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VIVER MAIS E MELHOR - Envelhecer é um Privilégio - REVISTA MENTE CÉREBRO, N 273

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c a p a 
viver mais e melhor 
ENVELHECER 
é um privilégio! 
CADA PESSOA TEM RESPONSABILIDADE SOBRE O P R Ó P R I O PROCESSO DE 
AMADURECIMENTO. PARA DESFRUTAR DA MATURIDADE É IMPORTANTE 
PREPARAR-SE E T R A Ç A R UM PROjETO DE VIDA QUE COMPREENDA ASPECTOS 
RELATIVOS À S A Ú D E F Í S I C A , MENTAL, FINANCEIRA, SOCIAL E INTELECTUAL 
por Marília Albuquerque 
A AUTORA 
MARÍLIA ALBUQUERQUE é gerontóloga pela 
Escola de Artes, Ciências e Humanidades da 
Universidade de São Paulo (USP), mestre em 
farmacologia (ICB/USP) e doutoranda pelo 
programa Ciências da Saúde da Faculdade de 
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. 
Você já pensou em um plano para seu envelhecimen-to? Feche os olhos e se imagine comemorando seu aniversário de 85 anos. Imaginou? Tarefa difícil? Em geral, as pessoas se surpreendem com essa 
provocação. Quando estimuladas a pensar na celebração 
dos 85 anos, trazem visualizações de grandes festas, na 
maioria das vezes rodeadas por família e amigos ou se 
imaginam em navios ou destinos paradisíacos realizando 
a viagem tão sonhada. Nessa visão do futuro, a celebração 
só acontecerá da forma que idealizamos se houver um 
planejamento de vida. Para alcançarmos nosso objetivo, 
precisamos de um plano! 
Essa provocação foi feita pelo médico brasileiro Ale-
xandre Kalache, que dirigiu o departamento de envelheci-
mento e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) 
e, atualmente, preside o Centro Internacional de Longevi-
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dade Brasil. Em sua opinião, o país vive o que chama de 
"revolução da longevidade". 
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
(IBGE) corroboram essa impressão. Em 2013, a expectativa 
de vida do brasileiro ao nascer era de 74,9 anos, o que au-
mentou substancialmente se compararmos à esperança de 
vida em 1945, que era de 43 anos ou em 1980, de 62,6 anos. 
O Brasil mudou seu cenário demográfico rapidamente e 
esse aumento da expectativa de vida foi possível, principal-
mente, devido à melhora nos parâmetros de saúde pública, 
ao acesso à assistência médica, aos novos equipamentos e 
medicamentos. Não são apenas esses números que nos im-
pressionam: a quantidade de pessoas com mais de 60 anos 
aumentou expressivamente. Em 1940, tínhamos 1,7 milhão 
de idosos; em 2010, já eram 20,6 milhões, e as projeções do 
IBGE para 2020 são de 30,9 milhões. Podemos pensar que 
o envelhecimento populacional seja uma grande conquista. 
Porém, não raro, nos deparamos com a supervalorização 
do padrão contemporâneo de beleza e nos submetemos a 
ele. Isso explica por que tantas pessoas estão dispostas a 
fazer qualquer coisa para não envelhecer, sujeitando-se a 
procedimentos cirúrgicos e terapias anti-ageing (do inglês 
antienvelhecimento), na tentativa de se adequar à indústria do 
consumo. Deixamos de lado o fato de que cada idade tem suas 
características e beleza e o envelhecimento é inerente à vida. 
Mas é preciso avaliar o que queremos: quantidade ou 
qualidade? Provavelmente ambos. Os profissionais gra-
duados em gerontologia acreditam que não podemos nos 
contentar apenas com o acréscimo de velas nos bolos de 
aniversário - precisamos acrescentar vida aos anos. 
O termo "gerontologia" (do grego géro/i: envelhecimento; 
e logia: estudo) foi estabelecido por Elie Metchnikoff, em 
outubro 2015 • mentecérebro 31 
^ capa 
viver mais e melhor 
1903. No Brasil, o primeiro curso de bacha-
relado foi criado em 2005, com a proposta de 
preparar profissionais para atuar em todo o 
processo de envelhecimento, sob as perspecti-
vas biológica, psicológica e social. Essa atuação 
perpassa diversos cenários, desde preparação 
de professores nas escolas infantis para traba-
lharem com a temática até gerenciamento de 
instituições que oferecem serviços para idosos 
e suas famílias. 
DESDE A INFÂNCIA 
Queremos qualidade de vida por muito tempo. 
