências | 171
Prezado(a) aluno(a),
A sociedade brasileira é pluricultural, sendo composta de 
diferentes grupos étnicos, sociais e culturais. Essa diversidade 
precisa ser conhecida, reconhecida e representada. Com essa 
finalidade, em 2008, foi implementada a Lei n. 11.645, a qual 
tornou obrigatório o ensino das histórias e culturas dos povos 
indígenas presentes no Brasil. O pressuposto básico desse movi-
mento é compartilhado por esta obra: o conhecimento como um 
dos meios mais poderosos para se combater o preconceito e a 
discriminação racial.
Carta ao Aluno
– 6 –
História e Cultura Indígena
Diante disso, a abordagem empreendida neste material trata, de forma 
panorâmica, a história dos povos indígenas na história do Brasil: do Perí-
odo Colonial à contemporaneidade. No primeiro capítulo, apresentaremos 
os pressupostos que orientam nossas interpretações, o que se compreende 
por história indígena e indigenismo. Ao longo da obra, serão abordados 
temas como: a diversidade linguística e cultural dos povos indígenas; as 
principais fontes para o estudo das sociedades indígenas brasileiras; os 
modos de organização e a distribuição demográfica das populações indí-
genas no Brasil; os movimentos indígenas; e, por fim, a aplicação dessas 
discussões ao ensino de história e os desafios da implementação da Lei n. 
11.645/2008.
Bons estudos!
Carolline Andrade.
1
Por que estudar 
história indígena?
Marc Bloch, ao responder ao questionamento sobre “para 
que serve a história?” em seu livro Apologia da história, afirmou 
que a história é a disciplina que estuda os homens no tempo. De 
modo direto, podemos simplesmente dizer que devemos estu-
dar os povos indígenas por eles também serem constituídos por 
homens e mulheres inseridos no tempo. No entanto, sabemos que 
a resposta à pergunta que dá título ao capítulo merece melhor 
tratamento. Durante muito tempo, a história dos índios no Brasil 
foi relegada ao passado colonial. Não obstante, as populações 
indígenas nas últimas décadas têm apresentado um significativo 
crescimento demográfico e exigido o direito ao futuro. Além 
disso, esses povos também constituíram e constituem a história 
e a cultura brasileira. Nesse sentido, este capítulo busca refletir 
sobre a importância do estudo da história indígena para o pre-
sente e aborda seus conceitos fundamentais.
História e Cultura Indígena
– 8 –
1.1 O “dever de memória” e o estudo 
das sociedades indígenas 
O estudo da história indígena é uma iniciativa que pretende atender a 
uma demanda de “dever de memória”. Esta expressão, “dever de memória”, 
foi cunhada ao longo dos anos de 1990 e traz a ideia de que as memórias 
ligadas ao sofrimento e à opressão geram obrigações – seja para o Estado, 
seja para a sociedade – em relação às comunidades portadoras dessas 
memórias (HEYMANN, 2006, p. 4). Como salientado pela pesquisadora 
Luciana Heymann (2006, p. 3), nas últimas décadas do século XX, as iden-
tidades nacionais, que haviam sido construídas a partir da ideia de unifica-
ção e homogeneização da população, tornaram-se maleáveis e abrangentes, 
incorporando elementos pertinentes à diversidade e ao pluralismo. Com 
efeito, deslocaram-se das noções que previam a uniformização dos valores 
culturais de um país para um paradigma que valoriza as diferenças.
Nesse sentido, passa-se a buscar a inclusão, sem que isso se traduza 
em homogeneização. Por conseguinte, pode-se dizer que, no Brasil, a 
ampliação do estudo da História indígena se insere no marco das lutas dos 
próprios índios por reconhecimento social, político e de sua presença na 
história da nação (HEYMANN, 2006).
 Saiba mais
Diferença entre movimentos indígenas e movimentos indigenistas
A expressão “movimentos indígenas” se refere aos movimentos que são 
constituídos pelos próprios índio, ou seja, que eles são os protagonistas 
e agentes. A expressão “movimento indigenista”, por sua vez, refere-se 
aos movimentos formados por pessoas e grupos não-indígenas apoia-
dores dos povos indígenas. Uma política indigenista, por exemplo, é 
uma política direcionada às populações indígenas e deve ser compre-
endida como um “conjunto de ideias, práticas, programas e projetos 
políticos dirigidos aos indígenas” (SILVA; COSTA, 2018, p. 70).
A partir da década de 1970, no contexto da lenta abertura do regime 
militar brasileiro e do crescimento dos movimentos sociais, viu-se o sur-
– 9 –
Por que estudar história indígena?
gimento de organizações não governamentais de apoio aos indígenas e a 
organização da primeira iniciativa indígena com caráter e alcance nacional 
(CUNHA, 1992). Os movimentos indígenas se ampliaram nas últimas déca-
das do século XX e buscaram angariar maiores espaços políticos e de repre-
sentatividade na cena pública brasileira. Nesse processo de pôr fim à invi-
sibilidade dos índios, o governo federal promulgou a Lei n. 11.645/2008, 
que incluiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena e 
afro-brasileira nos currículos escolares. Essa lei faz parte do processo de 
reconhecimento da diversidade que caracteriza a sociedade brasileira e da 
presença dos índios como sujeitos e agentes da história do Brasil.
Refletindo sobre a necessária valorização da diversidade cultural e 
social que perpassa o país, dois conceitos que se mostram imprescindíveis 
são: etnicidade e alteridade. Ao tomarmos como objeto de estudo a his-
tória indígena, estamos diante de um frequente dilema humano: o eu em 
relação a um outro. Sujeitos distintos, portadores de identidades e culturas 
diferentes. A etnicidade é constituída pela ideia de uma suposta origem 
comum, a qual leva em consideração a cultura sem que esteja reduzida 
a ela. Um sujeito pertencente a uma dada etnicidade compartilha com 
seus pares essa origem comum, identidade e cultura. Uma das principais 
características da etnia é ser portadora de limites, os quais a separam de 
outras etnias, marcando, portanto, a diferença. A etnicidade – assim como 
a cultura e a identidade que a constituem – são fenômenos dinâmicos e se 
alteram com os processos históricos, porém os limites que demarcam as 
diferenças são mantidos. Nesse sentido, as identidades étnicas, ao mesmo 
tempo em que consideramas interações internas entre os pares, são tam-
bém conformadas pelas interações com o outro e pelas conjunturas políti-
cas, sociais que as circundam. Por conseguinte, estão colocadas identida-
des étnicas marcadas pela diferença e particularidades, sem a existência de 
uma hierarquia (LUVIZOTTO, 2009).
Essa prerrogativa nos leva ao conceito de alteridade, pois, conforme 
a interpretação proposta por Todorov (1993a, 1993b), a alteridade é pre-
missa básica para que nós seres humanos nos (re)conheçamos. Pois, 
quando olhamos para o outro, temos a possibilidade de nos diferenciar e, 
por consequência, conhecer aquilo que nos é peculiar. Sendo assim, como 
indicado por Caio Boschi (2007), mesmo diante da impossibilidade de 
História e Cultura Indígena
– 10 –
integrar o outro ao nosso universo, torna-se possível, ao menos, aceitá-lo 
como ele é, sem que haja uma postura de superioridade. No contexto dos 
índios na história do Brasil, foram empregadas variadas categorias que 
negaram aos indígenas o reconhecimento de sua alteridade.
O “índio”, como categoria genérica e homogeneizadora, tem sua 
origem no equívoco de Colombo, que, em 1492, ao chegar ao que hoje 
chamamos de continente americano, pensava ter chegado às Índias, no 
continente asiático. No entanto, sabemos que nesse termo, “índio”, encon-
tram-se condensados uma multiplicidade de povos e culturas: Yanomami, 
Cariri, Munduruku, Guarani, Xavante, entre muitos outros. Em nossos 
dias, acontece uma ressignificação do termo “índio” alavancada pelos 
próprios indígenas, passando a simbolizar a união de diferentes grupos 
culturais na luta pelos direitos comuns, tendo em vista que, hoje, os indí-
genas não lutam somente pela retomada de suas terras, mas também pela 
melhoria e pelo modo de vida de cada grupo étnico (WITTMANN, 2015).
Em suma, ao estudarmos a história de outras sociedades, distintas da 
nossa, devemos buscar compreendê-la em suas diferenças e particularida-
des. A história e a cultura brasileira, portanto, devem ser analisadas em sua 
pluralidade e observando os distintos atores sociais.
1.2 História indígena e do indigenismo
John Manuel Monteiro (2001, p. 4) salientou que prevaleceu, entre 
os historiadores brasileiros, duas noções formuladas pelos “pioneiros” 
da história nacional ainda no século XIX. A primeira dessas noções foi 
a exclusão dos índios como atores históricos, por considerarem que não 
detinham as ferramentas necessárias para analisar a história de povos 
ágrafos. Essa concepção pode ser vislumbrada na afirmação de Francisco 
Adolfo Varnhagen, o qual afirmou na década de 1850 que, para os índios, 
“não há história, há apenas etnografia”. A segunda noção, de acordo com 
Monteiro, consistia em tratar as populações indígenas como destinadas 
ao desaparecimento. Nesse sentido, a história dos índios brasileiros até 
a década de 1980 resumia-se à “crônica de sua extinção”. Essa situação 
começou a ser alterada a partir da reconfiguração da noção dos direitos 
indígenas, os quais passaram a ser vistos como direitos históricos, sobre-
– 11 –
Por que estudar história indígena?
tudo territoriais. Esse deslocamento de perspectiva fomentou relevantes 
pesquisas, as quais estavam fundamentadas nos documentos coloniais e 
contribuíam para sustentar em termos jurídicos e históricos as demandas 
atuais dos índios e de seus apoiadores (MONTEIRO, 2001, p. 5).
