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1993 ESCOSTEGUY_Produção e uso dos espaços centrais à beira-rio em Porto Alegre

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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas 
Curso de Pós-Graduação em História 
 
 
 
 
Produção e uso dos espaços centrais à beira-rio em Porto 
Alegre (1809-1860) 
 
 
Luiz Felipe Alencastre Escosteguy 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial 
para a obtenção do grau de Mestre em História 
do Brasil, sob orientação da Prof.ª Dra. Núncia 
Santoro de Constantino. 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre 
1993 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Agradecimentos 
Este trabalho, realizado com suporte financeiro da CAPES, não teria sido possível 
sem um somatório de disponibilidades, esforços e afetos. É com prazer que expresso o 
meu reconhecimento. 
A Núncia Santoro de Constantino, que se desdobrou em orientação precisa e em 
amizade que enriquece. 
A Arno Alvarez Kern, a quem devo minha iniciação científica e muito do 
entusiasmo com a descoberta de novos velhos mundos. 
A Maria Lúcia Bastos Kern, pelo estímulo, apoio e exigência de rigor, todos 
igualmente necessários. 
A Carla Helena Carvalho Pereira e Rosana dos Santos Sanches que, muito mais 
que secretárias da Pós, foram companheiras de curso e de trabalho. 
A Miguel Antônio de Oliveira Duarte, Diretor do AHRGS e Secretário do 
IHGRGS, que tudo fez para facilitar a pesquisa. 
A Berenice Ana Toson e, em nome dela, à equipe, sempre disponível, do AHPA. 
Aos funcionários todos do AHRGS, onde me senti em casa. 
A Gilberto Flores Cabral e Günter Weimer, da Faculdade de Arquitetura da 
UFRGS, pelas informações prestadas. 
Maria Cristina dos Santos andava longe. Chegou no final. Como uma luz. Várias 
luzes. 
Por fim, porque sem eles não haveria um começo, porque foram participação 
constante, e por tudo de sólido que existe, a Francisco Silva Noelli, Helena Marisa Vianna 
Paiva, Leo Evandro Figueiredo dos Santos e Lizete Dias de Oliveira. 
 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
[Dedicatórias] 
Aos trabalhos 
Porto Alegre, Origem e Crescimento, de Francisco Riopardense de Macedo. 
Porto Alegre, Guia Histórico, de Sérgio da Costa Franco. 
Apropriação da Terra no Rio Grande de São Pedro e a Formação do Espaço 
Platino, de Helen Osório. 
Inspiradores deste. 
 
Abreviaturas 
AHPA – Arquivo Histórico de Porto Alegre 
AHRGS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul 
IHGRGS – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul 
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul 
 
Obs.: Versão com pequenas alterações feitas após a defesa perante a banca 
examinadora composta pela Prof.ª orientadora e pelos Professores Günter Weimer e 
Klaus Hilbert. 
 
Notas da transcrição: 
Transcrição realizada em agosto de 2018 por Pedro von Mengden Meirelles, com 
autorização do Autor. Atualizou-se a grafia, alterou-se a diagramação do texto, 
procurando manter a paginação original marcada entre colchetes – exemplo: [p. 13]. 
Algumas notas explicativas foram inseridas pelo transcritor e estão marcadas por N.T. As 
demais notas, quando não indicado, são do Autor. 
Índice de ilustrações1 
Figura 1: Aquarela de Tito Lívio Zambeccari................................................... 22 
Figura 2: Trecho da Planta feita em 1834. ........................................................ 36 
Figura 3: Planta elaborada em 1815 ................................................................. 37 
Figura 4: Trecho da Planta feita em 1834 para indicar os terrenos de marinha a 
serem aforados. ........................................................................................................... 41 
Figura 5: Planta da cidade de Porto Alegre, 1837 ............................................. 48 
 
1 Nota do Transcritor (doravante N.T.): Não existente no original. 
file:///C:/Users/Pedro/Documents/UFRGS/Doutorado/Tese/Textos%20a%20ler/Dissertação%20Escosteguy.docx%23_Toc523100968
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Figura 6: Planta da Cidade de Porto Alegre, 1839. ........................................... 49 
Figura 7: Planta do final da década de 1860 ..................................................... 61 
Figura 8: Gravura de meados dos anos 1860. ................................................... 63 
Figura 9: Meados da década de 1860. .............................................................. 64 
Figura 10: Arsenal de Guerra, Rua da Praia. .................................................... 65 
Figura 11: 1º Mercado, Doca e Ponte para Água. ............................................. 69 
Figura 12: Quadra da Rua da Alfândega entre a Praça do Paraíso e a Rua Uruguai
 ................................................................................................................................... 71 
Figura 13: Planta de uma parte da cidade de Porto Alegre, 1853 ...................... 73 
 
 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Introdução 
As Docas 
Os focos redondos espreitam de dentro da bruma. 
Aqui – o silêncio devora o ruído dos passos 
e, lá atrás, a cidade sombria se esfuma... 
 
O rio barrento se move pesado, 
encrespa os opacos reflexos nas ondas. 
E o asfalto parece de vidro molhado. 
 
Ao longo dos mastros se encolhem as velas. 
E agora, lá longe, no bairro das fábricas, 
acendem-se insones clarões nas janelas... 
 
Caem sombras compridas na zona das ilhas, 
adivinham-se, em cima, as estrelas... e o rio 
embala a amorosa indolência das quilhas... 
(de Poemas da minha cidade, 1936, Athos Damasceno Ferreira) 
 
 
Cadê o rio que estava aqui? 
(grafite no Muro da Mauá, 1990) 
 
[p.8] Dois que usam a palavra. Separados por poucos anos do mesmo século XX, 
postados à margem, entre o rio e a cidade. 
Um registra a paisagem que vê, industrial e eletrificada, em termos líricos e modos 
reticentes já em desacordo com a estética modernista do período. Mas aponta (ruas, um 
bairro ao longe, a cidade; e ilhas, mastros, ondas, o rio) para alguma coisa de temário 
deste trabalho. A zona limite entre terra e água. Entre as luzes, pavimentação e prédios 
da vida urbana e as velas, barro e sombra do mundo do rio. No poema de 1936, são 
mundos que se penetram. A bruma do rio rebrilha no asfalto, o ambiente edificado se 
reflete nas ondas. 
O outro, indignado e perplexo. Duro e seco como o que vê. Porque o que tem pela 
frente é um muro. Não [p. 9] vê o rio, e não escreve um poema a respeito. Não fala da 
cidade nem registra uma paisagem: interfere nelas. Um se demora a contemplar, 
transfigura a paisagem em palavras. O outro atira palavras no muro. Repõe onde esteve, 
não está, o rio, agora signo de rio. Faz da palavra a paisagem. 
E nem é a Avenida Mauá o lugar de contemplar. De perceber que o litoral norte 
da cidade é uma curva em direção ao bairro de Navegantes e às chaminés. Que já nem 
existem. E que para além desse bairro a paisagem se estende até o Rio dos Sinos, de onde 
fluíram muitos dos capitais que criaram as fábricas. Capitais que antes da industrialização 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
já haviam estimulado o comércio e o porto. Intensificado um processo de crescimento 
que exigiu de Porto Alegre, espremida entre um morro e um rio, o avanço sobre este.2 
No período posterior ao abordado por este estudo, Porto Alegre industrializou-se, 
e agora se desindustrializa. Surgiu em função do rio, mas agora está circundada por muro 
e diques que a protegem de eventuais transbordamentos do mesmo rio. Nos últimos anos, 
expressões tais como “Porto Alegre deu as costas ao rio” surgem com [p. 10] frequência 
em declarações, crônicas e reportagens. E, nesse
contexto, o chamado “muro da Mauá” 
foi promovido a ícone máximo da separação. 
Nos depoimentos de cronistas e viajantes do século XIX, referir-se a Porto Alegre 
era, em primeiro lugar, referir-se à sua inserção na paisagem circundante, com destaque 
para o Guaíba. Ao longo do século XX a cidade já se impõe ao ambiente natural, a 
complexidade da vida urbana vem para o centro das atenções, mas ainda a relação com o 
rio é presença constante nos depoimentos publicados. A partir da década de 1970, um 
outro ponto de vista – a percepção da vinculação privilegiada da cidade com o Guaíba – 
impôs-se a constatação de que se havia alterado a qualidade de tal vínculo. 
As manifestações mais recentes a respeito da questão expressam um sentimento 
de perda, que tem sido atribuído à interposição do muro entre o rio e a cidade. À procura 
de uma conexão especial perdida, assim parece Porto Alegre em relação ao Guaíba. Uma 
cidade como quem acorda no meio da noite e percebe que lhe escapa alguma referência 
essencial. Como uma personagem de Proust (1957:13), perdeu a planta do local onde 
adormecera: “e como ignorasse onde me encontrava, [...] nem mesmo sabia quem eu era”. 
[p. 11] A relação com o Guaíba, problematizada publicamente há alguns anos, 
está a exigir um estudo que forneça embasamento mais sólido a uma discussão que vem 
sendo travada sem conhecimento aprofundado da evolução histórica que conduziu à 
situação atual, ainda que estejam bem estabelecidas suas linhas gerais. 
Na década de 1970 completou-se o sistema de proteção contra enchentes, 
compostos de três trechos: 
1. Ao Norte, um dique de terra ao longo do Rio Gravataí e 
fronteiro ao Delta do Jacuí, até o centro da cidade. 
2. Outro dique, ao Sul, acompanha a margem do Guaíba, da Ponta 
da Cadeia ao bairro do Cristal. 
 