Mas para isso precisamos íjuerer envelhecer-
algo nem sempre bem-visto em nossa cultura 
e talvez por isso esse processo seja muitas 
vezes negado. Muitas pessoas chegam aos 
60 anos ou mais e dizem: "A partir de agora 
vou me cuidar!". Na verdade, é fundamental 
estimular a cultura do autocuidado desde a 
infância. Cada um de nós é responsável pelo 
próprio processo de envelhecimento, mas 
nem sempre somos realmente protagonistas 
de nossas vidas. Quanto nos responsabiliza-
mos por nossas escolhas? Alimentação sau-
dável e balanceada em nutrientes; práticas de 
exercícios físicos (pelo menos três vezes por 
semana); atividades cognitivas regulares (como 
leitura, jogos, aprendizado de um novo idioma, 
um instrumento musical); interação social, 
além de outros estímulos podem nos ajudar 
a construir o envelhecimento que sonhamos, 
aquele imaginado para a festa de 85 anos. 
Em que consiste o nosso planejamento de 
vida? Parece muito abstrato traçar um plano 
para a existência, talvez um pouco presunçoso, 
mas o importante é estabelecer metas de cuida-
do com o corpo e a mente e de reflexão - e nos 
compromissarmos com elas. É fundamental 
sabermos que, no nosso trajeto, podemos 
encontrar alguma ponte rompida, às vezes é 
possível utilizar um atalho, outras vezes preci-
samos arrumar a ponte para prosseguirmos. 
Mas o que precisamos fazer para chegar aos 
85 anos-ou mais-comodesejamos, partindo 
de onde estamos agora? 
Em primeiro lugar há alguns pontos a serem 
observados. Por exemplo: os termos se/iescénc/fl 
esenilidade a\nda são muito confundidos. Duran-
te muito tempo, as pessoas achavam que enve-
lhecer era sinónimo de doença e esse processo 
era chamado de senilidade. A senescência refere-
-se ao envelhecimento normal, no qual algumas 
alterações fisiológicas são esperadas, embora a 
intensidade e o início variem. Entre as mudanças 
há o aparecimento de rugas e cabelos brancos, 
menor acuidade dos sentidos (visão, audição, 
olfato, paladar e tato), menor resistência física, 
diminuição da estatura, alteração nas funções 
cardíacas, renais, respiratórias e digestivas. É 
importante ressaltar que essas condições não 
trazem restrições necessariamente. 
Em contrapartida, para a maioria das pessoas 
alguns aspectos psicológicos vão se fortalecendo 
com o tempo, de acordo com as experiências 
de vida, auxiliando na tomada de decisões, nas 
relações interpessoais, diminuindo a impulsivi-
dade, melhorando a coerência e a objetividade. 
As decisões que tomamos aos 40 anos são 
totalmente diferentes daquelas tomadas aos 25 
anos; há maior coerência, ponderação, enfim, há 
mais resiliência (resistência psíquica). 
A educadora Anita Liberalesso Neri, doutora 
em desenvolvimento humano, professora e 
coordenadora do curso de pós-graduação em 
gerontologia da Universidade Estadual de Cam-
pinas (Unicamp), introduziu no Brasil o conceito 
de lifespan (desenvolvimento ao longo de toda 
a vida). Segundo ela, o modelo psicológico de 
envelhecimento bem-sucedido, baseado em pro-
cessos de aprimoramento seletivo com compen-
sação, significa simplesmente fazer e ser o melhor 
possível com os recursos de que dispomos. 
O planejamento de vida deve levar em 
consideração aspectos positivos e negativos 
que surgem ao longo do tempo para que pos-
samos nos preparar para o que virá, levando em 
conta a promoção tanto da saúde física quanto 
psíquica. Segundo Kalache, um projeto de vida 
compreende quatro capitais: vital, financeiro, 
social e de conhecimento. 
O capital vital diz respeito ao estilo de 
vida; trata-se do cuidado com alimentação, 
funcionamento do corpo e atividade física. 
O capitai financeiro envolve a administração 
financeira pessoal e a reflexão sobre como 
queremos viver nossa aposentadoria, nos 
organizando antecipadamente para isso. O 
capital social engloba relações com amigos, 
família, companheiros, já que é fundamental 
nutrir redes de suporte. Por fim, o capital de 
conhecimento compreende o acesso a infor-
mações, educação continuada tanto formal 
quanto não formal, o que nos possibilita rein-
ventar o curso de vida a qualquer momento. 
