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FÁBRICA MARTINS IRMÃO & CIA. Trajetória fabril na dinâmica urbana de São Luís Antonia da Silva Mota & Ulisses Pernambucano (Orgs) São Luís 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Prof. Dr. Natalino Salgado Filho – Reitor CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS Prof. Dr. Francisco de Jesus Silva de Sousa – Diretor de Centro PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Prof. Dr. Josenildo de Jesus Pereira - Coordenador EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Prof. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira – Diretor PROJETO GRÁFICO: Stúdio Edgar Rocha Fotografias: Edgar Rocha Diagramador: Nazareno Imagem da capa: foto Gaudêncio Cunha, Álbum da Alfaiataria Teixeira,1899. Mota, Antonia da Silva Fábrica Martins Irmão & Cia: trajetória fabril na dinâmica urbana de São Luís / Antonia da Silva Mota, Ulisses Pernambucano. (Orgs.). - São Luís: Edufma, 2014. 250 p. ISBN 978-85-7862-364-7 1.Manufaturas – Maranhão 2. Maranhão - Economia séc. XIX e XX 3. Fábrica Martins – trajetória I. Pernambuco, Ulisses II. Título CDD 338.476 781 21 CDU 620.2(812.1).06 SUMÁRIO Apresentação Cap. 1 SÃO LUÍS DO MARANHÃO - A FORMAÇÃO DO CONJUNTO FABRIL E A ATIVIDADE MANUFATUREIRA DO SÉCULO XVIII AO XX. Antonia da Silva Mota A Fábrica do Capitão Salgado Moscoso. A Fábrica dos Irmãos Martins. A crise na economia do arroz e do algodão e a reorientação econômica para extração de óleos vegetais. Novos produtos da Fábrica: algodão medicinal e gelo. Os trabalhadores da Fábrica, estratégias de sobrevivência. O pioneirismo na extração do óleo do babaçu. A família Martins, inovação na arquitetura urbana, abertura de novos bairros na cidade de origem colonial....... As dificuldades financeiras com o fim do ciclo econômico do babaçu. Cap. 2 A FÁBRICA MARTINS E A SOCIEDADE MARANHENSE...... Nivaldo Germano Crise da Agroexportação e Atividade Fabril..... Instalação e Expansão Industrial Estratégias Empresariais e Projeção Comercial O Trabalho entre Ideias e Práticas O Colapso Industrial Desde Alguns Pontos de Vista Considerações Finais Cap. III ARQUITETURA INDUSTRIAL E O ESPAÇO URBANO Claudia Andrade Arquitetura da Fábrica Martins & Irmãos Processo Evolutivo do Entorno Imediato A Quinta dos Salgado Conclusão Notas Currículo dos autores LISTA DAS ILUSTRAÇÕES Mapa de São Luís, 1844 p. APRESENTAÇÃO Esse livro possui uma história, que remonta ao encontro de profissionais de diversas áreas. Ele se iniciou a partir da compra do terreno onde funcionou a antiga Fábrica Martins & Irmão por quase um século, de 1870 a 1968, pelo Grupo Mateus. Como ainda estavam de pé ruínas dos casarões do entorno da fábrica, tombadas pelo patrimônio estadual, o IPHAN autorizou a construção de um supermercado condicionado às obras de sustentação das ruínas, a fundação de um museu com os artefatos resultantes da pesquisa arqueológica e a publicação de um livro sobre a firma Martins & Irmão. A partir daí, ocorreu a interação profícua de profissionais de diversas áreas - da arqueologia, da história, da arquitetura e da arte, para a reconstituição de um passado apagado pelo descaso das autoridades e de seu povo com o patrimônio histórico. O trabalho de pesquisa histórica foi difícil, pois pouco foi guardado, uma vez que nenhum valor se dá à história empresarial de uma região tão rica em implicações econômicas e sociais. Inúmeros trabalhadores, das mais variadas especializações, até mesmo escravizados e forros, labutaram e tiraram seu sustento destas Fábricas, portanto, sua importância social transcende as épocas e as classes sociais. O trabalho de reconstituição histórica foi feito, a partir de notícias de jornais, de mapas, dos álbuns de fotografias, de revistas da associação comercial, da historiografia do período e do relato de descendentes dos proprietários e de antigos operários. Como o tempo que nos foi dado era pouco, a equipe encarregada da pesquisa histórica resolveu se dividir em busca de fontes que ajudassem a trazer à tona o passado da fábrica. Dois historiadores e uma arquiteta se aplicaram na árdua tarefa, o resultado foram três artigos que caminham separados mas possuem um mesmo objetivo: a reconstituição da história da fábrica. Ao final, cada autor se responsabilizou pelo conteúdo de seu texto. Oferecemos ao público visões possíveis sobre a história da Fábrica Martins & Irmão. Os autores estão abertos às críticas e contribuições que nos permitam avançar mais no conteúdo apresentado. A intenção é mesmo esta: a partir deste trabalho inicial, surgirem outras visões, que desejo mais aprofundadas, sobre nossa história empresarial, que, como o texto sugere, iniciou ainda nas primeiras décadas do século XVIII, com os curtumes - as “fábricas de sola”, e se intensificou sobremaneira na segunda metade deste mesmo século, com as fábricas de soque de arroz. Portanto, longa tradição possui São Luís com unidades manufatureiras, não sendo estranha aos proprietários a atividade fabril, cujo período áureo foi marcado pelos investimentos nas fábricas têxteis. Espero que a leitura desse livro seja agradável. Antonia da Silva Mota & Ulisses Pernambucano Abril de 2014. ARQUITETURA INDUSTRIAL E ESPAÇO URBANO Cláudia Andrade, arquiteta “Na quitanda O tempo não flui Antes se amontoa Em barras de sabão Martins Mantas de carne-seca Toucinho mercadorias Todas com seus preços e Cheiros Ajustados ao varejo (...) “ Ferreira Gullard Passada a reconquista da Capitania do Maranhão das mãos dos franceses em 1615 e da dos neerlandeses em 1644, este trecho da colônia portuguesa do Atlântico empobrecido pelas lutas contra os invasores, carecia de mão de obra e de divisão do trabalho, tendo a geografia como fator agravante das comunicações além dos constantes ataques indígenas. Assim, “a São Luís dos primeiros 150 anos não prosperou como a Olinda, Recife e Salvador do açúcar e do poder, e o Rio de Janeiro que sofreu a influência do eldorado mineiro dos primeiros anos do século XVIII”, i tanto que em 1720 contava com menos de mil “vizinhos”. ii Em janeiro de 1750, foi assinado o Tratado de Madrid entre o Rei Dom João V de Portugal e Dom Fernando VI da Espanha no qual se estabeleceu o princípio do Uti Possidetis como base para a divisão territorial, ou seja, a terra deveria ser possuída pelos que nela moravam e trabalhavam. Portugal foi privilegiado, consolidando suas conquistas e presença no imenso território que constitui o Brasil, muito além do que estabelecia o Tratado de Tordesilhas (1494), abocanhando a bacia amazônica. São Luís que disputava com Belém desde o século XVII o posto de principal porto de entrada para a região norte ampliou sua importância principalmente porque em meados dos anos setecentos, ocorre o boom econômico e político na Europa, culminando na Revolução Industrial. Nesse ambiente foram criadas novas oportunidades de inserção das economias coloniais americanas no âmbito internacional, sendo o início da circulação de dinheiro amoedado no Brasil e Maranhão (em 1749) um elemento facilitador. Em função da morte de Dom João V em Julho de 1750, subiu ao trono de Portugal seu filho Dom José I, que escolheu para Ministro e Secretário de Estado a Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal. Este, no que se refere às colônias portuguesas, “incrementou a imigração; espalhou escolas primárias, reorganizou a máquina administrativa, aumentou e melhorou a defesa militar e incentivou o comércio e a lavoura.” iii O Marquês de Pombal enviou seu irmão, capitão-tenente da Armada Real Francisco Xavier de Mendonça Furtado para governar o então Estado doGrão-Pará e Maranhão, tendo este chegado ao Araçagi com uma frota de 12 naus em meados de 1751, porém só tomou posse no final de setembro em Belém do Pará, onde fixou residência. Ficou no Maranhão um governador subalterno, sendo o primeiro Luiz de Vasconcellos Lobo. Aqui encontraram tanta pobreza, que foi expressa em carta dirigida ao Ministro Diogo de Mendonça Corte-Real em 22 de janeiro de 1752, nos termos que seguem: Tenho informado a V. Ex.ª do que tenho podido averiguar das plantações deste Estado; e parece incrível que havendo nestas tantas e tão preciosas drogas, coubesse na possibilidade que ele chegasse até o último precipício e miséria e pobreza em que se acha, e que, finalmente, chegasse a Fazenda Real a extinguir-se; e podendo ser um Estado poderoso, se reduziu a termos de estar a cargo de S.M. para o mandar socorrer como a qualquer pobre. iv O Maranhão que até então tinha a economia voltada principalmente para a subsistência, teve seu primeiro ciclo econômico de rápido desenvolvimento em decorrência das “Reformas Pombalinas” implantadas por Mendonça Furtado as quais incluíram a libertação dos índios; a expulsão dos padres Jesuítas e a criação da Companhia Geral [de Comercio] do Grão Pará e Maranhão em 1755 “com o volumoso capital de 1.200.00 cruzados” v , fornecendo aos lavradores os meios necessários ao desenvolvimento de suas atividades tais como: escravos, ferramentas, sementes, mantimentos e capital de custeio, para o primeiro ano, além de estabelecer a navegação para o Reino, fomentando a monocultura do algodão e da cana de açúcar voltada para exportação calcada no trabalho escravo em detrimento da policultura comercial, medidas estas que a antiga condição de penúria em fartura e riqueza. Assim ocorreu a primeira exportação de algodão (651 arrobas) em 1760 vi ; a primeira importação de escravos negros em 1761; a introdução do arroz da Carolina juntamente com a chegada de José de Carvalho com o intuito de estabelecer fábricas de descascar arroz, em 1765. Neste sentido a primeira exportação do arroz de Carolina,vii em 1767, chegou a 100.000 arrobas em 1773 e a 360.000 cinco