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BIOÉTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A NEUROCIÊNCIA

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Disciplina: Bioética e suas implicações para a Neurociência 
Autores: M.e Willyans Maciel 
Revisão de Conteúdos: Esp. Marcelo Alvino da Silva 
Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso 
Ano: 2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material 
integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita 
da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento 
destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
 
 
 
MACIEL, Willyans. 
Bioética e suas implicações para a Neurociência / Willyans Maciel. – 
Curitiba, 2017. 
51 p. 
Revisão de Conteúdos: Marcelo Alvino da Silva. 
Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. 
Material didático da disciplina de Bioética e suas implicações para a 
Neurociência – Faculdade São Braz (FSB), 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Bioética e suas implicações 
para a Neurociência 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANO 
2017 
 
 
 
 
 
PALAVRA DA INSTITUIÇÃO 
 
Caro(a) aluno(a), 
Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! 
 
 Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio 
Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 
299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e 
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comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do 
desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas 
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ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão 
de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e 
grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e 
estudantes. 
 
 
Bons estudos e conte sempre conosco! 
Faculdade São Braz 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Apresentação da disciplina 
A bioética é um dos mais importantes e amplos campos da ética. Nela 
estudamos as questões relativas à vida, ao meio ambiente e a saúde, não 
apenas humanas, mas de todos os seres vivos. Esta é uma disciplina com uma 
grande gama de conteúdos teóricos e diversas associações conceituais serão 
necessárias. Por essa razão é importante que você estudante esteja atento às 
mídias que serão apresentadas ao longo da disciplina, bem como se mantenha 
ativo em sua interação no ambiente virtual de aprendizagem. Será uma 
disciplina empolgante e com muitas possibilidades. 
Nesta disciplina abordaremos os principais tópicos da bioética e seu 
campo específico, a neuroética, com a finalidade de desenvolver o aparato 
conceitual necessário para a aplicação responsável dos conceitos, métodos e 
resultados da bioética. Para tanto, faremos uma abordagem detalhada dos 
fundamentos conceituais da bioética, sua história e como ela foi influenciada 
pelos resultados da neurociência para desenvolver-se na forma como se 
apresenta hoje. 
Abordaremos diversas discussões que aparecem ao longo da história da 
bioética, muitas delas ainda ativas em pesquisa e debate. Nesse processo 
procuraremos explorar a forma como pesquisadores e clínicos devem utilizar 
os conceitos e métodos da neurociência de modo responsável e favorecendo o 
desenvolvimento humano, mantendo o respeito pela dignidade da vida, a 
individualidade da pessoa humana e a autonomia dos sujeitos. 
 
 
 
 
 
 
Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material 
integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita 
da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento 
destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 
 
 
 
 
 
Aula 1 – Bioética e neurociência 
Apresentação da aula 
Nesta aula abordaremos as origens conceitual e histórica da bioética, 
sua evolução no Século XX, bem como os pontos relevantes que influenciaram 
seu desenvolvimento. Trataremos também da neuroética, a intersecção entre a 
bioética e a neurociência, apresentando algumas relações entre o cérebro e o 
processamento moral dos seres humanos. 
Nosso principal ponto, no entanto, é a apresentação do processo de 
criação da bioética e de seu funcionamento. Estudaremos juntos a moral, a 
ética, o direito e como esses três elementos, em conjunto com as 
transformações na sociedade, levam ao surgimento da bioética. 
 
1. Bioética e neurociência 
Não se pode falar em bioética, ou em seu campo específico na 
neurociência, a neuroética, sem explorar as suas origens como um ramo da 
ética e com forte relação com o funcionamento da moral e o impacto na 
sociedade. O fluxo do processamento das informações relativas ao que é bom, 
correto, legal e benéfico, inicia-se na moral, como a mais individual expressão 
desse processamento, passa pelo diálogo em sociedade promovido pela ética, 
desenvolve-se nas leis e normas do direito e finalmente coaduna-se com as 
descobertas mais recentes da ciência cognitiva, neurociência e filosofia da 
mente, formando a neuroética. 
 
