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Resumo - Antologia Cultural (Lobato e Zeny)

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Geografia Cultural – Uma Antologia (Volume I)
Sumário
· Geografia cultural: apresentando uma antologia
Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl
	Os autores se propõem nesse livro a apresentar uma parcela do debate no âmbito da geografia cultural. A geografia cultural apresenta dois caminhos principais, que se distinguem entre si pela gênese, pelo percurso intelectual e pelo conceito de cultura adotado. Os dois caminhos são: geografia cultural saueriana ou Escola de Berkeley e nova geografia cultural ou geografia cultural pós-80. A primeira tem início com o lançamento da “Morfologia da Paisagem” em 1925, enquanto a segunda começa a emergir por volta de 1975 (ano de falecimento de Sauer), ganhando força a partir dos anos 1980. As duas correntes têm convivido desde então, sobretudo nos EUA.
	Na geografia cultural saueriana, a cultura é definida de forma ampla, abrangendo, entre outros, costumes, crenças, hábitos, leis, artes etc., especialmente as manifestações materiais. Na geografia cultural saueriana a cultura tem poder causal, pairando sobre a sociedade indepentemente dela. No âmbito da nova geografia cultural, o conceito de cultura é restrito aos significados criados e recriados pelos diversos grupos sociais a respeito das diferentes esferas da vida em suas específicas espacialidade. Na nova geografia cultural, a cultura não tem papel determinante, constituindo um contexto para reprodução dos diferentes grupos sociais – essa área da geografia insere-se numa perspectiva interpretativa. No presente livro, essa segunda corrente da geografia cultural é privilegiada.
História, conceitos e proposições
· Epistemologia e teoria cultural
Scott William Hoefle
Existe uma grande polissemia acerca do termo cultura, no entanto, é possível estabelecer parâmetros que permitem reunir as numerosas definições em alguns poucos padrões com características semelhantes – proposta do artigo de Hoefle. O autor argumenta que a relação entre epistemologia e visão de cultura pode ser apresentada em três modelos históricos de cultura com epistemologias diferentes. 
	Para o autor, há três epistmologias científicas: a fenomenologia, o empirismo e o racionalismo. Cada uma delas, representa um saber diferente de como se precede ao conhecimento da realidade percebida, tendo escopo social, temporal e espacial, método científico e procedimento analítico diferentes. 
	Na visão fenomenológica, cultura é uma “colcha de retalhos” costurada aleatoriamente por processos históricos locais e, portanto, configurações únicas no tempo e no espaço. Pela diferença da cultura do pesquisador para aquela estudada, utiliza-se o método construtivista, que envolve uma observação participativa e a imersão em longos trabalhos de campo – interpretação qualitativa e intuitiva. O pesquisador busca traduzir a experiência cultural e produzir um texto.
	No modelo funcionalista, a sociedade é um organismo integrado e composto de partes interdependentes. Por meio da observação indutiva e da descrição qualitativa e quantitativa simples, os cientistas estudam as sociedades existentes, buscando produzir pesquisas de caso suficientes para emergir padrões, tendências gerais e, finalmente, teorias gerais. Alega-se que só o cientista social, por não fazer parte da sociedade estudada, possui objetividade para observar as práticas sociais. 
(...)
· Desenvolvimentos recentes em geografia cultural
Carl O. Sauer
Neste texto, originalmente publicado em 1927, Sauer faz um resgate da produção geográfica europeia da segunda metade do século XIX até os anos 1920. Neste artigo, já estão postas as bases mais sólidas sobre as quais a geografica cultural saueriana seria construída, sendo, portanto, um artigo imprescindível. 
	Ver resumo do artigo “A morfologia da paisagem”, também de Sauer.
· A geografia cultural brasileira: uma avaliação preliminar
Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl
Neste texto, os organizadores da coletânea apresentam e discutem as ideias da abordagem cultural na geografia brasileira após a sua implantação em 1994. 
	Os autores iniciam o texto evocando algumas questões: Que razões levaram ao desenvolvimento tardio da geografia cultural no Brasil? Em que contexto esse subcampo emerge no Brasil? Como se caracteriza sua produção?
O desenvolvimento tardio 
	Os autores apontam várias razões para o atraso da geografia cultural brasileira. A primeira, mais intensa, é a combinação de uma excessiva influência da corrente vidaliana de geografia com a má apropriação da mesma por parte dos geógrafos brasileiros. Na geografia vidaliana, a cultura, entendida em sentido amplo, constitui mais um dos componentes das complexas relações sociedade-natureza, sem constituir um campo autônomo de investigação (tanto entre os franceses, que só fazem essa distinção nos anos 70, quanto entre os brasileiros seus discípulos, ainda mais tardiamente). Como complemento, houve pouco interesse por parte dos geógrafos culturais norte-americanos pela realidade brasileira, havendo pouco intercâmbio entre as partes (excesão feita à Hilgard Sternberg O’Reilly).
	A segunda razão diz respeito à concomitância entre a expansão dos cursos de Geografia no Brasil, a partir dos anos 70, e o desenvolvimento da Geografia teórico-quantitativa, o que levou a cultura a ser tratada de forma secundária ou residual. A terceira causa vincula-se à influência posterior do materialismo histórico-dialético, a partir de 1978, que levou muitos a considerarem a cultura (uma superestrutura) de lado, em detrimento do estudo da base econômico e dos conflitos advindos do modo de produção capitalista. 
O contexto
	O contexto externo ao desenvolvimento da Geografia Cultural brasileira nos remete à Geografia Cultura anglo-americana, que estava em um momento de reconfiguração (1970-80). É importante destacar as seguintes inovações deste processo de renovação do subcampo:
a) A renovada concepção de cultura, superando a visão de causalidade inspirada no Darwinismo, onde a cultura é uma entidade supraorgânica que paira sobre a sociedade e determina suas ações (geografia cultural saueriana). A partir da crítica de Duncan (1980), a cultura passa a ser entendida como um contexto, isto é, um reflexo da prática social; simultaneamente, o meio no qual essa prática se efetiva e uma condição na qual essa mesma prática tende a se reproduzir, estando em um processo constante de (re)construção. É essa distinção que marca a divisão entre a geografia cultural saueriana e a nova geografia cultural. 
b) A nova geografia cultural se distingue pela variedade metodológica, teórica e temática, tendo tomado para si fontes de inspiração como a, entre outros, hermeneutica, marxismo, fenomenologia, análise de discurso etc. – o que leva Duncan a tomar o campo renovado por uma heterotopia, marcado pela pluralidade de visões de mundo.
c) A emergência dos “significados” como aspecto central nos estudos da nova geografia cultural. A análise dos significados pode ser feita sobre qualquer aspecto da espacialidade humana, qualquer período de tempo e em diferentes escalas temporáis, reafirmando a diversidade de interpretações, construídas, em parte, por intermédio da imaginação que reelabora metaforicamente tudo aquilo que os sentidos captam.
d) A nova geografia cultural apresenta um interesse pela dimensão política. Essa dimensão aparece quando se aponta as relações entre cultura, classes sociais, poder, políticas culturais etc. As relações entre cultura e política manifestam-se tanto materialmente quanto imaterialmente, apresentando uma espacialidade que as torna de interesse para os geógrafos.
	Os autores deste artigo foram os responsáveis pela difusão desse debate acerca da nova geografia cultural, além do resgate da produção da geografia cultural saueriana, traduzindo, publicando e pesquisando dentro desse subcampo.
A produção brasileira
	A produção brasileira em geografia cultural deslancha a partir de 1995. A produção brasileira caracteriza-se pela diversidade teórica, metodológica e temática, que necessita de uma avaliaçãomais acurada. Contudo é possível apresentar alguns aspectos essenciais dessa produção. São eles: tradução do debate acerca da geografia cultural saueriana e renovada (Zeny e Lobato) e produção de trabalhos de pesquisa sobre alguns temas (sendo os mais recorrentes religião, história e biografia e festas).
· Mundos de significados: geografia cultural e imaginação
Denis Cosgrove
Neste artigo, publicado originalmente em 1994, Denis Cosgrove reconhece a diversidade de interpretações atribuidas às diferentes esferas da espacialidade humana. Nesse sentido, inscreve-se numa perspectiva construcionista, aberta às interpretações elaboradas pelos outros. Existem mundos de significados ou mapas de significados. O autor reconhece também o papel da imaginação humana. O homem captura dados sensoriais, metamorfoseando-os por meio de sua capacidade metafórica, gerando novos significados. Os dados capturados não são mimeticamente reproduzidos, mas culturalmente interpretados. O papel do geógrafo cultural é o de interpretar os significados que os outros elaboram a respeito da espacialidade humana – o ponto em que o artigo focaliza. 
	Cosgrove afirma que, apesar de toda a divergência teórica, metodológica e de material perceptível em seus textos, os geógrafos culturais compartilham um mesmo objetivo, que é descrever e entender as relações entre a vida humana coletiva e o mundo natural, as transformações produzidas por nossa existência no mundo da natureza e, sobretudo, o significado que a cultura atribui à sua existência e às suas relações com o mundo natural. 