2 O centro da cidade (face norte) faz frente para a massa líquida do Delta do Jacuí. Mas ela será 
aqui designada como “rio” e como “Guaíba”, de acordo com a tradição e com o uso no período pesquisado. 
O Guaíba, que é um lago, banha só a face sul do promontório onde está o centro, que não será abordada. 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
3. Ao longo do centro (Av. Mauá), uma cortina de concreto 
armado faz a ligação dos dois diques. 
O muro ao longo da Av. Mauá é, pois, parte de um cinturão maior de defesa que 
inclui ao Norte a Av. Castelo Branco e o trecho inicial da autoestrada Porto Alegre-Osório 
e, ao Sul, a Av. Edvaldo Pereira Paiva (Beira-Rio), que correm sobre os diques. Mas o 
sistema de proteção não foi construído sobre as margens originais. O espaço urbano já 
vinha sendo ampliado mediante avanços sobre a água desde meados do século XIX. Nesta 
alteração das margens, quatro fases podem ser estabelecidas: 
[p. 12] 1. Do início do povoamento até meados do século XIX – Embora não 
haja descrições nem documentação cartográfica específicas da conformação inicial das 
margens, é plausível admitir que se mantiveram muito próximas à sua forma original. Há 
registros de pequenas alterações, sendo a mais notável a construção do trapiche da 
Alfândega, mas a documentação do início do século XIX refere-se ao litoral como 
constituído principalmente por praias e a escassa cartografia mostra uma linha irregular 
no limite terra/água. 
2. De meados do século XIX a 1912 – Iniciou-se o processo de aterramento de 
diferentes trechos do litoral, para finalidades tanto públicas como particulares. Na ponta 
do promontório construiu-se a Casa de Correção, que atribuiu ao local a designação de 
Ponta da Cadeia. Consolidou-se a Rua Sete de Setembro e foi iniciada a Rua Siqueira 
Campos. Foram construídos o 1º e o 2º Mercados Públicos e duas docas para seu 
abastecimento. No final do século XIX, uma das docas foi aterrada para dar lugar ao 
prédio da Intendência Municipal, hoje Prefeitura. Ao longo da Rua Voluntários da Pátria 
foi construída a estrada de ferro para Novo Hamburgo. No início do século XX, trapiches, 
em grande número, ocupavam quase totalmente a margem na área central e estendiam-se 
pela Rua Voluntários da Pátria. 
3. De 1912 a 1941 – Esta fase foi marcada por novos aterros para construção 
progressiva do cais do porto e seus armazéns. Os trabalhos abrangeram apenas o centro 
da [p. 13] cidade, definindo-se nesse trecho a conformação atual do litoral. Na área 
aterrada implantaram-se as avenidas Mauá, Sepúlveda e Júlio de Castilhos. Completou-
se a Rua Siqueira Campos e foram prolongadas todas as ruas que se dirigiam ao rio. 
Datam desse período edifícios significativos, como o da Usina Termoelétrica na Ponta da 
Cadeia e o conjunto de quatro prédios que ladeiam a Av. Sepúlveda, em frente ao pórtico 
principal do porto: Delegacia Fiscal (MARGS), Correios, nova Alfândega e Secretaria da 
Fazenda. Aterrada a outra doca do século XIX, no seu lugar foi construída a Praça Parobé 
pmeirelles
Sublinhar
pmeirelles
Sublinhar
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
e, no novo alinhamento da margem, novas docas foram feitas, as do poema de Athos 
Damasceno. 
4. De 1941 até a década de 1970 – Em decorrência da enchente de 1941 foi 
projetado o sistema de proteção da cidade. O cais do porto foi prolongado, com um aterro 
em direção a Navegantes e à foz do Rio Gravataí, ao Norte. O litoral sul recebeu aterro 
entre a Ponta da Cadeia e o Bairro do Cristal. Completou-se o sistema com a construção 
de diques sobre os aterros, ao Sul e ao Norte: no Centro, fez-se o muro ao longo dos 
armazéns do porto, isolando-os da área urbana. Datam desse período os parques Marinha 
do Brasil, Açorianos e Maurício Sirotsky Sobrinho; o estádio do Esporte Clube 
Internacional; a nova sede da Escola Técnica Parobé; o novo centro administrativo 
estadual e edifícios federais; a Estação Rodoviária; e obras viárias: trevo de acesso à 
travessia do delta do Jacuí; prolongamento da Av. Borges de [p. 14] Medeiros para o Sul, 
Av. Loureiro da Silva, Av. Castelo Branco e a autoestrada Porto Alegre-Osório. 
O que vem sendo apontado como separação entre Porto Alegre e o rio resulta, 
portanto, da expansão da área urbana para construção de equipamentos exigidos pelo seu 
desenvolvimento até a atual condição metropolitana. A alteração produzida sobre as 
margens é uma das faces da ampliação e concomitante reestruturação da área urbanizada 
no seu todo. Quanto ao centro da cidade, está bem estabelecida pela bibliografia a 
vinculação entre o acréscimo de áreas conquistadas ao rio e o crescimento da atividade 
comercial/portuária. Mas não há estudo especificamente dedicado ao tema, que dê conta 
das particularidades e dos diversos momentos desse processo. Os espaços à beira-rio 
foram tratados em algumas obras de caráter geral sobre a urbanização de Porto Alegre, a 
partir das quais foi estabelecida a delimitação do problema e a periodização acima 
apresentada. 
Edvaldo Pereira Paiva (1951), Abrão Hausman (1961, 1963), Aziz Ab’Saber 
(1966), Jean Roche (1966) e Francisco Riopardense de Macedo (1968) vinculam a 
expansão da área central de Porto Alegre à situação geográfica, às condições topográficas 
do sítio de implantação da cidade e ao crescimento do comércio/navegação, porém de 
uma maneira abrangente, em obras que tem por objeto a cidade no seu todo. [p.15] O 
estudo de Paul Singer (1968), tributário da tese de Roche (1969) sobre a concentração em 
Porto Alegre dos capitais acumulados pelo comércio das colônias alemãs, é referência 
importante, por explicar mecanismos econômicos relacionados à evolução urbana; Sérgio 
da Costa Franco (1983) também relaciona a atividade econômica, especialmente a 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
comercial, ao crescimento urbano e à ocupação da faixa de beira-rio; mas não são 
trabalhos dedicados expressamente à problematização
das manifestações espaciais. 
Duas obras tratam com alguma minúcia dos espaços específicos que formaram a 
área que se pretende estudar. Macedo (1973) estudo a constituição das atuais praças 
Quinze de Novembro e Montevidéu. Franco (1988), embasado em ampla pesquisa 
documental apresenta, nos verbetes de seu trabalho, a origem e desenvolvimento de cada 
um dos espaços que aqui serão tratados. 
O primeiro conjunto de obras trata do assunto na sua generalidade, enquanto as 
duas últimas abordam a particularidade de diversos espaços. Mas nenhum dos trabalhos 
mencionados tem o objetivo de tematizar em conjunto os espaços de beira-rio no centro 
da cidade e a um só tempo evidenciar os nexos entre esse conjunto e os espaços 
específicos que o compõe. 
[p. 16] Embasado em leituras preliminares de fontes bibliográficas, o projeto de 
pesquisa propunha como marco cronológico inicial o começo da efetiva expansão da 
cidade sobre o Guaíba. Nessa fase, terminada a Revolução Farroupilha e estimulada pelo 
ingresso das colônias alemãs em uma etapa de comercialização de seus produtos, Porto 
Alegre entrou em um período de prosperidade e crescimento demográfico, com a 
consequente necessidade de maiores e mais diferenciados espaços. O trabalho versaria 
sobre o período acima mencionado como fase 2 na evolução das interferências sobre as 
margens – De meados do século XIX a 1912. E, dentro dessa fase, havia sido como 
estabelecido como limite final o ano de 1889. Visava-se com isso à concentração do 
estudo em processos anteriores à industrialização que Porto Alegre experimentou após 
1890. 
A dinâmica da pesquisa levou a uma modificação do marco temporal. A coleta de 
dados, iniciada por documentos do ano de 1844, revelou os registros de uma disputa a 
respeito de um terreno à beira-rio, em frente à desembocadura da atual Rua General Bento 
Martins, posto à venda pela Câmara, em 1832. A propriedade sobre ele havia sido 
concedida ao Município, em 1809, pelo governo da Capitania, em nome da Coroa, e o 
assunto tivera desdobramentos importantes em 1824, quando uma parte maior do litoral 
do centro da [p. 17] cidade havia sido também doada à Câmara, pelo governo provincial. 
O conhecimento de processos anteriores a 1845 revelou-se então fundamental para 
as finalidades do estudo. Percebeu-se a oposição entre a Câmara, pretendendo alienar um 
terreno público, e o proprietário de um estaleiro que utilizava esse terreno. Proeminentes 
negociantes da cidade uniram-se na contestação à legalidade da venda. A câmara 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
pretendia vender o terreno a particulares, mas os negociantes, em nome do bem público, 
opunham-se à alienação, para que um deles continuasse a desfrutar do terreno para sua 
atividade comercial. Em função disso, a pesquisa retrocedeu a 1809, permitindo perceber 
que estavam em ação, na primeira metade do século XIX, determinações essenciais para 
a constituição dos espaços à beira-rio, naquela e em outras áreas da cidade, e não 
poderiam ser desconsideradas. 
O primeiro registro oficial do avanço da cidade sobre o rio refere-se à construção 
de uma doca para o primeiro Mercado Público, na década de 1840. O processo 
intensificou-se e tomou uma diretriz definida na década seguinte. Portanto, meados do 
século é uma caracterização aceitável para uma nova fase das relações espaciais 
estudadas. Mas é propósito do trabalho estudar não só a expansão sobre o Guaíba, como 
também o processo, mais amplo, de constituição da [p. 18] faixa ribeirinha do atual centro 
da cidade no seu conjunto. Isso inclui os espaços previamente estabelecidos sobre a 
margem original do rio, a partir dos quais foram produzidos os outros. Por tal motivo, a 
periodização adotada incluiu também parte da primeira das fases estabelecidas, anterior 
ao avanço sobre o Guaíba mediante aterros. 
O marco final do período também decorre dos próprios processos abordados. No 
início da década de 1860, além de ter havido a definição do projeto do atual Mercado 
Público em área conquistada ao Guaíba, completou-se um conjunto de modificações que 
dotaram a cidade de um primeiro agenciamento unitário do litoral, no trecho entre a Praça 
da Alfândega e a Praça da Harmonia, com um cais ao longo da Rua Sete de Setembro. 
O estudo contempla apenas a face norte do promontório que abrigou o núcleo 
inicial do povoamento. Nela se instalaram as atividades comerciais e portuárias, além da 
maior parte dos mais significativos prédios e espaços públicos da cidade no período 
estudado. Tomou-se como limite dessa face norte a extremidade oeste do promontório, 
desembocadura da Rua Duque de Caxias, ou Ponta da Cadeia. Por limite leste foi adotada 
a atual Rua Barros Cassal, definida como limite urbano em 1831 e que se manteve até o 
final do período como extremidade da zona mais densamente edificada. A faixa assim [p. 
19] definida é, com pequena diferença, a hoje acompanhada pelo muro ao longo da Av. 
Mauá. 
Uma hipótese orientou a investigação: a relação de Porto Alegre com o Guaíba, 
no trecho estudado do litoral, sempre foi determinada por razões utilitárias. O porto, o 
comércio, construção naval, abastecimento de água e disposição de lixo e dejetos foram 
as atividades que a cidade priorizou na sua convivência com o rio. A situação atual seria 
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Sublinhar
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o coroamento de ações motivadas pelas necessidades econômicas de uma cidade 
comercial. 
O objetivo central foi investigar a produção dos espaços á beira-rio da atual área 
central de Porto Alegre. Tomando como base os espaços já estabelecidos na primeira 
década do século XIX, pretendeu-se identificar: 
a) As modificações que estes sofreram; 
b) A produção de novos espaços mediante conquista de áreas ao rio; 
c) Os agentes sociais envolvidos em tais processos, assim como relações que se 
estabeleceram entre as instâncias do poder público e interesses privados na definição da 
propriedade sobre o solo urbano e no uso dos espaços produzidos. 
[p. 20] A documentação utilizada só dá acesso ao mundo do poder público e ao 
mundo dos proprietários e a esses mundos se circunscreve basicamente o estudo. Os livres 
pobres, os libertos e os escravos mal comparecem aqui. Recibos de pagamentos de obras 
mencionam ou permitem perceber trabalhadores escravos, convivendo nas mesmas 
empreitadas com trabalhadores livres; uma ou outra viúva pobre é mencionada ou chega 
a requerer algo; a praia do Arsenal é tida como local de pobreza na cidade; mas são 
referências por demais externas a esses grupos, e não parte deles a decisão sobre a 
conformação dos espaços urbanos. 
Embora identificando agentes e suas relações, elegeu-se como foco central de 
investigação os espaços, não a sociedade que os produziu e vivenciou, o que exigiria uma 
pesquisa com outra característica. A produção de espaços, ainda que enfocada ela ótica 
específica de suas resultantes físicas, é um processo social e quanto mais amplas e 
pertinentes determinações sociais forem adotadas como fatores explicativos, mais se 
conseguirá dar conta do conjunto de fenômenos que é a espacialidade de uma sociedade. 
Mas entende-se que os espaços, em si mesmos, podem ser tomados como objeto de 
abordagem histórica, em uma pesquisa que pretende realizar o mapeamento de um tema. 
O estudo atém-se ao campo do que Georges Duby chamou de estruturas materiais, cujo 
estudo, no entanto, é necessário à construção do todo [p. 21] complexo que é a História 
Social. O autor recomenda, como indispensável, 
[...] que previamente sejam reunidas todas as indicações que 
permitem reconstituir os componentes do espaço que os homens 
ocuparam, organizaram e exploraram, perceber o sentido aos
diversos movimentos que determinaram a evolução do 
povoamento, definir o nível das técnicas de produção e de 
comunicação, compreender o modo pelo qual se encontravam 
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divididas as tarefas, as riquezas e os lucros e como foram 
utilizados os excedentes (Duby, 1979:130). 
O que se propõe é uma parte do estudo possível sobre a evolução histórica da 
relação espacial entre Porto Alegre e o Guaíba. Isso, por sua vez, enquadra-se na história 
da evolução urbana de Porto Alegre e pretende contribuir para o campo, ainda limitado, 
da história da urbanização do Rio Grande do Sul. A natureza desta etapa é 
predominantemente descritiva: seleção e sistematização da matéria documental, que se 
entende base necessária a posteriores estudos de caráter explicativo. Pode também ser 
caracterizada como construção do objeto empírico da investigação: destacar, no processo 
de urbanização de Porto Alegre, uma determinada unidade espacial e seus segmentos 
específicos, e acompanhar a sua constituição durante um período selecionado. 
[p. 22] O primeiro capítulo trata dos antecedentes dos processos estudados. Uma 
breve revisão da formação espacial do Rio Grande do Sul durante o século XVIII é 
necessária à compreensão da crescente importância adquirida por Porto Alegre na 
organização daquele espaço. Destacam-se certas características do regime de apropriação 
do solo e do sistema de concessão das terras, que terão reflexos posteriores. A 
configuração espacial da vila na primeira década do século XIX é apresentada 
sinteticamente, detectando-se segmentos específicos que compõe a área à beira-rio. 
No segundo capítulo, estuda-se as modificações da área até a interrupção no 
desenvolvimento urbano causado pela Revolução Farroupilha. Acompanha-se as ações 
de que foram objeto os segmentos espaciais delimitados no capítulo anterior, buscando 
definir os agentes envolvidos, seus conflitos de interesses e as determinações legais e 
administrativas que incidiram sobre tais ações. 
O terceiro capítulo aborda, no que afeta mais diretamente a Porto Alegre, as 
alterações do espaço provincial e as modificações que experimentou a economia gaúcha 
nos meados do século XIX. Após, são retomados os segmentos espaciais estabelecidos e 
acompanha-se as alterações que sofreram no quadro da nova situação, que passou a exigir 
[p. 23] uma intervenção mais efetiva sobre a conformação do litoral e o acréscimo de 
áreas mediante aterros sobre o Guaíba. 
Foram utilizados como fontes os seguintes conjuntos documentais: 
a) Grupo Construção e Melhoramentos do Município, do 
Fundo Câmara Municipal do AHPA. São requerimentos de 
particulares referentes à ocupação de terrenos, bem como ofícios 
e pareceres dos Fiscais, Advogados e Procuradores da Câmara. 
Inclui também cópias de correspondência recebida do governo da 
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Destacar
pmeirelles
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Província. No texto, cada documento está referenciado como: 
(AHPA/CMM, data). 
b) Correspondência enviada pela Câmara ao governo da 
Capitania e depois Província, reunida no Fundo Autoridades 
Municipais do AHRGS. Referência no texto: (AHRGS/AM, 
data). 
c) Fundo Obras Públicas do AHRGS, composto de 
documentação produzida por engenheiros a serviço do governo 
da Capitania e Província. Referência: (AHRGS/OP, data). 
d) Documentos da série Marinha, do Fundo Exército, Marinha 
e Guarda Nacional do AHRGS: ofícios enviados ao governo 
provincial pelas autoridades da Marinha Nacional sediadas em 
Porto Alegre. Referência: (AHRGS/Mar, data). 
e) Relatórios e Falas dirigidos pelos Presidentes da Província e 
Vice-Presidentes em exercício tanto a seus sucessores como à 
Assembleia Provincial. Para os anos [p. 24] 1829-1847 foi 
consultada a publicação feita por Roche (1961). Os relatórios e 
falas do período 1848-1889 foram consultados nas coleções 
existentes no AHPA, AHRGS e IHGRGS. 
f) Cópias de plantas da cidade existentes no AHPA, AHRGS e 
IHGRGS. 
g) Depoimentos publicados por cronistas, funcionários e 
viajantes, relacionados nas Referências Bibliográficas. 
h) Fotografias existentes no AHRGS. 
i) Coleção incompleta do jornal CORREIO DO SUL (década de 
1850) existente no IHGRGS. 
 