anos depois. A economia maranhense atraiu os olhares especialmente dos portugueses sobreviventes do terremoto e incêndio de Lisboa [1755] tendo a capital passado, após a chegada de escravos africanos,“seu primeiro choque populacional. Para se ter ideia do incremento demográfico, basta observar que, se em 1720 o contingente humano pouco ultrapassava o milheiro, no recenseamento promovido em 1788, radicavam nela 16.580 pessoas”viii e a cidade- que até 1750 ocupava a área da Praia Grande, tendo como limites a atual Avenida Pedro II, o Largo do Carmo e o Desterro expandiu-se ao espaço depois ocupado pelas Ruas dos Afogados, do Sol, da Paz, Grande e de Santana, chegando até ao Campo d’Ourique. No entanto, não foi possível estruturar a urbe para receber esse explosivo crescimento populacional. Ao final do século XVIII, Dom Sales de Noronha oficiou ao Senado da Câmara dizendo “ter presenciado no corpo da cidade muitas casas cobertas de pindoba, e assim ordenava que não se concedessem chãos a pessoas sem possibilidade para fazerem edifícios nobres, e que quando fossem concedidos, devia ser sob essas condições.”ix Fernando Pereira Leite de Fóios ao assumir o governo e examinar a cidade “viu a decadência da cadeia pública e as funestas consequências resultadas da sua incapacidade, viu a ruína da única fonte pública que tinha esta cidade para socorrer os seus numerosos habitantes, viu as ruas intransitáveis, sem calçadas e com barracas, os terreiros e praças públicas cheias de matas e tabocas, e com admiração viu pela primeira vez uma cidade sem pelourinho.” x Ao lado dos solares, com suas sacadas de ferro, magníficos portais trabalhados em pedra de cantaria, maçanetas de cristal colorido em portas de madeira almofadadas, iluminados por lampiões ou candeeiros de porcelana, guarnecidos com mobílias austríacas ou francesas em dourado, ricas alfaias estrangeiras, tais como porcelana de Limoges, baixelas de prata portuguesa, cristais da Baviera, decorados com cortina de ‘voile’ suíço, enfileiravam-se, em ruas tortuosas, humildes casebres, alumiados por lamparinas, com seus bancos toscos, um jirau, algumas redes e utensílios de barro. xi Em 1776, pelo decreto de 3 de maio, o rei Dom José mandou dividir o Estado em duas capitanias, a do Pará e a do Maranhão, e em decorrência, no ano seguinte nesta última teve início a edificação do Palácio do Governo, (qual??) para isso taxando 160 réis sobre cada arroba de algodão exportado. xii Em 1777, morreu o rei Dom José e subiu ao trono Dona Maria I, que exonerou o Marquês de Pombal e extinguiu por provisão régia de 25 de fevereiro de 1778 a Companhia Geral do Comércio do Grão Pará e Maranhão xiii além de extinguir, pelo Alvará Régio de 5 de Janeiro de 1785 as fábricas, permitindo apenas aquelas que produzissem tecidos mais grosseiros para a produção de sacos e roupas para escravos. Apesar do fim da Companhia, do surto de varíola ocorrido de 1787 a 1789, que fez muitas vítimas, às quais se somaram àquelas da grande cheia do rio Itapicuru, e consequente epidemia de febres que ceifou um quinto dos moradores daquela região considerada o celeiro do Maranhão, aliados ao turbulento cenário político, a colônia do Maranhão continuou seu ciclo de desenvolvimento até o primeiro quartel do século XIX aproveitando o desabastecimento de fio de algodão, em função do aumento da demanda do produto para a produção industrial europeia e das guerras de independência nas colônias da Inglaterra na América do Norte, que provocou um grande aumento do valor dessa commodity. Durante este período, foram realizadas diversas obras na Capital Maranhense como a construção do Forte da Ponta da Areia, do Quartel do Campo d’Ourique, da Ponte d’Alfandega (1797), das barracas na Praia Grande (1804); a transferência do Hospital Militar para o antigo Hospital da Madre Deus (1811); do Hospital de São José, da Santa Casa de Misericórdia (1814); do Teatro União (Artur Azevedo) na Rua do Sol (iniciado em 1815 e concluído em 1817); do calçamento das primeiras ruas (1819); da instalação da primeira tipografia maranhense (1821) e dez anos mais tarde, da Biblioteca Pública e finalmente da iluminação pública abastecida com azeite (1825). Também nesta época foi implantado o Cais da Sagração e realizada a reurbanização das principais praças da cidade. A independência do Brasil trouxe consigo um período conturbado. Tendo o Maranhão relações mais estreitas com a metrópole portuguesa que com o restante do Brasil foi o penúltimo estado a aderir à independência, que só ocorreu em 1823. Após esse período, em 1828 foi estabelecido o Regimento das Câmaras Municipais do Império, no qual foi definido como um dos papéis a tarefa de formular minucioso Código de Posturas, visando a ordenar as relações entre os munícipes e o espaço citadino. Com a população em declínio durante as primeiras décadas do século XIX, apenas em 1842 foi aprovado o primeiro Código de Posturas de São Luís, quando então já crescia com a consolidação do capitalismo e o incremento da vida urbana xiv . Este código foi depois substituído pela Lei n° 775 de 4 de julho de 1866 e após a Proclamação da República por novas e sucessivas legislações (1893, 1936 e 1968). Engenheiros, sanitaristas e médicos, detentores de conhecimentos técnicos e científicos que preveniriam as epidemias, passaram a dividir poder com os vereadores na criação de leis, e principalmente dos códigos de posturas levando para as periferias as atividades grosseiras e insalubres, onde progressivamente se avizinharam os mais pobres que em função da precária condição econômica não poderem pleitear terrenos dentro do limite urbano. Se, em 1814, levado pelos últimos numeramentos feitos pelos róisda desobriga, dava o historiador Gaioso xv (...), uma população aproximada de 30.000 almas à cidade do seu tempo; e se,em 1814, quando a cidade para o rumo de L., pouco além da matriz da Conceição se estendia, e havia muitos terrenos por edificar ainda, como ele próprio o refere, sendo considerado sítio de recreio, e já fora da cidade, o do comendador José Gonçalves da Silva (atual Quinta do Barão ou das Laranjeiras); se, em 1821, davam-lhe o autor da Poranduba e o coronel Lago uma população de 20.000 almas; se, pelo lançamento de 1836-1837, contavam-se-lhe 2.199 casas habitadas, com uma população presumível de 25.000, não é muito dar- se-lhe, atualmente, uma população de 60.000 habitantes, depois das grandes e numerosas edificações que se vêem por toda a parte, hoje que tem ela mais do triplo das casas que tinha em 1836. xvi Em 1844, em São Luís já havia um plano de urbanização com o lançamento das quadras, que refletia as determinações do Código de 1842, uma adaptação pela Assembleia Legislativa Provincial (fundada em 1835) xvii da Constituição do Império à realidade local, normatizando a ocupação do espaço urbano e as diversas atividades na cidade, inclusive as comerciais tendo como base princípios de salubridade e o bom convívio no espaço público. A partir daquele momento, todas as edificações na cidade e nos subúrbios deveriam antes ser aprovadas pela Câmara Municipal. Uma das preocupações refletidas no código era regulamentar o crescimento urbano e melhorar a circulação com o livre trânsito de pedestres e veículos de tração animal, determinando a desobstrução de calçadas e a largura média das novas ruas em oito braças (17,6m – para possibilitar o plantio de árvores em canteiro central) e largura mínima de quatro braças xviii , no caso da ocorrência de edificações preexistentes. Desta forma, estava proibido: construir alpendres na calçada; pôr vasos de flores nos parapeitos das janelas; ocupar mais da metade da rua com entulho das construções; expor mercadoria para venda nas calçadas; armar barracas nas ruas. O código também obrigava os proprietários a calçar a testada de seus imóveis e manter preservadas as referências de localização de ruas e prédios. No entanto, eram comuns as infrações como se vê no Relatório apresentado à Câmara Municipal da capital pelo Fiscal da 2ª Freguezia em 6 de Abril do corrente anno... Mapa base de São Luís, em 1844. Assinalada área de chácaras para onde foram deslocadas atividades potencialmente incômodas, e onde foi instalada a Fábrica Martins, Irmãos & Cia. Reprodução de “O Maranhão no Centenário da Independência” de Ribeiro do Amaral. A traveça da Palha, Mizericordia, o fim da Rua do Mucambo, Madre de Deos, junto as casas do cidadão Miguel Tavares, Ruas de Santa Anna, Affogados e outras muitas tem diversas ruínas, achando-se as duas primeiras totalmente intranzitaveis. (...) Publicador Maranhense, de 27 de junho de 1846. Trinta e sete dos 113 artigos integrantes do código limitavam os locais onde diferentes atividades comerciais potencialmente incômodas poderiam ser realizadas, como a venda de gêneros alimentícios, instalação de ferrarias e curtumes, venda de pólvora, abate de animais, desembarque de gado nas praias, distanciando essas atividades fora do limite urbano. 20ª D’ora em diante não se poderá estabelecer tenda alguma de ferreiro dentro da cidade, só sim no bairro do Desterro; pena de dezesseis mil réis e nas reincidências de trinta e dois mil réis; porém as tendas que atualmente existem, serão conservadas durante a vida de seus donos. 21ª Ficam proibidas todas as fábricas de curtume dentro da cidade e só poderão estabelecer-se fora dos subúrbios da mesma; e sendo nas suas imediações terão lugar somente na parte que fica a sotavento do Apicum por diante; pena de seis mil réis e doze na reincidência. 