	Cosgrove enfatiza a imaginação como um elemento central de trabalho na geografia cultural. De acordo com o autor, o trabalho da imaginação não é totalmente reprodutivo, tampouco puramente produtivo. A imaginação desempenha um papel simbólico, capturando dados sensoriais sem reproduz-los de forma mimética, mas metamorfoseando-os por meio de sua capacidade metafórica de gerar novos significados, que por sua vez, podem gerar transformações materiais na natureza (exemplos do autor: drenar pântanos, conservar espécies, abrir caminho em regiões inóspitas). O autor afirma que é a imaginação que metamorfoseia a comunidade humana e o ambiente natural em uma significativa unidade de espaço. No entanto, a centralidade da imaginação em gerar significado para o mundo faz emergir quatro problemas, com diferentes graus de clareza. São eles: 1) as relações entre as imaginações individuais e coletivas e suas implicações geográficas; 2) os modos de a imaginação aproximar do mundo natural os conflitantes horizontes temporais da ação humana; 3) o passado e o futuro no âmbito da imaginação cultural; 4) a natureza crítica da imaginação moderna.
Imaginação individual e coletiva
	Cosgrove afirma que a geografia cultural lida com os grupos humanos, suas inter-relações e ações coletivas transformando a natureza, não tomando a imaginação como atributo da individualidade. A comunicação é o alicerce da intersubjetividade, ou seja, os valores e as crenças compartilhados constituem a imaginação coletiva e definem a cultura. Desse modo, muitos geógrafos culturais tem se dedicado ao papel simbólico da linguagem, chegando a considerar as paisagens culturais enquanto textos. Cosgrove, baseado em Ricoeur, identifica três categorias de símbolos que tem ligação direta com os interesses da geografia cultural: cósmico (capacidade inerente do ser humano de nomear e atribuir sentidos às coisas do universo), onírico (referente aos sonhos, onde a psique individual se liga ao imaginário coletivo) e poético (referente à expressão máxima da criatividade humana). Destas, a última é a que desperta maior interesse por parte dos geógrafos culturais – ao gerar sentidos novos, a criatividade poética é o elemento que produz culturas e as diferencia.
	
Horizontes temporais e imaginação
	Entre as principais preocupações da geografia cultural, segundo Cosgrove, está a relação entre a imaginação cultural e os ciclos temporais. Ele chama a atenção para a necessidade humana de impor a teleologia de nossa própria experiência de vida à natureza, produzindo uma temporalidade linear e inteligível às dinâmicas naturais (marés, estações climáticas, rotação solar etc.). Ele mobiliza como exemplos, entre outros, a imposição de formas geométricas à paisagem natural, argumentando que esta constitui uma das transformações culturais da paisagem mais reconhecíveis na natureza.
Passado e futuro na imaginação cultural
	Cosgrove afirma a relação da paisagem, das formas espaciais, presentes com uma carga de sentidos que remete, simultaneamente, ao passado e ao futuro – ou seja, que reivindica certa relação para com esses dois polos temporais. Segundo essa concepção, ideologia e utopia são elementos necessários e complementares do imaginário social de qualquer cultura. Enquanto a ideologia oferece mitos e símbolos fundamentais, que alicerçam as instituições e as ações coletivas por meio do ritual, a utopia é parte da imaginação social dirigida ao futuro, que desafia a tradição e busca ruptura com o presente. Como exemplo dessa abordagem, ele apresenta o trabalho de um geógrafo que analisa como a configuração espacial de uma paisagem (Washington D.C., capital norte-americana) faz alusão à tradição republicana, um apelo “conservador” em contraponto as tendência utópicas de transformação da sociedade. Em contraponto, ele tratou das transformações paisagísticas utópicas promovidas no âmbito dos regimes stalinista e maoísta, que tiveram efeitos devastadores sobre a configuração espacial tradicionalista, que carregava a ideologia dos regimes políticos anteriores. 
Cultura, modernidade e significados múltiplos
	A geografia cultural experimentou um momento de transição dos seus interesses: se normalmente eram contempladas pela pesquisa as culturas ditas “tradicionais”, a análise da nova geografia cultural passou a ser feita também a respeito das paisagens modernas, nos centros urbano-industriais europeus e norte-americanos. Ele atenta, baseando-se em Harvey (1989), como as culturas modernas em sua expressão cultural apresentam uma forte inclinação a favor da disjunção e da ruptura (utopia em detrimento da ideologia) – as implicações disso nas paisagens visíveis constituem um campo de análise para os estudos da nova geografia cultural. O crescente interesse pelas culturas contemporâneas e por suas expressões dentro das sociedades modernas expandiu a perspectiva dos geógrafos culturais, desafiou muitos dos seus conceitos e métodos tradicionais. Cosgrove nota também que as vozes, que no passado foram definidas como “outras” pelo discurso universalizante da cultura euro-americana, de classe-média, masculina e de cor branca demandam agora um público para suas próprias construções imaginativas do significado do mundo. 
· “Versalhes não tem banheiros!” As vocações da geografia cultural
Paulo César da Costa Gomes
	
· David Harvey e a geografia cultural
João Sarmento
Neste artigo, João Sarmento, aponta os percursos e as posições de David Harvey, explorando algumas antecipações e o desenvolvimento de temas caros à geografia cultural. David Harvey não é um geógrafo cultural, estando quase unanimemente rotulado de marxista, mas sua obra, ao longo dos mais de 40 anos de produção, tem resultado em idéias e conceitos importantes para a geografia cultural. 
O percurso de David Harvey
	Sarmento separa a obra de Hatvey em quatro grandes blocos temporais, entre 1965 e 2006, que são desenvolvidos em cortes temáticos. O primeiro relaciona-se as pesquisas de Harvey acerca do processo de acumulação de capital, com todas as implicações sociais, culturais e políticas, enquanto uma questão profundamente geográfica. O segundo registro diz respeito a sua dedicação às questões de cunho teórico. No terceiro Harvey busca sistematizar a produção do espaço, por meio de um modo de análise dialético e relacional. No último, Harvey se dedica a intervenção e ao debate político, em oposição ao capitalismo. 
a) ciência espacial (1965-73)
	Nesse fase de suaprodução Harvey procurou aplicar metodologias das ciências naturais (estatística, geometria etc.) a problemáticas geográficas. A obra que se destaca nessa fase de sua produção é a Explanation in geography (1969), de metodologia hipotético-dedutiva. A essa altura, Harvey volta sua atenção para a reformulação das ideias de Carl Sauer – a quem considerava o mais eminente geógrafo do séc. XX – acerca da evolução e transformação da paisagem.
b) justiça espacial (1973-89)
	Nessa fase, Harvey iniciou na geografia a exploração da importância das abordagens marxistas na compreensão das geografias da desigualdade e da justiça social, tendo como principal contribuição nesse sentido o livro Social justice and the city (1973). Nesta obra Harvey lança o termo “imaginação geográfica”, que seria muito discutido e difundido nos anos vindouros, e faz as primeiras referências à importância dos conceitos de espaço e lugar na constituição da vida social. A consolidação da análise marxista na obra de Harvey veio anos mais tarde com o livro The limits to capital (1982), onde ele iniciou a delimitação dos contornos do desenvolvimento capitalista por meio da análise das formas em que este é restringido pelas paisagens sedimentadas construídas pelos sucessivos ciclos de acumulação. 
c) pós-modernismo (1989-00)
	A obra máxima desse período é The condition of postmodernity (1989), onde Harvey elabora uma distinção entre diferentes regimes de acumulação capitalista no final do séc. XX e analisa uma série de paisagens culturais explícitas por meio de uma geografia histórica das representações modernas e pós-modernas do espaço. Esse livro é uma reafirmação do marxismo como teoria mais apropriada para a compreensão das dinâmicas do capitalismo, além de uma crítica contundente as noções de uma suposta “pós-modernidade” que nublaria a compreensão do sistema econômico vigente. Nesse período, Harvey (além de Tuan, Soja, entre outros) foi criticado por geógrafas feministas, que o acusavam pelo silenciamento e omissão da figura e do ponto de vista femininos em sua obra, escamoteando as diferenças no corpo social através da problemática noção marxista de “classe” – deficiências reconhecidas por Harvey. É desse momento de sua produção a crítica de Harvey aos geógrafos humanistas que diagnosticavam o “fim dos lugares” com o advento da globalização. 
d) imperalismo (2000-06)
	Esse período pode ser dividido em dois. No primeiro, Harvey defende que as exigências da produção capitalista levam os limites do corpo do trabalhador em direções contraditórias, sendo uma geografia do corpo e de sua dominação. Já na segunda fase dessa produção, Harvey analisa as paisagens crescentemente hostis criadas pelo capitalismo global e pelo imperialismo (sobretudo, o norte-americano), sob o slogan de “liberdade”, levando a análise marxista para as dinâmicas mais recentes da acumulação capistalista (neoliberalismo). 