Toda essa informação refere-se ao século XIX. Para a relativa ao século XVIII, 
no Capítulo 1, foi utilizado apenas material bibliográfico, com a exceção do Livro de 
Registro de Datas de Terras, Porto Alegre, 1772-1789, nº 121, consultado no AHRGS 
para dirimir uma dúvida sobre as circunstâncias do traçado inicial da vila. Dois 
importantes fundos documentais, conservados no AHPA, não foram consultados: as Atas 
da Câmara e a Correspondência Passiva da mesma Câmara (correspondência recebida 
dos governos da Capitania e Província – e que é a contraparte do Fundo Autoridades 
Municipais do AHRGS). Informações constantes desses fundos foram utilizados através 
de citações feitas por Sérgio da Costa Franco. 
 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Capítulo 1: Século XVIII e a 1º década do século XIX 
[p. 28] Porto Alegre na primeira década do século XIX é o tema deste capítulo. O 
estudo da ocupação e alterações da faixa de beira-rio a ser desenvolvido ao longo do 
trabalho exige uma descrição da configuração espacial da vila no início do século. 
Preliminarmente, porém, é necessário que sejam estabelecidos alguns marcos definidores 
do papel por ela representado durante o processo de formação do espaço do Rio Grande 
do Sul. 
A localização de Porto Alegre e, portanto, a escolha do sítio que serviu de base ao 
espaço urbano, foi condicionada por razões de ordem política e militar. Exceção feita aos 
primitivos sesmeiros, que aí se instalaram como em todos os campos disponíveis para a 
criação de gado, os primeiros ocupantes de que se tem registro, militares e agricultores, 
foram trazidos por iniciativa governamental, em função de objetivos estratégicos: a 
demarcação de limites após [p. 29] o Tratado de Madri e a pretendida colonização por 
Portugal de seus novos territórios nas Missões. 
O contexto geográfico mais imediato da cidade é o dos baixos cursos dos rios 
Jacuí, Caí, dos Sinos e Gravataí. Os quatro rios juntam-se em uma desembocadura 
comum, em frente a uma barreia formada por elevações do Escudo Rio-Grandense. As 
águas reunidas atravessam essas elevações, em um trecho com pouco mais de 50 km, em 
direção à laguna dos Patos. Nele se dá a transição entre o sistema fluvial e a laguna, 
através da qual se dirigem ao mar. 
A caracterização geográfica desse trecho de transição deu margem a discussões – 
rio, ria, estuário, lago. O nome dado a ele também teve uma história de hesitações, que os 
textos setecentistas e do início do século XIX permitem rastrear. Mas acabou por se fixar: 
Guaíba. E embora seja um lago pela caracterização atualmente aceita, a tradição 
consagrou chama-lo Rio, bem como chamar Lagoa à laguna dos Patos (Oliveira, 1979:25-
50; Vieira, 1984:115-24). 
As elevações entre as quais se situa projetam sobre o Guaíba, especialmente na 
sua margem leste, vários promontórios rochosos. Porto Alegre instalou-se na encosta 
norte do mais setentrional desses promontórios, em frente à área deltaica da foz dos quatro 
rios, ou Delta do [p. 28] Jacuí. Aí, as águas, ao encontrarem a base granítica do morro, 
cavaram o porto (Macedo, 1968:48). O sistema fluvial e o lagunar permitem diferentes 
calados – diferentes tonelagens de carga e diferentes embarcações. A povoação instalada 
neste ponto tornou-se escala de transportes, interrupção obrigatória nos fluxos de carga e 
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passageiros. Com
a densificação do território e ampliação da atividade econômica, o 
posto militar e base provisória de agricultura transformou-se em local de intermediação e 
comércio. 
As atividades de embarque e desembarque, necessárias a um comércio realizado 
por via quase totalmente marítima e fluvial, situaram-se junto ao local mais favorável ao 
atracamento. Porém, formado do encontro de rios com um morro, junto a ele havia apenas 
uma estreitíssima faixa de terreno plano. 
 