As pesquisas produzidas nas últimas décadas sobre a história indí-
gena – do Período Colonial até a atualidade – também possuem o mérito 
de abordar os índios como agentes ativos de suas histórias e não mais como 
personagens secundários. As inovações nas abordagens e interpretações 
sobre a história indígena resulta de novas fontes e, sobretudo, da refor-
mulação de conceitos, teorias e metodologias de pesquisa (ALMEIDA, 
2010). Essas mudanças vêm, sobretudo, de um diálogo que se estabeleceu 
entre historiadores e antropólogos desde a década de 1970, assunto que 
será tratado com maior profundidade em capítulos posteriores.
Uma importante pergunta que deve ser feita é: por que os indígenas 
foram silenciados da historiografia brasileira por tanto tempo? Para res-
pondê-la, as noções de “assimilação” e de “aculturação” são primordiais. 
A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida aponta que um dos 
principais elementos que explicam esse acontecimento tem sua base na 
ideia de que os índios integrados à colonização iniciavam um processo de 
aculturação. Ou seja, que, de modo progressivo e paulatino, eles passavam 
por processos de mudanças culturais, os quais conduziriam à assimilação 
e, por consequência, à perda da identidade étnica.
No que se refere à lógica interpretativa do processo de aculturação, as 
relações que envolviam o contato dos índios com os europeus eram sem-
pre vistas como relações de dominação e de imposição, nas quais os indí-
genas apareciam, de maneira recorrente, como passivos e sem espaço para 
iniciativas ou estratégias de ação. Por conseguinte, eles estariam fadados a 
ser submissos em um processo de mudanças culturais, cujo resultado seria 
a assimilação e a fusão com a massa da população (ALMEIDA, 2010). 
Dessa forma, durante muito tempo, os índios foram tratados como indiví-
duos aculturados e passivos.
Além disso, outros elementos que nos ajudam a compreender o silen-
ciamento dos indígenas na historiografia advêm de uma visão conserva-
dora, segundo a qual os índios estão vinculados a uma tradição milenar, 
História e Cultura Indígena
– 12 –
que desconsidera as mudanças próprias às relações humanas. Isto é, ainda 
existe uma noção de que índio é aquele indivíduo que usa cocares, fala 
uma língua distinta do português e anda nu. De acordo com essa visão, os 
índios são vistos como meros remanescentes de uma cultura que perdeu 
suas características “originárias”. Segundo a historiadora Luísa Tombini 
Wittmann (2015, posição 150-154), pensar os indígenas por esse ângulo é 
pensá-los de forma essencialista, como pertencentes a uma “cultura ideal 
e estática”. Portanto, conceber que os nativos se tornam menos índios 
quando utilizam roupas ou passam a ter acesso à internet está ligada à essa 
visão essencialista, a qual não percebe a ação do tempo e do movimento 
da história sobre os diferentes grupos humanos.
Diante disso, é negado ao indígena as transformações proporcionadas 
pelo processo histórico, no sentido de que essas mudanças acarretariam 
em perdas culturais e que, por consequência, conduziriam à extinção dos 
povos indígenas. Dentro dessa percepção, a noção de cultura predomi-
nante até a década de 1970, como categoria fixa e estável, significava que 
o contato dos povos indígenas com outros povos de tecnologia superior 
desencadearia processos de aculturação e perdas culturais e, inclusive, 
conduziria à extinção étnica:
As relações de contato era, então, grosso modo, vistas como rela-
ções de dominação/submissão, na qual uma cultura se impunha 
sobre a outra, anulando-a. Nessa perspectiva os índios integrados 
à colonização, seja como escravos ou como aliados, eram vistos 
como submissos e aculturados, não constituindo, pois, categoria 
social merecedora de maiores investigações. (ALMEIDA, 2010, 
posição 184).
Como dito anteriormente, a negação da identidade indígena corro-
bora para a negação dos direitos desses povos. Diante disso, importa-nos 
endossar o apontamento empreendido por Maria Regina Celestino de 
Almeida (2010, posição 250), segundo o qual é preciso reconhecer que, 
para os próprios movimentos indígenas da atualidade, o fato de adotar prá-
ticas da “sociedade dos brancos” tais como falar português, participar de 
discussões políticas, reivindicar direitos fazendo uso do sistema judiciário 
não os torna menos autênticos. Pelo contrário, entender os mecanismos de 
funcionamento da sociedade não-indígena, torna viável, aos indígenas, a 
exigência eo acesso aos seus direitos.
– 13 –
Por que estudar história indígena?
Desse modo, outros conceitos que contribuem para refletir as trans-
formações das sociedades indígenas ao longo do tempo são as noções 
de “apropriação cultural” e “ressignificação cultural”. Essas ideias têm 
sido consideradas mais adequadas pelos estudiosos de história indígena 
da atualidade, pois possibilitam que os índios deixem de ser vistos como 
“vítimas passivas de imposições culturais, as quais somente lhe trazem 
prejuízos, e passem a ser vistos como agentes ativos, tendo papel ativo 
nos processos de intercâmbio cultural (ALMEIDA, 2010, posição 287). 
Ou seja, efetue-se uma mudança de perspectiva, em que, nos processos 
de trocas culturais, os indígenas passam a incorporar os elementos da 
cultura ocidental, porém conferindo a eles significados próprios e empre-
gando-os da forma que consideram convenientes com seus modos de vida 
e de organização.
Figura 1.1 – Índia Tupi Guarani tirando selfie
Fonte: Shutterstock.com/ Filipe Frazao.
1.3 Memória e identidade dos povos indígenas
A memória, a história e a identidade estão diretamente ligadas. 
Embora existam diferenças no modo como esses conceitos se relacio-
nam nos povos indígenas e nas sociedades não-indígenas, neste primeiro 
momento iremos enfocar a semelhança entre as culturas. Tanto a memória 
quanto a história procuram responder às nossas inquietações existenciais 
sintetizadas nas questões: de onde viemos? Onde estamos? Para onde 
História e Cultura Indígena
– 14 –
vamos? As duas buscam no passado, em diálogo com o presente, a chave 
para desvendar o enigma da nossa identidade. A memória e a história 
nos dão a sensação de que as experiências passadas não estão perdidas 
e podem ser acessadas, revividas no presente, dando forma a quem nós 
somos. Ou seja, como salientou Paul Ricoeur, a memória é também matriz 
da história, porque ela é um dos modos pelos quais produzimos sentido 
e orientação temporal. Em linhas gerais, essa compreensão consiste em 
tomar a memória tanto como uma instância fundamental da representação 
do passado humano, como um modo apropriado de revelação de nossa 
própria historicidade (RICOEUR, 2007).
Para compreendermos melhor a relação entre a memória e a identi-
dade, é importante nos atentarmos para a distinção entre os conceitos de 
memória individual e memória coletiva. A memória individual é a facul-
dade que todos os indivíduos têm de ‘recordar’, permitindo a representa-
ção das experiências do passado. É a memória que permite ao sujeito o 
reconhecimento de si mesmo, apesar das mudanças que ele sofre ao longo 
do tempo. A memória assegura um vínculo entre o sujeito e suas experi-
ências vividas. Agora, vejamos o que acontece com a memória coletiva. 
Vários sociólogos e historiadores tem tentado demonstrar que a memória 
não deve ser abordada apenas em sua dimensão psicológica e individual. O 
sociólogo francês Maurice Halbwachs defendia que a memória deveria ser 
estudada como um fato social. Ou seja, mesmo as recordações que pare-
cem ser mais individuais, estariam, no fundo, ligadas à memória coletiva. 
Portanto, a memória individual está inserida nas memórias da família, dos 
grupos sociais e da nação. A memória coletiva permite, inclusive, que o 
indivíduo tenha acesso a acontecimentos que ele não viveu, mas que são 
importantes para a identidade coletiva, como o processo de independência 
de uma nação, por exemplo. Embora o indivíduo não tenha participado 
desses eventos, eles ganham um peso tão grande no imaginário coletivo 
que a memória vai sendo transmitida de geração em geração (MITRE, 
2003; CATROGA, 2015; POLLAK, 1992).
Uma das principais funções sociais da memória é a constituição da 
identidade de um grupo social. Segundo o historiador Jacques Le Goff, 
nas sociedades ágrafas, povos sem escrita, como no caso dos indígenas do 
Brasil, o acúmulo de elementos na memória faz parte da vida cotidiana dos 
– 15 –
Por que estudar história indígena?
indivíduos. Um bom exemplo disso são os mitos de origem que procuram 
explicar o surgimento de todas as coisas e inserir o indivíduo como parte 
do grupo. Muitas vezes, nos povos sem escrita, a memória é transmitida 
em rituais que envolvem o canto, posto que os versos em forma de música 
são muito eficientes no processo de memorização dos ensinamentos que 
estão sendo transmitidos. Le Goff observa ainda que nos povos ágrafos 
a memória coletiva também é importante para a transmissão de conheci-
mentos técnicos como aqueles ligados à agricultura, à pesca, à culinária 
etc. (LE GOFF, 2003).
No caso das sociedades ocidentais não-indígenas, o conhecimento 
histórico estava presente na Grécia Antiga como um forte aliado da memó-
ria em sua tarefa de salvar do esquecimento os feitos humanos realizados 
no tempo, como dizia Heródoto no início das suas Histórias. História e 
memória compartilham, também, a característica de serem construções 
seletivas sobre o passado. Isto é, nem uma nem outra são um armazém 
em que as experiências do passado simplesmente se acumulam de forma 
automática; elas incluem uma boa dose de esquecimento e imaginação. 