Paisagem e cultura
	Harvey defende, assim como diversos geógrafos culturais, que por mais místicas e abstratas que possas ser as representações de paisagem de determinados lugares, seus significados devem ser procurados num conjunto de relações sociais que podem ser delineadas. Ainda nos anos 70, Harvey nos mostra, em paralelo com Lefebvre, que a paisagem é um gênero de espaço produzido, representado e vivido e que a produção dela não pode ser divorciada do modo e do objetivo de sua representação, sendo, portanto, um processo tão material quanto social. Nessa recuperação do conceito de paisagem feita por Harvey, não se manifestam as preocupações acerca da dimensão ótica e estética do conceito (paisagem como “modo de ver”) – para Harvey, a “virada cultural” foca demasiadamente no relacional e no vivido, ignorando os aspectos materiais do espaço. Em Harvey, a cultura é um sistema de poder totalmente integrado à economia política, devendo os significados ser sempre relacionados com o mundo material de onde derivam. 
Conhecimento e representação
	Para além do debate acerca do papel da cultura e da paisagem, Harvey contribuiu para a concepção da ideia de “conhecimento geográfico”. De acordo com este autor, esse conhecimento se trata de uma construção social que deve ser percebido como estando a serviço de determinados interesses, fazendo parte de projetos políticos visivelmente implicados na organização de relações de poder. Por outro lado, Harvey vê a produção de conhecimento como base para movimentos de resistência e, nesse âmbito, defende que a qualidade do marxismo enquanto corpo de conhecimento é constituir uma crítica ao capitalismo. O caminho proposto por Harvey para a consideração dos conhecimentos geográficos descreve-se como tentativa de perceber os princípios e mecanismos da produção de conhecimento geográfico, como estes são constituídos e postos em uso na ação política. É necessário reconhecer as ligãoes dinâmicas entre poderes políticos e conhecimentos geográficos de natureza distinta.
A matriz espacial
	 O Entendimento de Harvey sobre a relação espaço-tempo incluía três tipos de espaço: absoluto (espaço “neutro”, receptáculo da ação social); relativo (espaço “não-neutro”, visto de distintas posições); e relacional (um espaço que considera as significações e a interconectividade na sua constituição). 
Epílogo
	Em relação a geografia cultural Harvey tanto contribuiu para o desenvolvimento do campo, quanto empregou críticas à geografia cultural saueriana. Ao longo dos seus mais de 40 anos de pesquisa, Harvey revelou e desenvolveu várias ideias que viriam a ser exploradas no âmbito da geografia cultural. Num momento de clamores pela politização do campo (contexto da nova geografia cultural), a obra de Harvey tem demonstrado um renovado vigor. 
· Após a guerra civil: reconstruindo a geografia cultural como heterotopia
James S. Duncan
Neste trabalho, James Duncan, apresenta os embates, que ele definiu como uma “guerra civil”, protagonizados entre os geógrafos sauerianos e os da nova geografia cultural, ocorridas na primeira metade da década de 1990. Em sua síntese, a geografia cultural transforma-se numa heterotopia, caracterizada por uma pluralidade de caminhos, oriundos de matrizes distintas: nenhum deles é, em princípio, melhor do que os outros. A cultura torna-se assim, aberta, sujeita à polivocalidade.
	Duncan relata a “guerra civil” em curso na geografia cultural desde 1980, onde a geração mais antiga de inspiração saueriana (formada entre 1950-60) foi afrontada pelas críticas e constestações – de natureza teórica, conceitual e metodológica – da geração mais jovem (formada a partir dos anos 70). A geração antiga é preponderantemente norte-americana e a nova geração também, mas a esta segunda se somam alguns geógrafos culturais britânicos. O objetivo do artigo de Duncan não é focalizar os debates dentro da nova geografia cultural, mas sim tentar resolver a “guerra civil” entre gerações e, dessa forma, restaurar a unidade do subcampo. Ele argumenta que não é o caso de admitir relutantemente a diferença no seio da disciplina, mas sim de celebrá-la. Ele sugere que a geografia cultural seja concebida não como um único espaço disputado de poder/conhecimento, mas como uma espécie de heterotopia epistemológica, que segundo Foucault (1986), “é capaz de justapor vários espaços num só lugar real, vários espaços que são em si mesmos incompatíveis”. Para ele, a geografia cultural contemporânea não constitui um espaço de partilha de um projeto intelectual, mas sim um espaço institucional, contendo diferenças epistemológicas importantes.
	
Disciplinando a geografia cultural: mudanças taxonômicas
	Muitas disputas registradas na geografia cultural durante a década de 80 estáo associadas às mudanças taxonômicas mais amplas que, desde a década de 70, vem ocorrendo dentro da geografia humana. A estrutura taxonômica da geografia cultural saueriana é explicitada na introdução de Readings in cultural geography (Wagner e Mikesell, 1962): “o objetivo da geografia cultural é descrever e classificar os complexos de características ambientaisque coincidem com comunidades culturais, explorar as histórias desses complexos e estudar a ecologia cultural, ou seja, o processo pelo qual os seres humanos manipulam seus ambientes”. Os temas-chave que estruturam a disciplina são: cultura, área cultural, paisagem cultural, história cultural e ecologia cultural. Nessa concepção, cultura é usado um esquema classificatório para dividir pessoas em grupos bem definidos e classificar os espaços em áreas culturais – a cultura é empregada, portanto, de modo descritivo e como conceito analítico ou objeto de estudo.
	Sendo assim, os geógrafos deveriam concentrar-se nos padrões sobre a superfície terrestre, isto é, no estudo das distribuições culturais no tempo e no espaço, demonstrando um interesse apenas parcial pelos processos cultural e social, ainda que estes afetem a superfície terrestre de forma direta. Por causa da orientação do geógrafo para a superfície terrestre, a área cultural é também uma “paisagem cultural”, que por sua vez serve para indicar o impacto da cultura sobre a face da terra. Os métodos usados para estudar os efeitos da cultura são: mapeamentos de distribuição e densidade; delimitação e comparação de regiões; mapeamento do arranjo e da organização espacial; representação gráfica dos movimentos; e identificação da distribuição de zonas físicas ou bióticas; – métodos voltados para o estudo dos padrões e não dos processos. Além disso, o geógrafo deve adotar a perspectiva da história cultural, a fim de descobrir: a origem de certas características culturais; os caminhos, os tempos e a maneira de sua disseminação; a distribuição de antigas áreas culturais e as características de antigas paisagens culturais. 
	Por último, Duncan trata da ecologia cultural. Os organizadores do Reading começam por diferenciar a ecologia cultural da história cultural. Enquanto a história cultural lida com a sequência de eventos que leva à criação de uma paisagem cultural, a ecologia cultural enfoca o processo dessa sequência de eventos (por ex. relação entre práticas agrícolas e degradação do solo), sendo muito importante a geografia física em suas análises. Para eles, a ecologia cultural não se aplica à realidade das “culturas comerciais ocidentais”, visto que a ênfase desta perspectiva recai sobre modos de vida ligados à agricultura e/ou caça e coleta. Essa foi a estrutura hegemônica na produção da geografia cultural norte-americana até os anos 80, se transformando a partir da absorção de novos paradigmas pela geografia (fenomenologia, marxismo etc.) e pela necessidade um novo instrumental por parte dos novos geógrafos culturais para estudar os contextos urbano-industriais, deixados de fora pelos sauerianos. Segundo Duncan, o erro dos novos geógrafos culturais consiste em tentar substituir a hegemonia dos antigos geógrafos culturais sem questionar o discurso da unidade pregado pelos mesmos (trocando seis por meia dúzia).
	No restante de seu texto, Duncan identifica as linhas marcantes de diferença que convivem dentro da geografia cultural, focalizando as categorias em torno das quais estas estão estruturadas.
Empirismo e teoria
	 Há uma preocupação dos novos geógrafos culturais com a teoria, aspecto negligenciado pela geografia cultural saueriana, mais dada a análises empíricas em contextos específicos. A falta de uma base teórica consolidada foi muito criticada pela nova geração de geógrafos culturais, ainda que entre estes não houvesse consenso acerca das suas próprias bases teóricas. Houve uma mudança taxonômica com a introdução de novos vocábulos para dar conta das questões que a geografia cultural saueriana não cobria. As diferenças de linguagem representam a construção de objetos de estudo totalmente diversos, o que, para o autor, não deslegitima a geografia cultural como um campo, mas sim o caracteriza como heterotópico, onde as conexões costumam ser mais fortes entre os campos de estudo do que dentro deles.
Padrão cultural e processo cultural 
	Houve discordância sobre o trato dos processos no âmbito da geografia cultural. Na produção saueriana, as questões processuais se davam somente no âmbito da ecologia cultural, devendo os pesquisadores enfatizar a distribuição dos padrões de cultura e os seus efeitos na materialidade do espaço (e vice versa). Entre os novos geógrafos culturais surgiram duas concepções acerca do tratamento de questões processuais: os primeiros defendiam que eram bem vindas as análises de processos culturais, conquanto esses afetem ou sejam afetados explicitamente pela paisagem, pelo lugar ou pelo espaço; outros, mais radicais, defendiam a análise de processos culturais mesmo sem relação explicita com a espacialidade. 