1.1 Uma posição de destaque: 
No início do século XIX Porto Alegre era um núcleo povoado muito pequeno. A 
população era de 3.927 habitantes em 1803. Como o número refere-se à totalidade da 
freguesia de N. Sra. Madre de Deus, inclui também a população rural (FEE, 1981:49). 
Não é possível estimar a população da [p. 29] sede da paróquia, então chamada 
correntemente de Vila, embora o estatuto oficial só viesse a ser atribuído em 1809. 
Um documento enviado ao Reino em 1804, pelo Sargento-Mor Domingos 
Marques Fernandes, permite avaliar as dimensões físicas da vila. Porto Alegre tinha 
apenas sete ruas com edificações. As três principais eram paralelas à margem e ao espigão 
do promontório: uma ao longo da margem, outra à meia encosta e a terceira sobre o 
próprio espigão. Quatro transversais a essas faziam a ligação entre o espigão e a beira do 
rio (Fernandes, 1961:36-7). De acordo com a informação, apenas o trecho central da 
encosta norte do promontório tinha uma ocupação caracterizada. Essa área estava 
exatamente centralizada pelo local do desembarcadouro, onde se instalou a Alfândega e 
em seguida foi construído o trapiche oficial. 
Era um pequeno núcleo. Destacava-se, no entanto, em relação aos demais da 
Capitania, pela situação geográfica, em um ponto chave do sistema de navegação, e pela 
condição de sede do governo desde 1773. Essas duas peculiaridades estiveram na base do 
ininterrupto descimento de sua população e área urbanizada. A Alfândega, instalada em 
1804, veio juntar-se a outros órgãos do Estado: “corpo da guarda”, “quartéis de soldados”, 
“casa da fazenda real”, “palácio do governador” e “justiças ordinárias de jurisdição [p. 
30] real” (Fernandes, 1961:36-7). Funcionava também em Porto Alegre a Câmara de Rio 
Grande, a única da Capitania, que fora forçada a mudar-se daquela vila em 1763, e de 
Viamão em 1773, sempre acompanhando o Governador/Comandante Militar e a 
Provedoria da Fazenda Real. 
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Máquina de escrever
1804
Poa com apenas sete ruas
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A situação geográfica fazia de seu porto escala entre a navegação da Lagoa dos 
Patos e a da malha fluvial tributária do Rio Jacuí. A navegação da bacia do Jacuí atendia 
a povoados ribeirinhos e a uma população rural produtora de gêneros de subsistência, 
assim como de trigo para exportação. Pela Lagoa dos Patos efetuava-se a ligação com o 
porto marítimo de Rio Grande e com o exterior. 
Nessa época Porto Alegre controlava o comércio de importação para os 
agricultores e núcleos povoados da bacia do Jacuí. Em 1809, logo após a abertura do 
Brasil ao comércio não-português, aqui esteve o comerciante inglês John Luccock. 
Relatou que parte das importações da Capitania destinava-se à região em torno de Rio 
Grande, mas “uma parte maior seguia pela Lagoa dos Patos acima até Porto Alegre e os 
rios que ali desaguam” (Luccock, [1820] 1975:122). E assim se referiu à vila: “Como 
capital, sua influência é larga; como centro comercial, é chave de uma grande extensão 
de território e de muitos rios navegáveis” (Luccock, 1975:152). 
[p. 31] Além desses fatores, um terceiro deve ser mencionado. A sucessão de 
conflitos pela definição das fronteiras esteve entre as determinações fundamentais na 
formação da estrutura social rio-grandense e da sua organização no espaço. Em Porto 
Alegre, além da própria origem do núcleo urbanizado, que se deveu diretamente a 
acontecimentos de ordem militar, a contínua presença de tropas e órgãos militares foi um 
fator de não pequena influência tanto sobre o comércio como sobre a organização e 
atuação do poder público. Incidia também, por isso, sobre os processos espaciais que 
serão estudados. 
Os sucessos militares relacionados à demarcação das fronteiras definidas em 1750 
entre Portugal e Espanha estiveram, como se sabe, diretamente ligados à origem do núcleo 
urbanizado.3 Mas é importante registrar que os episódios relacionados ao Tratado – 
convocação de colonizadores; Guerra Guaranítica; estacionamento de tropas e 
estabelecimentos de açorianos no local da futura Porto Alegre e ao longo do Baixo Jacuí 
– constituíram apenas uma das conjunturas de um longo processo, o de apropriação 
ibérica da Bacia Platina e áreas a ela relacionadas. Desse processo cabe rever alguns 
aspectos que encaminhem à apropriação, [p. 32] produção e uso do solo e dos espaços na 
área central de Porto Alegre.4 
 
3 O artigo Porto Alegre (origem do agrupamento urbano), de Paulo Xavier ([1957] 1975), é a 
obra que aborda com maior clareza a questão. 
4 No que se refere à organização do espaço do Rio Grande do Sul, a síntese a seguir apoia-se 
basicamente nos seguintes autores: Sebalt Rüdiger (1965); Helen Osório (1990); Vera Lúcia Maciel barroso 
(1992). 
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1.2 O Continente 
O promontório em frente ao Delta do Jacuí, em 1752, primeiramente base de apoio 
da Expedição Demarcadora de Gomes Freire de Andrada em direção às Missões, assim 
como local de instalação provisória de colonos açorianos. Em seguida, tornou-se ponto 
intermediário entre o núcleo fortificado de Rio Grande e o que foi criado em Rio Pardo, 
duas bases fronteiriças do Império Português no Sul. E era a extremidade oeste de uma 
porção de território conhecida como Campos de Viamão. A conjuntura referida alterou 
subitamente a sua importância, mas não foi o início do seu povoamento. Desde mais de 
vinte anos fazendeiros vinham ali se estabelecendo e requerendo sesmarias, bem como 
nos vizinhos Campos do Tramandaí, no litoral. Os campos entre o Tramandaí e o Guaíba 
foram os primeiros a terem suas terras apropriadas no Rio Grande de São Pedro. 
[p. 33] Vera Lúcia Maciel Barroso, acompanhando uma interpretação de 
Laudelino Medeiros (ver Medeiros, 1959:21 e [1964] 1969:93-4), distingue três fases no 
processo de ocupação europeia e urbanização do espaço do Rio Grande do Sul.5 A “fase 
da instalação” estende-se até a conquista das Missões em 1801, que definiu a fronteira 
oeste do Rio Grande. É caracterizada com base em quatro variáveis: 
a) A pecuária, origem de um povoamento extensivo e da rede de 
núcleos urbanos irradiados a partir de Rio Grande; 
b) A concessão de sesmarias, prática pela qual a Coroa 
portuguesa, legalizando os latifúndios, avançou na posse do 
território, disputado à Espanha; 
c) A militarização “através de fortes, presídios, guardas e 
acampamentos militares, núcleos iniciais de muitos povoados”; 
d) A colonização açoriana, com povoamento intensivo, pequenas 
propriedades e produção agrícola (Barroso, 1992:36-9). 
No caso de Porto Alegre todas essas variáveis atuaram. Estiveram no início de um 
processo que, [p. 34] a partir de um território desocupado,6 levaria a uma situação de tal 
subdivisão do solo em meados do século XIX, que uma faixa de terreno de 6 palmos (1,32 
m) de largura chegaria a ser objeto de requerimento à Câmara Municipal e de deliberação 
por parte desta (AHPA/CMM 2.3.1857). 
 