Em A memória, a história, o esquecimento (2007) o filósofo francês Paul 
Ricoeur sustenta que a memória não se confunde com uma espécie de 
“resgate do passado”. Pelo contrário, a memória é uma operação do pas-
sado permeada pela imaginação, embora, jamais perca sua referência à 
anterioridade temporal. Outra característica comum à história e à memória 
diz respeito à forma como elas organizam e conferem significado ao pas-
sado. Ambas lançam mão de um olhar retrospectivo que parte do presente 
para o passado, buscando fazer com que aquilo que parecia estranho e 
sem sentido se torne algo familiar e significativo. Desse modo, a narração 
das experiências do passado, seja pela via da história, seja pela via da 
memória, tenta oferecer um remédio contra os efeitos corrosivos do tempo 
e ajudar na constituição da identidade dos indivíduos e das sociedades 
(CATROGA, 2015).
O início do século XX foi decisivo para a distinção entre história e 
memória no contexto das sociedades ocidentais não-indígenas. A partir do 
fortalecimento do diálogo entre a história e as Ciências Sociais, a historio-
grafia passou a desconfiar dos mecanismos usados pela memória. Nesse 
movimento, a história assumiu a função de criticar e desmitificar algumas 
História e Cultura Indígena
– 16 –
construções de sentido para o passado realizadas pela memória. O soci-
ólogo Maurice Halbwachs chegou a afirmar que a história como conhe-
cimento científico começa quando termina a memória. Assim, a memória 
coletiva se tornou um dos objetos que a historiografia analisa criticamente. 
Se antes a história era quase confundida como sendo a memória de uma 
sociedade, agora ela irá tomar a memória como mais um de seus objetos 
de estudo. O passado analisado pela história científica é diferente do pas-
sado elaborado pela memória coletiva. A historiografia busca reconstruir 
metodicamente o passado com base em documentos e consulta a arquivos 
(NORA, 1993; MITRE, 2003).
No caso dos povos indígenas, a relação estabelecida entre os con-
ceitos de memória e história é, em certo sentido, diferente daquela apre-
sentada pelas sociedades ocidentais não-indígenas. Aqui, em nenhum 
momento, a memória se separou da história na constituição da iden-
tidade. Pelo contrário, nas sociedades indígenas o que predomina é a 
memória coletiva, que está diretamente ligada à transmissão de expe-
riências de forma oral. Para os povos indígenas, viver em sociedade 
é sinônimo de “recordar juntos”. Nesse sentido, têm força as narrati-
vas orais que transmitem as experiências de pessoa para pessoa. Se no 
campo historiográfico não-indígena, a partir do século XX, buscou-se 
separar e diferenciar a história da memória, nas sociedades indígenas,que não contam com tantos registros escritos como as sociedades oci-
dentais, a memória oral é um elemento fundamental. Diante disso, uma 
pergunta importante que deve ser feita é: como a memória contribui para 
a constituição da identidade dos povos indígenas? Como essa memória 
é preservada e transmitida?
A memória é preservada e transmitida, sobretudo, pelos idosos da 
comunidade, que são concebidos como os “guardiões da memória”. Eles 
são responsáveis por transmitir e, assim, atualizar, em cada presente, os 
saberes do povo por meio da oralidade. Desse modo, memória e história 
se confundem. Ademais, as narrativas e os relatos desses anciões buscam 
legitimidade no passado e na tradição, e desejam evocar “sentimentos de 
identificação do e para o grupo” (BERGAMASCHI; MEDEIROS, 2010, 
p. 65-66). Por isso, não é exagero dizer que para os povos indígenas do 
Brasil vale o provérbio africano: quando um velho morre é como se uma 
– 17 –
Por que estudar história indígena?
biblioteca se incendiasse. Conforme expresso pelo professor e escritor 
indígena Daniel Munduruku (2008),
Detentores que são de um conhecimento ancestral aprendido pelos 
sons das palavras dos avôs e avós antigos, estes povos sempre prio-
rizaram a fala, a palavra, a oralidade como instrumento de trans-
missão da tradição obrigando as novas gerações a exercitarem a 
memória, guardiã das histórias vividas e criadas.
A memória é, pois, ao mesmo tempo passado e presente que se 
encontram para atualizar os repertórios e encontrar novos senti-
dos que se perpetuarão em novos rituais que abrigarão elementos 
novos num circular movimento repetido à exaustão ao longo de 
sua história.
Assim estes povos traziam consigo a memória ancestral.
Por fim, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (1992, p. 20), 
uma das principais referências em História Indígena no Brasil, sublinha 
que: “[...] ter uma identidade é ter uma memória própria. Por isso a recu-
peração da própria história é um direito fundamental das sociedades”. No 
caso dos povos indígenas, a defesa da memória e da identidade étnica, 
na atualidade, estão diretamente relacionadas com a salvaguarda de seus 
direitos. Recuperar, manter e preservar as memórias e as tradições dos 
povos nativos é, portanto, fundamental.
Figura 1.2 – Indígenas brasileiros tocando flauta na região amazônica
Fonte: Shutterstock.com/ Filipe Frazao.
História e Cultura Indígena
– 18 –
Síntese
A história indígena é o estudo da história das sociedades indígenas e 
dos contatos destes com os não-indígenas. A importância de estudar his-
tória indígena no Brasil, como visto ao longo do capítulo, reside no fato 
de apreender e valorizar as diferentes histórias, culturas e sujeitos que 
compõem o país. Além disso, salientamos que as noções de “assimila-
ção cultural” e “aculturação” contribuem para explicar o lugar secundário 
destinado aos indígenas na historiografia brasileira desde o século XIX 
até as últimas décadas do século XX. Para a superação dessa perspectiva, 
é preciso perceber que os povos indígenas estão submetidos à ação do 
tempo e das transformações pertinentes ao processo histórico, sem que 
isso signifique perda da identidade étnica. Apontamos, ainda, a importân-
cia da memória, da identidade e da oralidade na preservação dos saberes 
dos povos indígenas.
Atividades
1. Estabeleça a relação entre o estudo de história indígena com a 
noção de “dever de memória”.
2. Leia atentamente o excerto a seguir:
“A escrita é uma técnica. É preciso dominar esta técnica com 
perfeição para poder utilizá-la a favor da gente indígena. Téc-
nica não é negação do que se é. Ao contrário, é afirmação de 
competência. É demonstração de capacidade de transformar a 
memória em identidade, pois ela reafirma o Ser na medida em 
que precisa adentrar no universo mítico para dar-se a conhecer 
ao outro [...]. Não se pode achar que a memória não se atualiza. 
É preciso notar que ela – a memória – está buscando dominar 
novas tecnologias para se manter viva. A escrita é uma dessas 
técnicas, mas há também o vídeo, o museu, os festivais, as apre-
sentações culturais, a internet com suas variantes, o rádio e a 
TV. Ninguém duvida que cada uma delas é importante, mas 
– 19 –
Por que estudar história indígena?
poucos são capazes de perceber que é também uma forma con-
temporânea de a cultura ancestral se mostrar viva e fundamen-
tal para os dias atuais”.
MUNDURUKU, Daniel. Literatura indígena e o tênue fio entre escrita e oralidade. 
Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/overblog/literatura-indigena>. 
Acesso em: 14 maio 2018.
 
De acordo com a leitura do capítulo e mediante o texto anterior, 
estabeleça a importância dos registros (escrita, vídeo etc.) para a 
memória dos povos indígenas.
3. Conforme as discussões realizadas ao longo do capítulo, estabe-
leça uma comparação sobre a relação entre memória e história 
para as sociedades indígenas e não-indígenas. Lembrando que 
a concepção de história esboçada pelas sociedades Ocidentais 
modernas encontra-se assentada nos conhecimentos produzidos 
no meio acadêmico, enquanto a concepção das sociedades indí-
genas – ou mesmo pré-modernas – se fundamenta no entrecru-
zamento de passado, memória e mito.
4. A partir dos ele-
mentos contidos na 
tira a seguir, dis-
corra sobre os con-
ceitos de “acultura-
ção”, “assimilação 
cultural”, “apro-
priação” e “ressig-
nificação cultural”.
Fonte: Norberto Liberator.
2
As culturas e as 
línguas indígenas
No presente capítulo, aborda-se a importância dos mitos para 
as culturas ndígenas, pautando-se em sua relação com o tempo, a 
natureza e a oralidade presente nessas culturas. Os mitos são ele-
mentos constituintes da concepção social dos indígenas, estabele-
cendo normas de conduta, justificando o lugar dessas comunida-
des no mundo, ordenando e hierarquizando as categorias culturais 
e naturais com as quais eles se relacionam. O capítulo segue seu 
desenvolvimento apresentando os principais grupos linguísticos 
presentes no Brasil contemporâneo e a diversidade de línguas que 
englobam. Finalmente, analisa brevemente as principais contri-
buições das culturas indígenas na atualidade, seja por meio da 
língua, da alimentação ou de produtos medicinais.
História e Cultura Indígena
– 22 –
2.1 O lugar do tempo, do mito e da 
narrativa nas culturas indígenas
Os vínculos entre tempo, mito e narrativa, observados entre as cultu-
ras indígenas, constituem um desafio para nosso modo ocidental e urbano 
de compreender a vida. A questão torna-se ainda mais complexa quando 
nos atentamos para o fato de que as instituições modernas nas quais esta-
mos inseridos reforçam estereótipos a respeito das culturas indígenas, 
estabelecendo para elas definições ligadas ao arcaico, ao selvagem, ao 
atrasado, ao fantástico e, mesmo, ao infantil. A compreensão ocidental 
moderna buscou estabelecer uma cronologia evolutiva, na qual as culturas 
pré-ibéricas deveriam percorrer um longo caminho até a civilização e o 
progresso, em que se encontram as sociedades mais avançadas.
Apesar da antropologia contemporânea, dos estudos pós-modernos 
e pós-coloniais colaborarem para uma ruptura com esse modo linear e 
evolutivo de conceber as diferentes culturas ao redor do globo, ainda resta 
muito o que fazer para que essas mudanças de perspectiva possam pene-
trar de forma eficiente nas escolas, nas redes de comunicação – a televi-
são, o rádio, o cinema – e nas políticas públicas, de modo a alterar o senso 
comum do cidadão médio.