Ambiente “natural” e ambiente cultural
	Duncan nota uma bifurcação na geografia cultural por conta do interesse dos sauerianos pelas feições e características típicas dos meios “naturais” (e pelo conhecimento da geografia física), interesse este que não se refletia nas pesquisas e referenciais da geografia cultural emergente, centrados nos ambientes da “segunda natureza”. 
Modos de vida e estilo de vida
	Enquanto os sauerianos dedicavam-se ao estudo dos modos de vida das comunidades agrícolas do Terceiro Mundo (sobretudo, padrões de trabalho e infraestrutura), os novos geógrafos culturais tendiam a se interessar principalmente pelos estilos de vida nas cidades do Primeiro Mundo (estilos de consumo, relações de classe, etnia e gênero, entre outros). 
Terceiro Mundo e Primeiro Mundo
	O tradicional foco da geografia nas economias de subsitência nas comunidades agrícolas do Terceiro Mundo foi substituído pelo estudo das identidades das cidades e dos subúrbios do Primeiro Mundo. Quando novos geógrafos culturais voltam-se para os povos do Terceiro Mundo, ora dedicam-se a debates teóricos sobre a relação entre o “eu” euro-americano e o “outro” das sociedades colonias e pós-coloniais, ora estudam os povos provenientes de outras origens culturais que vivem nas cidades do Primeiro Mundo. Já os geógrafos culturais tradicionais, ainda que de maneira romantizada, interessavam-se pelo aspecto de alteridade de outras culturas. Em suma, há uma diferança significativa entre as abordagens dos geógrafos culturais tradicionais e novos em relação às culturas não ocidentais.
Celebrando a diferença
	Por fim, Duncan afirma que após as mudanças ocorridas na geografia cultural durante os anos 1980, não há uma genealogia intelectual compartilhada entre as correntes, capaz de unificá-las. Ele propõe que se considere essa falta de unidade como um ganho intelectual porque a geografia cultural saueriana ainda floresce nos EUA e esta vem sendo suplementada por uma nova geografia cultural com uma contribuição diferente. Uma parte importante desta aceitação é perceber que um discurso “dominante”, capaz de estabelecer uma unidade intelectual, é ilusão. Não podemos propor um método ou uma estrutura taxonômica como parâmetros para toda geografia cultural; o que temo, na realidade, são “lugares de diferença”, cada um dos quais com seu próprio discurso, ligulados a outros lugares semelhantes dentro das ciências sociais e das humanidades. 
· A geografia humanista: uma revisão
Werther Holzer
A geografia humanista constitui um campo muito próximo da nova geografia cultural, levando alguns autores a considerarem-na variante dessa. No entanto, para Holzer, a geografia humanista tem uma identidade própria, ainda que, ao longo da história das disciplinas haja inúmeros pontos de contato, como antecedentes (1920) e desenvolvimentos comuns (1970-80). 
	O objetivo de Holzer nesse artigo é falar do surgimento da ideia de uma geografia humanista, sua consolidação como campo disciplinar distinto nas décadas de 1970-80 e, finalmente, as suas relações com a e geografia cultural e a geografia histórica.
Antecedentes da geografia humanista
	Segundo Tuan (1976), “humanismo” refere-se a uma tentativa de análise das ações e dos produtos da espécie humana, incorporando os estudos das humanidades na leitura abrangente de temas geográficos – ciência desíntese que estivesse além dos parâmetros cartesianos e positivistas. A ideia de uma disciplina centrada no estudo da ação e da imaginação humana e na análise objetiva e subjetiva de seus produtos remete-nos aos anos 20, com as proposições de Sauer acerca da geografia cultural (transformação da paisagem natural em paisagem cultural). Holzer também aponta outro antecedente que pode ter influenciado a concepção humanista, que é John Kirtland Wright (1947), com suas ideias acerca da “geosofia histórica”, que buscava trazer a subjetividade e levar a geografia para além do plano acadêmico (atividade de geógrafos e não-geógrafos). As concepções de Wright acerca da geografia são resgatadas por David Lowenthal (ex-aluno de Sauer) na década de 1960, em sua proposição de uma nova epistemologia para a geografia. O encontro de Tuan e Lowenthal seria decisivo para a renovação radical da geografia cultural.
	
A percepção ambiental e as percepções humanística
	 
	Segundo Lowenthal, os estudos geográficos dividiam-se em três temas: a) a natureza do ambiente; b) o que pensamos e sentimos sobre o ambiente; c) como nos comportamos e alteramos o ambiente. Para ele, o principal problema da geografia era concentrar-se exclusivamente no primeiro tema, o “mundo real”, negligenciando o “meio pessoalmente apreendido”. Tuan, por sua vez, propõe dois modos de ler os conceitos geográficos: a) a partir dos processos físicos que afetam a forma da terra; b) nas marcas que o homem imprime na natureza como agente (este relacionado com as humanidades). No encontro realizado em 1960 que reunia geógrafos analíticos que tinham como tema comum a percepção ambiental, foram traçadas uma linha de ação e um roteiro básico de temas para a geografia cultural e histórica renovada, on intuito de fazer uma nova epistemologia da disciplina. Seus pontos de partida seriam o “meio pessoalmente apreendido” e as “aproximações humanistas”.
 A contracultura e as aproximações humanísticas
	Holzer chama a atenção para o ambiente intelectual e político norte-americano no final dos anos 60: movimento hippie, revolta estudantil, Vietnã, movimentos por igualdade racial etc. Segundo Parsons (1969), um geógrafo econômico, houve um desinteresse nesse momento pela geografia operacional/funcionalista, em detrimento dos valores humanos, da estética, de um novo estilo de vida. Parsons dizia que a geografia cientificista ignorou a subjetividade humana, fazendo-se necessário uma “aproximação humanistíca”, tendo como objeto a apreciação da paisagem como ambiente natural e humanizado. Buttimer (1969), por sua vez, questiona se a ciência deveria continuar a servir uma função útil medindo e explicando a face objetiva e esboçando mecanismos da realidade social, ou deve ela também penetrar e incorporar suas dimensões subjetivas. Meinig, geógrafo ligado à geografia cultural, propôs uma apreciação ambiental, reconhecendo a importância da descoberta do ambiente para as humanidades, deixando de ser um estudo das ciências da natureza. 
Fenomenologia e humanismo
	Relph (1970) foi o primeiro a trazer a fenomenologia para os debates da geografia voltados para os aspectos subjetivos da espacialidade, sem se confundir com os comportamentalistas (behaviorismo). O método fenomenológico seria utilizado para fazer uma descrição rigorosa do mundo vivido da experiência humana e, com isso, por meio da intensionalidade reconhecer as “essências” da estrutura perceptível. Duas consequências imediatas derivariam do uso da fenomenologia na geografia: visão holística da relação homem-natureza e crítica ao cientifismo e ao positivismo. Outros autores também exploraram e consolidaram esta relação, inclusive Tuan e Buttimer. Essas “aproximações humanísticas” que pretendiam renovar a geografia cultural acabaram por se individualizar, constituindo um subcampo, a partir do manifesto Humanistic geography, publicado por Tuan em 1976.
A geografia humanista e o conceito de lugar 
	No âmbito da geografia humanista o conceito de lugar emerge como central na abordagem dos geógrafos. Tanto Tuan quanto Relph buscaram desenvolver o conceito e utilizá-lo em suas pesquisas, a partir da inspiração nas concepções do geógrafo Erick Dardel acerca do espaço geográfico (1952). Tuan, em 1974, escreveu um artigo em que afirmara que o espaço e o lugar definem a natureza geografia, devendo ser apreendidos, sob uma perspectiva humanista, a partir dos sentimentos e das ideias de um povo na corrente da experiência. A partir daí são várias as tentativas de caracterização do lugar por Tuan, culminando no livro Espaço e lugar (1983). O livro de Relph, por sua vez, possuía uma linha semelhante. Seu objetivo, segundo o autor, consistia em examinar os fenômenos do mundo vidido – o lugar –, e tentar elucidar a diversidade e a intensidade de nossas experiências do lugar. 
“Humanistic geography”, a renovação da geografia cultural
	Com a publicação do manifesto em 1976, Tuan define uma orientação humanista para a geografia. Com isso, seu objetivo não era se deter sobre um tema único, mas fazer uma nova leitura dos temas geográficos, construindo um conhecimento científico crítico apoiado na filosofia. Ele indicava cinco temas de interesse da geografia humanista: o conhecimento geográfico, território e lugar, aglomeração e privacidade, modo de vida e economia e, finalmente, religião. Buttimer, por sua vez, reforça as ideias de Tuan e propõe três campos para a pesquisa na geografia (os humanistas trabalhavam com o primeiro deles): espaço enquanto mosaico de lugares; espaço social, sistemas sociais e redes de interação; processos ecológicos e sua organização funcional.
