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c a p a viver mais e melhor ENVELHECER é um privilégio! CADA PESSOA TEM RESPONSABILIDADE SOBRE O P R Ó P R I O PROCESSO DE AMADURECIMENTO. PARA DESFRUTAR DA MATURIDADE É IMPORTANTE PREPARAR-SE E T R A Ç A R UM PROjETO DE VIDA QUE COMPREENDA ASPECTOS RELATIVOS À S A Ú D E F Í S I C A , MENTAL, FINANCEIRA, SOCIAL E INTELECTUAL por Marília Albuquerque A AUTORA MARÍLIA ALBUQUERQUE é gerontóloga pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), mestre em farmacologia (ICB/USP) e doutoranda pelo programa Ciências da Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Você já pensou em um plano para seu envelhecimen-to? Feche os olhos e se imagine comemorando seu aniversário de 85 anos. Imaginou? Tarefa difícil? Em geral, as pessoas se surpreendem com essa provocação. Quando estimuladas a pensar na celebração dos 85 anos, trazem visualizações de grandes festas, na maioria das vezes rodeadas por família e amigos ou se imaginam em navios ou destinos paradisíacos realizando a viagem tão sonhada. Nessa visão do futuro, a celebração só acontecerá da forma que idealizamos se houver um planejamento de vida. Para alcançarmos nosso objetivo, precisamos de um plano! Essa provocação foi feita pelo médico brasileiro Ale- xandre Kalache, que dirigiu o departamento de envelheci- mento e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, atualmente, preside o Centro Internacional de Longevi- 30 dade Brasil. Em sua opinião, o país vive o que chama de "revolução da longevidade". Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corroboram essa impressão. Em 2013, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 74,9 anos, o que au- mentou substancialmente se compararmos à esperança de vida em 1945, que era de 43 anos ou em 1980, de 62,6 anos. O Brasil mudou seu cenário demográfico rapidamente e esse aumento da expectativa de vida foi possível, principal- mente, devido à melhora nos parâmetros de saúde pública, ao acesso à assistência médica, aos novos equipamentos e medicamentos. Não são apenas esses números que nos im- pressionam: a quantidade de pessoas com mais de 60 anos aumentou expressivamente. Em 1940, tínhamos 1,7 milhão de idosos; em 2010, já eram 20,6 milhões, e as projeções do IBGE para 2020 são de 30,9 milhões. Podemos pensar que o envelhecimento populacional seja uma grande conquista. Porém, não raro, nos deparamos com a supervalorização do padrão contemporâneo de beleza e nos submetemos a ele. Isso explica por que tantas pessoas estão dispostas a fazer qualquer coisa para não envelhecer, sujeitando-se a procedimentos cirúrgicos e terapias anti-ageing (do inglês antienvelhecimento), na tentativa de se adequar à indústria do consumo. Deixamos de lado o fato de que cada idade tem suas características e beleza e o envelhecimento é inerente à vida. Mas é preciso avaliar o que queremos: quantidade ou qualidade? Provavelmente ambos. Os profissionais gra- duados em gerontologia acreditam que não podemos nos contentar apenas com o acréscimo de velas nos bolos de aniversário - precisamos acrescentar vida aos anos. O termo "gerontologia" (do grego géro/i: envelhecimento; e logia: estudo) foi estabelecido por Elie Metchnikoff, em outubro 2015 • mentecérebro 31 ^ capa viver mais e melhor 1903. No Brasil, o primeiro curso de bacha- relado foi criado em 2005, com a proposta de preparar profissionais para atuar em todo o processo de envelhecimento, sob as perspecti- vas biológica, psicológica e social. Essa atuação perpassa diversos cenários, desde preparação de professores nas escolas infantis para traba- lharem com a temática até gerenciamento de instituições que oferecem serviços para idosos e suas famílias. DESDE A INFÂNCIA Queremos qualidade de vida por muito tempo. Mas para isso precisamos íjuerer envelhecer- algo nem sempre bem-visto em nossa cultura e talvez por isso esse processo seja muitas vezes negado. Muitas