1.1 Moral, a base da ação e julgamento humanos 
A expressão Moral tem sua origem em duas expressões do latim "mos” e 
"mores”, desenvolvendo-se para uma terceira, a "moralis" que significa 
"caráter" ou "comportamento próprio". Indica o conjunto de normas e princípios 
mais básicos do ser humano, que regem o julgamento e ação de um indivíduo. 
Através da moral julgamos as ações humanas como boas ou más, tanto as 
ações que cometemos ou pretendemos cometer, quanto as ações de outros 
seres humanos. Da mesma forma, os outros seres humanos são dotados de 
 
 
 
 
moral e fazem o mesmo em relação às nossas ações. Embora a moral, por ser 
individual, possa variar de pessoa para pessoa, em geral, há um padrão 
aproximado em comunidades. A ciência ainda investiga a extensão do impacto 
da cultura na formação da moral, mas atualmente se aceita que os aspectos 
mais fundamentais e comuns a todos sejam evolutivos e baseados na estrutura 
neural humana. 
 
1.2 Comparando com a psicopatologia 
Uma boa forma de compreender o funcionamento da moral é compará-la 
com um tipo de indivíduo moralmente patológico. Psicopatas são uma pequena 
porcentagem da população humana considerada amoral. Não são dotados de 
empatia, a capacidade de identificar-se com os outros seres humanos, e por 
isso sua capacidade de sentir e compreender os sentimentos humanos, 
compaixão, é comprometida. 
Nem todos os psicopatas causam danos à sociedade, existem diversos 
níveis de psicopatia e a maioria passa despercebida. Alguns autores estimam 
que cerca de 5% da população humana possa ser incluída nessa categoria. 
As causas ainda são investigadas, entre elas as principais suposições 
são razões evolutivas e de estrutura da mente. A empatia e compaixão são 
benéficas para a sobrevivência humana, mas uma vez bem estruturada uma 
comunidade humana, psicopatas podem aproveitar-se da compaixão dos 
outros indivíduos e sobreviver mesmo sem essas habilidades. 
Em alguns casos, questões ambientais, culturais e traumas são 
levantados como possíveis gatilhos para a psicopatologia. O fato é que 
psicopatas possuem uma estrutura de processamento moral diferente das 
pessoas consideradas moralmente saudáveis e assim seus julgamentos morais 
seguem padrões igualmente diferentes. Sem considerar atitudes como boas ou 
más, eles reagem apenas pela busca do próprio prazer e aversão ao medo. 
Pessoas moralmente saudáveis, por outro lado, reagem ao prazer e medo, mas 
são igualmente levadas a agir pelo sentimento de que o bom, para si e paraos 
outros, deve ser realizado e o mal deve ser evitado. Nesse contexto pode-se 
apresentar uma explicação adequada para a diferença entre psicopatas e 
 
 
 
 
pessoas normalmente saudáveis, sendo que os psicopatas possuem sua 
capacidade de compaixão prejudicada, importando-se apenas com o medo e o 
prazer, não considerando o potencial para realizar o bem e o mal. 
 
1.3 Ética, o diálogo sobre a moral 
A palavra ética tem origem no idioma grego, através das palavras 
“ethos” e “éthike”. Tais palavras indicam o significado de “costume” no sentido 
benéfico, sendo, portanto, geralmente dito ser aquilo que vem do bom costume. 
A ética é normalmente descrita como o ramo da filosofia responsável 
pela sistematização, recomendação e defesa das regras de conduta e valores, 
que se aplicam a toda uma sociedade. Classifica as ações humanas como 
certas ou erradas de acordo com as regras de conduta estabelecidas. Diferente 
da moral, que parte do julgamento individual e pode variar entre indivíduos de 
uma mesma comunidade, a ética é estabelecida para comunidades inteiras. 
Temos assim a ética médica, a ética política, a ética desta ou daquela 
sociedade. Quando alguém infringe a ética dizemos que uma pessoa agiu de 
modo incorreto, pois a ética estabelece critérios para apontar uma ação como 
correta, ou seja, identifica que a moral do agente está de acordo com o que a 
comunidade espera de seus membros. 
Por se tratar de um processo em sociedade, a ética toma forma 
necessariamente de um diálogo. Um diálogo que acontece ao longo do tempo 
e desenvolvimento de uma sociedade. Agir de modo antiético é recursar-se a 
participar desse dialogo contínuo entre as morais dos indivíduos. 
Entre as diversas questões da ética encontram-se as duas principais, as 
quais auxiliam no entendimento de seu valor para a ciência: 
➢ Qual o melhor modo de vida? 
➢ Quais ações são corretas em cada situação particular? 
 