	Em meio à individualização desse subcampo, tivemos todo o tipo de reações: houve quem não buscasse essa individualização, apesar do trabalho em integrar as humanidades com a geografia cultural (caso de Lowenthal e seus estudos sobre paisagem, passado e memória). Também houve críticas aos geógrafos humanistas e a sua pretensão de constituir um subcampo (caso de Entrinkin), quem reconhecesse o humanismo como um novo paradigma da geografia (caso de Johnston) e os que buscaram aproximar o humanismo de outros aportes filosóficos, como materialismo histórico, dialética marxista, idealismo etc. (vários). Abrira-se bastante o leque de temas proposto por Tuan em seu manifesto de 1976.
A geografia humanista na décade de 1980
	O debate se expandiu pela década de 1980, trazendo geógrafos de outras especialidades para as discussões no âmbito da geografia humanista. Ao mesmo tempo, houve contestações acerca das tentativas de estabelecer um paradigma para a geografia humanista (Relph chega a afirmar que o termo “humanista” é, em verdade, antiparadigmático), o que levou a certa fragmentação do campo e a controvérsias sobre os temas e objetivos da geografia humanista. 
	Essa década marca ainda a tentativa de aproximação dos conceitos humanistas e marxistas, além de uma nova incorporação de paradigmas os mais diversos e críticas. Tuan se manteve em sua empreitada de consolidar o subcampo, associando toda sua produção aos desdobramentos da geografia humanista. 
Paisagem cultural
	A história dos estudos sobre a paisagem evidencia dois grandes períodos, cada um caracterizado por um modo específico de análise da mesma. No período que se estende do final do século XIX até 1970, a paisagem é analisada por meio de sua gênese e sua morfologia; no segundo, que se estende dos anos 1970 ao presente, por meio de seus significados. No primeiro, a paisagem era considerada expressão fenomênica da região, inserindo-se, assim, entre os temas da geografia regional (Paul Vidal de La Blache, Carl Sauer etc.). De 1970 ao presente, seu estudo passou a desfrutar de maior autonomia, constituindo-se em objeto de pesquisa por si próprio (Denis Cosgrove, James Duncan, Don Mitchell etc.).
 
· A morfologia da paisagem
Carl O. Sauer
Este texto inaugura o que ficou conhecido como Escola de Berkeley. Seu principal objetivo é discutir a paisagem geográfica, no entanto, é um trabalho que vai além: representaa contestação de Sauer à visão determinista da geografia norte-americana e, ao mesmo tempo, anuncia a geografia cultural que em breve criaria.
	
	Ao invés de realizar o resumo desse texto, optamos por colocar uma resenha de Holzer e o trabalho da baby, ambos sobre Carl Sauer, no lugar. Desse modo, onde constaria “a morfologia da paisagem” somente, temos um apanhado geral da trajetória e contribuição de Carl Sauer e da geografia cultural que ele fundou. 
– baby
	A geografia cultural cumpriu um papel importante no desenvolvimento da história do pensamento geográfico na medida em que representou grandes avanços nos estudos referentes à ação humana sobre a superfície terrestre. A geografia cultural difundiu-se na Europa, mais especificamente na Alemanha, no final do século XIX, e tinha o interesse voltado para as relações entre cultura e espaço, sendo completamente ignorada pela escola dominante nos Estados Unidos neste mesmo período. Este quadro modifica-se com o destaque da Escola de Berkeley, fundada em 1925 pelo geógrafo Carl Ortwin Sauer (1889-1975), que transformou e caracterizou a geografia cultural norte-americana.
	Sauer iniciou sua vida acadêmica na Universidade de Chicago, onde graduou-se em geografia e despertou seu interesse não só para os métodos da geografia da época mas também para as ciências naturais, especialmente a ecologia vegetal. A essa altura Sauer já havia tido contato com um grande número de obras de geógrafos alemães e franceses que o apresentaram à abordagem histórico-regional da escola vidaliana e ao conceito de paisagem cultural dos alemães. Tais influências foram incorporadas e preservadas ao longo da sua carreira, servindo como referência para a sua base teórico-metodológica que mais tarde seria concebida como história cultural baseada no meio ambiente.
	A primeira obra teórica importante de Sauer foi publicada em 1925. O artigo intitulado “The Morphology of Landscape” apresenta uma visão fenomenológica da ciência e trata-se primeiramente de um esforço em determinar uma identidade da geografia através da escolha de um objeto e um método. Defendia que a natureza da geografia deveria se limitar – assim como as outras disciplinas - ao que é evidente e imediato. Dessa maneira, o único objeto fundamental da pesquisa geográfica deve ser a paisagem, que Sauer conceitua como uma associação de formas, físicas e culturais, o resultado de um longo processo de constituição e diferenciação do espaço. Seria então incumbência do geógrafo analisar as estruturas e funções das paisagens reconhecendo seus elementos significativos, sendo tal procedimento analítico de extrema importância. Segundo Sauer, o objetivo da geografia consiste em estabelecer tipologias lógicas e comparações analíticas, portanto encarava a descrição da paisagem apenas como etapa inicial do trabalho científico, sendo seguida necessariamente de uma análise lógica. 
Ainda neste mesmo ensaio metodológico, Sauer ao abordar a paisagem por uma perspectiva morfológica, ressalta a ação humana na transformação da natureza e definitivamente marca uma ruptura com o determinismo ambiental que dominava a geografia norte-americana na época. Sob um ponto de vista histórico, afirma ser possível diferenciar paisagens naturais – que seriam as áreas anteriores às atividades humanas - e paisagens culturais que correspondem aos processos de alteração da paisagem natural por meio da ação humana. No seguinte trecho, Carl Sauer destaca a importância da interação entre os elementos naturais e antrópicos para a compreensão da paisagem:
Não podemos formar uma idéia de paisagem a não ser em termos de suas relações associadas ao tempo, bem como suas relações vinculadas ao espaço. Ela está em um processo constante de desenvolvimento ou dissolução e substituição. Assim, no sentido corológico, a alteração da área modificada pelo homem e sua apropriação para o seu uso são de importância fundamental. A área anterior à atividade humana é representada por um conjunto de fatos morfológicos. As formas que o homem introduziu são um outro conjunto. 
Sendo assim, são as atividades do homem capazes de interferir na paisagem e não as influências dos elementos naturais que ocupam uma posição de destaque nos estudos da paisagem. A abordagem dessas duas formas de natureza, uma antes e outra depois da apropriação humana, privilegia a sucessão histórica entre elas. É essencial destacar que Sauer não considera os aspectos subjetivos da paisagem, já que estes não se inserem no contexto científico. A recusa ao irracionalismo ou a subjetividade, faz com que receba muitas críticas por ignorar as dimensões sociais e psicológicas da cultura, limitando-se aos sentidos, ao que é legível na superfície da terra.
Sobre o método morfológico sugerido por Sauer, podemos caracterizá-lo basicamente por três princípios fundamentais, segundo Gomes (1996): “As estruturas possuem sempre elementos 'necessários'; todas as formas podem ser reconhecidas por suas funções homólogas em diferentes paisagens e os elementos estruturais devem ser organizados em séries, para compor tipologias morfológicas.” Por meio deste específico método empírico, Sauer sustenta ser capaz de conceber um conhecimento sistemático e geral, incluindo toda a diversidade espacial que tanto instigava o autor. Além disso, afirmava também que com a escolha certa da metodologia seria possível ultrapassar as dicotomias da geografia – entre geral e particular e entre físico e humano. 
Ao propor a aplicação de seu método, Sauer reconhece a importância da cultura como um elemento morfológico e estabelece como finalidade dos estudos geográficos a análise das paisagens culturais, tendo a morfologia física como um medium que sofre constantes transformações provocadas pelo desenvolvimento da cultura apresentando como resultado a paisagem cultural. 
	Carl Sauer desenvolveu ainda outros artigos que dizem respeito às formulações teóricas e metodológicas da geografia, deixando bem claro a sua matriz disciplinária. 	Em 1927, com a publicação Recent Developments in Cultural Geography, nota-se um distanciamento crescente da geografia corológica em direção à geografia histórica e cultural. A versão aperfeiçoada do seu pensamento é apresentada em 1941, no texto Foreword to Historical Geography, onde há uma valorização dos elementos temporais e históricos como interventores na relação homem e paisagem.
O último trabalho reconhecido de Sauer desse conjunto de temas, The Education of a Geographer (1956), escrito em uma fase mais madura do autor, apresenta determinada informalidade, pois se trata de uma densa palestra proferida em um encontro de geógrafos. Nesta palestra são retomados os temas relevantes ao autor e fica evidente uma acentuada preocupação com os rumos de sua disciplina, em um cenário pouco favorável para a sua perspectiva teórico-conceitual.