Em um primeiro momento, enfatizamos que olhar para as culturas 
indígenas de maneira séria significa, acima de tudo, romper com essa line-
aridade e buscar a compreensão de uma “heterogeneidade multitemporal” 
(CANCLINI, 2003). Ou seja, esforçar-se por compreender que dentro do 
espaçoterritorial que denominamos Brasil existem múltiplas culturas que 
apresentam distintas relações com o tempo. Sem esse esforço, é impossí-
vel avançar no entendimento das variadas culturas indígenas com o tempo, 
a narrativa e os mitos.
O mito é, talvez, a categoria mais interessante para iniciar nossa aná-
lise, dado seu potencial explicativo e agregador. Melhor seria dizer “os 
mitos”, considerando que eles estão condicionados aos distintos grupos, 
os quais possuem identidade cultural própria. As narrativas míticas vincu-
lam-se às condições de existência e à cosmovisão elaborada por cada um 
desses povos.
– 23 –
As culturas e as línguas indígenas
Os mitos se articulam à vida social, aos rituais, às histórias, à filo-
sofia, às categorias de pensamento elaboradas localmente, as quais se 
configuram em maneiras específicas de conceber os homens, o tempo, o 
espaço e o cosmos. Os mitos constituem-se como um dos aspectos pelos 
quais as identidades dos grupos são forjadas, a partir da introdução de 
seu lugar no mundo e na definição da relação dos demais seres frente ao 
grupo. Assim, o mito é uma das formas que definem quem é o grupo e 
quem são “os outros”, sejam eles elementos naturais ou espirituais. Ao 
explicar o cosmos, os mitos estabelecem ordens, classificações, oposi-
ções lógicas, hierarquias, categorias inclusivas e exclusivas (LOPES DA 
SILVA, 1998, p. 75).
Em princípio, os mitos são responsáveis por conferir uma complexi-
dade temporal que dá sentido ao passado, ao presente e ao futuro de cada 
cultura. Segundo Lévi-Strauss,
um mito sempre se refere a eventos passados, ‘antes da criação 
do mundo’ ou ‘nos primórdios’ – em todo caso, ‘há muito tempo’. 
Mas o valor intrínseco a ele atribuído provém do fato de os even-
tos que se supõe ocorrer num momento do tempo também for-
marem uma estrutura permanente, que se refere simultaneamente 
ao passado, ao presente e ao futuro. (LEVI-STRAUSS, 2008, 
posição 3329)
A partir do trecho acima, pode-se inferir que os mitos, mais que um 
elemento fundamental da identidade cultural do grupo, colaboram tam-
bém na definição das temporalidades experimentadas por eles. Ao marcar 
o passado distante, ele dá sentido ao presente e estabelece possibilidades 
de um futuro, de acordo com as crenças locais. Aracy Lopes (1998) aponta 
para esse caráter flexível dos mitos, enfatizando seu movimento constante 
com o tempo, seja permitindo aos viventes humanos um reencontro possí-
vel com o passado, os ancestrais, as origens, seja indo ao futuro, no qual a 
existência individual ou do grupo se completaria após a morte, na supera-
ção das limitações das condições humanas.
Lynn Mario T. Menezes de Souza, ao lançar mão das argumentações 
de Roberto da Matta (DA MATTA, 1987), observa que algumas comu-
nidades indígenas apresentam duas concepções distintas de tempo: a) o 
“presente anterior”, que remete a um passado no qual o mundo como é 
História e Cultura Indígena
– 24 –
hoje ainda não existia e; b) o “presente atual”, que se refere ao estado de 
coisas no mundo hoje em dia. Nessa perspectiva, o “presente anterior” 
seria um tempo em que existia a intercomunicação entre todos os seres, 
os quais mudavam de forma. Apenas no “presente atual” os seres se sepa-
raram e, isolados, assumiram formas distintas e fixas. Ao observar essa 
divisão, podemos notar que a concepção de passado tal como a compreen-
demos na modernidade não existe. Para muitas comunidades indígenas, o 
“presente anterior” continua existindo, isto é, o tempo movimentando-se 
de maneira cíclica. Para muitos estudiosos, esse é o plano e movimento do 
mito. Se o tempo mítico é cíclico, o tempo do presente atual é linear e pro-
gressivo, chamado de “História”. De certa maneira, os dois mundos conti-
nuam coexistindo, sendo o pajé capaz de viajar entre ambos em busca de 
curas, soluções e explicações para os eventos cotidianos (MENEZES DE 
SOUZA, 2018).
Se os mitos estruturam o passado e indicam o futuro, no presente ser-
vem para: explicar o mundo; os seres; os valores; conectar a natureza e as 
comunidades indígenas; estabelecer o lugar social do maravilhoso, do fan-
tástico; colaborar em conformar uma realidade “ampliada”, que vincula a 
realidade sensorial a um mundo místico e sobrenatural (GUESSE, 2011).
A natureza apresenta um papel fundamental na configuração desse 
mundo místico. Nas visões de mundo das comunidades indígenas, a 
natureza e a sociedade representam uma oposição que se inter-relaciona 
por um processo contínuo de reciprocidade, por meio de símbolos e 
metáforas, mitos e cerimoniais e, muitas vezes, nas relações do coti-
diano dessas comunidades. É preciso enfatizar que essa inter-relação 
não significa que natureza e sociedade se confundam, mas antes que 
ambas fazem parte de um mesmo cosmos. Nesse sentido, tanto o mundo 
dos homens como o dos animais e das plantas estão carregados de sen-
tidos simbólicos, o que os torna mais próximos. (VIDAL GIANNINI, 
1998, p. 145).
Vidal Giannini, ao estudar os índios Xikrin, habitantes das margens 
do rio Cateté, no Estado do Pará, mostra como os espaços naturais se 
relacionam com a comunidade. Estes são definidos de acordo com as 
seguintes divisões: a) a terra, fragmentada em clareira e floresta; b) o 
céu; c) o mundo aquático; d) o mundo subterrâneo. Cada uma dessas 
– 25 –
As culturas e as línguas indígenas
divisões possui atributos e habitantes distintos, com os quais os Xikrin 
se relacionam de maneiras diversas. Assim, fica claro que as relações 
dos indígenas com a natureza devem ser respeitosas e a ofensa a cada 
uma dessas divisões e a seus habitantes acarretam diferentes punições 
(VIDAL GIANNINI, 1998, p. 149).
Sendo os mitos as narrativas fundamentais das culturas indíge-
nas, é elementar sublinhar a importância da linguagem oral nessas 
comunidades. Em nossa cultura não indígena ocidental, estamos acos-
tumados com a importância da escrita no ordenamento e na funciona-
lidade de nossas vidas, sendo que muitas vezes a oralidade nos parece 
algo atrasado e pouco confiável. Nossas narrativas são cada vez mais 
estruturadas em revistas, livros e jornais. Nossos acordos firmados 
a partir de contratos escritos. Nossas crenças codificadas em livros 
sagrados. Isso não acontece nas culturas indígenas, pois elas são, de 
modo significativo, pautadas pelas narrativas orais. Essa diferença é 
primordial, posto que, enquanto a palavra escrita é fixa, não podendo 
ser alterada, a oralidade é plástica, fluida e muda de acordo com as 
circunstâncias históricas.
No que toca aos mitos, Levi Strauss já apontava que eles “perten-
cem à ordem da linguagem” (LEVI STRAUSS, 2008, posição 3351). Nas 
comunidades indígenas, a linguagem se expressa, sobretudo, por meio da 
oralidade. Quando pensamos nos mitos, essa oralidade exerce um papel de 
suma importância em sua constituição.
Um primeiro ponto é pensar que, no caso da narrativa oral, narrador e 
ouvinte(s) interagem no mesmo local e de maneira simultânea, o que pos-
sibilita que a narrativa se constitua não apenas por meio das palavras, mas 
se complemente com gesticulações e interrupções por parte do narrador e 
com interrupções por parte do mesmo e do ouvinte.
Um segundo ponto é a fluidez dessa narrativa. A palavra escrita fixa a 
narrativa, possibilitando a definição de uma versão “original” em relação a 
suas futuras adaptações. Para a narrativa oral – e, no presente caso, a mito-
lógica – essa não é uma questão. A busca por uma versão “original” dos 
mitos seria praticamente uma busca sem resolução para os antropólogos e/
ou historiadores que se arriscassem a tal. Como aponta Levi Strauss, é pre-
História e Cultura Indígena
– 26 –
ciso compreender o mito pelo conjunto de suas versões (LEVI STRAUSS, 
posição 3475).
O terceiro ponto seria em relação à autoria e à circulação dos mitos. 
Se nas sociedades urbanasa palavra escrita muitas vezes define uma 
relação de autoria-leitor, indicando um processo mais individual – ainda 
que massivo – de circulação e consumo, nas comunidades indígenas, a 
oralidade estabelece narrativas que são de domínio de toda a comuni-
dade e que são, normalmente, contadas a mais de uma pessoa por vez. 
Assim, o processo de apreensão cultural dos mitos ocorre de maneira 
coletiva, sendo o narrador apenas um transmissor desse conhecimento, 
nunca o dono.
 Dica de Filme
O curta metragem Awara Nane Putane – uma história do Cipó é uma ani-
mação que conta o mito de origem do uso tradicional da ayahuasca, 
na versão do povo Yawanawa, que vive nas margens do Rio Gregório 
(AC). O curta é todo falado em idioma Yawanawa, povo que pertence 
ao tronco linguístico Pano.
Ficha técnica
Ano: 2013
Roteiro e direção: Sérgio de Carvalho.
Direção de Animação: Silvio Toledo e Valu Vasconcelos.
Edição: Bruno Saucedo.
– 27 –
As culturas e as línguas indígenas
Trilha sonora e mixagem: Duda Mello.