pessoas chegam aos 60 anos ou mais e dizem: "A partir de agora vou me cuidar!". Na verdade, é fundamental estimular a cultura do autocuidado desde a infância. Cada um de nós é responsável pelo próprio processo de envelhecimento, mas nem sempre somos realmente protagonistas de nossas vidas. Quanto nos responsabiliza- mos por nossas escolhas? Alimentação sau- dável e balanceada em nutrientes; práticas de exercícios físicos (pelo menos três vezes por semana); atividades cognitivas regulares (como leitura, jogos, aprendizado de um novo idioma, um instrumento musical); interação social, além de outros estímulos podem nos ajudar a construir o envelhecimento que sonhamos, aquele imaginado para a festa de 85 anos. Em que consiste o nosso planejamento de vida? Parece muito abstrato traçar um plano para a existência, talvez um pouco presunçoso, mas o importante é estabelecer metas de cuida- do com o corpo e a mente e de reflexão - e nos compromissarmos com elas. É fundamental sabermos que, no nosso trajeto, podemos encontrar alguma ponte rompida, às vezes é possível utilizar um atalho, outras vezes preci- samos arrumar a ponte para prosseguirmos. Mas o que precisamos fazer para chegar aos 85 anos-ou mais-comodesejamos, partindo de onde estamos agora? Em primeiro lugar há alguns pontos a serem observados. Por exemplo: os termos se/iescénc/fl esenilidade a\nda são muito confundidos. Duran- te muito tempo, as pessoas achavam que enve- lhecer era sinónimo de doença e esse processo era chamado de senilidade. A senescência refere- -se ao envelhecimento normal, no qual algumas alterações fisiológicas são esperadas, embora a intensidade e o início variem. Entre as mudanças há o aparecimento de rugas e cabelos brancos, menor acuidade dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), menor resistência física, diminuição da estatura, alteração nas funções cardíacas, renais, respiratórias e digestivas. É importante ressaltar que essas condições não trazem restrições necessariamente. Em contrapartida, para a maioria das pessoas alguns aspectos psicológicos vão se fortalecendo com o tempo, de acordo com as experiências de vida, auxiliando na tomada de decisões, nas relações interpessoais, diminuindo a impulsivi- dade, melhorando a coerência e a objetividade. As decisões que tomamos aos 40 anos são totalmente diferentes daquelas tomadas aos 25 anos; há maior coerência, ponderação, enfim, há mais resiliência (resistência psíquica). A educadora Anita Liberalesso Neri, doutora em desenvolvimento humano, professora e coordenadora do curso de pós-graduação em gerontologia da Universidade Estadual de Cam- pinas (Unicamp), introduziu no Brasil o conceito de lifespan (desenvolvimento ao longo de toda a vida). Segundo ela, o modelo psicológico de envelhecimento bem-sucedido, baseado em pro- cessos de aprimoramento seletivo com compen- sação, significa simplesmente fazer e ser o melhor possível com os recursos de que dispomos. O planejamento de vida deve levar em consideração aspectos positivos e negativos que surgem ao longo do tempo para que pos- samos nos preparar para o que virá, levando em conta a promoção tanto da saúde física quanto psíquica. Segundo Kalache, um projeto de vida compreende quatro capitais: vital, financeiro, social e de conhecimento. O capital vital diz respeito ao estilo de vida; trata-se do cuidado com alimentação, funcionamento do corpo e atividade física. O capitai financeiro envolve a administração financeira pessoal e a reflexão sobre como queremos viver nossa aposentadoria, nos organizando antecipadamente para isso. O capital social engloba relações com amigos, família, companheiros, já que é fundamental nutrir redes de suporte. Por fim, o capital de conhecimento compreende o acesso a infor- mações, educação continuada tanto formal quanto não formal, o que nos possibilita rein- ventar o curso de vida a qualquer momento. DIREITO, DEVER E VOZ A educação