5 Século XVIII: “fase da instalação”; século XIX: “fase da organização”; século XX: “fase da 
expansão”. 
6 Testemunhos arqueológicos evidenciam ocupação humana há pelo menos 9.000 anos na região 
próxima a Porto Alegre. Mas os Guarani, últimos ocupantes
indígenas, já não habitavam a região no início 
do século XVIII. 
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Porém, como foi visto, não só a região povoada a partir de Rio Grande teve sua 
ocupação determinada pela pecuária. E não foi por ali que o processo teve início. A área 
onde está hoje a maior parte de Porto Alegre foi uma das primeiras do Rio Grande do Sul 
a ser objeto de apropriação privada. Ao requerer seu título de sesmaria em 1740, Jerônimo 
Dornelles Menezes afirmava que já há oito anos aí estava estabelecido com fazenda de 
gado (Antunes, 1940:1041; Xavier, 1975:108). Foi-lhe concedida a legalização da posse 
sobre uma área que se estendia do Guaíba ao Morro Santana e Arroio Dorneles/Feijó (na 
direção Leste/Oeste), e do Rio Gravataí ao Arroio Dilúvio, na direção Norte/Sul. 
Por volta de 1732 não apenas Jerônimo Dornelles, mas vários vizinhos seus, 
tropeiros provenientes de São Paulo e Laguna, já ocupavam terras nos Campos de 
Viamão, até as margens do Guaíba e do Rio dos Sinos (Borges [p. 35] Fortes, 1938:13; 
Spalding, 1940:86; Tupi Caldas, 1940:1535). Tal ocupação decorria da anterior atividade 
de simples apropriação de gado muar e vacum das vacarias jesuíticas espanholas para a 
venda, feita em São Paulo, ao mercado das Minas – e que continuava a existir – mas 
criava agora uma nova realidade. 
A apropriação e o transporte do gado haviam incorporado à economia colonial de 
órbita portuguesa os campos litorâneos entre Laguna e a Colônia do Sacramento. Mas era 
espaço ainda apenas de passagem e pouso temporário dos tropeiros e de sua mercadoria. 
Em 1731 foi aberto um caminho para São Paulo, por Curitiba, subindo ao Planalto. Isso 
valorizou os Campos de Viamão, ao pé da serra e na rota para o Norte. Agora, com a 
ocupação permanente por vários desses tropeiros, o espaço aos poucos se estruturava: 
definiam-se possuidores das terras e limites entre as terras possuídas; normas originadas 
na Europa passavam a incidir sobre ele, regulando sua apropriação e usos. O espaço 
passava a ser subdividido, mensurado, adquiria valor de troca. 
A atividade econômica, ainda cumprindo função subsidiária à economia mineira, 
central da Colônia, passava por uma modificação: começava-se a cuidar da reprodução 
do gado. Em decorrência da fixação, a paisagem [p. 36] começava a ser alterada – 
derrubada de árvores, cultivo da terra e plantio de pomares (com a introdução de plantas 
europeias) e construção de cercas e prédios. 
O processo não foi tão linear e definido como a rápida síntese acima pode dar a 
entender. Helen Osório (1990:70-83) enfatiza o desinteresse inicial a respeito da 
demarcação e cultivo das terras, uma vez que o objeto de valor econômico era então o 
gado. E apresenta dados que atestam a ainda escassa população dos campos de Tramandaí 
e Viamão no final da década de 1740. A terra ocupada por Jerônimo Dornelles na década 
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de 1730 permitia, no entanto, uma clara delimitação, devido aos marcos geográficos já 
citados. E também é possível constatar que os vizinhos estão perfeitamente 
individualizados na carta de concessão. Foi em parte dessa instância que se instalaram os 
agricultores que deviam seguir para o território das Missões. 
Em 1772, já vendida a outro proprietário, a estância foi desapropriada pela 
Fazenda Real para ser dividida entre os açorianos ali precariamente instalados por vinte 
anos. O Auto da Avaliação possibilita conhecer com bastante minúcia parte das 
modificações sofridas por aquele espaço desde sua ocupação inicial em 1732: “cento e 
vinte e sete laranjeiras”; “cinco limoeiros”; “nove pés de marmeleiro”; “duzentos e 
sessenta pés de pessegueiro”; “cem [p. 37] pés de figueira”; “quatro pés de cidreira”; 
“uma casa grande nova de telha [...] em que está a atafona”; “um rancho de capim”; “uma 
senzala de telha”; “uma casinha de telha”; “um rancho de hóspedes”; “uma casa de 
vivenda do dono da fazenda”; “um curral [...] com chiqueiro coberto e queijeira”; 
“benfeitorias da horta, que é de cercas”; “um rincão fechado de cerca nova”; “um roçado 
grande e novo”; “três roçados grandes que levam nove alqueires de trigo”; “um rancho 
com duas portas e um curral com 60 braças de cerca ao pé do passo”.7 Essas eram as 
modificações devidas à atividade da estância, cuja sede estava localizada na extremidade 
leste da terra, junto ao Morro Santana e ao atualmente denominado Passo do Dorneles. 
Sobre a outra parte das alterações resultantes do estabelecimento dos ilhéus, e que 
são as diretamente relacionadas à origem do núcleo urbanizado, há muito pouca 
informação publicada. Os documentos da Expedição Demarcadora dos limites 
estabelecidos em 1750 permitem saber que, em 1754, já havia na beira do Guaíba um 
arraial de ranchos de capim (Xavier, 1975:110). Mas a vida desses colonos, o tipo de 
ocupação que teriam feito nas terras da estância e a evolução física do povoado que 
constituíram no [p. 38] promontório sobre o Guaíba, entre 1752 e 1772, ainda não foram 
objeto de estudo específico. 
A esse respeito, Augusto Porto Alegre (1906) veiculou dados que estão à espera 
de estudo dedicado especificamente ao período, mas que convém enumerar, pois são 
repetidos por historiadores e divulgadores, apesar de fornecidas por aquele autor sem 
nenhuma citação de fonte: 
 
7 Transcrição do Auto de Avaliação emitido pela Provedoria da Fazenda Real em 18/07/1772. Ver 
Porto Alegre (1906: notas p. XI). 
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a) O povoamento teria começado pela extremidade do 
promontório, local antigamente conhecido por Praia do Arsenal, 
hoje Rua Gal. Salustiano (p. 22); 
b) O primeiro palácio do governo teria sido construído junto à 
mesma Praia do Arsenal, no início da Rua da Praia (Notas, p. VI); 
c) O segundo palácio, no local do atual, teria sido construído em 
1789 (Notas, p. VI); 
d) Um templo teria sido erigido logo após a chegada, em 1752, de 
Frei Faustino de Santo Alberto, nomeado capelão dos saldados e 
dos casais em 1753 (p. 27); 
e) Teria existido um primitivo cemitério próximo à Praia do 
Arsenal, depois transferido pelo primeiro capelão para o local da 
Praça da Matriz (p. 85). 
O espaço urbano de Porto Alegre no século XVIII é assunto ainda inteiramente 
aberto à pesquisa. Isso se pode exemplificar com outro momento importante na sua [p. 
39] constituição, o da demarcação dos lotes de terra para os ilhéus em 1772. Nessa ocasião 
teria sido demarcado também o espaço da vila, teria sido determinado o local da praça no 
ponto mais alto do promontório e teriam sido traçadas as primeiras ruas. E teria sido 
também elaborada uma planta do novo arruamento, planta que teria sido perdida 
(Macedo, 1968:52-55; Porto Alegre, 1906:141). Mas os trechos de documentos 
transcritos tanto por Porto Alegre e Macedo, quanto por Tupi Caldas (1940:1555), em 
que Macedo se baseia, referem-se a datas rurais e não ao espaço da vila e terrenos 
urbanos.8 
São conhecidos documentos sobre a demarcação das datas agrícolas e do 
logradouro da vila, atual Parque Farroupilha (Antunes, 1940:1056). Mas nada na 
documentação até agora publicada autoriza afirmar que o espaço urbano, com seus lotes, 
ruas e praças tenha sido traçado pelo Capitão Alexandre Montanha, como vem sendo dito 
e repetido, embora isso seja muito provável, e tenha ocorrido com outros núcleos 
instalados na época.9 
No final do século, o espaço do Rio Grande do Sul estava bastante alterado em 
relação [p. 40] ao início da década de 1730, quando a porção portuguesa do território se 
limitava à faixa litorânea e aos Campos de Viamão e só nestes havia uma penetração para 
o interior com efetiva apropriação das terras, tendo por limite ocidental a foz do
Rio Jacuí. 
 
8 Ver no AHRGS o Livro de Registro de Datas de terras, Porto Alegre, 1772-1789, nº 121. 
9 Macedo (1968:54) republicou uma planta originalmente publicada por Antunes (1940:1069), em 
que se lê “Porto Alegre nos fins do século XVIII”. Macedo negou a autoria da planta ao Cap. Montanha e 
ao ano de 1772, mas foi mal interpretado e a planta hoje passa por ser reprodução do original. 
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A partir de 1737 deu-se a ocupação militar e a distribuição de terras na região em torno 
de Rio Grande. A apropriação privada e estatal (Estância Real do Bojuru) da faixa 
litorânea, até alcançar os Campos de Viamão, unificou as duas áreas ocupadas. 
Após 1752, desde a base estabelecida pela ação estatal no promontório sobre o 
Guaíba, a ocupação avançou para Oeste pelo baixo vale do Jacuí. O processo tomou 
impulso com a anexação espanhola da Colônia de Sacramento, em 1762, e de Rio Grande 
e seu entorno em 1763, que provocaram um grande deslocamento de população. O 
despovoamento do Sul concentrou a população, a atividade econômica e todo o aparelho 
de Estado na região que tinha como foco de organização Viamão e seu porto, já então 
chamado de Porto dos Casais. 
A distribuição de terras, mediante a concessão de sesmarias, intensificou-se depois 
de 1780, para efetivar a ocupação do novo território definido pelo Tratado de 1777. Assim 
foi ocupada a região da Serra do [p. 41] Sudeste – entre o Vale do Jacuí e o entorno 
reconquistado de Rio Grande. Desbordando a fronteira estabelecida, com conivência das 
autoridades portuguesas, a apropriação das terras avançou também sobre território 
atribuído à Espanha. Conquistaram-se, a Sudoeste da linha de fronteira, os campos até o 
Rio Jaguarão e os de além das nascentes do Rio Negro e, a Oeste, os campos em direção 
ao Ibicuí, pondo em mãos portuguesas a região da chamada Campanha (Osório, 
1990:136-202; Rüdiger, 1965:67-95). 
O século XIX, “fase de organização” (Barroso, 1990; Medeiros, 1959, 1969) 
quanto à ocupação do espaço e à urbanização, iniciou-se com a anexação do território das 
Missões, mais um espaço até então espanhol. Ampliou-se ainda mais o território 
controlado a partir de Porto Alegre. O aumento da população e a complexificação da 
atividade econômica, com a crescente produção de charque e trigo, levaram o governo 
colonial a promover o reaparelhamento administrativo e fiscal do Rio Grande do Sul. 
Foi instalada em Porto Alegre uma Junta da Real Fazenda em 1803. Criou-se uma 
Alfândega na capital e um consulado dessa Alfândega em Rio Grande. O aumento do 
número de centros urbanizados e a incorporação das Missões evidenciaram a necessidade 
de subdivisão administrativa e judiciária. A criação dos quatro primeiros municípios – 
entre [p. 42] eles o de Porto Alegre – foi proposta em 1803, oficializada em 1809 e 
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implantada em 1810/11. Em 1807 a própria administração do território ganhou maior 
autonomia com a criação de uma Capitania Geral.10 
1.3 Na primeira década do século XIX 
A primeira planta conhecida que representa toda a cidade de Porto Alegre data de 
1837 (v. p. 90). Anteriores a essa, existem plantas parciais (v. Cap. 2) e uma outra 
representação cartográfica, feita por Tito Lívio Zambeccari em 1833 e publicada por 
Alfredo Varela (1935:32). 
Embora estejam aí representados alguns elementos reconhecíveis e com 
localização corroborada pelo restante da documentação, (nota-se, especialmente, que a 
linha da margem não parecia ter sido ainda objeto de modificação ou regularização), este, 
no entanto, não pode ser considerado um documento hábil, como se percebe à primeira 
vista. 
[p. 43] 
 