Produção indígena: Shaneihu Yawanawa, Vinnya Yawanawa e Vadé 
Yawanawa.
Direção de arte: Fred Marinho e Silvio Toledo.
Pesquisa: Talita Oliveira e Ney Ricardo.
Vozes: Shaneihu Yawanawa, Tika Matxuru, Nãynawa, Alda Artidor 
Yawanawa, Yuva Yawanawa Kapacuru Yawanawa.
Story board: Clementino Almeida.
Em nossos dias, existe uma forte preocupação das comunidades 
indígenas em transpor seus mitos e narrativas para a forma escrita, 
como um modo de resgatar suas culturas e sociedades. Esse esforço se 
deu a partir da Constituição de 1988, que reconheceu a existência das 
línguas indígenas no Brasil, abrindo caminho para uma educação bilín-
gue indígena e à criação de um novo modelo de escola indígena, dando 
um novo impulso à recuperação de suas culturas. A partir desse novo 
modelo de educação indígena, surgiu a necessidade de construir novos 
materiais didáticos, que possibilitassem a transmissão dos conhecimen-
tos das culturas indígenas, ocasionando vários programas de autoria 
indígena, surgidos em cursos de formação de professores (MENEZES 
DE SOUZA, 2018).
A transposição de narrativas orais para materiais didáticos escritos 
leva a novas problematizações, tais como a diferença entre estas nar-
rativas em um livro didático para o ensino de línguas e outras para o 
ensino de história ou de ciências. Outra questão é a referente à autoria: 
se os mitos e narrativas pertencem à coletividade, qual é o lugar de 
quem transpõe essas narrativas para o material didático? As narrativas 
mitológicas seriam ficcionais ou não? Toda essa complexidade decor-
rida da passagem da oralidade à narrativa escrita se reflete na identifica-
ção dos gêneros de escrita. Há de se levar em consideração que muitas 
vezes os editores não são indígenas, o que os leva a classificar as obras 
de acordo com o gênero textual que lhes parece mais próximo de sua 
compreensão ocidental. São questões ainda em aberto que demonstram 
História e Cultura Indígena
– 28 –
encontros e desencontros de culturas. Para que a democracia se torne 
mais aberta ou, no dizer de Canclini (2003), para que o projeto eman-
cipatório da modernidade avance, é preciso construir e reforçar esses 
novos espaços.
Algo importante deve ser dito em relação à transposição da narrativa 
oral para a escrita pelos indígenas: a escrita indígena, no Brasil, busca, 
antes de tudo, um modo de reforçar suas identidades culturais ou, mesmo, 
de buscar compreender e construir uma nova identidade, híbrida, em con-
tato com o “homem branco”.
 Saiba mais
As imagens têm grande valor para os indígenas na transposição de suas 
narrativas orais para a palavra escrita, sendo que muitas vezes é o texto 
que complementa o desenho e não o contrário. Embora isso possa pare-
cer estranho para nossa cultura, muito concentrada na escrita, isso não 
é um problema para outras nas quais as narrativas foram construídas 
a partir da oralidade e da performance. De fato, muitas editoras classi-
ficam as obras produzidas pelos indígenas na sessão de livros infantis, 
devido às ilustrações (MENEZES DE SOUZA, 2018).
2.2 As línguas indígenas
Existem atualmente no Brasil três grandes grupos linguísticos: Jê, 
Tupi e Arawak. Estes grupos estão espalhados por grande extensão terri-
torial no país. Existem também vários outros menores, com distribuição 
mais restrita no mapa. São eles: Chapacura, Guaykuru, Katukina, Maku, 
Mura, Nambikwara, Pano, Tukano e Yanomami.1
1 Para conhecer mais sobre as línguas e a diversidade das populações indígenas do Brasil, 
acesse: a) o mapa interativo do dicionário ilustrado tupi guarani, disponível no link: <ht-
– 29 –
As culturas e as línguas indígenas
É necessário não confundir os grupos linguísticos com as línguas 
existentes: cada um desses grupos comporta diversas variações linguís-
ticas. Sendo assim, ressalta-se que existem ainda línguas isoladas, que 
não se encontram vinculadas a nenhuma das referidas famílias. Essa 
multiplicidade de línguas demonstra a pluralidade de culturas indígenas 
encontradas no território brasileiro, o que nos convida mais uma vez a 
repensar os estereótipos construídos sobre os indígenas. Como dito no 
capítulo 1, as comunidades indígenas, em um primeiro momento, não se 
identificavam como “índios’, sendo essa uma categoria construída pelos 
colonizadores e só recentemente foi incorporada pelos indígenas como 
uma estratégia de identificação e luta por direitos.
Segundo a Unesco, atualmente os povos indígenas do Brasil con-
servam e falam cerca de 180 línguas nativas. Dessas, 40 estão ameaça-
das de extinção devido ao número reduzido de falantes, à baixa transmis-
são às novas gerações e aos poucos idosos que as dominam. Embora a 
quantidade de línguas faladas seja bastante ampla, isso não significa, de 
maneira alguma, que houve um cuidado ou políticas públicas eficientes 
para a manutenção das culturas indígenas. Prova disso é a estimativa de 
que, quando da chegada de Pedro Álvares Cabral a Porto Seguro, existiam 
entre 1200 a 1500 línguas no brasil.
A seguir, abordaremos um pouco dos principais grupos linguísticos 
encontrados no território brasileiro.
2.2.1 Macro-Jê
Mesmo em grupos linguísticos mais consolidados, como os Jê, algu-
mas distinções são feitas. É comum, nesses casos, uma ampliação do 
grupo linguístico – como é o caso do Macro-Jê − incorporando línguas 
mais antigas.
tps://www.dicionariotupiguarani.com.br/mapa-familias-linguisticas/ >; e b) o mecanismo de 
busca que permite conhecer os diferentes Povos Indígenas do Brasil e sua distribuição por 
estados ou por família linguística: <https://pib.socioambiental.org/pt/Página_principal >.
História e Cultura Indígena
– 30 –
Figura 2.1 – Tronco linguístico dos Macro-Jê
Fonte: Dicionário Ilustrado Tupi-Guarani. Disponível em: <https://www.
dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/macro-je/>. Acesso em: 26 maio 2018.
– 31 –
As culturas e as línguas indígenas
Nesse caso, as línguas vinculadas à família Jê representariam um 
ramo relativamente recente. Segundo Urban (1992), a julgar pelas seme-
lhanças internas entre as línguas Jê, essas se separaram há cerca de 3 mil 
anos ou mais. No que se refere aos Macro-Jê, as relações linguísticas são 
mais distantes, datando de uns 5 ou 6 mil anos, pelo menos. O tronco lin-
guístico dos Macro-Jê se estende pelas regiões Nordeste, Sudeste e Sul, 
como demonstrado no mapa a seguir:
Figura 2.2 – Distribuição do tronco linguístico dos Macro-Jê no território brasileiro
Fonte: Dicionário Ilustrado Tupi-Guarani. Disponível em: <https://www.
dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/macro-je/>. Acesso em: 26 maio 2018.
2.2.2 Tupi
A filiação genética do Macro-Tupi é a mais conhecida do país, visto 
que a principal família do grupo, a Tupi-Guarani, foi amplamente estu-
História e Cultura Indígena– 32 –
dada. Fato é que também houve uma maior expansão dos povos Tupi-
-Guarani ao longo do território nacional. Enquanto as outras famílias 
desse grupo linguístico estão concentradas em uma área do Centro-Oeste, 
entre o rio Madeira a oeste e o rio Xingu a leste, o Tupi-Guarani se espa-
lhou para outras regiões do país, tais como o Nordeste, o Sul e o Sudeste.
Figura 2.3 – Línguas do tronco Tupi e línguas gerais derivadas do Tupi e Guarani
Fonte: CC BY 3.0/Wikimédia
2.2.3 Arawak
Incorpora as famílias linguísticas Maipure, Aruan, Puquina e Toyeri 
ou Harakmbet. Dentre essas famílias, a mais dispersa é a Maipure, cuja 
distribuição é genericamente ocidental. As teorias sustentam que os Mai-
pure tenham se originado no Peru e tenham migrado para o Brasil através 
– 33 –
As culturas e as línguas indígenas
da periferia da bacia amazônica, tanto pelo norte como pelo sul, estabele-
cendo-se mais tarde em regiões de terras baixas amazônicas.
Figura 2.4 – Línguas Arawak
Legenda: As línguas Arawak da América do Sul. Os pontos representam as loca-
lizações precisas das línguas bem documentadas. O resto das áreas sombreadas 
reconstroem a extensão da distribuição das línguas no passado. Em azul-claro, as 
línguas arawak setentrionais, e, em azul-escuro, as línguas arawak meridionais.
Fonte: Davius/CC BY 3.0/Wikimedia 
História e Cultura Indígena
– 34 –
2.3 Nossa herança cultural indígena
Passados mais de 500 anos do início da colonização, muitos elemen-
tos oriundos das culturas indígenas parecem indistintos em meio à mistura 
que se tornou a sociedade brasileira. No entanto, com o olhar um pouco 
mais atento, é possível notar como grande parte desses elementos foram 
absorvidos pelos europeus e hoje fazem parte de nosso cotidiano. Muito 
mais que em nomes de ruas e cidades, eles se encontram presentes em 
diversas palavras e hábitos do nosso cotidiano.
Antes de prosseguir, imagine um primeiro fato: os portugueses, 
quando chegaram aqui, encontraram-se diante não apenas de povos 
desconhecidos, mas também de animais e frutas nunca antes vistos na 
Europa. Esses mesmos portugueses, inexperientes nas novas terras, tive-
ram de aprender a caçar nesse território, a conhecer suas florestas, a 
aprender sobre o potencial medicinal de suas plantas. Enfim, eles preci-
saram conhecer as relações culturais, sociais e políticas dos indígenas.