22ª Fica igualmente proibido todo o fabrico de artifício e bem assim a venda de pólvora e a de quaisquer gêneros suscetíveis de explosão dentro da cidade; e sendo que seja nas imediações de seus subúrbios será na parte que fica a sotavento, por exemplo, o Distrito da Madre de Deus, e sendo já a distância dos subúrbios na mesma direção especificada será em lugar arredado do atual a Armazém da Pólvora, mil tesas pelo menos: pena aos contraventores pela primeira vez de trinta mil réis e oito dias de prisão; e no caso de reincidência sessenta mil réis e trinta dias de prisão. (...) 28ª Proíbe-se a criação de porcos em chiqueiros dentro da cidade; e só se permitem em todas as praias a sotavento, nos distritos das Barraquinhas e Madre de Deus; os contraventores pagarão três mil réis e nesta proporção, até ao máximo da multa, que a Câmara pode impor pelas reincidências; são excetuadas aquelas pessoas que em seus quintais engordam alguns destes animais para seu consumo. (...) 96ª Do 1º de abril de 1836 em diante, ficam de todo extintos os salgadouros de couros verdes que se acham dentro da Cidade, e só assim se poderão estabelecer na praia da Madre de Deus: aos contraventores desta Postura será imposta a multa de trinta mil réis, pela primeira vez, para o cofre da Câmara, e na reincidência a de sessenta mil réis, e quinze dias de prisão, evitando-se por esta forma as grandes imundícies e pestilento cheiro de sangue pútrido que diariamente infecciona a atmosfera, vindo, portanto, a saúde pública a sofrer grande detrimento. Código de Posturas de São Luís do Maranhão, 1842. Impulsionadas pela injeção de capital em função da abertura de instituições de crédito entre elas o Banco Maranhense (1841) e o Banco Comercial do Maranhão (1847), multiplicaram-se as atividades comerciais, existindo nessa época pelo menos seis fábricas de pilar arroz, três de sabão e de velas, vinte e duas de cal, oito olarias, duas prensas de algodão e seis tipografias instaladas na cidade. xix Em 1849 havia lojas, alfaiates, chapelarias, sapateiros, charutarias, livreiros, ourives, relojoeiros, boticários, além de armazéns, padarias, quitandas, barracas, talhos, casa de pasto, botequins e bilhares, lojas de ferragens, vidraceiros, marceneiros, torneiros, armeiros, caldeireiros, cochoeiros, correeiros, ferrarias, funileiros, tanoeiros, refinadores de açúcar. xx O capital mercantil oriundo destas atividades pôde ser então investido nos serviços urbanos que surgiram naquele período. Daí em meados do século XIX, São Luís despontar “como a quarta Capital do Império Brasileiro, pela circulação de dinheiro e padrão construtivo do conjunto arquitetônico. Isso se deu em um acelerado processo de renovação urbana, com ricos comerciantes se estabelecendo em grande casario de comércios e residências” xxi , em substituição às construções arruinadas do povoamento anterior reflexo de uma economia menor voltada para o mercado interno. Esse avanço rápido da economia, valorizou o espaço urbano, forçando alterações na estrutura de distribuição de terras, possibilitando a hierarquização espacial uma vez que passou a se evitar a doação de “chãos” a pessoas que não tivessem recursos para construírem edificações de bom padrão. Essa movimentação urbana fez nascer a necessidade de revisão do Código de Posturas, sendo publicada nova legislação (Lei n.º 775, em 4 de julho de 1866) acrescida de novos artigos divididos em três partes intituladas: Regularizações e Aformoseamento Urbano; Segurança e Salubridade. Com a população ludovicense “em torno de 30 mil habitantes, distribuídos em 72 ruas, 19 vielas, 10 praças, 55 edifícios públicos, 2.764 casas, sendo 450 com mais de um andar” xxii , maior atenção foi dada aos veículos que transitavam na cidade, tornando necessário o licenciamento de carros, carruagens, carroças ou carretões por meio de matrícula na Câmara e fixação de placas numeradas. Foi estabelecido um padrão para esses veículos e aqueles que apresentassem desconformidade,não poderiam ultrapassar o perímetro urbano, tendo que descarregar no Campo d’Ourique ou na Praça da Alegria xxiii . Quanto ao aformoseamento da cidade, as posturas tinham como principal objetivo ordenar e embelezar o espaço urbano e assim foram normatizados os logradouros públicos, o alinhamento das ruas, calçadas e testadas, as construções (definindo inclusive o tipo de material que deveria ser usado dentro do limite urbano) e determinando a forma de escoamento das águas pluviais, a necessidade de arejamento dos porões, conjunto de medidas esta que veio impactar a arquitetura de época. A partir daquele momento, seria necessário ao menos o risco ou desenho da obra para a aprovação pelo Senado da Câmara. Em relação à seguridade, além das normas e recomendações sobre os insultos em espaço público, disparo de armas de fogo nas ruas, toque de recolher, entre outros, foi regulamentada a iluminação das casas, principalmente nos locais onde não havia iluminação pública, esta a base de gás hidrogênio a partir de 1858. Ao Dr. Chefe de policia – Comunico a V. S., para seu conhecimento, que já foram colocados dois lampiões, um na Rua do Mocambo, no lugar em que é cortada pela da Madre de Deus, e outro na esquina da casa de Antonio Joaquim Moscoso Salgado, que faz canto com o largo da igreja de Santiago; os quais lampiões começarão a acender-se d’amanhã em diante. Publicador Maranhense, 4 de janeiro de 1862 Em resposta às epidemias de Febre Amarela e Sarampo, entre outras, a salubridade determinou a canalização de esgotos, o aterramento de pântanos (leia-se mangues) e partes alagadas. Também houve grande discussão sobre o enterramento dos mortos e o destino dos doentes,quando infectados de bexigas, que independente da condição social eram obrigados pelo Código de Posturas de 1842 a recolherem-se ao Hospital do Bonfim. Com a ruína deste, os acometidos pela varíola passaram a ser tratados na Enfermaria para Bexiguentos, esta transferida em 1865, devido ao aumento do número de doentes, para o sobrado pertencente a Raimundo Lamagnere Moniz que ficava no Largo de Santiago. O Dr. Antônio Henriques Leal foi autorizado a dispor de até 70$000 para o pagamento de aluguel do sobrado e 40$000 para o pagamento das gratificações de uma enfermeira e um cozinheiro. xxiv Os possuidores de terrenos pantanosos e alagados dentro desta cidade são obrigados no prazo de seis meses depois de intimados pelos fiscais a aterrá-los e beneficiá-los de modo a tornarem-se enxutos e salubres. Aos contraventores multa de trinta mil reis e no fim de quinze dias depois disto não derem começo aos benefícios dos mesmos terrenos serão multados em dobro, fazendo a Câmara os aterros à custa dos possuidores. xxv O poder público também demonstrou especial atenção à circulação e abate de gado e a comercialização da carne bovina, um dos principais itens do abastecimento alimentar, a qual precisava ser consumida fresca. Como solução em São Luís, instalou- se o matadouro na periferia, ao sul da cidade onde também passou a ser feita a curtição de couro, sendo o gado conduzido por estrada própria a partir do Portinho, local designado para o desembarque do gado que vinha do interior. Fica proibido o desembarque de gado vacum que se destina à matança em praias e cais da cidade, à exceção do lugar do Portinho, onde se acha a manga que o deve conduzir ao Curral do Conselho, para que cesse o trânsito do gado pelas ruas da cidade, com que ultimamente tem sido incomodado o público; e o dono ou mestre da canoa que contravier, pagará a multa de quatro mil réis e na reincidência doze mil réis. xxvi Entre 1850 e 1880, foram abertas boutiques, farmácias, fábricas de chocolate, de licores, de fogos de artifício e agências de leilões, que evidenciam os problemas financeiros de muitos habitantes. xxvii A crise do sistema agro-exportador algodoeiro resultou de mudanças na conjuntura internacional, com a recuperação da produção americana de algodão e as pressões inglesas pelo fim da escravidão, e uma situação interna de instabilidade política e econômica, com a escassez de terras e de mão-de-obra para o plantio de algodão, falta de capitais para investimento, endividamento dos produtores e tributação dos produtos. xxviii A estagnação econômica que se seguiu em parte ocorreu em função do cenário político mundial, com o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Inglaterra (1861), da invasão do Mato Grosso por Solano Lopes (1861), da guerra contra Aguirre, no Uruguai (1864), da Guerra do Paraguai (1865), da desvalorização da moeda e principalmente das pressões para o fim da escravatura, na qual a economia se baseava. Com a aprovação da Lei Eusébio de Queiroz proibindo o tráfico negreiro em 1850 muitos senhores encontraram na venda de escravos para as fazendas de café no sudeste uma forma mais fácil de obter lucros imediatos, desestruturando a lavoura maranhense. Durante a Guerra da Secessão, quando os Estados Unidos se retiraram do mercado mundial do algodão, e o preço da commodity chegou a índices nunca vistos, os fazendeiros no Maranhão tentaram se reestruturar mais uma vez, mas o custo da produção já era bastante elevado principalmente em função da escassez de mão-de-obra. No último quartel dos oitocentos, os Estados Unidos retornaram ao mercado mundial com um produto de maior aceitação e os produtores de algodão se viram incapazes de cumprir seus compromissos com os agentes financeiros, assim como os produtores de açúcar. Neste cenário, a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 1888, foi o derradeiro golpe do qual resultou o êxodo dos ex-escravos, que das fazendas partiam para a festa da redenção da raça, o lavrador maranhense esmoreceu, perdeu a energia e a coragem sentiu que faltava a condição em si mesmo e... baqueou (...) 