para o eni^elhecimentodeveria ser algo ensinado nas escolas desde as primeiras séries com o objetivo de desmitificar o envelhecimento e agregar à velhice perspectivas positivas. Esse tipo de informação auxilia o curso da própria vida, além de contribuir para o fortalecimento das relações e trocas intergeracionais. Se uma pessoa entende que será o velho de amanhã, sua atitude muda. Temos, porém, a tendência a acreditar que idoso é sempre o outro - e ficamos felizes quando alguém nos dá uma idade menor do que temos. Essa cultura vem de onde? Na maioria das vezes, o adjetivo "velho" caracteriza o objeto que queremos substituir, aquele que jogaremos fora. Mas é possível mudar essa pers- pectiva. E se "velho" adjetivar um vinho, um uísque, uma cachaça, uma moeda, um móvel, um disco de vinil, uma louça, um livro? Talvez pensássemos nesses objetos como antigos, valiosos - e não como descartáveis. Socialmente, parece ur- gente ressignificar nossos idosos e idosas, atribuindo a eles o valor cultural que têm. Essa quebra de paradigmas pode contribuir para que tantas pessoas deixem de estar à margem e passem a compor o quadro social como agente ativo, com atividades, direitos, deveres e voz. Dessa forma, não só os idosos teriam ganhos, mas todas as pessoas, incluindo eu e você - que estamos envelhecendo a cada instante. As Universidades Abertas à Terceira Idade (UNATIs) são grandes exemplos de inclusão e valorização. Segundo a psicóloga MeireCachio- ni, professora do curso de graduação em geron- tologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de UNATIs, há aproximadamente 200 programas para idosos nas instituições de ensino superior brasileiras. A proposta é promover a inserção do idoso, estimulando a saúde física e mental, a participação e a auto- nomia por meio de oportunidades educacionais e culturais que favoreçam o desenvolvimento desses homens e mulheres. Outras iniciativas, também no campoda edu- cação não formal, são os cursos de extensão nas universidades, bem como projetos e programas destinados aos idosos em institutos culturais, museus e equipamentos de lazer, como o Ser- viço Social do Comércio (Sesc). Essas iniciativas são excelentes oportunidades para os idosos, desde que as diretrizes dos programas não os "infantilizem". É indispensável atentar para o fato de que o processo de envelhecimento é muito heterogéneo, e ao oferecer atividades para idosos é importante ter respeito e consideração pela história de vida dessas pessoas. S Se uma pessoa entende que vai envelhecer, sua atitude muda. Temos, porém, a tendência a acreditar que idoso é sempre o outro - e ficamos felizes quando alguém nos dá uma idade menor do que temos PARA SABER MAIS A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do en- velhecimento. Guita Grin Debert. Edusp, 2004. A bela velhice. Mirian Gol- denberg. Record, 2013. Palavras-chave em geron- tologia. Anita Liberalesso Neri. Alínea, 2014. Velhice bem-sucedida: aspectos afetivos e cog- nitivos. Anita Liberalesso Neri e Mônica S. Yassuda. Papirus, 2004. Coping with the longevity revolution. Alexandre Ka- lache, em Ciência i? Saúde Coietiva, vol 19, n° 8, págs. 3306-3306; agosto de 2014. Universidade da terceira idade. Meire Cachioni e Tiago Nascimento, em Tratado de Geriatria e Gerontologia, v. 1, págs. 1655-1663; 2011. outubro 2015 • mentecérebro 33 A PSICOLOGIA DO ALTRUÍSMO, PENSAR SOBRE SEXO, O TEATRO E A PSICANÁLISE, POR MATTHIEU RICARD POR ALAIN DE BOTTON POR JOYCE MCDOUGALL SCIENTIFIC AMERICAN m_ ZVi mente cérebro p s i c o l o g i a • p s i c a n á l i s e • n e u r o c i ê n c i a Descobertas recentes sobre a doença de Parkinson Quando cadeiras causam depressão NOVA SEÇÃO Grandes experimentos da psicologia Um número cada vez ^ maior de pessoas ultrapassa os 100 anos. O desafio é chegar lá com corpo e mente saudáveis POR S R$13,90 I 4,90 € MPO EDIÇÃO DE ANIVERSARIO
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