Dessa fusão – e, mais tarde, com a introdução da mão-de-obra escra-
vista – configurou-se no Brasil um novo padrão cultural, distinto do nativo 
e do europeu. Técnicas de plantio foram aproveitadas, como a coivara2 e 
lendas incorporadas, como o Curupira e o Boto sedutor.
No campo da alimentação, as contribuições foram diversas: o cultivo 
da mandioca, do milho, da batata-doce, do cará, das favas, do amendoim, 
da abóbora, da pimenta, do abacaxi, do caju, do cacau, do mamão, das 
bananas e do maracujá. A introdução desses itens mudou a alimentação 
dos portugueses que aqui chegaram e se tornaram presença permanente na 
mesa dos brasileiros.
Para além dos itens mencionados acima, é preciso ainda acrescen-
tar: a) o tabaco, o qual, em princípio, foi consumido pelos indígenas 
para efeitos mágicos, terapêutico medicinal e estimulante. Depois foi 
utilizado pelos portugueses em suas várias formas: cigarro, charuto, 
2 Trata-se de queimar extensões de terra, limpando-as de pragas, insetos daninhos e vege-
tação rasteira. Embora a técnica prejudique o solo a médio prazo, pois deixa a área refém 
do calor do sol ou de pancadas de chuva – que podem levar o húmus vegetal para rios e 
lagos −, os indígenas a empregavam, pois era o modo mais prático, visto que desconhe-
ciam a enxada.
– 35 –
As culturas e as línguas indígenas
cachimbo, rapé para cheirar e fumo para mascar; b) o algodão, que, ape-
sar de já ser conhecido na Europa e no Oriente, acabou sendo substituído 
pelo americano devido a sua melhor qualidade; c) a erva-mate, utili-
zada pelos indígenas para fins medicinais, atualmente dela se deriva o 
chá mate, consumido largamente no Brasil e no mundo; e d) o guaraná, 
poderoso estimulante.
Diversos produtos que atualmente são coletados no país também já 
eram extraídos pelos indígenas antes da chegada dos portugueses. É o 
caso do babaçu, do qual se retirava azeite para comer e para iluminação; o 
palmito, retirado das palmas; a castanha-do-pará; os pinhões; a castanha-
-sapucaia; e a castanha-do-maranhão.
Para além da questão alimentícia, é possível enfatizar também os 
aspectos medicinais das culturas indígenas apropriados pelo “homem 
branco”. Dentre eles, podemos citar o curare indígena, veneno extraído da 
casca de cipós, letal apenas quando entra na circulação sanguínea, levando 
à paralisia dos músculos do coração. Dele se extrai a curanina, um alca-
loide empregado como relaxante muscular em intervenções cirúrgicas. 
Pode-se mencionar, ainda, o jaborandi, um forte sudorífico; a copaíba, 
atualmente utilizada contra afecções das vias urinárias; a quina, da qual 
se extrai a quinina – dentre outros alcaloides – utilizada para a cura da 
malária (RIBEIRO, 2009).
No campo da linguística, as culturas indígenas legaram uma série 
de palavras usadas no português contemporâneo. Elas estão presentes na 
designação de pessoas: caipira, caipora; de comidas: pururuca, pipoca, 
aipim; de animais e figuras míticas: graúna, colibri, arara, sabiá, jaguar, 
jacaré, tatu, paca, boitatá, taturana, saracura; de vegetais: imbira, urucu, 
tapioca, araçá, jenipapo, mandioca, goiaba; substantivos: Iracema, Jaçanã, 
Maracanã, Guanabara, Butantã (SANTOS SOUZA, 2016).
Concluindo, enfatizamos a importância das culturas indígenas para 
a necessidade de políticas públicas que preservem seu patrimônio e que 
lhes propiciem melhores condições de manterem seus modos de vida, 
suas tradições e, de acordo com o desejo de cada comunidade, a inserção 
delas nas culturas urbanas sem que isso signifique o fim de suas identi-
dades e tradições.
História e Cultura Indígena
– 36 –
Síntese
O estudo das culturas indígenas deve ser acompanhado de um pro-
cesso de relativização dos valores e concepções das culturas dos não-indí-
genas. Os mitos ocupam um lugar imprescindível para as comunidades 
indígenas, integrando o tempo, o cosmos e a natureza a partir de um fio 
condutor narrativo que, apesar de aberto a mudanças, nunca se altera estru-
turalmente. O estudo das culturas indígenas colabora para uma melhor 
compreensão de nosso próprio presente, permitindo a reflexão sobre seu 
papel no processo de formação cultural do Brasil, presente na língua, nos 
hábitos alimentares, na produção de remédios. A multiplicidade de cul-
turas indígenas é um convite para a reflexão, de modo a considerar de 
maneira menos estereotipada suas colaborações para a formação cultural 
brasileira e as próprias identidades e lutas indígenas.
Atividades
1. Explique a importância dos mitos para os indígenas e sua rela-
ção com a natureza.
2. Leia o trecho a seguir:
“Uma das lembranças mais agradáveis que tenho da minha 
infância é a de meu avô me ensinando a ler. Mas não ler as pala-
vras dos livros e, sim, os sinais da natureza, sinais que estão 
presentes na floresta e que são necessários saber para poder nela 
sobreviver. Meu avô deitava-se sobre a relva e começava a nos 
ensinar o alfabeto da natureza: apontava para o alto e nos dizia 
o que o voo dos pássaros queria nos informar.”
(MUNDURUKU, Daniel. A escrita e a autoria fortalecendo a 
identidade. Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/
pt/A_escrita_e_a_autoria_fortalecendo_a_identidade>. Acesso 
em: 26 maio 2018.)
 
– 37 –
As culturas e as línguas indígenas
A partir do fragmento acima e do que leu neste capítulo, dis-
serte sobre a importância da oralidade para as culturas e iden-
tidades indígenas.
3. Relacione a maneira como os indígenasentendem o tempo e sua 
diferença frente ao modo como o tempo é experimentado pelo 
não-indígena ocidental.
4. “Mandioca [...]. Logo no início da colonização, ela se impôs 
como o pão da terra. Sua importância na hierarquia das plan-
tas alimentícias americanas só cede lugar à batata e ao milho. A 
mandioca está hoje difundida por toda a zona tropical da África, 
da Ásia e da América, de onde é nativa, tendo sido domesticada 
provavelmente no Brasil”. (RIBEIRO, 2009, p. 107)
A partir do excerto acima, discorra sobre a importância con-
temporânea dos cultivos naturais originalmente praticados 
pelos indígenas.
3
Teorias raciais e a 
ilusão do primitivismo
Nesse capítulo iremos abordar as teorias raciais, sua inci-
dência sobre as sociedades indígenas e, ainda, as representações 
que se construíram sobre os índios no romantismo brasileiro. É 
preciso sublinhar que buscaremos compreender a visão, as teses 
e os estereótipos criados pelos “homens brancos” sobre os indí-
genas. Afinal, essas noções a respeito dos povos nativos orien-
taram as formas de contato entre não-índios e índios e, ainda, 
os projetos estatais na formulação de suas políticas indigenistas. 
Lembrando que essas se referem às legislações postuladas pelos 
não-indígenas e direcionadas aos indígenas.
3.1 Teorias raciais
As teses raciais – como evolucionismo social e darwinismo 
social – foram formuladas, sobretudo, nos países europeus e 
nos Estados Unidos durante o século XIX. Elas foram intro-
duzidas no Brasil em meados de oitocentos e ganharam força 
a partir de 1870, tendo grande vitalidade até aproximadamente 
1930 (SCHWARCZ, 1993). As teorias racialistas, conforme Lilia 
História e Cultura Indígena
– 40 –
Moritz Schwarcz, impuseram um contundente dilema para a intelectua-
lidade brasileira do século XIX, a saber: como pensar a nação brasileira 
– extremamente miscigenada – diante dos prognósticos tão negativos pos-
tulados pelas análises científicas da época? As noções de miscigenação 
e hibridismo racial não eram vistas com bons olhos, tanto para europeus 
como para brasileiros, desde o tempo colonial. O Brasil independente em 
1822 era um país formado pela mistura do índio, do africano e do europeu. 
Não havia como negar a miscigenação existente. Na ordem do dia estava a 
busca por compreender a formação populacional brasileira à luz das ideias 
em circulação naquele período. Assim, objetivamos apresentar as bases 
das imagens formuladas a respeito dos indígenas, as quais, em grande 
medida, nortearam as formas de contato, integração e exclusão dos índios 
na história do Brasil.
No século XIX, o conceito de “raça” foi além de sua definição bioló-
gica, abarcando também uma interpretação social:
o termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo 
e natural, é entendido como objeto de conhecimento, cujo signi-
ficado estará sendo constantemente renegociado e experimentado 
nesse contexto histórico específico, que tanto investiu em modelos 
biológicos de análise (SCHWARCZ, 1993, p. 24).
Diante disso, como indicado por Lilia M. Schwarcz, a noção de raça foi 
constantemente ressignificada e renegociada a fim de atender as demandas 
dos diferentes agentes daquele contexto histórico. No entanto, nessa nova 
apreensão, a ideia de raça corresponderia à “existência de heranças físicas 
permanentes entre os vários grupos humanos” (SCHWARCZ, 1993, p. 63). 
Para John M. Monteiro, mesmo antes da introdução das teorias e técnicas 
de estudo das raças, os estudos etnográficos já haviam postulado questões 
que influenciaram no tipo de teses estrangeiras sobre as raças humanas que 
seriam consumidas, assunto que será abordado na sequência. Antes, no 
entanto, faz-se necessário delimitar as teorias raciais que ganharam espaço 
no Brasil durante o século XIX e início do século XX.
As teses raciais possuem seus pilares em noções que perpassam a com-
preensão de etnocentrismo, que consiste na visão ou na concepção de pen-
samento que postula a supremacia étnica e cultural de um povo ou nacionali-
dade sobre outros. Durante o século XIX, as ideias etnocêntricas e científicas 
– 41 –
Teorias raciais e a ilusão do primitivismo
caminharam lado a lado e foram utilizadas para justificar uma suposta supre-
macia dos brancos, europeus e “civilizados” sobre os demais povos.