70% dos engenhos de cana e 30% das fazendas algodoeiras fecharam as portas. xxix Em busca da sobrevivência, a elite agroexportadora investiu o capital que lhe restava em plantas industriais ligadas à produção primária local, adaptando-se a um novo estilo de vida em uma cidade que queria ser a Manchester do Norte, contribuindo para que o Maranhão fosse considerado o segundo estado mais industrializado do país, ficando atrás apenas de Minas Gerais. “Entre 1872 e 1900, instalaram-se em São Luís, vinte e quatro estabelecimentos fabris – principalmente têxteis, mas também de fósforos, cerâmicas, chumbo, sabões, prego, calçados e outras [...]. De fato, a instalação deste parque fabril teve pouco impacto sobre o crescimento demográfico, mas contribuiu para a desconcentração dos serviços e da malha viária, até o Anil”. xxx As fábricas foram instaladas na periferia da cidade expandindo os limites da urbe, tendo ao sul, pela proximidade de fontes de água potável e facilidade de escoamento da produção pelos portos e praias, a instalação de quatro grandes indústrias têxteis: a Companhia de Lanifícios Maranhenses, depois substituída pela Fábrica Santa Amélia, a Fábrica Progresso, a Fábrica São Luís e a Cânhamo. A capital maranhense também se viu beneficiada com a localização ao sul da fábrica de sabão, que aproveitaria o sebo vindo do matadouro, somando-se às de beneficiamento de arroz que existiam desde o tempo de Colônia. Esses empreendimentos criaram grande demanda de mão de obra fazendo com que o bairro da Madre Deus se tornasse atrativo para ocupação pelos mais pobres, contribuindo ainda para isso as pressões da legislação (Códigos de Postura de 1842 e 1866) e da fiscalização sanitarista sobre a população que habitava os baixos dos sobrados. Interessa que, em regra, essa região (São Pantaleão e a contígua Madre-Deus) deu lugar a infra-estruturas urbanas se especializando em destino sanitário, numa transição mediada pela implantação de sítios doados a nobres e altos funcionários de terras de aforamentoda Câmara ou de realengos do governo. Desta forma, muitas terras foram retornadas ao domínio municipal, possibilitando uma posterior ordem de distribuição espacial dentro da cidade, cuja última consequência foi tornar-se reserva urbana, na qual irão se instalar moradias populares, principalmente após o fim da escravatura, quando o trabalhador livre precisava se avizinhar dos lugares de produção na cidade. xxxi Se em 1814, a cidade pouco se estendia além da igreja matriz da Nossa Senhora da Conceição, em 1891, foi dividida em quatro distritos para melhor controle, conforme proposta do chefe de polícia aprovada pelo governo do Estado. Os distritos tinham como divisores a Rua de São João, da Praia do Prego (Norte) até a praia de São Thiago (Sul); o Eixo Leste – Oeste iniciado no Outeiro da Cruz, passando pela Rua Grande até o Largo do Carmo, descendo pela Rua do Quebra Costa e Beco do Boaventura até a praia. Com a instalação das fábricas, multiplicaram-se as construções ao longo das Ruas de São Pantaleão e da Madre Deus, recebendo uma linha de bonde que chegava à Praia da Madre Deus conforme atestam o mapa de São Luís do Álbum do Tricentenário elaborado pelo deputado Justo Jansen Ferreira em 1912 e o artigo de José Ribeiro do Amaral, xxxiide fevereiro de 1912, do qual consta: Detalhe da Planta da Cidade de São Luiz, Capital do Estado do Maranhão, adaptada ao ensino escolar pelo Lente de Geographia do Lyceu Maranhense Dr. Justo Jansen Ferreira em 1912 – terceiro centenário do estabelecimento dos Franceses no sítio onde depois se fundou a cidade, onde se vê a divisão em distritos (1891). (...) bastará lembrar que na direção S., para além de São Pantaleão, encontra-se hoje uma cidade inteiramente nova, composta, é verdade, de pequenas e modestas habitações, mas que enchem a grande área compreendida entre esta igreja, o Largo de Santiago, Hospital Militar, Cemitério Municipal e Rua Senador João Pedro. (...) em 1836, existiam já aí os cemitérios dos Ingleses e o da Misericórdia (o cemitério velho) e o primeiro Hospital dos Lázaros, por detrás deste, ambos não há muito arrasados, e bem se compreende que edifícios tais não seriam levantados nos lugares em que, até há pouco, ainda eram vistos, se já então se derramasse a cidade para além deles. O que parece certo é que, à exceção do Hospital Militar, Quinta da Boa Hora, que primitivamente pertenceu ao cirurgião-mor José Maria Barreto (atual Fábrica de Tecidos São Luís) e de uma outra que foi do falecido comendador João Gualberto da Costa (atual Fábrica Cânhamo), e que são as construções mais antigas do bairro, raríssimas edificações deveriam então por ali haver. E tanto isto assim é, que as Ruas de São Pantaleão e da Madre Deus, que por aquele lançamento (1836-1837) tinham 63 casas cada uma, possuem presentemente, a primeira, 279 prédios, e a segunda, 172, não compreendidos neste número os por concluir. Quanto à arquitetura das fábricas, as mais antigas eram adaptações do sistema construtivo tradicional para os usos específicos, sendo construídas em pedra e cal e cobertas com telha e/ou palha, enquanto as construções mais simples eram construídas em taipa ou adobe e recobertas com palha. Com a revolução industrial, foi possível importar além do maquinário necessário para a produção em série, telhas “tipo francesas” e estruturas metálicas que permitiam vãos mais amplos que os gerados pela arquitetura tradicional. Assim, uma nova tipologia baseada na arquitetura industrial inglesa foi adotada com fachadas autoportantes em alvenaria de pedra e cal ou tijolos queimados, que traduziam o conceito de funcionalidade, utilidade, eficiência e economia despojada de ornamentos: The architect’s skill lies in his ability to resolve two problems: one, given a sum of Money, to produce the most decente building possible, as in a private building; two, given the decencies required of a building, to produce the building for the smallest expense possible, as in a public building. xxxiii Planta da Cidade de São Luiz, Capital do Estado do Maranhão, adaptada ao ensino escolar pelo Lente de Geographia do Lyceu Maranhense Dr. Justo Jansen Ferreira em 1912 – terceiro centenário do estabelecimento dos Franceses no sítio onde depois se fundou a cidade. Nela estão marcadas as igrejas, sendo possível perceber que já não existia a igreja de Santiago, a capela das Barraquinhas e a da Madre Deus. Na época, havia duas praças: a Praça 13 de Maio, que ladeava a Igreja de São Pantaleão e estava limitada pela Rua das Cajazeiras, Rua do Passeio e São Pantaleão, onde se localizava o Cemitério dos Ingleses, e onde também estava a Casa dos Expostos; a Praça 1º de Maio,nome dado ao antigo Largo de Santiago,quando ali já não existia a igreja era limitada pelas ruas da Cajazeiras, da Madre Deus, de São Tiago e de São João. No mapa estão lançadas fábricas sendo duas de pilar arroz, localizadas na Rua de São João e a fábrica de sabão dos Irmãos Martins, as Fábricas São Luís e Cânhamo, com acesso pela Rua de São Pantaleão Quanto ao itinerário dos bondes, a linha “São Pantaleão” tinha como ponto final a Praia da Madre Deus, junto à Quinta do Matadouro. As fachadas apresentavam predomínio do vazio sobre o cheio, privilegiando a simetria e mantendo o alinhamento das aberturas. Estas,na grande maioria das fábricas do final do século XIX e início do século XX tinham verga,de tijolos rebocados,em arco abatido e ressaltada do plano das fachadas, tendo fechamento em madeira, com janelas de abrir muitas vezes compostas por caixilhos de vidro na parte superior e venezianas na metade inferior, guarnecidas por gradis de ferro. Muitas apresentavam platibandas demarcadas por cimalhas e barrado liso. Para quebrar a horizontalidade, pilastras destacadas do pano da fachada contribuíam para obter ritmo. O item mais marcante eram as grandes chaminés, em tijolos cerâmicos maciços e sessão circular, que podiam ser avistadas a distancia. Próximo às fábricas mais afastadas surgiram vilas operárias construídas pelos empresários com a finalidade de assegurar fácil acesso ao local de trabalho, como no caso da Fabril, Cânhamo, Santa Isabel e Anil. No entanto, com a disponibilidade de terras públicas ociosas nas proximidades das indústrias no sul da cidade, surgiu o bairro operário da Madre Deus, cujas edificações foram executadas por autoconstrução que adaptava a tipologia “porta- e-janela colonial” aos lotes estreitos, que resultou na redução das áreas livres, criando por vezes ambientes precários e insalubres. A indústria têxtil maranhense possuía um mercado consumidor, de certa forma, assegurado. Seus produtos eram bem aceitos nos estados e territórios (à época) do Norte do Brasil, e no Nordeste, com destaque para os estados do Piauí, Ceará, e do próprio Maranhão. xxxiv Com o desenrolar da I Guerra Mundial houve necessidade de aumento da produção e consequente aumento de maquinário e de empregos. No entanto, mesmo com o aparecimento de novos bairros, a população de São Luís permaneceu estável, crescendo menos de 1% ao ano. Em parte porque a indústria têxtil empregava principalmente mulheres e crianças; as epidemias como a gripe espanhola, peste bubônica e tuberculose mantinham as taxas de mortalidade altíssimas; a mão-de-obra masculina havia se deslocado para a Amazônia atraída pelo Ciclo da Borracha e a aristocracia ludovicense, durante os séculos XIX e XX, foi se transferindo para a Corte, posteriormente, a Capital da República. A Lei Orgânica dos Municípios aprovada em 1927 marcou a política de melhoramentos urbanos, dotando “a cidade [de São Luís] de infra-estrutura viária e de espaços públicos adequados às novas tecnologias de transporte, os automóveis, de serviços – energia elétrica – e de construção, com o uso de cimento e concreto armado...”