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INSULINOTERAPIA Referências: Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020; Endocrinologia Clínica Vilar, 5ed, cap 54. I. Aspectos gerais sobre Insulinoterapia: ➢ A insulinoterapia constitui a base fundamental do tratamento do diabetes mellitus, cujo objetivo é manter a glicemia e a hemoglobina glicada (HbA1c) o mais próximo possível da normalidade a fim de controlar os sintomas e evitar complicações. Pode ser indicada tanto no DM1 quanto no DM2, porém é mais comum no DM1, onde o uso de insulina é imprescindível. ➢ Tipos de insulina e farmacocinética: a insulina é classificada quanto a sua origem, havendo insulina animal (suína, bovina ou mista), insulina humana (obtidas por técnicas de DNA recombinante ou transpeptidação da insulina suína) e análogos de insulina (moléculas modificadas por engenharia genética). Os tipos de insulina também são classificados de acordo com sua farmacocinética: Insulinas de ação rápida (indicadas p/ controle pós-prandial, correção hiperglicêmica e cetoacidose diabética), Insulinas de ação ultrarrápida (mesma indicação da IR), Insulinas de ação intermediárias (indicadas p/ controle a noite, madrugada e em períodos interprandiais) e Insulinas de ação lenta (ideais p/ prover insulinemia basal). ➢ Efeitos colaterais da insulina: hipoglicemia (+associada a ausência de refeição, erro na dose, atividade física excessiva); ganho de peso de 3-9%; reações alérgicas locais (eritema, endurecimento, prurido, ardor) ou sistêmicas; lipoatrofia (reação imunológica) ou lipo-hipertrofia (devido aplicação repetida no mesmo local). No caso da hipo-hipertrofia deve-se fazer rodízio de locais de aplicação. No caso de lipoatrofia, trocar a insulina ou coadmnistrar insulina e dexametasona. ➢ Conceitos importantes sobre insulina: a) Insulinemia basal e bolus: método que simula a secreção normal de insulina pelo pâncreas, que ocorre por mecanismo bifásico no sistema porta hepático. A insulina basal (60%) é aquela liberada no sistema porta de maneira gradual e lenta, sendo responsável pela normoglicemia durante períodos de jejum e interprandiais. Já a insulina em bolus (40%) é aquela liberada rapidamente em picos após as refeições. b) Relação insulina- carboidrato: se refere à quantidade insulina (U) capaz de metabolizar determinada quantidade de carboidratos (gr). Envolve o conhecimento da contagem de carboidratos e o monitoramento frequente da glicemia. II. Insulinoterapia no DM 1: ➢ O objetivo do tratamento do DM 1 envolve manter as metas glicêmicas nos limites da normalidade para evitar sintomas e complicações. Para isso, a insulinoterapia é essencial, dada a fisiopatologia da doença. ➢ Os esquemas de insulinoterapia para DM 1 podem ser convencionais ou intensificados. Eles devem ser adotados em parceria com o pcte. a) Insulinoterapia convencional a. Uma aplicação diária = injeção única de NPH pela manhã (desaconselhada). b. Duas aplicações diárias = vários esquemas. O mais usado envolve insulina intermediária (NPH) + rápida (IR) ou ultrarrápida (Lispro) aplicadas antes do café da manhã e antes do jantar, sendo 70% da dose matutina (por sua vez, 70% NPH e 30% IR ou Lispro) e 30% noturna (por sua vez, 50% NPH e 50% IR ou Lispro). b) Insulinoterapia intensificada a. Infusão contínua subcutânea (ICS ou SICI ou bomba de insulina) = envolve aparelhos conectados a um cateter inserido no tecido subcutâneo que libera insulina basal e bolus. b. Múltiplas aplicações diárias = insulina rápida ou ultrarrápida antes das refeições + NPH ou Glargina 2xdia (antes do café da manhã e do jantar ou à hr de dormir). ➢ Os pacientes com DM1 devem realizar o monitoramento glicêmico para avaliar o controle glicêmico momentâneo (glicemia capilar) ou retrospectivo (glicemias laboratoriais, HbA1c..). OBS: A HbA1c reflete a média das glicemias dos últimos 2- 3 meses, sendo o padrão ouro para avaliar o controle glicêmico e devendo ser realizada de 3-4 meses. Porém, ela também pode ser aumentada por uremia, hipertrigliceridemia, alcoolismo crônico, anemias carenciais, etc. ➢ Dose de insulina: A dose diária de insulina no DM1 recente ou após cetoacidose é de 0,5-1,0 U/kg/dia. Já no DM1 estabelecido há tempos é de 0,4-0,6 U/kg/dia. Situações que aumentam a necessidade de insulina são estresse, infecções, puberdade, hipertireoidismo, Cushing, glicocorticoides. Situações que reduzem essa necessidade são fase de lua de mel, insuf renal, hipotireoidismo. ➢ Especificidades do DM1: existe grande dificuldade em adequar a dose de insulina