 
 
 
 
Para Refletir 
Em termos de neurociência, perguntamo-nos, qual o papel do 
neurocientista nessas duas questões? Como podemos ajudar 
as pessoas a viverem da melhor forma possível? E, 
principalmente, temos direito de decidir por outras pessoas? 
 
1.4 Ética, o diálogo sobre a moral 
A bioética é um dos campos mais recentes, porém mais proeminentes, 
da ética. A palavra vem de uma composição do grego, entre "bios" e "éthike”, 
indicando que a bioética é a ética aplicada às questões da vida. 
De acordo com a definição de bioética da OMS (2001), a "bioética é o 
uso criativo do diálogo para formular, articular e, na medida do possível, 
resolver os dilemas propostos pela investigação e pela intervenção sobre a 
vida, a saúde e o meio ambiente”. 
Dessa forma, a bioética amplia-se, entendendo a simbiose do ser 
humano com a natureza e, portanto que a vida humana, a saúde e o ambiente 
não podem existir separadamente. Isso permite que a bioética trabalhe as 
questões relativas também a vida de outros animais, questões ambientais e 
mesmo sociais, quando estas impactam na vida e saúde humana. 
Entre os exemplos temos as questões de saúde pública e educação. 
Tais questões impactam na vida humana no presente e no futuro, colocando 
em risco ou protegendo a saúde física e mental das pessoas. No caso da 
educação a relação com a neurociência é mais evidente, mas mesmo na saúde 
pública temos muitos casos de inter-relação entre políticas públicas e 
neurociência, como foi a proliferação dos casos de microcefalia em 2016, que 
levantou grupos de pesquisadores em diversas áreas na busca da 
compreensão do fenômeno. 
 
 
 
 
 
 
 
1.5 O direito 
A bioética aparece em um contexto que envolve moral, ética e direito, 
constituindo-se em um diálogo que provoca o que Hossne, chamou de 
"angustia da opção". Nesse contexto direito é o resultado consolidado e 
imposto (institucionalmente) do diálogo promovido pela ética, que por sua vez é 
baseado nos julgamentos morais, é o cume do processo que se inicia pelos 
julgamentos morais e passa pelo diálogo da ética. É o sistema de 
estabelecimento das normas impostas institucionalmente para toda uma 
sociedade ou comunidade. 
Essas normas não se referem apenas às leis que regem uma nação, 
mas também às regras para pesquisa científica, conselhos de ética, códigos de 
ética, associações e conselhos profissionais. 
Da moral, passando pela ética e chegando ao direito, notamos que o 
processo se torna cada vez mais fixo e amplo em sociedade. As normas do 
direito não são facilmente questionáveis no cotidiano e devem ser cumpridas, 
em geral, com imposição de penas a quem as descumprir. O direito regula a 
sociedade, permitindo o bom funcionamento da mesma, em um ambiente o 
mais próximo possível do ideal estabelecido pela ética da comunidade humana. 
 
1.6 Neuroética 
Em seu ponto de vista específico, a neuroética trata de todos os 
aspectos éticos da prática científica, incluindo, mas não se restringindo, a 
forma como a comunidade científica se relaciona com a sociedade. Nesse 
contexto o avanço da neuroética em relação ao campo mais amplo da bioética 
constitui-se em um campo que estuda o papel do cérebro e da cognição nos 
julgamentos morais individuais e consequentemente o diálogo da ética. A 
neuroética é a intersecção entre a ética, neurociência e a sociedade. Trata da 
relação entre o cérebro e os conceitos da ética, compreendendo o papel do 
cérebro nas interpretações morais humanas, mas também como os conceitos 
da ética se aplicam na sociedade e nas questões específicas da bioética, ou 
seja, as questões envolvendo a saúde, a vida e o ambiente. 
 
 
 
 
A neuroética trata ainda dos casos em que uma área afetada por lesão 
ou trauma no cérebro ou sob efeito de toxinas, pode gerar alterações nos 
padrões morais do indivíduo. O que leva a ações e julgamentos diferentes do 
que faria sem a lesão, trauma ou toxina. 
Junior (2010) explica que: 
Dentre essas, os lobos frontais, o sistema límbico, o giro cíngulo, a 
amígdala temporal e o hipocampo, cuja análise neurofisiológica 
demonstra que regulam o controle da normalidade psíquica, o 
autocontrole e, também, o controle da agressividade, violência, livre-
arbítrio, responsabilidade e doença mental. (JUNIOR, 2010, p.1). 
 