	Ao longo da sua trajetória, Sauer dedicou um conjunto de estudos as áreas culturais, especialmente o Meio-Oeste e o Sudoeste dos EUA e o México. Foi este o objeto da sua tese de doutoramento, The Geography of the Ozark Highland Missouri, e de tantas outras obras significativas do professor, como Homesstead and Community in the Middle Border (1963a) e Status and a Change in the Rural Midwest (1963b). Nos seus trabalhos desse período, são avaliadas as transformações econômicas, sociais, culturais e na natureza a partir da dinâmica e do processo de povoamento regional. Temas como a paleogeografia, área de interesse enquadrada na história da cultura no espaço, também são contemplados em uma série de obras de Sauer, principalmente após a década de 1950, quando os árduos trabalhos de campo começam a se substituídos por reflexões em gabinete.
	Os estudos de Sauer e da sua escola, portanto, foram de suma importância para a geografia cultural norte-americana. Suas contribuições fundamentais para as gerações seguintes foram, segundo Holzer (2000), o fortalecimento do culturalismo e do antropocentrismo em um contexto extremamente quantitativo – impulsionando a ruptura com este modelo na décadade 1970 – o respeito pela diversidade de temas e interesse, a ênfase na interdisciplinaridade – que proporcionou a participação dos geógrafos em outros campos sem, entretanto, perder o seu objeto de estudo – a valorização do trabalho de campo e devemos, especialmente a Sauer, a crença de que os dilemas atuais da geografia como ciência seriam debatidos e resolvidos pelas próximas gerações, fazendo-se necessário apenas manter a liberdade acadêmica.
– Holzer
	A primeira obra teórica importante de Sauer foi The Morfology of Landscape, publicada em 1925. Neste trabalho, Sauer revitaliza a Corologia como área de estudo importante da ciência geográfica. Foram os enunciados contidos neste artigo que fundamentaram a Geografia Cultural norte-americana, entre eles: a valorização da rela- ção do homem com a paisagem (ambiente), que por ele é formatada e transformada em habitat; a análise desta relação sempre feita a partir da comparação com outras paisagens, formatadas de forma orgânica gerando uma visão integral da paisagem que individualiza a geografia enquanto disciplina. 
	Por um longo período, principalmente nos Estados Unidos, valorizou-se muito apenas um determinado aspecto de seu trabalho: o de atribuir à geografia o estudo da diferenciação de áreas. No entanto a unidade espacial escolhida por Sauer para essa finalidade era a Paisagem Cultural, que dependia da atuação humana para ser caracterizada. 
	Estes conceitos, emitidos em 1925, seriam reafirmados em diversos trabalhos, como no que o leitor vai ler, intitulado “The Education of a Geographer”, de 1956. Neste artigo, o autor valoriza, entre outros temas, o vocabulário geográfico local como substrato do aprendizado que ainda espera ser explorado a partir das visões culturais comparativas. 
	Esta valorização do mundo vivido pode ser atribuída à importância dada por Sauer, explicitamente em The Morphology of Landscape, à visão fenomenológica da ciência. Apesar da ligeireza com que a fenomenologia é definida neste trabalho. 
	No texto que se segue, deve ser destacada a afirmação do caráter não positivista da geografia enquanto ciência, a partir da qual Sauer enunciou o sentido que a geografia teria enquanto disciplina: a de fornecer-nos uma visão integral (ao mesmo tempo individual e genérica, física e humana) que nos obriga sempre a inter-relacionar os fatos, os “fatos do lugar”, que, associados, originam o conceito de paisagem. 
	Estes temas iriam se desdobrando, abrindo diversas áreas de pesquisa para a Geografia Cultural. Roberto Lobato Corrêa observa que The Morphology of Landscape marca uma ruptura com o determinismo ambiental; enquanto que Recent Developments in Cultural Geography (1927), marca um afastamento crescente da geografia corológica em direção à geografia cultural e histórica e Foreword to Historical Geography (1941) se constitui na versão acabada de seu pensamento, no qual pode se identificar a valorização dos elementos temporais e históricos como intervenientes da relação entre o homem e a paisagem. 
	Os principais legados da Geografia Cultural, e de Sauer, para as futuras gerações de geógrafos foram: manter vivo o culturalismo e o antropocentrismo em meio a um cenário fortemente quantitativo, o que certamente permitiu a reação e ruptura na década de 70; respeitar a diversidade de temas e de interesses como “modus vivendi”, o que a manteve aberta para temas novos como o da percepção ambiental; enfatizar a interdisciplinariedade, permitindo aos geógrafos amplas incursões em outros campos do conhecimento sem o dilema de perder o domínio de seu objeto de estudo; valorizar o trabalho de campo e a recusa dos “a priori”; e, devido diretamente a Sauer, reafirmar a crença de que a geografia estava além da ciência e de que os males atuais seriam sanados pelas próximas gerações, bastando para isso que fosse mantida a liberdade acadêmica. 
· A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens humanas
Denis Cosgrove
Neste trabalho, publicado originalmente em 1989, é uma referência para a análise da paisagem na perspectiva dos significados. A importância da paisagem se faz presente nos mais diversos contextos sociais, pois ela comunica ideias, valores e poder, sendo um símbolo identitário. Paisagem da classe dominante e paisagens alternativas, isto é, residuais, emergentes e excluídas, são proposições de Cosgrove que inscrevem a paisagem na sociedade como reflexo e condição social. Assim, a paisagem da classe dominante cumpre, em grande medida, o papel de sustentar e reproduzir o poder desta classe. 
	Cosgrove nota uma série de suposições acerca dos padrões de ocupação e atividade humana que tendem a excluir da consideração a cultura e o símbolo, vigentes entre os geógrafos britânicos a partir dos anos 60: o mundo físico, o ambiente natural, é o domínio da geografia física científica; os seres humanos se comportam de maneira racional, razoavelmente previsível, tendo em vista a realização de objetivos práticos; os geógrafos deveriam buscar um resultado prático ou utilitário para os seus estudos; a geografia humana deve evitar o tanto quanto possível se envolver com questões políticas e ideológicas. Essas suposições são, por um lado, contraditórias, pois não é possível construir um estudo de valor para humanidade sem considerar as culturas e símbolos inerentes às mesmas. Cosgrove se propõe a explorar as maneiras pela qual a pasagem humana pode ser interpretada e tratada como expressão humana internacional composta de muitas camadas de significados (tal qual um livro, filme ou quadro), sugerindo maneiras de tratar a geografia como humanidade ou ciência social.
	Até esse momento (1989), Cosgrove considera a geografia humanística pouco madura, de modo que ele faz proposições e avaliações pessoais sobre as possibilidades do subcampo por meio da análise de três termos: paisagem, cultura e simbolismo.
Paisagem
	Para Cosgrove, a paisagem está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo como uma criação racionalmente ordenada, designadae harmoniosa, cuja estrutura e cujo mecanismo são acessíveis à mente humana e agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar e aperfeiçoar o meio ambiente. Cosgrove explicita três implicações dessa conceituação: a) foco nas formas visíveis de nosso mundo, sua composição e estrutura social; b) unidade, coerência e ordem ou concepção racional do meio ambiente; c) a ideia de intervenção humana e controle das forças que (re)modelam nosso mundo. A paisagem tem, portanto, uma peculiaridade quando compara a outros conceitos clássicos da geografia: ao contrário do conceito de lugar, remete-nos sobre nossa posição no esquema da natureza; ao contrário de meio ambiente ou espaço, lembra-nos que apenas por meio da consciência que esse esquema é conhecido por nós e que somente a partir da técnica podemos participar dela. 
Cultura
	A primeira associação forte entre o conceito de paisagem e a cultura foi feita por Sauer, quando este, nos anos 1920, consolidou seu projeto de uma geografia cultural, originando uma escola de geografia da paisagem. Nessa tradição, a geografia cultural concentrou-se nas formas visíveis da paisagem, sobretudo nas sociedades pré-modernas ou em evidências destas na paisagem contemporânea. Nessa concepção, a cultura era encarada como conjunto de práticas compartilhadas comuns a um grupo humano em particular, práticas que foram apreendidas e transmitidas através das gerações (criticada por alguns enquanto um “determinismo cultural”). A geografia cultural renovada, por sua vez, enxerga a paisagem como um texto cultural repleto de dimensões que oferecem diferentes possibilidades de leitura, igualmente válidas. Cosgrove indica três maneiras pelas quais os novos geógrafos culturais buscaram se desvencilhar da tradição:
a) cultura e consciência: a cultura é, ao mesmo tempo, determinada pela consciência e pelas práticas humanas e determinantes delas. A cultura é sempre potencialmente capaz de ser trazida ao nível da reflexão consciente e da comunicação.
b) culturae natureza: qualquer intervenção humana na natureza envolve sua transformação em cultura, apesar de essa transformação poder não estar sempre visível, especialmente para um estranho.
c) cultura e poder: denota a divisão das sociedades (em classes, casta, sexo, idade ou etnicidade), expressando como posições diferenciadas em uma sociedade significam experiências e consciências diferentes. O poder é expresso e mantido na reprodução da cultura e as culturas dominantes, residuais, emergentes e excluídas têm expressões paisagísticas que lhes são características. 
