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MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO VIII - NASCIMENTO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO A icterícia é uma das manifestações mais frequentes em recém-nascidos de todas as idades gestacionais. Ela caracteriza pele e mucosas amareladas, sendo definida como a concentração sérica de bilirrubina indireta (BI) > 1,5 mg/dL ou de bilirrubina direta (BD) > 1,5 mg/dL, sendo que esta deve representar 10% do valor da bilirrubina total (BT). No RN, a maioria dos casos de icterícia decorre de um aumento da fração indireta, ou livre, da bilirrubina (BI) e apresenta uma evolução benigna. Na prática, 85% dos RN a termo, e também a maior parte dos prematuros, desenvolvem icterícia clínica. Uma pequena parcela de pacientes, no entanto, que apresenta níveis MUITO elevados de BI, podendo desenvolver a encefalopatia bilirrubínica, complicação grave denominada kernicterus. O termo kernicterus é a forma crônica da doença, com sequelas clínicas permanentes por toxicidade da bilirrubina. No RN, a intensidade da icterícia deve ser verificada e é subdividida em leve, moderada e acentuada. Além da intensidade, os níveis séricos de bilirrubina relacionam- se com a progressão craniocaudal da icterícia, isto é, ela se inicia na face (zona I), quando os níveis séricos de bilirrubina se encontram pouco elevados. progride para o tórax até o umbigo (zona II), para o abdome (zona III), depois para os membros, excetuando os pés e as mãos (zona IV) e, finalmente, até a palma das mãos e planta dos pés (zona V), quando os níveis séricos de bilirrubina já se encontram bastante elevados. INCOMPATIBILIDADE Rh A icterícia pode decorrer do processo de incompatibilidade Rh entre mãe e filho. Quando a mãe apresenta Rh negativo e é sensibilizada por uma gestação com feto Rh positivo, que apresentam o antígeno D. Assim, ela produz anticorpos anti-D. Quando novamente a mulher engravida e o filho é Rh positivo, os anticorpos entrarão em ação e atacarão as células sanguíneas do feto, provocando icterícia. A intensidade da hemólise pode determinar formas leves da doença, formas moderadas e formas graves (como a hidropisia fetal). INCOMPATIBILIDADE ABO Caracterizada pela tipagem A ou B em RN de mãe O, seja Rh positivo ou negativo. Isso é mais encontrado na primeira gestação, com curso variável. A icterícia costuma aparecer nas primeiras 24 ou 36 horas de vida, e a hemólise pode ocorrer por até 2 semanas. O nível de BT pode atingir valores altos, como 20 mg/ dL. A anemia não é proeminente. Menos grave do que a incompatibilidade Rh, também exige cuidados. DEF. DA GLICOSE-6-FOSFATO DESIDROGENASE A G6-PD é uma enzima que vai, por meio de uma cascata bioquímica, promover um maior tempo de vida média dos eritrócitos, por protege-lo de processos de estresse oxidativo. Então, quando há falta ou deficiência dessa enzima e há algum tipo de processo oxidativo (como ingestão de alguns remédios), o eritrócito fica mais suscetível a hemólise, com consequente hiperbilirrubinemia associado a um fígado que não consegue conjugar, designando icterícia. A deficiência dessa enzima pode classificar a icterícia: A hemolítica aguda com rápida ascensão da BI desencadeada por agentes oxidantes (antimaláricos, infecção, talcos mentolados, naftalina, entre outros) e a hemolítica leve associada ao polimorfismo genético com expressão reduzida da glicuroniltransferase e conjugação limitada da bilirrubina, sem a presença de anemia. BI: Advém da degradação de hemácias BD: É formada pela conjugação de bilirrubina e ácido glicurônico no fígado. Ela sofre ação direta da bile no intestino sendo eliminada na forma de urobilinogênio. MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO VIII - NASCIMENTO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ICTERÍCIA