 
10 Para contextualização geográfica, econômica e jurídico-político-administrativa desse conjunto 
de medidas, especialmente o interesse fiscal da Coroa ver: Barroso (1980). Sobre o crescimento da atividade 
econômica na passagem do século XVIII para o XIX ver: Singer (1968:147-54) e Osório (1990:203-7). 
Figura 1: Aquarela de Tito Lívio Zambeccari. Reprodução existente no IHGRGS. 
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Depende-se de fontes escritas para elaborar uma reconstituição do espaço da vila 
no início do século. Mas o objetivo aqui será mais restrito: apenas relacionar as ruas já 
abertas na encosta norte do promontório e, na medida em que as fontes permitem, abordar 
com maior especificidade os espaços à beira-rio. 
[p. 44] 
1.3.1 A Encosta Norte do Promontório 
Pelo citado documento de Fernandes (1961:36-7), o primeiro que faz referência à 
malha viária urbana, sabe-se que, das três ruas principais, a Rua da Praia era “a melhor e 
mais preciosa, [...] mais próxima ao cais de embarque, e onde gira o melhor comércio”. 
A rua à meia encosta era a Rua da Ponte [Riachuelo], que tinha um trecho onde se 
acumulavam águas. Na terceira, Rua Formosa, (“que corre pelo mais alto do mesmo 
terreno”), localizavam-se “a igreja paroquial, a casa do real erário [Junta da Real Fazenda] 
e o palácio do governador”. A frente dos três prédios, no local mais alto do promontório, 
voltada e em leve declive para o Norte, estava a praça da povoação. 
As quatro transversais a elas eram: 1. Rua de Bragança, atual Mal. Floriano, limite 
Leste da área urbanizada; 2. Rua do Ouvidor ou da Ladeira, atual Gal. Câmara, que fazia 
a ligação entre a praça e o local do desembarcadouro; 3. Rua Clara, atual Gal. João 
Manoel; 4. Como limite Oeste, uma Rua das Virtudes, muito provavelmente a Rua dos 
Sete Pecados ou dos Pecados Mortais (atual Gal. Bento Martins), denominações que o 
Sargento-Mor talvez não tenha achado conveniente apresentar ao Regente do Reino.11 
[p. 45] Nota-se que o autor omitiu os becos, entre eles o Beco dos Ferreiros (atual 
Rua Uruguai, já existente à sua época, pois nele havia sido construído o primeiro teatro 
da vila em 1794, pouco abaixo da Rua da Praia, à beira-rio.12 Mas Fernandes (1961:37) 
anotava que outras ruas já estavam abertas e ainda não edificada, ou com poucos 
moradores. Uma delas seria a Rua Bela (atual Gal. Portinho) na qual Antunes (1940:1068) 
registra a construção de uma casa em 1793, sem citar a fonte de informação. A Rua Bela 
era conhecida como Beco do Vieira, ou do Bot’à Bica, segundo Antônio Álvares Pereira 
 
11 “Alguém que possuía esse terreno ladeirento, fez edificar sobre ele sete casinhas, que os gaiatos 
daquele tempo chamaram os Sete Pecados, nome que lhe assentava bem, tanto pelo lado físico dos prédios, 
como pelo lado moral das moradoras”. (Coruja, 1983:16). 
12 A informação é de Augusto Porto Alegre (1906:133-4) que não cita a fonte. 
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Coruja (1983:20), que nasceu em 1806 e escreveu no final do século sobre a cidade de 
sua juventude.13 
Do testemunho de Coruja, que invoca também as tradições orais que recolheu dos 
mais velhos, gente do século XVIII, pode-se inferir que já estavam abertas no início do 
século XIX as vias: 
a) Travessa, ou Beco, do Poço, “por onde desciam as águas do antigo poço ou 
fonte mandado construir no tempo do governador José Marcelino”; essa travessa (depois 
absorvida pela Av. Borges de Medeiros) era transversal à Rua da Ponte; na esquina 
acumulavam-se as águas formando um [p. 46] charco, e ali foi feita a ponte – “uns paus 
estendidos ou atravessados” – que deu nome à rua (1983:17). 
b) Perpendicular à travessa, a Rua do Poço, (depois Rua Jerônimo Coelho); no 
cruzamento das duas havia sido construída a fonte, ou poço, que deu
nome a ambas. 
Segundo Coruja tinha apenas uma casa (1983:1). 
c) Rua Nova (atual Gal. Andrade Neves) – de acordo com Coruja sua abertura 
deve datar do início do século, pois era realmente nova quando a conheceu; para ali davam 
fundos as propriedades com frentes para as ruas da Praia e da Ponte, e tinha pouquíssimos 
moradores 91983:99). 
d) Arco da Velha – “antiquíssimo nome de um beco ou rua que depois se chamou 
de Prisão Militar” (hoje Gal. Vitorino) (1983:31). 
e) Os becos do Fanha (atual Rua Caldas Júnior), do Brito (Travessa Acilino 
Carvalho), dos Guaranis (Rua Gal. Vasco Alves), e do Pedro Mandinga (Rua Gal. 
Canabarro) (1983:20, 105, 109, 111). 
f) Os becos do Leite e do Trem, que não mais existem (1983: 20, 30). 
1.3.2 O Litoral Norte do promontório 
A inexistência de documentação cartográfica não permite avaliar com segurança 
qual seria a ocupação da faixa ribeirinha e nem a configuração da linha [p. 47] d’água. 
Os depoimentos convergem em indicar a Rua da Praia como a mais próxima ao rio e que 
concentrava todo o comércio. Iniciava na extremidade oeste do promontório, mas sua 
porção oeste gozava de menos prestígio que o trecho central, onde estavam o ancoradouro 
 
13 Ver: Introdução, de Sérgio da Costa Franco, a Antigualhas. Reminiscências de Porto Alegre 
(Coruja, 1983:11-4). 
25 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
e o trapiche em que se sentavam a conversar os comerciantes (v. p. 51), único elemento 
edificado no litoral formado por uma praia e uma extremidade rochosa. 
Foi na porção oeste da rua, sobre a praia, que se decidiu construir a nova cadeia, 
para substituir a que estava na extremidade oposta da vila, próxima ao Portão. A atividade 
de construção naval estava estabelecida também nesse trecho da Rua da Praia, bem como 
o almoxarifado da Marinha. 
1.3.2.1 O lado do Arsenal 
A extremidade do promontório, voltada para Oeste, era conhecida como Praia do 
Arsenal (Coruja, 1983:109) e “do lado do rio só havia umas duas ou três casinhas de 
capim que serviam de moradia à gente pobre”. Como nos demais promontórios formados 
pelos morros que avançam sobre o Guaíba, também essa extremidade era irregular e 
rochosa. A Planta de 1837 mostra três pontas que aí ainda havia: a Ponta do Arsenal, 
projeção extrema do espigão, ou crista do morro; a Ponta da Passagem – que devia ter um 
relevo mais suave, pois nela desembarcava o gado em pé trazido para o [p. 48] 
matadouro;14 e a Ponta das Pedras, voltada para o Norte, marcando o limite entre a Praia 
do Arsenal e o Largo do Arsenal. 
Por Largo do Arsenal era conhecido o trecho desocupado do litoral norte entre as 
duas primeiras quadras da Rua da Praia. Na documentação posterior aparecerão ainda as 
denominações Largo da Forca, Largo da Marinha, Praça da Marinha e Largo do Arsenal 
da Marinha. O Largo do Arsenal, ainda segundo Coruja (1983:24), 
Tomou o nome de Largo da Forca porque ali eram executados 
oficialmente os condenados à forca; a qual se mandou levantar 
quando começou a trabalhar a Junta da Justiça, que funcionava na 
Casa da Junta [de Fazenda] onde depois se instalou a assembleia 
provincial.15 
E para englobar a Praia do Arsenal, o Largo do Arsenal e mais um trecho do litoral 
norte nas suas proximidades, Coruja refere-se a toda aquela parte da vila [p. 49] como 
“lado do Arsenal” (1983:17), ou “bairro do Arsenal” (1983:53).16 
 