Símbolo
	Cosgrove argumenta que necessitamos de um conhecimento da “linguagem” para compreender as expressões impressas por uma cultura em sua paisagem: os símbolos e significados. Toda paisagem é simbólica, ainda que as ligações sejam tênues. Os múltiplos significados das paisagens simbólicas aguardam decodificação geográfica, sendo os métodos para essa empreitada são rigorosos e exigentes. Cosgrove argumenta que os dois principais caminhos para a interpretação das paisagens simbólicas são os trabalhos de campo e a elaboração e interpretação de mapas (gerando produtos altamente individuais). 
· Paisagem-marca, paisagem matriz: elementos da problemática para uma geografia cultural
Augustin Berque
Neste texto, publicado originalmente em 1984, Berque defende que a paisagem deve ser vista simultaneamente como marca – reflexo da ação de dado grupo social – e matriz – meio e condição de existência e reprodução social. Trata-se de uma importante contribuição, ainda que sucinta, que traz à tona as relações causais de mão dupla entre a sociedade e suas obras. 
	
	Berque descreve a geografia cultural como o estudo do sentido (global e unitário) que uma sociedade dá à sua relação com o espaço e com a natureza – relação que a paisagem exprime concretamente. A paisagem está em relação permanente com um sujeito coletivo: a sociedade que a produziiu, que a reproduz e transforma em função de certa lógica. Definir essa lógica para tentar compreender o sentido da paisagem é o ponto de vista cultural da geografia. Para Berque, a paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas também uma matriz, porque participa dos esquemas de percepção, concepção e ação (da cultura) que canalizam a relação de uma sociedade com o espaço e a natureza. Do ponto de vista da geografia cultural, a paisagem é compreendida de dois modos: por um lado ela é vista por um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência, julgada por uma estética e por uma moral, gerada por uma política, etc.; por outro lado, a paisagem é matriz, ou seja, determina esse olhar, essa consciência, essa experiência, essa política etc. Nessa concepção, a paisagem sempre carrega um sentido e esse jogo de sentidos é a cultura da sociedade em questão.
	Segundo Berque, a paisagem situa os indivíduos no seio de uma cultura, dando um sentido à sua relação com o mundo. Desse modo, todas as ciências humanas e sociais têm a ver com estuda da paisagem do ponto de vista cultural. A perspectiva da geografia cultural é a seguinte: fazer o inventário das formas concretas da epiderme terrestre, levando em conta o material físico no qual cada cultura imprime a marca que lhe é própria. Essa marca possui um sentido que implica toda uma cadeia de processos físicos, mentais e sociais, na qual a paisagem é simultaneamente marca e matriz.
	Feitas as considerações, Berque organiza de uma maneira prática e esquemática os requisitos para o estudo geográfico das paisagens. São eles: 
a) inventário eco-geográfico: como e em que grau a sociedade transformou a natureza.
b) inventário das representações: como tal paisagem é percebida? Como tal sociedade evoca e idealiza sua relação com a natureza (pinturas, jardins etc.).
c) inventário dos conceitos e dos valores: como uma determinada sociedade concebe e julga o natural, o artificial, o sobrenatural etc. como esse quadro mental se traduz nas projeções do ecúmeno (arquitetura, urbanismo etc.).
d) inventário das políticas: como uma determinada sociedade gera o patrimônio ecogeográfico? Que instituições cria para organizar seu ecúmeno e qual a sua eficácia?
e) exame sintético: relação entre os inventários, fazendo com que se iluminem reciprocamente.
· A paisagem dos geógrafos
Paul Claval
Neste artigo, Claval realiza uma vasta revisão bibliográfica, percorrendo a trajetória dos estudos sobre a paisagem realizados pelos geógrafos – trajetória não uniforme, que apresentou descontinuidades e abordagens distintas, denotando a força e a persistência do tema, nas quais novas leituras emergiram a partir das mudanças de paradigmas que orientavam a geografia.
	Claval começa o texto analisando o surgimento do termo paisagem (landskip) nos Países Baixos, associado às artes pictóricas e a representação da natureza – um enquadramento, onde os personagens tem papel apenas secundário. O termo se amplia em seguida, passando a designar “qualquer parte de um pays que a natureza apresenta a um observador”, substituindo a ideia de enquadramento.
	Ele afirma que os geógrafos se interessaram pela paisagem desde a constituição da disciplina, pois seria por meio desta que os viajantes apreenderiam a natureza das regiões que percorrem (contexto dos naturalistas e afins). Estabelece-se uma preocupação descritiva, elaborando-se um vocabulário para isso e empregando gravuras, afim de demonstrar as características paisagísticas dos locais para os leitores. Por volta de 1900, Claval nota que os autores dispunham de meios mais eficazes para registrar e expor as paisagens da terra (fotografia). 
A paisagem como interface: uma nova maneira de concebê-la
	 Emergem diferentes concepções que vêem na paisagem uma interface entre domínios distintos. Suess, um geólogo clássico, contesta a visão majoritária da paisagem como um quadro sem vida, argumentando que essa interface entre os domínios da hidrosfera, atmosfera e litosfera consiste no ambiente de desenvolvimento da vida biológica – a biosfera. Logo, outra concepção se soma a essa: a que via a paisagem enquanto a interface das relações entre natureza e fatos sociais (fundamento da geografia ratzeliana, a “antropogeografia”). Os geógrafos, portanto, passam a se questionar acerca da influência que o meio exerce sobre os indivíduos e grupos, procurando medir as transformações que a atividade humana desencadeia no meio ambiente – geografia como “ciência da paisagem”. 
	
A paisagem como interface, a visão vertical e olhar do geógrafo
	A concepção da paisagem enquanto interface entre atmosfera e litosfera/hidrosfera, ou entre natureza e cultura, foi o ponto de partida para o surgimento da paisagem cartografável – ela deixa de ser horizontal e passa a ser vertical (mapa da paisagem vegetal, mapa de usos do solo, mapa de formas de hábitat etc.). A partir dos processos de cartografização, o termo paisagem adquire novos usos (associados a observação dos campos, estradas, cidades etc.), dando origens a termos como “paisagem rural” ou “paisagem agrária”. Claval adverte para a necessidade dos geógrafos articularem a sua visão horizontal (observação direta ou “olhar do geógrafo”) e a visão vertical (fotografias, mapas etc.). O problema da visão horizontal é a sua relativa limitação, sendo tarefa dos geógrafos multiplicarem os pontos de vista de modo a cobrir mais ângulos e compreender o máximo possível da paisagem. 
As formas clássicas de leitura da paisagem geográfica
	Em geografia humana, a leitura da paisagem se baseava na apreensão vertical, cartográfica, da paisagem, do que na reconstituição de sequências evolutivas. Segundo Claval, a leitura funcional da paisagem encontra limites: nem sempre a realidade visível esclarece aquilo que realmente acontece (Claval “pelo mundo” e Madame Fabian no kibbutz israelense). Claval nota o “valor arqueológico” na paisagem, ou seja, há certa resiliência das formas no substrato, mesmo quando deixa de vigorar o sistema que as criou em um primeiro momento (importância do antigo planejamento romano no ordenamentopresente de alguns lugares, as formas dos campos etc.). 
	A descrição da paisagem pelos geógrafos evidencia a variedade das formas associadas à atividade humana (materiais e técnicas empregados na construção de paisagens agrárias, por exemplo). Claval afirma que os geógrafos são sensíveis à dimensão cultural das paisagens, identificando marcos (por exemplo, as igrejas ou as mesquitas) que indicam pertencimento, reconhecimento e a afirmação de identidades. Essa predileção por marcos pode ser enganosa, ele adverte, devendo-se associá-la a uma interpretação funcional, chegando a afirmar certa reticência dos geógrafos em aterem-se a interpretações culturais.
(...)
	
 
Espaço vivido, gêneros de vida e território
A geografia cultural produzida na França tem um percurso distinto daquele da anglo-saxônica. Na França, a cultura integrava o conjunto de temas que compunham a geografia regional, sem expressiva autonomia. O conceito de gênero de vida é um dos melhores exemplos da incorporação da cultura aos estudos geográficos francos durante a primeira metade do século XX. A geografia cultural francesa só emerge de forma mais assertiva nos anos 1970, capitaneada pelo conceito de espaço vivido proposto por Armand Frémont.
· Viagem em torno do território
Joel Bonnemaison
Neste texto, Joel Bonnemaison afirma que a territorialidade emana da etnia, constituindo-se em relação cultural vivida entre dado grupo social e uma trama de lugares hierarquizados e interdependentes, originando um sistema espacial, isto é, um território. Este tem um núcelo e uma periferia, mas são os fixos e os itinerários constituídos e vivenciados que geram sua real apropriação, originando uma afetividade territorial. É pela existência de uma cultura que o território é criado; e é pelo território que uma cultura se fortalece, exprimindo-se a relação simbólica entre cultura e espaço.