FISIOLÓGICA Sob circunstâncias normais, o nível de bilirrubina indireta do cordão umbilical vai de 1-3 mg/dL, e sofre aumento inferior a 5 mg/dL/24h; assim, a icterícia torna-se visível no 2° ou 3° dia, em que atinge seu máximo até o 4° dia, com 5-6 mg/dL, caindo para menos de 2 mg/dL entre o 5° e o 7° dia de vida. Os níveis de BI nos RN a termo caem para os níveis do adulto (1mg/dL) com 10-14 dias de vida. Esse aumento da bilirrubina indireta se dá, pois, os RN produzem 2 a 3 vezes mais bilirrubina indireta que o adulto, por causa da maior quantidade de hemácias em seu sangue e o menor tempo de vida média delas (70 a 90 dias), mas também, pela transitoriedade do fígado, que está imaturo para conjugar a bilirrubina. Além disso, ausência da flora bacteriana e o aumento da beta-glicuronidase no intestino do neonato criam condições para o aumento da reabsorção de bilirrubina indireta para a corrente sanguínea. Cerca de 75% da bilirrubina no neonato é derivado do catabolismo de eritrócito. De maneira geral, 6-7% dos RN a termo apresentam níveis de BI > 12,9 mg/dL, e menos de 3% têm níveis > 15mg/dL. Se a icterícia surge em 24-36h de vida, é necessário que haja uma investigação, pois, a bilirrubina está se elevando em uma velocidade maior do que 5mg/dL/24h. DEFICIÊNCIA DE GLICURONILTRANSFERASE A UDP-glicuroniltransferase é uma enzima que trabalha no fígado e juntamente com outras enzimas consegue transformar a bilirrubina indireta em direta, conjugando-a com o ácido glicurônico. Desse modo, se há uma deficiência nessa enzima, a conversão não acontecerá e haverá uma sobrecarga de bilirrubina indireta no hepatócito e na corrente sanguínea. A atividade da glicuroniltransferase está muito reduzida no período neonatal, chegando a níveis de 0,1 % nos primeiros 10 dias de vida, subindo para 1% em relação ao adulto após essa idade, tanto em RN de termo como em pré-termo. A atividade de UDPG-T atinge níveis de adulto entre a 6ª e 14ª semanas de vida. Pode ser que na fase inicial de hiperbilirrubinemia, fase 1, nos primeiros dias a deficiência de glicuroniltransferase seja fator principal e que posteriormente a deficiência de ligandinas passe a atuar (fase 2). Quando há uma deficiência TOTAL da enzima, é originada a síndrome Crigler-Najjar do tipo 1, se há uma ausência parcial origina a doença do tipo 2. E ainda se há discreta alterações na enzima, há o surgimento da síndrome de Gilbert. ALEITAMENTO MATERNO Precoce - Esse tipo de icterícia se dá pelas problemas iniciais de amamentação como o déficit de ingestão, dificuldade na sucção e/ou pouca oferta láctea, com consequente perda de peso maior que 7% em relação ao peso de nascimento, às vezes acompanhada de desidratação, propicia o aumento da circulação enterohepática da bilirrubina (aumento da absorção) e a sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito. Tardia - É reconhecida geralmente após o final da primeira semana de vida; em RN saudáveis, em aleitamento materno exclusivo, podendo- se observar níveis elevados de bilirrubina até o final do primeiro mês, que podem perdurar até o segundo ou terceiro mês de vida. A causa é ainda atualmente controversa, mas parece estar associada a algum componente de determinados leites maternos: inicialmente, foi atribuída à presença de hormônios esteroides no leite humano que agiriam como inibidores da conjugação; a seguir, foi atribuída à presença de ácidos graxos insaturados com poderes também inibidores da conjugação e que estariam presentes em decorrência da atividade da lipase lipoprotéica no leite humano; a maior concentração da enzima beta-glicuronidase também foi encontrada no leite das mães de RN com esse tipo de icterícia. A participação da reabsorção da bilirrubina através da circulação enterohepática