Conforme Roque de Barros Laraia (2002), a partir da publicação de 
A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859,1 a Europa vivenciou 
a publicação de uma série de estudos que buscavam aplicar as ideias evo-
lucionistas ao contexto das instituições sociais. Disso emergiu interpreta-
ções que propunham o desenvolvimento uniforme da cultura e uma noção 
linear da evolução dos povos. Isto é, postulou-se a existência uma “escala 
de civilização” pela qual todos os povos estavam determinados a percor-
rer. Em um extremo dessa escala estaria os povos selvagem/primitivos e 
no outro extremo estaria as sociedades europeias, consideradas as mais 
civilizadas/avançadas naquele contexto oitocentista:
Desta maneira era fácil estabelecer uma escala evolutiva que não 
deixava de ser um processo discriminatório, através do qual as 
diferentes sociedades humanas eram classificadas hierarquica-
mente, com nítida vantagem para as culturas europeias (LARAIA, 
2002, p. 34).
Diante disso, consonante ao evolucionismo social, a raça branca 
apresentava maior capacidade intelectual e estava em um estágio mais 
avançado da evolução que as demais raças. Essa interpretação de desen-
volvimento social associada às características biológicas colocava o Brasil 
na retaguarda da evolução, pois, além de ser formado por negros e índios, 
era – e é – um país miscigenado.
Outra tese racial vigente nessa conjuntura – e que possui estreita 
relação com o evolucionismo social – é o darwinismo social. Segundo 
as observações feitas por Charles Darwin em plantas e animais, a natu-
reza realizaria uma seleção natural, em que o ambiente preservaria os 
mais adaptados e eliminaria os menos aptos, já que os recursos naturais 
são escassos e existe uma luta pela sobrevivência. Essas noções foram 
deslocadas para o âmbito social e político, os quais serviram para justi-
ficar as políticas de dominação, de extermínio e a expansão imperialista 
do século XIX.
1 É importante destacar que Charles Darwin formulou sua teoria sobre a seleção natural, a 
origem e a evolução das espécies para o âmbito da biologia e não para a aplicação e análise 
das sociedades humanas.
História e Cultura Indígena
– 42 –
Em suma, conforme Lilia M. Schwarcz (1993, p. 75): “bastou mini-
mizar a importância da origem comum e relevar as máximas deterministas, 
presentes na ótica darwinista, que apontavam para a importância das leis 
e regularidades da natureza”. Assim, quando aplicadas ao contexto social, 
as ideias de seleção natural eram utilizadas para pensar uma suposta dege-
neração social e as leis da natureza determinavam o estágio do progresso 
e do desenvolvimento civilizacional de povos e nações.
 Saiba mais
É primordial ter em mente que as divisões de raças em branca, negra, 
amarela, entre outras, foram cientificamente desconstruídas. Ou seja: 
em termos biológicos, inexistem raças humanas. O pesquisador Sér-
gio D. J. Pena (UFMG) desenvolveu um importante trabalho em que 
demonstra a existência de somente uma espécie: a humana.
Sobre este tema, confira o vídeo: <https://www.youtube.com/
watch?v=2n4wnjQqWYQ >
3.2 Os índios e as teses racialistas 
no Brasil do século XIX
Vimos no tópico anterior algumas teorias raciais que circularam no 
Brasil durante o século XIX e que tiveram significativo impacto sobre os 
povos indígenas. Mas, qual é a origem das visões negativas e distorcidas 
acerca dos índios brasileiros? E, sobretudo, qual o efeito das teorias raciais 
oitocentistas sobre os povos indígenas?
Em princípio,como sublinhado pelos historiadores Giovani José da Silva 
e Anna Maria Ribeiro (2018, p. 17-18), desde dos primeiros anos do processo 
de colonização, foram criadas imagens estereotipadas sobre os indígenas:
A começar com a chegada dos portugueses e prosseguindo ao 
longo dos séculos, a figura do índio foi construída com base em 
registros históricos e iconográficos. Imagens e textos sobre o Novo 
Mundo e seus habitantes podem ser observados em Hans Staden, 
Jean de Léry, André Thevet, Theodor de Bry, Gabriel Soares de 
– 43 –
Teorias raciais e a ilusão do primitivismo
Sousa, Fernão Cardim, Yves d’Évreux, entre outros, com ênfase 
nas práticas de canibalismo. As cartas jesuíticas também colabo-
raram para a construção desse imaginário, pois, ao relatarem as 
vicissitudes dos trabalhos de colonização e catequese, reforçaram 
as ideias de selvagem e barbárie.
A disseminação das imagens do “selvagem”, da “barbárie”, das prá-
ticas antropofágicas criou as justificativas necessárias para o processo 
de colonização, de dominação, de tutela e, inclusive, de extermínio dos 
ameríndios.2 Dessa forma, tendo como finalidade incutir os ditos valores 
civilizados nos indígenas, empregou-se a catequese, os aldeamentos, e até 
mesmo a adoção das crianças indígenas por famílias não-indígenas. Essas 
práticas e representações sobre os povos indígenas se mantiveram também 
durante os anos do Império e da República. Elas também contribuíram 
para a forma como as teorias raciais estrangeiras foram recebidas e apro-
priadas pela intelectualidade brasileira do século XIX e início do XX.
Figura 3.1 – Gravura intitulada Os filhos de Pindorama, 1557. Artista Theodor de Bry 
(1528-1598)
Nessa imagem, o editor belga Bry representou as práticas do canibalismo 
dos índios Tupinambás que habitavam a América portuguesa.
Fonte: Theodor de Bry/Wikipedia>.
2 Sobre as imagens e as representações acerca dos indígenas no período colonial, ver: 
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1992.
História e Cultura Indígena
– 44 –
O historiador John M. Monteiro destacou três fatores que nortea-
ram o consumo das teses raciais no Brasil, os quais possuem vínculos 
diretos com os índios brasileiros. O primeiro deles consiste no binômio 
Tupi-Tapuia, cujos significados foram construídos com base nos tratados, 
crônicas, cartas, legislações, entre outros tipos de documentos produzi-
dos durante os séculos de colonização. O termo Tupi, na América portu-
guesa, foi utilizado para se referir aos aliados dos portugueses. Enquanto a 
expressão Tapuia foi utilizada para se referir, genericamente, aos inimigos, 
àqueles grupos que resistiram às investidas lusitanas e que representavam 
um obstáculo ao avanço da civilização. No século XIX, a expressão Tupi 
passou a remeter à matriz da nacionalidade brasileira, visto que:
foram as alianças e a mestiçagem luso-tupi que consolidaram a 
presença portuguesa na América e que estabeleceram os primeiros 
troncos de famílias brasileiras. Para os pensadores do Império, os 
índios Tupis, relegados ao passado remoto das origens da naciona-
lidade, teriam desaparecido enquanto povo, porém tendo contribu-
ído sobremaneira para a gênese da nação, através da mestiçagem e 
da herança de sua língua. (MONTEIRO, 2001, p. 172).
O segundo elemento apontado por Monteiro (2001, p. 172-173) a 
respeito da recepção das teses racialistas centra-se na política indigenista 
aplicada durante o Período Imperial, que se fundamentava no par Tupi-
-Tapuia. Trata-se de uma questão herdada ainda do Período Colonial, a 
qual residia nas conflitantes demandas dos distintos agentes (autoridades 
locais, proprietários de terras, padres etc.) entre as políticas assimilacio-
nistas e repressivas. Isto é, se eles iriam atrair e civilizar os índios ou se 
eles iriam reprimir e exterminar os índios.
O terceiro fator remete à importância do fim do tráfico negreiro 
(1850) e à abolição da escravidão no Brasil (1888) no debate sobre a ques-
tão indígena. É importante ressaltar que a incorporação do indígena às 
sociedades colonial ou pós-colonial passa de modo significativo pelo uso 
de sua força de trabalho. Assim, tanto no período colonial como no impe-
rial, houve aqueles que defenderam a substituição do escravizado africano 
pelo indígena. Diante disso, para Monteiro:
As teses raciais passaram a permear esta discussão, colocando em 
causa a potencialidade não apenas dos índios, como também dos 
mestiços, dos descendentes de escravos e dos próprios ex-escra-
– 45 –
Teorias raciais e a ilusão do primitivismo
vos, face à propalada superioridade de imigrantes brancos. Tais 
questões alimentavam uma parcela significativa do pensamento 
social brasileiro no ocaso do Império e no início da República e 
ocupavam, neste período, a agenda dos cientistas então abriga-
dos nos museus de história natural e nas academias de medicina 
(MONTEIRO, 2001, p. 174).
Monteiro indicou que houve um consenso em torno de uma espécie 
de padrão evolucionista, segundo o qual os indígenas que restaram forma-
vam uma “raça” ou mesmo um conjunto de “raças”, que estava em vias 
de extinção. Havia diferentes vertentes intelectuais que se dispunham a 
pensar a questão indígena no Brasil. Uma dessas vertentes enfatizava a 
existência de variados atributos positivos das “raças” nativas que pode-
riam contribuir para a formação do povo brasileiro, por meio da misci-
genação. Para outra vertente, que fazia uso das teses raciais europeias e 
estadunidenses, a ênfase recaía sobre os atributos negativos das “raças” 
nativas que, segundo eles, consistia na existência de uma inferioridade 
moral, física e intelectual. Esses elementos eram empregados como justi-
ficavas para a exclusão dos povos indígenas do futuro brasileiro, ainda que 
para isso fosse necessário o emprego da violência.