 
O mesmo acontece com o uso de drogas que alteram o funcionamento 
de determinadas áreas, tornando o indivíduo mais ou menos agressivo e mais 
propenso a comportamentos atípicos, reprováveis ou simplesmente diferentes 
daqueles comuns àquela pessoa. 
Para além do comportamento do cérebro em relação ao uso da moral 
especificamente, a neuroética trata de todos os aspectos éticos da prática 
científica, incluindo a forma como a comunidade científica se relaciona com o 
público e o comportamento dos cientistas em relação à sociedade. 
Tem implicações para o uso dos resultados de pesquisas em tribunais, 
para influenciar o resultado de julgamentos, na educação, para aprimorar ou 
estimular o desenvolvimento cognitivo dos jovens, e nas questões de uso de 
resultados clínicos pela sociedade e profissionais. Também, há uma grande 
responsabilidade quanto a não permitir que resultados clínicos inconclusivos 
sejam utilizados pelo público, seja para justificação de ações ou realização de 
procedimentos. 
 
1.7 Bioética, ética e moral 
Para melhor entendimento do conceito e aplicação da neuroética, faz-se 
necessário um retorno conceitual para a bioética, para compreender mais 
especificamente seus objetivos e como as questões que hoje influenciam a 
neuroética vieram a se formar ao longo da trajetória de construção da bioética, 
nos séculos XX e XI. De acordo com o professor William Saad Hossne, em 
entrevista para Marques (2013) a bioética “é um juízo e reflexão crítica sobre 
 
 
 
 
conflito de valores, o que cria a angústia da opção”, pois é o resultado da 
reflexão interna sobre os próprios valores de cada indivíduo, o que pode levar a 
conflitos que precisarão ser resolvidospela ética. 
A angustia da opção a que Hossne se refere é tem por base a forma 
como processamos as informações. Essa base tem relação com a estrutura do 
cérebro e conceitualmente aparece na moral. A moral é a responsável pelo 
julgamento das ações que realizamos, quando as opções aparecem no 
ambiente da ética, somos levados ao nosso íntimo para refletir sobre elas. Ao 
fazê-lo, muitas vezes conflitos aparecerem e precisamos solucioná-los. 
Saiba Mais 
 William Saad Hossne (1927-2016), 
nasceu na cidade de Botucatu/SP, foi 
fundador da Sociedade Brasileira de 
Bioética, ficou reconhecido também por 
seu trabalho e militância na bioética, 
campo transdisciplinar, reunindo a 
biologia, as ciências da saúde, a filosofia 
e o direito; estudando a dimensão ética dos modos de tratar 
a vida humana e animal no contexto da pesquisa científica e 
suas aplicações. Saad Hossne também ajudou a criar a 
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), 
coordenada por ele entre 1996 e 2007. 
 
 
Alguns desses conflitos envolvem outros seres humanos e a resolução 
pode ser ainda mais complexa. Pensando esse tipo de conflito, começaram a 
surgir as primeiras estruturas fixas e regulamentações da bioética. 
Cada nação possui suas próprias leis no que concerne a bioética, como 
em quase qualquer outra área. Atualmente, temos comitês de ética em todo o 
Brasil e cada faculdade ou universidade possui o seu, o mesmo acontece com 
empresas e laboratórios que desenvolvem pesquisa. No entanto, alguns pontos 
são estabelecidos mundialmente, por necessidades que envolvem todos os 
seres humanos. 
 
 
 
 
 
 
1.8 A dignidade da vida como ponto crucial 
A bioética é pautada, em grande medida, pela Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, publicada em 10 de dezembro de 1948, durante reunião das 
potencias que emergiram vitoriosas da Segunda Guerra Mundial. Tal reunião 
também marca a fundação da Organização das Nações Unidas e o objetivo da 
declaração era evitar que as atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra 
Mundial jamais voltassem a ocorrer. 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: http://eptic.com.br/wp-content/uploads/2016/03/direitos-humanos1.jpg 
 
A forma que se encontrou para fazer isso foi estabelecer-se um código 
de normas relativas a forma como os humanos deveriam ver e tratar uns aos 
outros. Embora outros documentos tenham sido criados, a Declaração 
Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é ainda hoje o mais relevante 
documento sobre a vida e as atividades humanas da nossa civilização. 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), em seu artigo 1°, 
afirma que: 
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em 
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para 
com os outros em espírito de fraternidade.” Declaração Universal dos 
Direitos Humanos (DUDH, 1948). 
 