DIREITO, DEVER E VOZ 
A educação para o eni^elhecimentodeveria ser algo 
ensinado nas escolas desde as primeiras séries 
com o objetivo de desmitificar o envelhecimento 
e agregar à velhice perspectivas positivas. Esse 
tipo de informação auxilia o curso da própria 
vida, além de contribuir para o fortalecimento 
das relações e trocas intergeracionais. 
Se uma pessoa entende que será o velho 
de amanhã, sua atitude muda. Temos, porém, 
a tendência a acreditar que idoso é sempre o 
outro - e ficamos felizes quando alguém nos dá 
uma idade menor do que temos. Essa cultura 
vem de onde? Na maioria 
das vezes, o adjetivo "velho" 
caracteriza o objeto que 
queremos substituir, aquele 
que jogaremos fora. Mas é 
possível mudar essa pers-
pectiva. E se "velho" adjetivar 
um vinho, um uísque, uma 
cachaça, uma moeda, um 
móvel, um disco de vinil, 
uma louça, um livro? Talvez 
pensássemos nesses objetos 
como antigos, valiosos - e 
não como descartáveis. 
Socialmente, parece ur-
gente ressignificar nossos 
idosos e idosas, atribuindo 
a eles o valor cultural que têm. Essa quebra de 
paradigmas pode contribuir para que tantas 
pessoas deixem de estar à margem e passem 
a compor o quadro social como agente ativo, 
com atividades, direitos, deveres e voz. Dessa 
forma, não só os idosos teriam ganhos, mas 
todas as pessoas, incluindo eu e você - que 
estamos envelhecendo a cada instante. 
As Universidades Abertas à Terceira Idade 
(UNATIs) são grandes exemplos de inclusão e 
valorização. Segundo a psicóloga MeireCachio-
ni, professora do curso de graduação em geron-
tologia da Universidade de São Paulo (USP) e 
pesquisadora de UNATIs, há aproximadamente 
200 programas para idosos nas instituições 
de ensino superior brasileiras. A proposta é 
promover a inserção do idoso, estimulando a 
saúde física e mental, a participação e a auto-
nomia por meio de oportunidades educacionais 
e culturais que favoreçam o desenvolvimento 
desses homens e mulheres. 
Outras iniciativas, também no campoda edu-
cação não formal, são os cursos de extensão nas 
universidades, bem como projetos e programas 
destinados aos idosos em institutos culturais, 
museus e equipamentos de lazer, como o Ser-
viço Social do Comércio (Sesc). Essas iniciativas 
são excelentes oportunidades para os idosos, 
desde que as diretrizes dos programas não os 
"infantilizem". É indispensável atentar para o 
fato de que o processo de envelhecimento é 
muito heterogéneo, e ao oferecer atividades para 
idosos é importante ter respeito e consideração 
pela história de vida dessas pessoas. S 
Se uma pessoa 
entende que vai 
envelhecer, sua 
atitude muda. Temos, 
porém, a tendência a 
acreditar que idoso 
é sempre o outro 
- e ficamos felizes 
quando alguém nos 
dá uma idade menor 
do que temos 
PARA SABER MAIS 
A reinvenção da velhice: 
socialização e processos 
de reprivatização do en-
velhecimento. Guita Grin 
Debert. Edusp, 2004. 
A bela velhice. Mirian Gol-
denberg. Record, 2013. 
Palavras-chave em geron-
tologia. Anita Liberalesso 
Neri. Alínea, 2014. 
Velhice bem-sucedida: 
aspectos afetivos e cog-
nitivos. Anita Liberalesso 
Neri e Mônica S. Yassuda. 
Papirus, 2004. 
Coping with the longevity 
revolution. Alexandre Ka-
lache, em Ciência i? Saúde 
Coietiva, vol 19, n° 8, págs. 
3306-3306; agosto de 2014. 
Universidade da terceira 
idade. Meire Cachioni e 
Tiago Nascimento, em 
Tratado de Geriatria e 
Gerontologia, v. 1, págs. 
1655-1663; 2011. 
outubro 2015 • mentecérebro 33 
A PSICOLOGIA DO ALTRUÍSMO, PENSAR SOBRE SEXO, O TEATRO E A PSICANÁLISE, 
POR MATTHIEU RICARD POR ALAIN DE BOTTON POR JOYCE MCDOUGALL 
SCIENTIFIC AMERICAN m_ ZVi 
mente 
cérebro 
p s i c o l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u r o c i ê n c i a 
Descobertas recentes sobre 
a doença de Parkinson 
Quando cadeiras 
causam depressão 
NOVA SEÇÃO 
Grandes experimentos 
da psicologia 
Um número 
cada vez ^ 
maior de 
pessoas 
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