· Alguns aspectos do espaço vivido nas civilizações do mundo tropical
Jean Gallais
Neste artigo, publicado originalmente em 1976, Gallais traz a noção de “mundo da vida”. Segundo ele, nas sociedades primitivas o espaço não é vivenciado de acordo com uma métrica uniforme, comum a todos, como ocorre nas sociedades urbano-industriais. As diversas culturas vivenciam o espaço de modo diferente. A distância, por exemplo, transforma-se em três acepções – estrutural, afetiva e ecológica –, cada uma dotada de lógica própria e inteligível culturalmente. 
	
O espaço-padrão das sociedades industriais
	De modo a distinguir as peculiaridades do espaço vivido nas civilizações rurais tropicais, Gallais esquematiza a concepção de espaço que, segundo ele, predomina em uma sociedade industrial. O espaço é concebido como cadeia relativamente neutra de unidades quilométricas sobre a qual se desenvolve um emaranhado de diferenciações e organizações de uso coletivo (infraestruturas etc.). A homogeneização da base espacial se deve a fatores, como: a) certa identidade cultural, resultante da evolução progressiva ou da humanização padronizada de um espaço vazio; b) objetivações e estandardizações dimensionais do espaço constituído pela sucessão perfeitamente regular de unidades idênticas que se repetem ininterruptamente (quilômetros por ex.). Ele chama a atenção também para a percepção do tempo monótono e regular, firmada no decorrar da evolução produtiva e materialista do Ocidente. 
	De modo geral, a concepção de espaço dos indivíduos das sociedades industrais enfatiza o elemento distância padronizada, sendo essa distância calculada cada vez mais pelo percurso-tempo do transporte de massa em veículos. A pesquisa sobre níveis de organização regional – hierarquizados e compatíveis quanto à dimensão – e a formulação matemática são alguns dos aspectos dessa percepção espacial.
O espaço descontínuo das sociedades tropicais pré-industriais
	Os indivíduos dessas sociedades, sejam elas rurais ou urbanas, movem-se dentro de um espaço descontínuo, caracterizado por cortes brutais. Essa suposta fragmentação resulta de vários fatos, sendo o principal desses fatores a compartimentação socioétnica que limita o espaço vivido (laços matrimoniais, castas, alianças de clã etc.). Para Gallais, nessas organizações tradicionais, o espaço vivido, em seu nível mais amplo, corresponde frequentemente à área de segurança e de paz interna. 
A distância estrutural
	Sob a influência da compartimentação socioétnica e dos sistemas preferenciais de relações, o espaço vivido é determinado por uma distãncia estrutural, distinta da distância objetiva das sociedades industriais. Segundo Gallais, essa distância estrutural pode aumentar bruscamente as distâncias que, objetivamente, parecem insignificantes (elas podem também, dependendo do caso, diminuí-las). 
A distância afetiva
	O segundo aspecto que distingue a espacialidade das sociedades pré-industriais é que o espaço vivido por seus membros é mais carregado de afetividade que o “nosso”. Gallais relaciona esse afeto não somente aos laços de amizade e afeto nos locais que nasceram, mas também aos sentimentos referentes à magia, que conferem elementos míticos aos direcionamento do espaço.
A distância ecológica
	Gallais afirma, por último, que o espaço é percebido e vivido nas sociedades tropicais pré-industriais em relação à distância ecológica. Essa distância diz respeito a uma visão subjetiva, inevitavelmente imperfeita para um outsider, sendo percebida através do vocabulário tradicional de valor geográfico, sendo este um revelador dos prismas utilizados. Essa noção diz respeito a variedade com que os ambientes naturais são percebidos pelas populações tradicionais, possuindo gradações e variações sazonais (em relação às estações do ano, por exemplo).
Espaço vivido e mudança
	Nas sociedades tropicais pré-industriais, a combinação das distâncias estruturais, afetivas e ecológicas introduz um espaço vivido de grande riqueza e de inesgotável variedade. Para Gallais, a pesquisa acerca dessa espacialidade e a análise de seu significado devem ser realizadas por meio de uma abordagem subjetiva adaptada às culturas e civilizações regionais. 
· A noção de gênero de vida e seu valor atual
Max Sorre
Neste texto, publicado originalmente em 1948, Max Sorre busca resgatar a noção lablacheana de gênero de vida, que, segundo o autor, não fora objeto de avaliação crítica desde sua proposição, em 1911. Gênero de vida é entendido como o conjunto de técnicas, a organização social e as práticas de trabalho que, de modo interligado, possibilitam a existência e a reprodução de dado grupo social. No entanto, os gêneros de vida não estão cristalizados, mas submetidos a mudanças influenciadas pela industrialização e pela urbanização (além de, recentemente, pelo processo de globalização). 
· Capítulo Bônus – Duas últimas sessões do capítulo 13 de “Trajetórias Geográficas”
Roberto Lobato Corrêa
As críticas à geografia cultural
	Uma série de críticas foram feitas ao geógrafos culturais. A crítica de Hartshorne e dos geógrafos regionais diz respeito a negligência com os múltiplos elementos que se inter-relacionam em uma área, tendo sido privilegiado apenas um destes elementos. Do ponto de vista da Nova Geografia, os geógrafos culturais estavam voltados para o passado, abordando temas pouco relevantes para os problemas imediatos vinculados ao desenvolvimento. Desse modo, Mikesell questiona a seletividade dos temas abordados pela geografia cultural e a aceitação unânime (Sauer e seus discípulos) do conceito de cultura cunhado por Kroeber, como este fosse um consenso. A cultura, nesse caso, era entendida como uma entidade acima do homem (supraorgânica), não redutível às ações pelos indivíduos que estão associados a ela, misteriosamente respondendo pelas suas próprias leis. Essa internalização da cultura pelos indivíduos tem como pressuposto a ideia de homogeneidade cultural de cada grupo, a qual, pela ausência de conflitos internos, implicaria em mudanças poucos frequentes e sempre originárias do exterior. Ao compreender a cultura como força determinante, são desconsideradoso modo como os indivíduos escolhem, interagem, negociam e impõem restrições entre si, ignorando aspectos como a estratificação social, interesse políticos, conflitos de interesse, o papel do Estado e das grandes empresas etc. Esse conceito de cultura como algo externo ao indivíduo, concebido como um mero agente de forças culturais, faz com que Corrêa afirme que Sauer, na tentativa de romper com determinismo ambiental que prevalecia no ambiente acadêmico estadunidense, acabou por se engajar no determinismo cultural.
	Do ponto de vista da Geografia Crítica, a Geografia Cultural Norte-Americana estava assentada em critérios de classe e étnicos, que influenciavam os valores e crenças dos geógrafos culturais. Os geógrafos críticos afirmam que ao se admitir a existência de “culturas” como entidades genuínas da sociedade, esquece-se o papel dos Estados e seus limites territoriais, assim como das classe sociais poderosas, logo, muitos dos grupos que se chama de “culturas” são sociedades oprimidas e, ao desconsiderar isso, os geógrafos culturais acabam servindo à dominação e às corporações multinacionais. Vale ressaltar que, após a Segunda Guerra Mundial e até o final da década de 1960, os aparelhos de Estado norte-americanos patrocinaram numerosas pesquisas em áreas culturais “não-ocidentais”, utilizando-as como fonte de informação para os órgãos de espionagem e ação antirrevolucionária.
Perspectivas recentes na Geografia Cultural
	A Geografia Cultural após 1960 apresenta três perspectivas recentes que são incorporadas à sua prática. Trata-se do aparecimento de uma nova Ecologia Cultural, dos estudos sobre percepção ambiental, e da maior ênfase em se estudar aspectos da Geografia Cultural norte-americana.
	Na Ecologia Cultural, influenciada pela análise sistêmica, natureza e cultura passaram a ser vistas como componentes interligados de um sistema, sem nenhuma visão determinista, seja ela ambiental ou cultural – conceito de ecossistema como princípio e método geográfico. Em relação à segunda perspectiva, podemos dizer que a percepção ambiental já era considerada na geografia tradicional, no entanto esta a subordinava a cultura. É apenas na década de 1960, a partir do trabalho de Lowenthal e com a contribuições de autores com Tuan, que a questão da percepção ambiental ganha espaço entre os geógrafos, influenciados pela psicologia. Dentro da temática em pauta, destacam-se os estudos que consideram a percepção e atitudes em face das catástrofes naturais, além de estudos de como determinados grupos sociais, étnicos ou etários definem limites e preferências espaciais (trabalhos envolvendo mapas mentais). Finalmente, são retomados os estudos sobre os aspectos da Geografia Cultural norte-americana nos quais se discute o tema da “unidade na diversidade” voltados para os estudos rurais no país. Subjacente a esses estudos está a ideia de que verificar e compreender as variações espaciais dos diferentes aspectos da cultura norte-americana constitui-se em grande desafio para o campo que até então enfatizava as áreas “não-ocidentais”, com maior diversidade cultural. Na década de 1980, a Geografia Cultural prossegue enriquecida, produzindo-se um amplo conhecimento sobre as relações entre o homem e a natureza, incluindo uma abordagem crítica, a exemplo do artigo de Cosgrove.

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