14 Era também um dos passos (oficialmente estabelecidos para a travessia dos rios) para viajantes 
por terra entre a vila e a região da Campanha (Fernandes, 1961:32). O primitivo matadouro, segundo Coruja 
(1983:26), ficava no início da várzea que existia abaixo do portão da vila. O gado para ali seguia pelo litoral 
sul do promontório – Praia do Riacho, hoje Rua Washington Luiz. Continuou fazendo esse trajeto depois 
que o matadouro foi mudado para outro lugar na mesma várzea, entre as atuais Av. João Pessoa e Praça 
Garibaldi. 
15 A Junta da Justiça foi criada em 1816 e começou a funcionar em 1818; o primeiro condenado à 
forca foi executado em 1821. Ver Sérgio da Costa Franco (1993:71-87). 
16 Não foi possível descobrir a primitiva localização do Arsenal que deu nome àquela parte da vila, 
e nem se era do Exército ou da Marinha. A planta de 1837 registra os dois, ambos na Rua da Praia. O 
26 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Ainda no “lado do Arsenal”, o litoral fronteiro às duas e meia quadras seguintes 
da Rua da Praia também não estava edificado na primeira metade do século. Em 1809 a 
Câmara solicitou ao Governador e Capitão General a concessão do trecho da praia diante 
da Igreja das Dores para levantar a nova cadeia pública. Solicitou também a concessão 
do trecho seguinte da praia, em direção ao centro da Vila (até a atual Travessa dos Cata-
ventos na Casa de Cultura Mário Quintana), para que fosse conservado como logradouro 
público, e proibição de outros usos e de construções (AHRGS/AM 23.9.1809).17 Ambos 
terrenos foram concedidos à Câmara pelo Governo da Capitania (Cópia de Portaria do 
Gov. Paulo José da Silva Gama, 25.9.1809, anexa ao doc. AHRGS/AM 27.7.1844). 
[p. 50] A obra da nova cadeia teve início em 1809. Os ofícios solicitando e 
concedendo o terreno esclarecem que a cadeia estava projetada para o terreno ao lado do 
prédio da Junta da Real Fazenda, na Rua Formosa. Mas aquele tinha o inconveniente de 
“ficar muito no centro da povoação, e sem comodidades para despejo” (AHRGS/AM 
23.9.1809). Por isso foi decidido construir-se em terreno devoluto de beira-rio em frente 
à recém iniciada Igreja das Dores. A obra da cadeia foi iniciada, mas não teve 
continuidade. As lacunas na documentação não permitem acompanhar o processo 
decisório que levou ao abandono da obra, e nem quando isso se deu.18 
1.3.2.2 Quitanda 
Quitanda Velha é a denominação atribuída por Coruja (1983:107) ao “espaço de 
terreno” correspondente à atual Praça da Alfândega antes do aterro que duplicou sua área. 
Em 1808, dois anos após a construção do trapiche que deveria servir à Alfândega, Manoel 
Antônio de Magalhães (1940:70), relacionava o espaço à sua função econômica: 
[...] um porto no rio que tem meia légua de largura, onde podem 
ancorar até duzentas embarcações de cem a duzentas [p. 51] 
toneladas, com uma belíssima ponte d’alfândega, [...] defronte da 
mesma casa d’alfândega, onde uma boa praça convida a beleza e 
construção da obra. 
 
Arsenal de Guerra na esquina da Rua Gal. Bento Martins, ao lado da Igreja das Dores. Sobre o outro (hoje 
Capitania do Porto), entre a Rua da Praia e o Guaíba, junto ao Largo do Arsenal, diz Porto Alegre 
(1906:157), ainda sem mencionar fontes, que teria sido construído em 1797. 
17 Estaleiros não implicavam prédios, apenas as carreiras, ou calhas de madeira que sustentavam 
os barcos em construção ou reparos. Na documentação posterior surgem pedidos de licenças para 
construção de barracões onde guardar ferramentas e telheiros para abrigar madeiras, sempre concedidas a 
título provisório. E mesmo os terrenos onde se instalaram os estaleiros apenas foram cedidos, ou 
arrendados, pela Câmara, com cláusula de retomada quando julgasse conveniente. 
18 Recibos de pagamentos de carradas de pedra: AHPA/CMM 10.06.1809, 4.10.1809; pagamento 
de operários (livres e escravos): AHPA/CMM 27.10.1809. 
27 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Cabe transcrever a menção que faz ao trapiche (“ponte d’alfândega”), rara 
descrição de uma edificação da época com seus detalhes construtivos: 
[...] com 24 pilares de cantaria pelo rio dentro, onde podem 
descarregar iates e sumacas, com uma carreira de 325 palmos de 
comprido e 30 de largo [...] e de madeiras grossas atravessadas de 
barrotes, que unidos
formam o mais valente assoalho, fortificado 
com pernas francesas dirigidas dos corpos dos pilares aos vãos 
das madeiras. O termo desta carreira se liga a uma casa quadradas 
de 60 palmos de cada lado, que serve de lingagem a dois 
guindastes, com duas escadas laduais, que igualmente dão 
serventia aos desembarques das lanchas e mais embarcações 
pequenas. Esta casa fecha de pião, e é sustida sobre 13 pilares, 
mas da mesma cantaria, fortificada com o mesmo madeiramento 
[...]; oferece a mesma casa uma agradável vista com assentos à 
roda, onde o comércio se ajunta. 
A Leste daquele espaço, a linha d’água afastava-se um pouco da Rua da Praia, em 
direção ao alinhamento da atual Rua Sete de Setembro. Os terrenos entre a Quitanda 
Velha e a atual Rua Gal. Câmara, e entre esta e o Beco dos Ferreiros (atual Uruguai), 
estavam distribuídos e edificados. No Beco dos Ferreiros, próximo à praia, havia sido 
feito o prédio do primeiro teatro: Casa da Comédia. Em [p. 52] 1804, o beco começou a 
ser chamado também de Beco da Ópera, e Beco da Casa da Ópera.19 
1.3.2.3 Porto dos Ferreiros/Paraíso 
Do Beco dos Ferreiros para Leste havia o espaço conhecido como Porto dos 
Ferreiros, correspondente à parte do litoral fronteira à atual Rua José Montaury, incluída 
a Praça XV de Novembro.20 A porção do Porto dos Ferreiros hoje ocupada por esta praça 
passou também a ser conhecida como Paraíso (Coruja, 1983:21-2). 
Os terrenos do Paraíso, embora não edificados, eram de propriedade particular. 
Um ofício da Câmara informa que o governo da Capitania pretendia mudar para ali o 
logradouro público destinado às carretas que traziam à vila “gêneros de comestível” 
(AHRGS/AM 2;12;1809). O ofício é uma consulta ao novo Governador Diogo [p. 53] de 
Souza sobre um plano, ainda não executado, do seu antecessor, Paulo José da Silva Gama. 
 
19 Segundo Augusto Porto Alegre (1906:134) a Casa da Comédia foi reformada pelo Gov. Paulo 
Gama e passou a chamar-se Casa da Ópera. 
20 A linha d’água passava pela atual Rua Sete de Setembro e Largo Glênio Peres. O Porto dos 
Ferreiros correspondia então a: 1) quadra entre Uruguai e Borges de Medeiros – hoje ocupada pelos 
edifícios Porto Alegre City Hotel e União; 2) trecho da Av. Borges entre este último e o Edifício Guaspari; 
3) quadra entre Borges de Medeiros e a Praça XV – hoje ocupada pelos edifícios Guaspari e Dellapieve; 4) 
praça XV de Novembro. Isso encontra correspondência nas fontes consultadas, Sérgio da Costa Franco 
(1988:173), no entanto, refere-se a documentos que denominavam Porto dos Ferreiros uma extensão maior 
do litoral, incluindo o trecho da atual Sete de Setembro entre Uruguai e Gal. Câmara. 
28 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
O ofício permite saber que o local até então destinado às carretas era a Praça da Alegria, 
próxima ao local denominado Portão, em que se uniam o caminho de Viamão e o caminho 
de Gravataí e Santo Antônio da Patrulha.21 Para a implantação do novo logradouro no 
Paraíso seria necessário desapropriar e indenizar os proprietários, mediante troca pelos 
terrenos que seriam liberados com a extinção da Praça da Alegria. 
1.3.2.4 O lado da Brigadeira/Caminho Novo 
Ao longo do litoral norte, duas grandes propriedades completavam o espaço até o 
chamado Beco do Barbosa (atual Rua Barros casal), que uma postura da Câmara iria 
definir como o limite urbano em 1831. A primeira pertencia a Antônio Pereira do Couto. 
Incluía parte dos terrenos do Paraíso e a área correspondente aos quarteirões até a atual 
Rua Senhor dos Passos. Esta era uma “estrada, viela ou atalho, que dava caminho da 
Caridade [Santa Casa da Misericórdia] para a praia, e que não tinha nome por não ter 
casas laterais” (Coruja, 1983:118), depois chamado Beco do Cordoeiro. 
[p. 54] A segunda chácara, entre os becos do Cordoeiro e do Barbosa, havia sido 
concebida ao Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira em 1786. Herdada por sua viúva, foi, até 
além da metade do século XIX, conhecida como Chácara da Brigadeira.22 
Ambas as chácaras se situavam no início do que Coruja (1983:103) chamou de 
Costa do Rio: “a praia que seguia da esquina do Paraíso para o lado do nascente e aonde 
só iam lavadeiras, aguadeiros e alguns que mais ousados queriam embrenhar-se pelo 
mato”. 
1.4 Concessões e propriedade do solo 
Retomando os processos vistos acima, é possível traçar um esboço das formas de 
apropriação de terra e conformação do espaço desde fins do século XVIII ao início do 
século XIX. A princípio o espaço foi utilizado como simples passagem de gado apresado 
ao sul do território, em terras hoje uruguaias. A ocupação portuguesa evoluiu a seguir 
para uma [p. 55] apropriação do solo com o objetivo de engorda e pouso do gado que 
seria transportado para o Norte. Essa segunda forma era, a princípio, instável e pouco 
definida. Posteriormente, baseado na legislação sobre sesmarias, consolidou-se o regime 
 