quando há hiperglicemia mesmo antes do café da manhã. Isso ocorre devido a: Efeito Somogyi (hiperglicemia de rebote pela liberação de hormônios contrarregulatórios em resposta a hipoglicemia que ocorre de madrugada); queda dos níveis de insulina circulante; fenômeno do alvorecer (redução da sensibilidade tissular à insulina), etc. III. Insulinoterapia no DM 2: ➢ No DM2, apenas alguns pacientes precisam de insulina exógena, podendo ela ser usada isoladamente ou combinada a outros hipoglicemiantes. A insulinoterapia no DM2 pode ser feita de diversas formas a depender do tipo de paciente e de progressão da doença: pode entrar no esquema terapêutico logo ao diagnóstico em casos com alto grau de descompensação metabólica, pode ser usada transitoriamente, pode compor parte de um esquema combinado após alguns anos de evolução da doença ou pode ser usada em esquemas mais complexos e intensivos em caso de falência completa da célula β. ➢ Os tipos de insulina existem continuam os mesmos já citados. No caso de pacientes com DM2, a escolha das preparações insulínicas é feita de acordo com sua estabilidade e sua solubilidade. Nesse sentido, os análogos de insulina possuem absorção mais estável e reprodutível, facilitando a obtenção de metas glicêmicas e reduzindo a incidência de hipoglicemias. ➢ Esquemas de insulinização no DM2: recomenda-se iniciar a insulinização de pacientes com DM2 com uma insulina basal, geralmente em combinação com outros medicamentos hipoglicemiantes. Titulação progressiva da dose deve ser realizada de acordo com níveis de glicemia capilar apresentados. Quando há hiperglicemia pós-prandial significativa, não controlada com associação entre insulina basal e outros medicamentos, o uso de insulina prandial passa a ser necessário. a) Insulina basal + hipoglicemiantes orais ou injetáveis: a dose inicial de insulina usualmente é de 0,1 a 0,2 UI/kg/dia, que costuma ser prescrita à noite. Esse esquema pode ser feito com NPH à noite, detemir à noite ou, ainda, glargina U100, glargina U300 ou degludeca de manhã ou à noite. A titulação da dose deve ser feita com base na monitorização glicêmica de jejum, ajustando-se 2 a 3 UI a cada 2 a 3 dias, até atingir a meta estabelecida para a glicemia de jejum. Combinações fixas de insulina + agonistas GLP1 também podem ser utilizadas. Para a associação degludeca 100 U/mL + liraglutida 3,6 mg/mL, a dose inicial recomendada é de 10 unidades, que correspondem a 10 unidades de insulina degludeca e 0,36 mg de liraglutida. b) Insulina basal plus + ou sem hipoglicemiantes orais: envolve a adição de uma ou mais doses de insulina prandial ao anterior. Pode ser intensificado progressivamente com o tempo, passando a envolver mais de uma refeição, até que se atinja o esquema basal-bolus. As drogas orais presentes antes de sua introdução podem ser mantidas (exceto os secretagogos) ou reduzidas. Outra forma de implementar o esquema de insulinização basal-plus é com as insulinas bifásicas, que combinam um componente de ação intermediária (NPH, NPL ou NPA) com um componente de ação rápida (regular, lispro ou asparte). c) Insulina basal-bolus: Geralmente, é feito com uma dose de insulina de ação longa ou ultralonga mais três ou quatro doses de insulina de ação curta ou rápida por dia. Associa-se com a modalidade terapêutica por bomba deinfusão contínua. Um importante problema do uso de insulinoterapia basal-bolus em pacientes com DM2 é o ganho de peso. d) Biossimilares da insulina humana. IV. Cuidados no uso da insulina: ➢ O tratamento com insulina exige muitos cuidados. O tratamento com insulina exige muitos cuidados. O Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (ISMP) classifica a insulina como um medicamento potencialmente perigoso, exigindo práticas seguras de preparo e adm. ➢ Estratégias para diminuir dor e desconforto e, logo, aumentar a adesão ao tratamento: a) Uso de agulhas curtas com 4, 5 e 6 mm de comprimento; b) Usar caneta e agulha com 4 mm de comprimento e alto fluxo; c) Usar uma “porta de injeção”, como o i-Port; d) Retirar da geladeira insulinas que estão em uso, entre 15 e 30 minutos, antes da aplicação; e) Certificar-se que a pele está seca após higienizar com álcool 70%, antes da aplicação; f) Aplicar no subcutâneo, nas regiões recomendadas para aplicação; g) Inserir a agulha na pele com movimento suave e único. Mesmo cuidado para retirar após aplicação; h) Dividir em duas aplicações doses altas de insulina. Conversar com o prescritor; i) Usar técnicas de distração para crianças pequenas; j) Não reutilizar agulhas. ➢ Conservação da insulina: as insulinas devem ser mantidas refrigeradas de acordo com especificações do fabricante. Deve-se anotar a data inicial de uso da insulina, a fim de acompanhar a validade, bem como verificar o aspecto da insulina antes de sua utilização. Conservar os frascos em geladeira doméstica nas prateleiras do meio ou na gaveta de verduras, longe das paredes, em sua embalagem original e acondicionada em recipiente plástico ou de metal com tampa. Já a caneta recarregável não deve ser conservada na geladeira. O transporte doméstico pode ser feito em embalagem comum. Se for utilizada embalagem térmica ou isopor, devem-se tomar precauções para que a insulina não entre em contato direto com gelo ou similar. ➢ Vias e velocidade de absorção: a via usual é a SC. A via IM pode ser usada em pronto-socorro e a via EV, em UTIs. Alguns fatores podem interferir na absorção local da insulina como: local de aplicação, via de aplicação, exercício físico, temperatura elevada, compressa e massagem. ➢ Dispositivos para aplicação da insulina: a) Seringas: possuem escala de graduação em unidades adequadas à concentração de insulina U100 disponíveis no Brasil, por isso também são identificadas como seringas U100. Não se deve usar seringa graduada em mL pelo alto risco de erros. Existem seringas com agulha fixa (+recomendada e com opções de 100, 50 e 30 unidades e agulhas de 6, 8 e 12,7 mm) e com agulha removível (com 100 unidades e agulha com 13mm). As melhores opções são aquelas com escala de graduação de 1 em 1 unidade e agulha com 6 mm de comprimento. b) Canetas: podem ser recarregáveis e descartáveis. A caneta recarregável é para uso com insulina U100, com refil de 3 mL, sendo que a caneta e o refil de insulina devem ser do mesmo fabricante. Elas têm cores e/ou identificações diferenciadas, para evitar a troca do tipo de insulina no momento da aplicação. Possuem vantagens como a praticidade de manuseio e de transporte e a disponibilidade de agulhas mais curtas, com 4, 5 ou 6 mm de comprimento, além de agulhas com alto fluxo. c) Sistemas de infusão contínua de insulina (SICI) ou bomba de insulina: consiste em um dispositivo eletrônico que realiza infusão subcutânea continuada de microdoses de análogo de insulina rápida, por meio de pré-programação individualizada. Possuem reservatório de insulina, conjunto de infusão (cateter e cânula) e bateria. Recomenda-se ficar sem a bomba no máximo 2 horas. Após esse período é necessário monitorar a glicose, com maior frequência, e realizar bolus de correção, se necessário. ➢ Aplicação da insulina: Os locais de aplicação devem ser afastados de articulações, ossos, grandes vasos e nervos, como: face posterior do braço, entre axila e cotovelo; quadrante superior lateral das nádegas; face anterior e lateral superior da coxa; quadrante lateral inferior do abdome. Local deve estar seco e limpo com álcool 70%. Deve ser feito planejamento de rodízio dos pontos de aplicação para prevenção de Lipodistrofia. Deve ser feita prega subcutânea com o polegar e o indicador, sob ângulo de inclinação da agulha de 45-90º, dependendo do comprimento da agulha. Exigência de seringa com agulha fixa de comprimento 4 a 8 mm. Em uma mesma seringa, podem ser combinadas insulinas intermediárias + insulinas rápidas ou insulinas intermediárias + análogo de insulina de ação rápida. Antes da aplicação de suspensões de insulina, deve ser feita homogeneização através de 20 movimentos suaves do frasco. As técnicas de preparo e aplicação envolvem diferentes etapas. ➢ Descarte dos resíduos: Os materiais utilizados são importante fonte geradora de resíduos perfurocortantes, biológicos e químicos nos serviços de saúde e na residência de indivíduos com diabetes. Todos os itens perfurocortantes e contaminantes gerados em domicílio devem ser descartados em coletores específicos para perfurocortantes, como os utilizados nos serviços de saúde. Na ausência de coletor próprio para materiais perfurocortantes, recomenda-se providenciar recipiente com características semelhantes ao coletor apropriado para descarte: material inquebrável, paredes rígidas e resistentes a perfuração, com abertura larga (o suficiente para o depósito de materiais sem acidentes) e tampa. Frascos de insulina, canetas descartáveis (exceto as tampas) e reservatórios de insulina das bombas de infusão devem ser descartados no mesmo coletor destinado aos materiais perfurocortantes. Canetas recarregáveis, sem o refil de insulina, e tampas de canetas descartáveis podem ser depositadas em lixo comum. Depois de