. xxxv Com a melhoria das estradas que ligavamos principais núcleos habitacionais da ilha, as famílias abastadas começaram a se mudar para edificações novas e mais saudáveis como bangalôs, quintas e chácaras que cumpriam a legislação sanitarista em vigor, abandonando os antigos casarões no centro. Estes por sua vez começaram a ser adaptados, assim como os edifícios públicos, para, cumprindo com as novas exigências de higiene e estética, receberem o funcionalismo em suas repartições oriundas da reorganização da máquina administrativa da República. Com o funcionalismo público municipal estabelecido, a administração voltou suas atenções para o espaço urbano “lançando-se a uma obra de remodelação e reforma urbanística da velha cidade”. xxxvi Durante o governo do Interventor Federal do Estado Novo no Maranhão, Paulo Martins de Sousa Ramos, valendo-se dos benefícios do aumento da produção da indústria têxtil advindo da Segunda Guerra Mundial, foi lançado o Plano de Remodelação da Cidade, com a criação do Serviço de Salubridade das Habitações, voltados aos casarões então transformados em cortiços no centro da cidade; demolição de ruínas; arborização urbana; abertura das avenidas Magalhães de Almeida e Getúlio Vargas; alargamento e alinhamento de vias; reformas de praças e jardins; reforma do Hospital Geral e Instituto Oswaldo Cruz; construção do Novo Mercado Municipal. Para financiar estas obras, foram criados novos impostos que geraram protestos, principalmente daqueles ligados à Associação Comercial. É desta época o loteamento do antigo Largo de Santiago [Praça 1º de Maio] limitado pelas Ruas das Cajazeiras (antiga José Barreto – por onde passava o bonde), Rua Cândido Ribeiro (das Crioulas), Rua de Santiago e Rua Frederico Figueira (projetada para separar o loteamento da Fábrica Martins, Irmão & C.) para abrigar 26 (vinte e seis) casas divididas em quatro diferentes tipologias: “A” e “B” com três dormitórios e edícula com quarto para empregados cada e “C” e “D” com dois dormitórios e área de serviço externa cada para o funcionalismo público do estado. Foto aérea do mesmo quarteirão em 2012. Foto: Edgar Rocha. Processo evolutivo do entorno imediato As primeiras notícias sobre a ocupação da área de entorno do antigo Largo de Santiago se referem à chegada do segundo bispo do Maranhão, Dom Frei Timóteo do Sacramento. Encontrando São Luís desregrada na perspectiva religiosa, logo que assumiu o cargo, o religioso condenou à prisão, degredo e multa pessoas de todas as classes sociais acusadas de concubinato, hábito generalizado na sociedade maranhense, ignorando os privilégios conquistados com a expulsão dos holandeses xxxvii . Desrespeitando a ordem do Juízo da Corte para a soltura dos acusados, o bispo acabou sitiado em sua residência, localizada nas imediações do local que mais tarde veio a ser conhecido como Largo de Santiago. Por ordem do ouvidor, as portas e janelas do sobrado foram pregadas quando o bispo foi pessoalmente buscar água em uma fonte próxima. Dom Timóteo excomungou o capitão-mor João Duarte Franco, comandante da tropa que cumpriu a ordem, mas acabou cedendo à argumentação do sub-prior José Ferreira e suspendeu as sanções até a resolução da autoridade superior. A fonte onde o religioso foi buscar água ficou então conhecida como “Fonte do Bispo” e está localizada ao fim da Rua das Crioulas, chamada a partir do século XVIII de Rua da Madre de Deus por ser o Caminho Velho para uma pequena capela construída na “ponta de Santo Amaro” com esta invocação. Iniciada pelo Capitão-mor Manoel da Silva Serrão, a capela foi finalizada pelo capitão Constantino de Sá com a concessão pela câmara em 10 de dezembro de 1713. xxxviii Em data incerta a capela da Madre Deus passou a ser administrada pelos jesuítas, que construíram ao lado desta a Casa dos Exercícios e Religiosa Recreação de Nossa Senhora da Madre Deus cujas atividades - para os alunos do Colégio Máximo - foram descritas pelo Padre jesuíta João Tavares em 1724 em “As recreações do Rio Munim do Maranhão”. Com o confisco dos bens dos jesuítas, expulsos em 1760, a capela passou à administração civil e o prédio de dois pavimentos onde funcionara o seminário foi destinado ao Colégio dos Nobres do Maranhão, que não chegou a ser instalado. xxxix A biblioteca com mais de mil volumes encadernados foi transferida para o bispado e o prédio acabou ocupado “temporariamente” pelo Governo da Capitania durante as obras do novo Palácio, iniciadas em 1777 e só concluídas em 1811. Concluída a sede do governo o prédio foi adaptado em hospital militar. Os terrenos remanescentes do entorno foram, com o passar do tempo, arrematados ou cedidos a outras famílias que ali instalaram as suas quintas, como a da Madre de Deus, da Boa Hora, da Boa Vista, do Gavião e dos Salgados. De acordo com César Marques, no Dicionário Histórico Geográfico do Estado do Maranhão, em 9 de janeiro de 1774, no palácio do governador Joaquim de Mello e Povoas, perante o ouvidor, intendente geral, corregedor e provedor da comarca Miguel Marcellino Velloso e Gama, o Dr. Juiz de Fora provedor da Fazenda Real Henrique Guilhon e o procurador da câmara J. Miguel d’Araújo, Bernardo da Silva Gatinho arrematou por 35$000 réis setenta e quatro braças de terra dentro dos limites da cidade, no Caminho Velho, que ia para a igreja da Madre de Deus que pertenceram aos Jesuítas para a Sra. Lourença (Brígida) da Cruz Pinheiro, viúva de João de Mello. Dona Lourença fez voto de construir uma ermida dedicada a Nossa Senhora das Barraquinhas requerendo licença ao vigário geral e prometendo ainda dar todo o necessário para o culto divino. O requerimento neste sentido foi despachado pelo vigário capitular cônego Francisco Matabosque, com vista ao promotor do juízo eclesiástico, em 13 de setembro de 1779, data em que a viúva assinou escritura pública lavrada pelo tabelião Ignácio de Loyola Beckman doando para patrimônio da capela os aluguéis das casas em que morava na Rua do Açougue e, na falta destes a quantia de 6$400 reis anuais. No dia seguinte o promotor do juízo eclesiástico Dr. Bernardo Bequimão deu parecer favorável à pretensão, colocando como condição que o local fosse adequado, que a construção fosse de pedra e cal e que não se celebrasse missa sem antes a mesma ser benzida e convenientemente paramentada. César Marques ainda refere que cinco dias depois, o local chamado Sítio Bôa Vista fora vistoriado e achando-se bom o lugar, foi expedida licença para a edificação, tendo-se gasto com estes papeis a quantia de 2$765 réis. Em 1782 a capela estava pronta e decentemente paramentada. No dia 16 d’esse mesmo mês foi a capela visitada pelo Dr. Vigário geral e governador do bispado João Duarte da Costa, e “achou-a bem acabada, com os paramentos necessários para nela se poder celebrar o santo sacrifício da missa e mais ofícios divinos com decência, e sendo assim visitada benzeu a dita capela e seu adro na distância de trinta passos, sendo presentes o rvm. Cura da freguesia Bernardo Bequimão, o promotor do juízo Miguel Maciel Aranha, e o cônego José Bernardo da Fonseca, escrivão da câmara eclesiástica. xl Ainda de acordo com Marques, em 1784, foi deferido o pedido de escritura das terras que Dona Lourença possuía junto à capela das Barraquinhas que construiu, sendo as terras avaliadas em 300$000 réis pelos avaliadores do Conselho alferes Jordão Clemente Pereira e Xavier Francisco de Queiroz, em outubro daquele ano. Hoje, não há mais vestígios da antiga capela, restando apenas o nome de Rua das Barraquinhas àquela que tem início na Rua da Palha (Casimiro Júnior) e termina na Rua das Cajazeiras, próximo ao velho Largo de Santiago, local da antiga Quinta [da família dos] dos Salgado. xli A Quinta da Madre de Deus, por sua vez, esteve na posse de Manoel João Correia de Souza até 1830 quando passou por herança para a Santa Casa de Misericórdiajuntamente com outros bens. Oito anos mais tarde, a Santa Casa vendeu a Quinta para Manoel Duarte Godinho, que ali instalou o açougue público. Com sua morte, por sugestão do vereador Guilhon, em 1843 a Câmara Municipal arrematou dos herdeiros parte do terreno, aproveitando as instalações do açougue e assim suspendendo as obras do novo matadouro que estava sendo construído na Fonte do Bispo, conforme resoluções da Câmara Municipal nas edições de setembro e outubro de 1843 colhidas nas páginas do Publicador Maranhense nas quais se declara na Parte Oficial da edição de n°185 endereçada ao Inspetor do Tesouro Publico Provincial, que se liberasse 3:973$360 réis “a fim de completar o pagamento da quantia por que foi arrematada a parte da Quinta do finado Manoel Duarte Godinho, que serve de açougue público.” Em 1892 a Santa Casa da Misericórdia publicou anúncios no Diário do Maranhão para a venda da Quinta da Boa Hora, antiga propriedade do cirurgião-mor José Maria Barreto, que esteve alugada a Luiz Parga, tendo sido adquirida pela Companhia de Fiação e Tecelagem São Luiz, pelo valor de 24:313$984. xlii A quinta estava situada no extremo sul da Rua de São Pantaleão, junto à fábrica de Cânhamo, ainda em construção nos terrenos da antiga quinta de João Gualberto da Costa. Arredores de São Luís.Giuseppe Leone Righini, 1862. Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo. Outra importante propriedade naquela região era a Quinta dos Salgado, cujo primeiro proprietário, José Salgado de Sá Moscoso, era natural da Vila Nova dos Infantes, Reino de Galiza, cujo registro de capitão foi emitido em Lisboa em 24 de maio de 1788 e assinado no Maranhão em 10 de abril de 1789. A propriedade ficava localizada nos “arrabaldes da cidade, rodeada de árvores, numa pequena elevação, que em plano inclinado, vai terminar no mar” (Marques, 1970). Este historiador menciona que no arquivo do escrivão de Capelas e Resíduos está lançada uma escritura, feita em 6 de dezembro de 1788, vazada nos seguintes termos: Em que o cap. José Salgado e sua mulher fizeram doação de patrimônio a essa capela de 120$000 cada ano, na forma seguinte: a fábrica de descascar arroz, 16$000; as casas místicas à mesma capela, 40$000; e mais 64$000 por ano no rendimento das casas que possuíam na Rua do Desterro, bem como 120 braças de terra de comprido e 60 de largo, onde se achava ereta a mesma capela do Senhor São Tiago e fábrica. Falecendo o capitão em 23 de maio de 1793, com 70 anos de idade, a capela ficou em poder de seu filho o Tenente Rodrigo Luís Salgado de Sá Moscoso. Tempos depois, já na patente de Capitão-Mor, Rodrigo Luís Salgado de Sá Moscoso foi Governador de Armas entre setembro de 1823 e fevereiro de 1824, quando após prender Miguel Inácio dos Santos Freire e Bruce, presidente da junta governativa da província eleito em dezembro de 1823 xliii , sob a acusação de ser republicano foi deposto e enviado preso para a Corte no Rio de Janeiro. xliv Faleceu em 1835. A capela ficou abandonada por longos anos até que em 14 de março de 1848 o neto do fundador, o Capitão Tiago José Salgado de Sá Moscoso,na qualidade de procurador-geral de sua mãe Dona Luísa Rita de Sousa Salgado, contratou com o capuchinho Frei Doroteu de Dronero, visando a obter o beneplácito do Imperador e a autorização do bispo (esta através de sentença canônica alcançada em de 20 de julho de 1854) para transformar a capela e casas contíguas em hospício regular, “com todos os privilégios, graças, isenções e imunidades”, a que se seguiu a solenidade de inauguração com grandes celebrações quatro dias depois. S. Exa. Revma. o Sr. Bispo Diocesano D. Manuel J. da Silveira dirigiu-se nessa tarde para ali assistir o ato da ereção, sendo antes dêsse ato exaltada uma cruz grande, em frente da capela, que benta por S. Exa. Revma. foi pelo mêsmo bispo e mais dois cônegos assistentes elevada ao seu assento por meio de três longas fitas (numa pegou o bispo, e nas outras duas os dois cônegos assistentes) ajudadas pelo socorro de grossos cabos de linho, sustentados pelo povo que devotadamente se prestou a êsse serviço. - Concluída a exaltação da cruz, S Exa., cônegos e povo entraram para a capela, S. Exa. subiu ao sólio e em sua presença e dos mêsmos cônegos e missionários Frei Doroteu de Dronero(vice-prefeito)e Frei Lourenço M° do Monte Leone, e de um não pequeno concurso de povo foi lida a provisão da ereção; finda a leitura, Frei Lourenço fez (do púlpito) um discurso análogo. xlv À frente da Igreja e do Hospício, Frei Dorotheu, mandou erguer um altar para Santa Severa, colocando uma relíquia dos Santos Mártires que trouxe consigo para o Maranhão em 1852. xlvi Neste cenário, a partir de agosto de 1856, começou a ser comemorada anualmente a Festa da Virgem Mártir Santa Severa, com novena, procissão pelas Ruas de Santiago, São Pantaleão, Grande até o quartel, do Sol até a Praia Grande, retornando pelo Beco do Quebra Costa, Rua Grande, Madre de Deus, finalizando com a queima de fogos de artifício e leilão. Esta festividade tomou cada vez maior vulto, movimentando toda a cidade, sendo necessários cuidados como mudanças no trânsito e multas aos infratores para se evitarem acidentes como o encontro de carros e atropelamentos no entorno do Largo de Santiago durante as comemorações. Durante anos, os capuchinos tiveram a “posse mansa e pacífica” xlvii do templo, porém com a doença do Frei Dorotheo de Dronero, e consequente morte em agosto de 1868, o espaço ocupado pela igreja e hospício passou a ser motivo de cobiça. xlviii O bispo comissionou o Reverendo João Luiz Martins para assistir o religioso enfermo e inventariar as imagens, alfaias, paramentos, joias de ouro e prata que pertenciam à igreja assim como os demais objetos de valor da Ordem dos Capuchinhos, ficando com a guarda destes até a entrega ao Rvm° Frei José Maria de Lôro, missionário apostólico capuchinho do hospício de Santiago em 22 de dezembro de 1868. xlix Neste ínterim, o Dr. Ricardo Décio Salazar, casado com uma das herdeiras de Rodrigo Salgado, solicitou a entrega do hospício, e não conseguindo lavrou um protesto judicial julgando assim acautelar os direitos que supunha ter para o domínio da capela. Ofendido por este ato o reverendo vigário da freguesia da Conceição, Revm° Pedro Nicolau Ribeiro, dirigiu uma consulta ao Exm° Senhor Bispo, que respondeu que não havia razão para que fosse considerada extinta a ordem dos Missionários Apostólicos Capuchinhos em São Luís em função da morte do Frei Dorotheo de Dronero, mantendo os direitos de posse daquela Missão estabelecida na Diocese. Por sua vez, o Senhor Comendador Luiz José Joaquim Rodrigues Lopes, vice-cônsul da Itália tentou arrecadar os bens fazendo valer a convenção consular de 4 de fevereiro de 1863 entre o Brasil e aquele reino. O Bispo diocesano respondeu publicamente que aqueles bens não pertenciam ao religioso, mas à ordem missionária da qual Frei Dronero fazia parte. A justiça permitiu que a Igreja se mantivesse por mais alguns anos e até mesmo passasse por melhorias em 1870, sendo o vice-prefeito Frei Celestino de Pedavoli encarregado da mesma e do Hospício, onde continuavam a realizar a catequese e “civilização” dos índios. l A Festa de Santa Severa de 1874 foi grandiosa como nos tempos de Frei Dronero sendo digna de nota na imprensa local. O programa elaborado pelo encarregado da festividade Antônio Joaquim Moscoso Salgado, iniciava com novena, com o Santíssimo exposto, e música sacra e partitura de Sergio Marinho. li Durante as festividades, uma banda marcial tocou de um coreto próprio. Na véspera subiu ao céu “um magnífico balão acompanhado de foguetes de lindas vistas”. lii No dia 27 de setembro, houve missa rezada das 4 às 7 da manhã e missa solene com sermão do Evangelho às 10 horas. Às 16 horas, anunciado pela Banda Marcialteve início o leilão das oferendas. Às 19 horas um Te-Deum a grande instrumental, finalizando as festividades às 21 horas com show pirotécnico. Em fevereiro de 1876 o Frei Pedavoli embarcou para Pernambuco por ordem de seu superior geral, ficando em seu lugar o Frei José Maria de Lóro, pessoa envolvida em diversos escândalos na Fazenda Dois Braços da ordem dos capuchinhos. Em maio daquele ano, noticiou-se o fim à contestação sobre a posse da igreja de São Thiago entre Missionários capuchinhos e o Dr. Raimundo Decio Salasar. Este último, saindo vencedor, propôs a venda da Igreja e terreno adjacente, oferecendo para as urgências do Estado um terço do produto da venda. Passados dois anos, a imprensa denunciava o estado do templo que teria se tornado moradia particular, exacerbando os ânimos dos cristãos. Estamos convencidos de que o revd. Sr. dr. Tavares envidará os seus esforços no sentido de cessar esta ordem de coisas, e o Sr. Dr. Salasar, cujo espírito religioso invocamos, não desejará de forma alguma que os vindouros, quando passarem por aquelle lugar, digam: este Templo e Hospício erguidos pelo capitão José Salgado de Sá Moscoso em 1789, foi destruído, aniquilado em 1877 pelo Dr. Ricardo Decio Salasar, casado com uma das descendentes daquele pio varão Um devoto. Diário do Maranhão nº 1419, 1º de Maio de 1878. Logo vieram denúncias sobre o sumiço das alfaias e paramentos da igreja, sendo esclarecido o traslado dos mesmos para a Igreja de São Pantaleão, doada a Santa Casa de Misericórdia. Essas denúncias devem ter sido motivadas pela notícia na Pacotilha de 28 de julho de 1883 de que o encarregado da Igreja havia se negado a entregar as alfaias de Santiago ao bispo diocesano sem antes receber ordem expressa do Dr. Salasar e sua família, proprietários daquele templo. Ainda naquele ano, se tentou arrecadar dinheiro para a reconstrução da igreja e ainda se comemorou a festa de Santa Severa, tendo ao fim a queima de fogos de artifício. Porém, a Festividade teve a programação usual alterada, transferindo a parte da celebração para a igreja de São Pantaleão, mas mantendo-se por mais alguns anos a tradição do largo de Santiago onde se reuniam mais de duas mil pessoas, sendo que a principal atração passou a ser um “pau de sebo”. Hoje, o único resquício da antiga Igreja de Santiago é uma pedra mármore com inscrições, que ficava por cima da porta principal a qual se encontra recolhida na Igrejade São Josédo Desterro, no bairro do mesmo nome. http://averequete.blogspot.com.br/2011/10/templos-desparecidos-capela-de-sao.html) Durante a década de 1860, foram leiloados diversos terrenos penhorados ao casal do falecido capitão-mor Rodrigo Luiz Salgado de Sá Moscoso e sua mulher, localizados na Rua do Norte ou Imprensa, na Rua de Santa Rita, na Rua de São Pantaleão, na Rua da Madre de Deus, na Rua das Cajazeiras, na Rua de Santiago e no Largo de Santiago conforme anúncios nos jornais da época liii , conforme se pode ver do documento abaixo transcrito: EDITAES O cirurgião-mor José Silvestre dos Reis Gomes, primeiro suplente em exercício de juiz municipal da 1ª vara da cidade do Maranhão & Faço saber aos que o presente edital de praça virem ou dele tiverem noticia, que findosos dias da lei e do estilo que principiarão a correr do dia vinte e um do corrente mês, e terminarão no dia dezoito de agosto próximo vindouro, se hão de arrematar no dia seguinte dezenove de Agosto pelas dez horas da manhã, a porta das casas dos auditoiros, a quem mais der e maior lanço oferecer diversos terrenos penhorados ao casal do falecido capitão-mor Rodrigo Luiz Salgado de Sá Moscoso e sua mulher por execução que lhe move José da Silva, cujos terrenos e seus valores são os seguintes: Um na rua do Norte ou Imprensa, que tem principio desde a medição da casa arrematada por Joaquim Alves dos Santos até o canto fronteiro a quina do hospital da Misericórdia com dezesseis e meia braças de frente para o nascente e oito e meia braças de fundo para a rua de Santa Rita, a razão