As primeiras discussões, que culminaram na declaração e no que hoje é 
a bioética, começaram logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, mesmo 
antes da criação da ONU, e ao longo do processo para tal, com a divulgação 
 
 
 
 
dos experimentos de médicos membros do partido Nacional Socialista Alemão, 
que vieram à tona no tribunal de Nuremberg. 
Em meio a todo o tumulto do Pós-Guerra, havia muitas preocupações, 
particularmente com relação à própria guerra e como tratar seres humanos em 
tais condições. Os juízes do tribunal de Nuremberg sentiram-se na obrigação 
de fazer algo em relação àquelas atrocidades e assim surgiu o Documento de 
Nuremberg, que foi o primeiro documento acerca dos temas que hoje 
chamamos de bioética. 
Assim começam as primeiras discussões sobre os limites do interesse 
da sociedade e ciência em relação aos direitos dos indivíduos. Os esforços se 
concentravam no que hoje chamamos de ética médica. Ainda restritos à 
questão básica da vida humana e seu uso em experimentações clínicas ou 
aplicação de tratamentos sem consentimento. 
 
1.9 O pai da bioética 
O bioquímico V.R.Potter é considerado o pai da bioética, conduziu seus 
estudos para oncologia, publicando em 1971 a obra chamada Bioética: Ponte 
para o Futuro (Bioethics: bridge to the future) deixando as religiões à parte, 
com uma visão laica e puramente científica. 
Até aquele momento, ainda havia muita influência da religião nas 
ciências da saúde, particularmente quando se tratava das questões éticas. 
Utilizava-se a ideia de culpa e punição das religiões ocidentais, bem como a 
ideia de origem divina comum, para justificar a aplicação de princípios morais a 
todos os seres humanos. Embora úteis, estas justificações perdem efeito 
quando o agente não compartilha das mesmas crenças. 
Potter foi capaz de formular sua teoria apresentando uma visão 
exclusivamente científica, sem qualquer influência religiosa, e assim tornando 
as discussões na área mais rigorosas, pavimentando o caminho para o 
desenvolvimento dos princípios fundamentais da bioética. 
 
 
 
 
 
Saiba Mais 
 Van Rensselaer Potter (1911-2001), 
nasceu em Dakota do Sul, foi um 
bioquímico americano, e pesquisador na 
área de oncologia. Sua experiência com 
pacientes oncológicos o fez propor o 
surgimento de um novo conceito 
interdisciplinar, o qual correlaciona ética e 
ciência, o qual denominou de bioética. 
Potter buscava estabelecer um diálogo entre a ciência da 
vida e a sabedoria prática (entre o Bios e o Ethos), criando 
desta forma a bioética. Autor do livro Bioética: Ponte para o 
Futuro, obra a qual foi a pioneira a abordar esse diálogo, 
sendo um marco inicial para a bioética. 
 
1.10 Princípios fundamentais 
Em 1979, foi publicado no Belmont Report o anúncio do que seriam até 
então os princípios fundamentais da bioética: Autonomia, beneficência e 
justiça. 
Saiba Mais 
Belmont Report é um relatório criado pela Comissão 
Nacional para a Proteção dos Sujeitos de Pesquisas 
Biomédicas e Comportamentais dos Estados Unidos da 
América. 
 
A pesquisa e a prática em bioética evoluíram nos últimos 45 anos, em 
Outubro de 2005 foi aprovada a “Declaração Universal sobre Bioética e Direitos 
Humanos" com 28 artigos. 
 
 
A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 
2005, não se confunde com a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, de 1948. 
 
 
 
 
 
 
 
Presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como em 
diversas constituições ao redor do mundo, a dignidade humana é um dos 
grandes pilares da bioética, pois força os cientistas a pensarem em todos os 
humanos como dignos de respeito e cuidados, pelo simples fato de serem 
humanos, sendo a dignidade da vida humana um ponto crucial da bioética. 
Objetivo da Declaração sobre Bioética: Estabelecer a individualidade 
como primitiva e fundamental, garantindo a autonomia dos indivíduos acima do 
interesse da ciência ou da sociedade. 
A bioética trata os humanos como indivíduos, nunca por seu coletivo, e 
garante-lhes autonomia. Essa é a expressão do direito à liberdade, um dos 
direitos naturais. Assim, estabelecem-se os três pilares da bioética, a 
autonomia, dignidade e individualidade. 
Com a evolução e discussão promovida ao longo do Século XX, 
começamos o Século XXI com o campo da bioética muito melhor desenvolvido 
e estruturado, objetivando a proteção da vida, da saúde e do meio ambiente. 
No caso da neuroética, o campo começa a se delinear através da bioética e 
dos desenvolvimentos da neurociência. 
 