preenchido, o coletor deve ser entregue a uma Unidade Básica de Saúde (UBS) próxima, para tratamento e destino adequados. Os demais resíduos gerados no domicílio representam um grande desafio. ➢ Monitorização glicêmica: Ao entender a patogênese do DM, percebe-se que a disglicemia cria um ambiente metabólico anormal em vários tipos de células, levando à reprogramação gênica, intracelular e tecidual, que favorece um ambiente inflamatório, com subsequente complicação intravascular em pacientes com diabetes.4 Entre várias propostas teóricas da fisiopatologia da lesão de órgãos-alvo (vasos, rins, coração, olhos e sistema neurológico) no DM, recebe destaque a teoria da memória metabólica. Acredita-se que, em condições de disglicemia, produtos finais de glicação atuem em receptores do tipo RAGE, em células de órgãos-alvo, resultando na ativação do estresse oxidativo intracelular, que levaria à modulação epigenética, com a ativação de genes pró-inflamatórios. Diante de tamanhas consequências, o tratamento do DM objetiva a prevenção das complicações da doença, avaliado por meio da obtenção de metas métricas relacionadas ao controle glicêmico. Daí a importância da monitorização glicêmica. Existem vários métodos e métricas para monitorar a glicemia: a) Hemoglobina glicada HbA1c: aferida por meio de testes Point of Care (POC), pela coleta de uma pequena gota de sangue no local do atendimento, sem necessidade do jejum alimentar do indivíduo. Há de se lembrar que a HbA1c reflete a glicemia média sem considerar a variabilidade glicêmica (VG). b) Automonitorização da glicemia capilar (AMGC): feita com a inserção de uma gota de sangue capilar em uma fita biossensora descartável contendo glicose desidrogenase ou glicose oxidase acoplada a um dispositivo médico, o glicosímetro, havendo uma reação eletroquímica diretamente proporcional à concentração de glicose. Atualmente, a AMGC é preconizada a pacientes com todos os tipos de diabetes, sendo complementar àdosagem de HbA1c e permitindo redução do risco de hipoglicemias e ampliação da compreensão sobre o efeito dos diversos alimentos, do estresse, das emoções e dos exercícios sobre a glicemia. Os resultados podem ser registrados manualmente pelo paciente (diário glicêmico) ou transferidos diretamente para um computador com programas informatizados específicos. Isso permite determinar a dose de insulina a ser usada antes de cada refeição (em caso de pctes em tratamento intensivo, com múltiplas injeções de insulina ou sistema de infusão contínua, devendo ser feita no mínimo quatro vezes ao dia) ou avaliar o perfil glicêmico (o que é feito de 3-4 meses em pctes em insulinoterapia intensiva do tipo basal-bolus, sendo feitas 7 medições de GC ao dia por 3 dias). Indicações: é preconizada a pacientes com todos os tipos de diabetes em uso de insulina, já que essa conduta poderia tornar os pacientes mais independentes, cooperativos, motivados e cientes dos fatores que afetam suas glicemias. É razoável indicar o teste para casos selecionados; por exemplo, após grandes mudanças terapêuticas, em momentos de descompensação metabólica ou em épocas de instabilidade do controle glicêmico. Limitação: necessidade de obter sangue capilar na polpa digital. c) Sistemas de monitorização contínua de glicose (SMCG): aparelhos, minimamente invasivos, que registram e exibem o valor, a direção e a magnitude da alteração dos níveis de glicose intersticial. São compostos por (1) sensor de glicose, com inserção subcutânea, que mede de modo contínuo os níveis de glicose intersticial, (2) um transmissor conectado (com ou sem fio) ao sensor e (3) um receptor exibindo dados de glicose. A tecnologia desses sensores depende de uma abordagem eletroquímica que usa a enzima glicose oxidase (GOx). Existem diferentes tipos de SMCG. Os SMCG, chamados de “SMCG em tempo real” (tR-SMCG), “SMCG terapêutico” ou “SMCG pessoal”, são os dados de glicemia intersticial exibidos em tempo real. O “SMCG retrospectivo” (retro-SMCG), “SMCG de diagnóstico” ou “SMCG profissional” ou “SMCG cega”, é caracterizado pela faculdade em analisar os padrões glicêmicos registrados em memória, no período da vida média do sensor, de forma retrospectiva. Recentemente, foi lançado o Sistema Flash de Monitorização da Glicose (SFGM), um sensor em tempo real que utiliza glicose oxidase e o elemento ósmio como transmissor de eletricidade. Nele, o pcte deve “escanear” ou passar o leitor por cima do sensor (que deve ser inserido na região posterior do braço).
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