Nessa perspectiva, o que estava na ordem do dia para esses intelec-
tuais do século XIX era a imagem do Brasil como um país civilizado ou, 
ainda, como um país que teria a possibilidade de superar os atrasos e as 
contradições e, assim, atingir o nível dos países ocidentais civilizados. 
Para que esse lugar tão almejado pelos construtores da nação brasileira 
fosse alcançado, era necessário solucionar o dilema da incorporação, eli-
minação ou substituição dos indígenas e dos escravizados (MONTEIRO, 
2001, p. 174).
Os prognósticos acerca dos povos indígenas, de modo geral, não eram 
nada esperançosos. Pois, como Monteiro (2001, p. 175) destacou, a partir 
dos estudos de George Stocking Jr., certos grupos intelectuais postulavam 
a impossibilidade de certas raças alcançarem a civilização. Para fazerem 
tal afirmação, esses pensadores se baseavam nas circunstâncias históricas 
vivenciadas pela expansão europeia no século XV e XVI, em que muitas 
sociedades primitivas nas Américas e no Pacífico Sul desapareceram. No 
Brasil, a vertente pessimista ganhou espaço e vislumbrava o desapareci-
mento total dos índios, o que felizmente não aconteceu.
História e Cultura Indígena
– 46 –
Podemos dizer, em poucas palavras, que os efeitos das teses raciais 
sobre os indígenas brasileiros foram diversos. Afinal, houve pessoas que, 
apoiadas nas ideias racialistas, defenderam a incorporação dos indígenas à 
sociedade brasileira por meio das políticas filantrópicas – como a adoção 
das crianças indígenas pelas famílias não-indígenas –, da catequese e do 
trabalho. Ou aquelas pessoas que, também amparadas pelas teorias raciais, 
argumentaram a favor do uso da violência e do extermínio dos índios, por 
considerarem que eles eram “degenerados” e “atrasados”.
Figura 3.2 – Imagem intitulada Festa do Coroado, produzida pelos naturalistas alemães 
Johann B. Spix e Carl F. P. von Martius, no período em que visitaram o Brasil, entre 1817 
e 1820
Fonte: Johann B. Spix e Carl F. P. von Martius/Wikipédia.
 Saiba mais
Expedições naturalistas do século XIX
Após a vinda da Coroa Portuguesa para a América portuguesa, em 
1808, teve início a prática de expedições científicas europeias através 
do território brasileiro, as quais buscavam conhecer sua geografia, sua 
natureza e sua gente. Muitos dos viajantes europeus que aqui estiveram 
registraram diários, coletaram espécimes e fizeram desenhos bastante
– 47 –
Teorias raciais e a ilusão do primitivismo
detalhados, capturando os costumes dos indígenas. Esses registros fei-
tos pelos viajantes, em geral, eram publicados, divulgados e bastante 
consumidos pelos europeus, que tinham grande curiosidade sobre o 
“exótico”. Dentre os principais viajantes estão: Saint-Hilaire (1779-
1856), Alexander von Humboldt (1769-1859), Carl Friedrich Philipp von 
Martius (1794-1868), Johann Baptist von Spix (1781-1826), etc. Muitas 
das imagens referentes aos indígenas, que ilustram os livros didáticos 
de história atuais, foram produzidas pelos naturalistas europeus do 
século XIX e estão inseridas nesse contexto permeado pelo olhar etno-
centrista e eurocentrista que contrapõe “barbárie” e “civilização”.
3.3 A ilusão do primitivismo
Na verdade, cada qual considera bárbaro o que não é praticado 
em sua terra.
Montaigne
O que significa ser “primitivo”? De onde vem essa concepção? A 
partir do século XVIII, os povos considerados “selvagens” passaram a 
ser compreendidos e caracterizados como “primitivos”. A noção de “pri-
mitivo” deriva de uma visão bíblica, segundo a qual a humanidade pos-
suiria uma origem e uma evolução comum. Nesse caso, o significado de 
“primitivo” remeteria a “primeiro”, isto é, ao começo da espécie humano 
a partir de Adão e Eva (SCHWARCZ, 1993, p. 58). Além disso, o termo 
“primitivo” era usado, grosso modo, pelos homens dos séculos XVIII e 
XIX, no Brasil, remetendo aos povos que eles consideravam desprovidos 
de rei, de lei, de religiosidade, de história, de propriedade privada indi-
vidual e cujo modo de vida era caracterizado pelo nomadismo (TURIN, 
2006). É preciso salientar, ainda, que a expressão “primitivo” coincide 
também com a existência de uma suposta “infância da humanidade”, em 
que os povos indígenas – assim como crianças – poderiam aprender os 
valores “civilizados”.
Essas acepções do termo “primitivo” nos conduzem para o debate 
sobre o reconhecimento da diversidade cultural existente entre os diferen-
tes grupos humanos e sobre a importância das concepções de alteridade 
História e Cultura Indígena
– 48 –
e etnicidade. Para desfazer a “ilusão do primitivismo”, é preciso reco-
nhecer a existência de um outro além de si mesmo, o qual não é inferior, 
nem superior, mas sendo igual em condição humana e diferente em cul-
tura. O filósofo Michel de Montaigne, na epígrafe anterior, sintetizou com 
eficiência o que as teses raciais e as representações formuladas sobre os 
indígenas significaram: a dificuldade daqueles homens em reconhecerem 
um outro.
Diante disso, cumpre sublinhar a inexistência de uma escala segundo 
a qual parte-se do primitivo para alcançar o mais avançado. Existem for-
mas de desenvolvimento cultural distintas, afinal, a cultura é um elemento 
histórico, dinâmico, flexível e que apresenta plasticidade; de tal modo que, 
as distintas sociedades humanas, em face de suas experiências históricas e 
culturais, apresentam desenvolvimentos diferentes.
3.4 Os índios e o romantismo do século XIX
Ao longo do século XIX, vislumbramos distintas representações a 
respeito dos índios brasileiros, as quais, como um pêndulo, deslocam-se 
entre visões preconceituosas, estigmatizadas, idealizadas e românticas. 
Embora o índio dentro do imaginário racial daquele período fosse com-
preendido como um ser “primitivo”, ele também foi tomado como sím-
bolo nacional. Porém, como transformar o índio “selvagem”, “obstáculo 
da civilização”, em matriz da identidade brasileira?
Para atender a esse fim, foi criada uma imagem romântica do índio, 
a qual não correspondia à realidade dos nativos que habitavam o interior 
do país, mas cumpria um papel dentro dos propósitos dos construtores 
da nação do século XIX. Assim, enquanto nas correspondências trocadas 
entre as autoridades locais ou nos debates entre os intelectuais do Instinto 
Histórico e Geográfico Brasileiro,3 a questão indígena era apresentada 
como um problema; nos discursos, nas obras literárias, nas pinturas que 
3 O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), como veremos no capítulo 4, foi 
uma instituição criada em 1838, no contexto de construção do Estado nacional brasileiro. 
Os membros desse organismo estavam preocupados em construir uma narrativa do passado 
nacional, mapear as riquezas, geografias e populações que formavam o território brasileiro.
– 49 –
Teorias raciais e a ilusão do primitivismo
se encontram inseridas no romantismo brasileiro, o indígena era tomado 
como o “bom selvagem”, símbolo da identidade brasileira. 
Segundo a pesquisadora Heloísa Toller (2007, p. 116), o modelo do 
“bom selvagem” pode ser entendido como símbolo da natureza, síntese da 
bondade e da sabedoria. Essas representações exaltavam um suposto índio 
que pertencia ao passado do território brasileiro, ao mesmo tempo em que 
ignoravam e depreciavam os índios daquele presente oitocentista.
Portanto, a imagem do índio, durante o século XIX, serviu aos inte-
resses do Estado como símbolo nacional e de identidade pátria. Toller 
(2007, p. 116) salienta que o indianismo brasileiro se colocou a serviço 
das ordens dominantes. Dois exemplos desse movimento podem ser per-
cebidos nas poesias de Gonçalves Dias e nos romances O Guarani (1857), 
Iracema (1865) e Ubirajara (1874) de José de Alencar.
O poeta Gonçalves Dias (1823-1864) é considerado um dos expoen-
tes do romantismo e do indianismo no Brasil. Ele publicou poemas impor-
tantes como Canção dos Tamoios, I-Juca Pirama e Os Timbiras, nos quais 
exaltava as qualidades das suas personagens indígenas, tais como a cora-
gem, a bondade filial e a honra. Como podemos observar no excerto do 
canto IV de “I-Juca Pirama”:
Meu canto de morte
Guerreiros ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
História e Cultura Indígena
– 50 –
Guerreiros ouvi.
[...]
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja, - dizei!
José de Alencar, por sua vez, conferia ao índio um lugar preponde-
rante na formação da nacionalidade e na miscigenação que se realizou 
com a cultura europeia (ALONSO apud SILVA; GRUPIONI, 1995, p. 
247-248). O elogio ao “bom selvagem” em Alencar se manifestou, por 
exemplo, em O Guarani no seguinte fragmento: “A sua inteligência sem 
cultura, mas brilhante como o sol de nossa terra, vigorosa como a vege-
tação deste solo, guiava-se nesse raciocínio com uma lógica e uma pru-
dência, dignas do homem civilizado” (ALENCAR, [s. d.], p. 114). Nesse 
fragmento podemos ainda perceber uma certa correspondência que o autor 
estabeleceu entre o índio e os valores do “homem branco e civilizado”.
Em suma, a imagem do índio no Brasil foi apropriada de dife-
rentes formas, atendendo a interesses diversos. Essas imagens, em 
grande parte, dissolveram a diversidade existente entre os distintos gru-
pos indígenas e reforçaram a noção do “índio genérico” – expressão 
cunhada por Darcy Ribeiro na segunda metade do século XX. A lite-
ratura do século XIX, a qual buscava criar as bases de uma literatura 
nacional e sustentar políticas que contribuíssem para a construção de 
uma identidade brasileira, tomou o índio como símbolo de nacionali-

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