na fisiopatologia desse tipo de icterícia é comprovada, mas ainda o fator etiológico não é conhecido. IDADE GESTACIONAL Estudos mostraram que quando o RN nasce de 35-36 semanas de gestação é um risco para a hiperbilirrubinemia significativa,devido à baixa função hepática em conjugar a bilirrubina e a problemas de sucção e deglutição do leite materno (aumentando a circulação enterohepática). MARCELA DE CASTRO E CASTRO – MÓDULO VIII - NASCIMENTO, CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO IMATURIDADE HEPÁTICA Após o nascimento, o hepatócito deixa de receber sangue bem oxigenado através de veia umbilical, passando a receber sangue pouco oxigenado dos vasos portais, o que pode provocar diminuição da capacidade hepática. Além disso o fígado está passando pelo processo de transição da vida fetal dependente para a neonatal independente, tendo, ainda, deficiência em quantidade de enzimas e suas respectivas ações, provocando um acúmulo de bilirrubina indireta na circulação. A circulação enterohepática de forma resumida é dada por: BI é convertida em BD, no fígado, em seguida a BD é jogada na luz do intestino com a bile e lá, pela flora intestinal, é convertida em urobilinogênio, o qual é reabsorvido ou é eliminado pela urina, ou é transformado em estercobilinogênio e é eliminado pelas fezes. Entretanto, uma porção da BD é hidrolisada pela beta-glicuronidase e volta na forma de BI, que atravessa a mucosa intestinal e cai na circulação. JEJUM PROLONGADO O estímulo jejum em grandes intervalos de tempo vai promover a absorção da bilirrubina no intestino, sendo encaminhada e acumulada na corrente sanguínea. RETARDO DE ELIMINAÇÃO DO MECÔNIO Esse retardo, pela demora de eliminar o mecônio, pode ser por conta de alguma obstrução intestinal, e ele acaba levando ao aumento da circulação enterohepática com consequente hiperbilirrubinemia. OBSTRUÇÃO INTESTINAL A obstrução intestinal, que pode ter diversas causas, leva a uma diminuição da excreção da bilirrubina, assim ela é hidrolisada, aumenta a circulação enterohepática e cai na corrente sanguínea, causando icterícia. A encefalopatia é caracterizada por coloração amarela, à qual se segue necrose, preferencialmente nos núcleos da base (globo capazes de deslocar ou interferir na ligação com a pálido e núcleo subtalâmico, principalmente), hipocampo, cerebelo e núcleos dos nervos cranianos: vestibular, coclear e oculomotor. Essas localizações existem tanto nos RN a termo quanto nos pré-termo. A EB tem causas diversas, sendo as mais comuns: doença hemolítica por aloimunização, deficiência da G- 6PD e prematuridade. A EB é uma doença quase que exclusiva do período neonatal, havendo somente a exceção de quando ocorre a síndrome de Cliger-Najjar. O acometimento do SNC se dá pela bilirrubina indireta, que consegue ultrapassar a barreira hematoencefálica, pois nos primeiros dias de vida ela está mais permeável, e adentra a célula nervosa. Em casos de asfixia com redução do pH, foi visto que além de atuarem sobre a bilirrubina indireta, podem alterar a integridade das membranas celulares, auxiliando na entrada da bilirrubina. O Kernicterus possui um quadro clínico dividido em 4 fases: Fase 1- hipotonia, letargia, má sucção, choro agudo durante algumas Fase 2 - em que se instala hipertonia, com tendência à espasticidade, opistótono e febre. Fase 3 - de aparente melhora, em que a espasticidade diminui ou cede, e que se instala ao fim da primeira semana. Fase 4 - que incide, em geral, depois do período neonatal, aos dois ou três meses e consta dos sinais de paralisia cerebral por encefalopatia importância bilirrubínica, observando-se predomínio de perda da audição neurosensorial, distúrbios extrapiramidais e, mais raramente, rebaixamento do QI.
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