21 A localização da Praça da Alegria corresponderia ao atual encontro das ruas Senhor dos Passos 
e Annes Dias e parte da Praça D. Feliciano. Aí estavam o “corpo da guarda” (v. p. 29), relacionado ao 
Portão, e o açougue da vila (o matadouro ficava abaixo do Portão, no caminho de Viamão). 
22 Sobre a enorme quantidade de terras apropriadas por Pinto Bandeira e seus familiares em 
diversos pontos do Rio Grande do Sul; sobre os mecanismos dessa apropriação por militares de altas 
patentes; e sobre a legitimação dessas posses pelo Governo do Continente durante a expansão territorial 
após 1780, ver: Osório (1990:170-189). 
29 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
da propriedade privada sobre grandes extensões de terra para criação do gado. Isso 
implicou a fixação de uma população, embora muito rarefeita, dando início também a 
atividades agrícolas de subsistência e a núcleos de incipiente urbanização. 
Na região do Jacuí e dos Campos de Viamão, a partir de 1764 (Taquari) e 
especialmente entre 1770-74, a iniciativa estatal fez distribuição de glebas pequenas a 
colonos açorianos. A finalidade era agrícola quanto à produção, mas associada a objetivos 
estratégicos de ocupação mais densificada do território. Concomitantemente, em Taquari, 
Mostardas, Santo Amaro, Rio Pardo e Porto Alegre, deu-se a organização dos núcleos 
urbanos que centralizavam esses conjuntos de pequenas propriedades agrícolas.23 As 
terras concedidas a particulares foram alienáveis desde o começo. Transferências de 
propriedade, tanto das grandes extensões concedidas como sesmarias (pelo Governador 
e com aprovação do Conselho Ultramarino), quanto das pequenas [p. 56] propriedades 
agrícolas e dos terrenos urbanos (uma e outros concedidos como datas, pelo Governador 
apenas), estão registradas na documentação (AHPA/CMM 20.3.1804; Borges Fortes, 
1932:198-202; Porto Alegre, 1906: Notas p. VI). 
Quanto ao sistema de concessão de terrenos urbanos, a documentação do século 
XIX indica que eram doados mediante a obrigação de receberem edificação, sob pena de 
reverterem à condição de devolutos. Sebalt Rüdiger (1965:59) fornece algumas 
indicações sobre a apropriação de terras em Porto Alegre, no final do século XVIII: 
[...] vamos encontrando concessões de terrenos urbanos, a partir 
de 185, a pessoas tão importantes como o próprio Rafael Pinto 
Bandeira, o comandante Carlos José da Costa e Silva, o escrivão 
da Fazenda Real Bernardino Henriques de Amorim, o cel. 
Alexandre Elói Portelle, etc., tendência que se acentuou na década 
de 90. Foram terrenos pequenos, dispostos junto ao arruamento 
incipiente que consistia nas ruas da Praia, do Arroio, do 
Arvoredo, do Cotovelo, e obtidos por toda espécie de pessoas, 
aparentemente sem maiores dificuldades. 
Nem todos eram pequenos terrenos. Rafael Pinto Bandeira, ao menos, recebeu 
uma área muito
maior do que o comum dos lotes urbanos. Mas essa área estava fora do 
limite do arruamento da vila. Era uma das chácaras que se estendia a Leste do núcleo 
urbanizado, setor para onde deu-se a expansão da vila após a primeira década do século 
XIX. 
 
23 A síntese aqui apresentada é esquemática e com lacunas. Uma das muitas questões que não 
foram estudadas: nesses núcleos, a cada data agrícola correspondia um lote urbano para o mesmo 
proprietário? 
30 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
Capítulo 2 – Alterações no litoral após a primeira década. 
[p. 58] Ao quadro apresentado no item 1.3 do capítulo anterior é preciso 
acrescentar a dimensão temporal. O pequeno núcleo estava em crescimento no início do 
século. Este capítulo trata do reflexo de tal crescimento sobre a área urbanizada até o 
início da Revolução Farroupilha. São basicamente focalizados os espaços junto ao 
Guaíba, antecedidos de rápida visão da direção preferencial para onde se deu a expansão 
urbana. Procura-se enfatizar a incidência de determinações do governo central e a 
ingerência dos seus representantes, Governadores da Capitania e depois Presidentes da 
Província, sobre os espaços da cidade. 
Paul Singer (1968:148-54) apresenta dados que autorizam, ainda que sem o 
rigorismo com que o autor os aceita, considerar a correlação entre o crescimento 
populacional da vila e a exportação do trigo produzido no [p. 59] território a ela ligado 
pela bacia do Jacuí.24 Mas cabe reafirmar que Porto Alegre sustentava seu crescimento 
por ser também, como já visto, centro distribuidor dos produtos importados por aquele 
território. O ambiente construído refletia tal modificação. 
As décadas de 1810 e 1820 registram grande número de requerimentos de terrenos 
urbanos. As concessões eram solicitadas ao Governador. Este enviava o requerimento à 
Câmara para que informasse sobre a situação do terreno. Em casos de dúvida sobre 
aspectos físicos como medidas ou definição de limites, a Câmara solicitava um parecer 
do Engenheiro Militar (do Real Corpo de Engenheiros, a serviço do governo da Capitania) 
“encarregado do Plano da Vila”.25 
[p. 60] Nas informações encaminhadas ao Governador a partir de 1810, a Câmara 
– agora do Município de Porto Alegre (mas a denominação Câmara Municipal só foi 
utilizada a partir de 1829) – passou a acrescentar que só tinha como rendimentos a 
 
24 Tratar da demografia porto-alegrense no início do século XIX é, no entanto, arriscado. Nenhum 
dos censos e estimativas explicita a metodologia da pesquisa. Além disso tem havido a utilização conjunta 
de dados oficiais (e provenientes de publicações posteriores) com estimativas apresentadas por particulares 
como Magalhães, Saint-Hilaire, Isabelle. Singer serviu-se de um quadro elaborado por Walter Spalding, 
que é uma compilação desses dados de diferentes origens. 
25 Expressão que consta em vários documentos do Fundo Autoridades Municipais e do Grupo 
Obras Públicas do AHRGS. Nenhum expõem com clareza o que implicava tal função, mas é possível 
perceber que se tratava, além da confecção da planta da vila, do conjunto das medidas relacionadas ao 
controle estatal da organização do espaço, algumas hoje exercidas pelo Executivo municipal: demarcar 
novas ruas, quadras e praças; determinar os alinhamentos a que deveriam obedecer as edificações, públicas 
como particulares; acompanhar a Câmara nas vistorias em casos de disputas acerca de terrenos 
(AHRGS/AM 7.12.1813); elaborar projetos para as obras públicas: cais, prédios, pontes, obras de drenagem 
e pavimentação. O primeiro Plano (planta) da Vila de que se tem notícia foi levantado pelo Cel. Eng. José 
Pedro César em 1820, entregue à Câmara em 1825 e hoje perdido (AHPA/CMM 8.7.1825). 
31 
 
Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
aferição dos pesos e medidas do comércio e os contratos de arrematação dos açougues 
(estando a perde-los pelo desmembramento dos novos municípios em implantação). E 
tinha que atender às suas despesas correntes, ao cuidado dos expostos e à construção da 
cadeia. Passou a solicitar que cada terreno fosse concedido não ao particular que o 
requeria, mas a ela, para ser aforado e dar início assim a um patrimônio público.26 
Generalizando a solicitação, em 1813 enviou ao Governador um ofício em que 
reivindicava todos os terrenos devolutos existentes na Vila (AHRGS/AM 13.1.1813). 
Após essa data todas as informações passaram a conter referências a esse ofício, 
reiterando o pedido. Só em 1824, contudo, a pretensão foi atendida, pelo primeiro 
Presidente da Província. Então, com exceção de trechos da margem do rio, restavam 
poucos terrenos devolutos no recinto da cidade (v. págs. 75 e 84). 
[p. 61] 2.1 Ampliação da área urbanizada 
O arruamento e concessão de lotes para edificações expandiam-se principalmente 
a Leste da área referida como mais densamente edificada em 1804 (limitada pela Rua de 
Bragança). 
Ao longo da Costa do Rio foi aberto pelo governo da Capitania um caminho que 
iniciava na extremidade leste do sítio do Paraíso, junto à desembocadura da Rua de 
Bragança no Guaíba. Segundo Coruja (1983:28; 103) sua abertura data de 1811-12. 
Conhecido por Caminho Novo (e hoje Rua Voluntários da Pátria), de acordo com 
documento transcrito por Sérgio da Costa Franco (1988:431) já teria sido iniciado em 
1806. No início da década de 1810, teria sido estendido em direção à várzea do Gravataí. 
Nessa segunda década, também a Leste da vila, foram ainda abertas a Rua da 
Bandeira (depois Rua do Rosário e hoje Vigário José Inácio), a Rua de Santa Catarina 
(Dr. Flores) e a continuação da Rua da Praia para além da Rua de Bragança (Franco, 
1988:176; 423-4). Era, portanto, o desmembramento da chácara de Antônio Pereira do 
Couto. Talvez um pouco antes (não há registro da data), em terrenos da mesma [p. 62] 
chácara, havia sido aberto um beco que desembocava no Paraíso. Essa via, hoje absorvida 
pela Av. Otávio Rocha, passou a ser conhecida como Beco do Rosário depois de iniciada 
 
26 Exemplos: a) terreno solicitado para levantar um moinho de vento; está devoluto, mas “parece 
justo que V. Exa. se digne antes a concedê-lo para esta Câmara, para o poder emprazar em praça pública a 
quem der maior foro [...]” (AHRGS/AM 10.10.1810). B) terrenos devolutos na Rua de trás do Arvoredo 
(hoje Rua Demétrio Ribeiro); neles se pode formar nova rua a que deram já princípio três moradores, mas 
“parecia-nos justo que V. Exa. se dignasse conceder para o Conselho aqueles terrenos, e todos os mais que 
se acharem ainda devolutos dentro da Vila para depois de medidos e demarcados se emprazarem por esta 
Câmara em benefício do Bem Comum a que são aplicados seus rendimentos” (AHRGS/AM 24.10.1810). 
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Transcrição por Pedro von Mengden Meirelles (2018), com autorização do Autor
 
a construção da igreja de mesmo nome, em 1817 (Coruja, 1983:105; Franco, 1988:353). 
Esse conjunto de alterações, de iniciativa particular, com venda dos terrenos, ampliou a 
área urbanizada até o Beco do Cordoeiro, no limite da Chácara da Brigadeira. 
A essas modificações acrescentaram-se as decorrentes do já referido processo de 
troca do logradouro para pouso das carretas, da Praça da Alegria para a do Paraíso, que 
teve desdobramentos que serão vistos a seguir (item 2.2). 
2.2 Caminho Novo 
O Caminho Novo manteve-se até meados da década de 1830 apenas como via de 
acesso às chácaras que se situavam entre o rio e a encosta da mesma elevação em cuja 
extremidade estava a cidade. São bem conhecidas as referências feitas por Saint-Hilaire, 
Gonçalves Chaves e Nicolau Dreys a essa área adjacente ao núcleo urbano, onde em [p. 
63] 1834 Arsène Isabelle (1983:57) viu “casas de recreio, bordejando em meio círculo

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