de quinze mil RS a braça – duzentos e quarenta e sete mil e quinhentos RS 247$5000. Outro terreno na rua de Santa Rita, com oito e meia braças de fundo para o poente com o fundo a encostar na medivisão com J. Alves dos Santos já descontadas três braças que arrematou Pedro Luiz de Azevedo Troça, partindo da casa de Lourença Joaquina da Conceição, a razão de vinte mil reis, cento e setenta mil reis – 176$000. Outro terreno na rua de S. Pantaleão, indo para o hospital militar em o qual se acha edificada uma casa de pretas minas, com treze braças de frente para o poente e quinze de fundo para o nascente e vinte mil reis, duzentos e sessenta mil reis 260$000. Outro terreno na rua da madre de Deus a partir da fonte do Bispo lado esquerdo até onde tem principio o muro fronteiro ao preto Domingos Salgado com cinqüenta e nove e meia braças de frente ao nascente e quarenta e uma braças e sete palmos de fundo para o poente, com um poço em pedra porem arruinado denominado – Cassange a vinte e cinco mil reis a braça. Um conto quatrocentos oitenta e sete mil e quinhentos reis 1:487$500 – Outro terreno contiguo o acima com muro de pedra e cal até o canto da rua de Sant’Iago com vinte quatro braças de frente ao nascente e quarenta e uma braças e sete palmos de fundo a encostar a um paredão fronteiro a porta da ilharga da igreja de Sant’Iago também murado a quarenta mil reis a braça, novecentos e sessenta mil réis 96$000. Outro terreno na rua da Madre de Deus com três braças de frente ao poente e dezesseis braças e três palmos de fundo ao nascente, com três paredes de pedra e cal místico de um lado com a preta Valeria, terreno e obra pela quantia de duzentos e cinqüenta mil reis – 250$000. Outro terreno pegado ao acima e doe canto com quatro e meia braças de frente e dezesseis braças de fundo com o qual teve casa a preta Valeria, a vinte mil reis a braça, noventa mil reis 90$000. Outro terreno na mesma rua da Madre de Deus, pegado a casa de Pedro José da Silva com duas e meia braças de frente e quatorze de fundo a vinte mil reis, sessenta mil reis 60$000. Outro terreno na mesma rua com três braças de frente e quatorze de fundo fazendo canto para a rua das Cajazeiras em que tem casa Antonio Joaquim Ramos, a vinte e cinco mil reis: 75$. Outro terreno na rua das Cajazeiras com vinte três braças de frente até encostar no terreno e casa comprada por Antonio Martins Ferreira, ao sul com doze braças e três palmos de fundo para o norte, duzentos e sessenta mil reis 260$. Quem pois nos ditos terrenos quiser lançar o poderá fazer no escrito da praça em mão do porteiro da semana ou comparecer no dia, hora e lugar indicados. Pra constar se passou o presente que será afixado no lugar de costume e publicado pela imprensa. Maranhão dezenove de julho de mil oitocentos e sessenta e dois. Eu Joaquim Pereira dos Santos Queiroz, escrivão que o escrevi. – José Silvestre dos Reis Gomes – Selo – n. 103. R$ 400. Pagou quatrocentos reis em branco – Maranhão, 19 de julho de 1862 – Sabino – Algarve – Está conforme, O escrivão, Joaquim Pereira dos Santos Queiroz. Publicador Maranhense, ed.176 de 7 de Agosto de 1862. Acredita-se que os Martins tenham adquirido o terreno nesta época, quando ao redor do Largo de Santiago se instalam algumas fábricas. Entre elas, a Fábrica de Sabão de Motta & Martins, localizada no Largo de Santiago n° 3, conforme listado na página 363 do Almanak Administrativo da Província do Maranhão 1869-1875. A ATIVIDADE FABRIL EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO, SÉCULO XVIII AO XX. Antonia da Silva Mota – historiadora. Das primeiras décadas do século XVIII, datam as referências iniciais às atividades manufatureiras no entorno da cidade de São Luís. Na documentação do Arquivo Histórico Ultramarino encontram-se registros de uma contenda entre moradores da cidade acerca da “fábricade curtir sola” de Lourenço Belfort. São Luís, em seu núcleo urbano, contabilizava somente mil e duzentos moradores, quando esse irlandês naturalizado recebeu autorização da Coroa portuguesa para instalar a primeira fábrica de “atanados” liv , “na Praça do Mercado”. Tal fábrica poderia “curtir cada ano até oito mil meios de sola, [...] ainda que esta terra não produza esta quantidade de couros” lv . Como a Coroa havia estabelecido a obrigatoriedade dos couros exportados pelo porto de São Luís passarem por tal curtume, os moradores, revoltados, se dirigiram ao rei por meio do Senado da Câmara, solicitando a revogação de tal obrigatoriedade. Não conseguiram. Segundo as autoridades metropolitanas, o sentido da medida era coibir os constantes roubos de gado, facilitada pela exportação feita com os couros “em cabelo”. Nas capitanias do Norte, desde o século XVIII, se adensavam os rebanhos bovinos para atender à demanda de carne dos enclaves populacionais localizados no litoral; bem como para abastecer a agroindústria açucareira e, mais tarde, as atividades mineradoras. Na cidade de São Luís, os curtumes localizavam-se nos arrabaldes do limitado centro urbano, nas margens dos rios Anil e Bacanga, alguns deles utilizavam dezenas de escravos. Proprietário de uma dessas unidades de produção, José Bernardes Teixeira, nascido na Vila Torre de Moncorvo, arcebispado de Braga, Portugal, fez sua vida na capitania do Maranhão, onde se casou e deu origem a numerosa descendência. “Lavrador” lvi e negociante, disse em seu testamento possuir cento e dois escravos, “entre grandes e pequenos, mulatos, negros crioulos e negros de Cacheu, entre os quais se acham oficiais de carapina, ferreiros, tecelões e pedreiros”. Pelo extrato seguinte, fica patente a constatação de que os proprietários do período investiam em vários ramos de negócios, sem buscar necessariamente a especialização: Declaramos que possuímos uma légua de terra lavrada com meia de fundo, e mais mil braças em quadra neste Sítio de Sam Payo cuja terra a houvemos por compra, e nela estamos situados com casas de sobrado, cobertas de telha, plantações de cana, café, e mais benfeitorias, engenho de canas com dois alambiques, uma caldeira, uma “cayxa”, uma caldeirinha, e dois tachos grandes, um engenho de mandioca, um moinho e uma fábrica de cortar sola = Declaramos que possuímos uma fazenda de gado vacum, e cavalar nos Campos de Anajatuba, donde temos meia légua de fundo [...] em cuja fazenda fizemos o patrimônio da nossa capela da Senhora Santa Ana que consta de trinta vacas e duas éguas, e todas as multiplicações. lvii Bernardes Teixeira menciona ainda a arrematação dos dízimos do Itapecuru e sociedade em negócios mercantis, evidenciando a versatilidade dos proprietários do período, característica de agentes que se movimentavam em uma economia pré- capitalista. Na segunda metade do século XVIII, com a inserção econômica ao mercado Atlântico realizada pelo ministério pombalino, por meio da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, foi iniciado o cultivo de gêneros agrícolas para exportação. Na capitania do Maranhão, o cultivo do arroz branco da Carolina foi imposto aos lavradores e logo obteve resultados favoráveis, pois “no primeiro ano de sua plantação exportaram-se 2.847 arrobas para Lisboa”. Zelando pelo melhoramento da atividade, “no ano de 1766, a Companhia de Comércio enviou à capitania o tenente-coronel José de Carvalho com todos os utensílios próprios para a construção de uma fábrica de soque de arroz, montada junto às margens do rio Anil”. A recomendação era de que “se tivesse muito cuidado no descascamento do arroz”. Logo no início da década de 1770 “já havia três moinhos ou fábricas de soque, pertencentes à Companhia e já se projetava o assentamento de mais dez.” lviii Esses estabelecimentos manufatureiros ocupavam as áreas periféricas da cidade, pois necessitavam da força motriz dos rios e rias para viabilizar suas atividades. Por outro lado, aproveitavam os portos naturais para obterem abastecimento de matérias-primas e da lenha com maior facilidade. As manufaturas para o trabalho de descasque do arroz em São Luís estavam situadas preferencialmente nos terrenos baixos, acessíveis pela maré, tais como Santo Antônio, Remédios e os terrenos indicados como do “Salgado”, no caminho da ermida da Madre de Deus, na ponta sul da cidade em formação. Além da ampla utilização de escravizados, naturalmente trabalhadores forros e livres dessas “fábricas” começaram a ocupar o entorno delas com construções rústicas, para moradia. No século XVIII, era utilizado regularmente como conceito de “fábrica”: “estabelecimentos especializados em atividades de beneficiamento de algum produto”. Rafael Bluteau, em seu dicionário, definiu fábrica como “construção, edifício; casa ou oficina onde se fabricam alguns gêneros” como “panos e tabacos” lix . Logo, o conceito de época é próximo ao atual e plenamente aplicável ao quadro geral que vem sendo montado nesse texto. Por exemplo, Bernardo José Prego, nascido na Vila de Vianna, Comarca de Valença do Minho, morador de São Luís, registrou em seu testamento de 1798: “tenho uma fábrica de socar arroz, que terá para o manejo desta, oitenta negros, meus escravos, pouco mais ou menos, contando pequenos e grandes. Também para o dito serviço da mesma fábrica tenho dezessete cavalos, pouco mais ou menos.” lx Mediante as doações de chãos urbanos realizados pelo Senado da Câmara de São Luís, constata-se a multiplicação dessas unidades produtivas. Ao que parece, o empreendimento era vantajoso para os proprietários daquele período, pois não eram raros os pedidos de novos terrenos para sua expansão. O trecho da carta abaixo é claro a esse respeito: Fazemos mercê (...) de dar e conceder por data e sesmaria deste Senado ao Immenoribus Roque Jacinto Lopes Tourinho e a viúva dona Francisca Xavier de Sousa Lopes um terreno de setenta braças de terras em quadra, que corre por detrás da ermida de N. S. dos Remédios para o nascente, buscando o Armazém de Pólvora desta cidade a beira de um apicum que se acha na dita paragem donde tinham já edificado duas fábricas de sola e outra de descascar arroz e por ser muito pouco terreno para as ditas manufaturas, casas de vivenda, e ranchos para os seus escravos [...] Maranhão, 15 de dezembro de 1790. lxi Nos Livros de Registro do Senado da Câmara de São Luís foram encontradas cartas de doação de chãos urbanos para as “fábricas” de Lourenço Belfort, de Manoel Loudos Reys, de um certo Trindade, de Joaquim José Gomes, de João Rodrigues de Almeida, de Simão dos Santos Malheiros e de Elena Correa. Não só os donos das fábricas recorriam à Câmara para adquirir chãos urbanos e expandir seus negócios. Inúmeros moradores também pediam terreno e davam como referência determinada “fábrica”. Alguns desses solicitantes demostravam com muita evidência sua ligação com a atividade, pois se diziam “oficial de pica- couro”, “oficial de picassola” etc. Sentindo a ameaça representada pelo avanço das atividades manufatureiras nas Colônias portuguesas, o alvará da rainha D. Maria I, de 1785, tentou controlar esse movimento ao permitir apenas fábricas de roupas mais simples para os escravos, extinguindo assim todas as outras que trabalhavam com outros materiais e produtos, sob pena de aplicar multa, cujo valor seria três vezes o valor da propriedade. lxii No Estado do Grão-Pará e Maranhão, notadamente nos arredores da cidade portuária de São Luís, verificou-se que tal vigilância foi burlada, pois os registros locais dão conta de que se multiplicavam unidades fabris, a maioria delas beneficiando produtos da pauta de exportação local, como o couro e o arroz. As fábricas também eram instaladas em terrenos mais afastados do núcleo urbano inicial, como as localizadas no Sítio de Sam Payo, noSítio Pearenga, Tamancão e o Sítio do “Físico.” Esse último, de propriedade do físico-mor Antônio José da Silva Pereira, abrigava um complexo de atividades voltadas para o beneficiamento de vários produtos, como o couro e o arroz e ainda a fabricação de cera e cal. Faziam parte do conjunto, além das casas de vivenda dos proprietários e de seus escravos, fornos, conjunto de tanques, poços, armazéns, cais, laboratório, rampas, telheiros e canalizações com caixa de distribuição para os tanques. A Fábrica do Capitão Salgado Moscoso. No final do século XVIII, na área onde mais tarde se implantariam inúmeras unidades fabris, já se verificava a existência de algumas edificações importantes: a Santa Casa de Misericórdia, a Igreja de São Pantaleão e o Cemitério dos Ingleses, no Alto do Carrapatal, mais à frente o Colégio da Madre de Deus, erigido pelos Jesuítas, e mais abaixo, a Capela e o Largo de Santiago, e uma fábrica de descasque de arroz, pertencente à família Salgado Moscoso. Segundo César Marques, a propriedade do capitão José Salgado de Sá e Moscoso, natural da Vila Nova dos Infantes, Reino de Galiza, ficava localizada nos “arrabaldes da cidade, rodeada de árvores, numa pequena elevação, que em plano inclinado, vai terminar no mar”. Escreveu o mesmo autor, que no arquivo do escrivão de Capelas e Resíduos está lançada uma escritura, feita em 6 de dezembro de 1788, Em que o capitão José Salgado e sua mulher fizeram doação de patrimônio a essa capela de 120$000 cada ano, na forma seguinte: a fábrica de descascar arroz, 16$000; as casas místicas à mesma capela, 40$000; e mais 64$000 por ano no rendimento das casas que possuíam na rua do Desterro, bem como 120 braças de terra de comprido e 60 de largo, onde se achava ereta a mesma capela do Senhor São Tiago e fábrica. lxiii Mapa de São Luís, 1844, versão modificada, em que aparecem os arredores da cidade e o lugar denominado “Salgado”, onde se situava a Quinta e a Fábrica de soque de arroz. Desenho feito a partir do livro “O Maranhão no Centenário da Independência”, de J. Ribeiro do Amaral. No mapa acima fica nítida a indicação “Salgado”, onde estava localizada uma grande edificação, à qual convergiam as ruas de São João, das Crioulas (antiga Madre de Deus) e de São Pantaleão. Provavelmente seria essa a propriedade do capitão Salgado Moscoso, com a fábrica, empreendimento responsável por atrair contingentes das populações de baixa renda para essa ponta extrema do núcleo urbano, pois as ruas se alongam até chegar aos seus limites. Por outro lado, foram as inúmeras “quintas” existentes nessa área as responsáveis por impedir a expansão natural da cidade para esse espaço. Certo é que nesses espaços foram erigidas, no século XIX, as unidades fabris que conhecemos hoje: a Fábrica Santa Amélia, a Fábrica Santiago, a São Luís e a Cânhamo. Sobre a propriedade dos Salgados, com a morte do capitão e patriarca da família, no final do século XVIII, a capela e casas místicas ficaram abandonadas por muito tempo, até que em 14 de março de 1848, o neto do fundador, o capitão Tiago José Salgado de Sá Moscoso, como procurador-geral de sua mãe, D. Luísa Rita de Sousa Salgado, fez um contrato com o capuchinho Frei Doroteu de Dronero. O religioso conseguiu, após longo processo, o beneplácito do Imperador e a autorização do bispo, para transformar a capela e casas contíguas em hospício regular lxiv , “com todos os privilégios, graças, isenções e imunidades.” A solenidade de inauguração dessa benfeitoria ocorreu com grandes celebrações a 24 de julho de 1854. César Marques registra que os capuchinhos estiveram mansa e pacificamente à frente da casa e capela de Santiago até a morte do Frei Doroteu, em 1869, quando “apresentou-se o Dr. Ricardo Décio Salazar, casado com uma das herdeiras de Rodrigo Salgado, pedindo a entrega das propriedades por julgar ter direitos ao domínio da capela.” A briga seguiu acirrada. A longa contenda arregimentou defensores pró e contra, que se manifestaram nos tribunais como jornais da época. lxv Ao que parece, a disputa judicial acabou por condenar a capela e o largo, que hoje já não existem mais, tendo seus terrenos sido vendidos aos poucos pelos herdeiros da família Moscoso. Infelizmente, a historiografia nada informa sobre o destino da fábrica de descasque de arroz pertencente à propriedade dos Moscoso. Tudo leva a crer que foi comprada, ou arrendada, e continuou a beneficiar arroz, pois o Maranhão, durante todo o século XIX exportou este gênero agrícola em larga escala, sendo o segundo na pauta de exportação da província. Obviamente que tais unidades de produção logo atraíram para seu entorno uma população de moradores livres e alforriados de poucas posses. A Câmara de São Luís emitiu inúmeros títulos de terra para moradores que ali construíram suas casas. Essa população de trabalhadores de menor renda passou a constituir significativo contingente urbano que foi se concentrando na periferia da cidade. Os registros de doações de chãos urbanos evidenciam a diversificação social e étnica da população no final do século XVIII. O exemplo seguinte é elucidativo de tal premissa: O Doutor Jozé Thomas da Sylva Quintanilha (...) e mais senadores que servimos (...), fazemos mercê de dar e conceder a cafuza forra Anna Raymunda, casada, e a seu irmão Antonio da Trindade um chão de cinco braças de testada e quinze de fundos na rua da Madre de Deus, com a frente para o poente e os quintais ao nascente, místicos da parte do sul a outro chão concedido a Luísa, cafuza forra, mãe dos ditos acima (...). São Luís do Maranhão, 13 de setembro de 1781. lxvi Semelhantes a esses, existem inúmeros registros de terras concedidos pela Câmara a moradores nos terrenos baixos localizados próximos à Fonte das Pedras e no “caminho da ermida da Madre de Deus”, depois rua de São Pantaleão. Tais registros permitem constatar a expansão do perímetro urbano para essa área periférica da cidade de São Luís. A Fábrica dos Irmãos Martins. Consultando a documentação relativa ao período, verifica-se que, ainda no século XIX, o português de Aveiro, Manoel Pereira Martins, tendo começado a produzir sabão de andiroba em Morros, decidiu tentar a sorte em São Luís, capital da província. Na segunda metade do mesmo século, conforme anúncio citado por Jerônimo de Viveiros, os Martins já aparecem associados à Fábrica de Santiago, como proprietários desse negócio, perfilando-se o empreendimento na tradição das antigas fábricas de descasque de arroz existentes nos arredores de São Luís. Ao discorrer acerca das saboarias pioneiras nesta região, Jerônimo Viveiros assinala que, Depois da pilação de arroz, a indústria mais importante era a de sabão, artigo que importávamos em larga escala da Inglaterra, apesar das três fábricas que possuíamos. Uma pertencia à firma Bottentuit & Chavanes, ficava à rua do Pespontão, servida por força a vapor e produzia 2.000 libras de sabão, 100 de velas estearinas e 250 frascos de azeite; a outra era de Lázaro Moreira de Sousa, sita na praia dos Remédios, com a produção mensal de 32.000 libras de sabão amarelo e 60 caixas de sabão branco; e a terceira, situada no largo de Santiago, era propriedade de Manuel Pereira Martins. lxvii Um problema constatado na obra de Jerônimo de Viveiros é que ele raramente cita suas fontes, mas é um fato que no Largo de Santiago existiam várias fábricas de descasque de arroz, tendo sido uma delas adquirida por Manoel Pereira Martins. Nessa empresa ele continuou a descascar arroz, a fabricar sabão e logo iniciou a atividade de extração de óleos vegetais. Sobre as fábricas pioneiras ainda em funcionamento no terceiro quarto do século XIX, Jerônimo de Viveiros mencionou como as mais importantes as de “pilar arroz”, destacando-se a Feliz Esperança, de João Gualberto da Costa, situada à rua da
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