Resumo da Aula 1 
Nesta aula foram exploradas as origens histórica e conceitual da 
bioética, trazendo o entendimento de como a moral e a ética sustentam o 
conceito de bioética, bem como a forma pela qual os eventos do Século XX 
influenciaram no desenvolvimento desse campo. Evidenciou-se ainda o 
desenvolvimento da neuroética, que trabalha especialmente com os aspectos 
da moral e da ética em sua relação com o cérebro humano. 
Atividade de Aprendizagem 
A bioética coloca a autonomia, dignidade e individualidade 
acima dos interesses da ciênciae mesmo da sociedade. Com 
base nessa ideia produza um texto explicando como esse 
funcionamento impede atrocidades como as cometidas pela 
autoridade nazista e outros abusos. 
 
 
 
 
 
Aula 2 - Bioética: Corpo, mente e consciência 
Apresentação da aula 2 
Nesta aula iremos expandir nosso conhecimento sobre a estrutura da 
bioética, os conceitos e subáreas que a compõem, bem como as principais 
questões investigadas na bioética. Algumas dessas questões serão 
apresentadas de modo geral para em seguida serem conectadas com a 
neuroética, expandindo a compreensão da questão ao entender como os 
conhecimentos da neurociência podem nos ajudar a compreender melhor 
esses tópicos. 
 
2. Bioética: Corpo, mente e consciência 
A bioética, incluindo a neuroética, desenvolveu um amplo corpo 
doutrinal, tornando-se o mais robusto dos ramos da ética. Por isto, a bioética 
conta com um grande conjunto de conceitos e questões próprias. 
 
2.1 Deontologia 
A bioética não trabalha apenas com direitos (individualidade, autonomia, 
dignidade), como todos os ramos da ética ela possui uma deontologia. A 
ciência do dever. 
A palavra deontologia tem sua origem no idioma grego, com a palavra 
deon, significando “dever” e “logos”, uma expressão ampla em sentido e 
significado, geralmente entendida como “ciência”, formando assim a “ciência do 
dever”. De modo mais preciso, é o ramo da ética que trata dos deveres. Nesse 
modelo a ação consciente, pautada pelo dever moral, é mais importante do que 
as consequências. 
O filósofo alemão Immanuel Kant, importante ícone para o 
desenvolvimento da ética e filosofia da educação, explica que quando agimos 
por dever conferimos à nossa ação valor moral; a perfeição moral, por seu 
turno, é atingida pela vontade livre. A ação aleatória não tem valor, assim como 
a ação que se apega à finalidade e ignora o certo não tem valor moral. 
 
 
 
 
Saiba Mais 
Immanuel Kant (1724-1804), nasceu em 
Königsberg, na Prússia Oriental, (Alemanha), 
foi um filósofo alemão, o fundador da 
Filosofia Crítica. Foi considerado um dos 
maiores da história da filosofia e um dos 
mais influentes no ocidente. Kant negava que 
existia uma verdade última ou a natureza íntima das coisas, 
propondo uma espécie de código de conduta humano, publicando 
em 1788 o livro Crítica da Razão Prática, no qual aborda de 
maneira clara a naneira que funcionaria como leis éticas que 
regeriam os seres humanos, lei essas intituladas como Imperativo 
Categórico. 
 
O grande opositor de Kant foi o utilitarismo, a doutrina de que a utilidade 
é o aspecto mais importante de uma ação e não o dever ou o direito natural. Os 
aspectos subjetivos do utilitarismo estão entre os maiores riscos para a 
humanidade quando se trata de estudos e aplicação de pesquisas científicas. A 
ideia de que a utilidade de um proceder pode justificar abusos foi o motivador 
de relevantes encaminhamentos na história da ciência. É esse aspecto 
subjetivo que Kant procurava frear com uma doutrina moral objetiva, com o 
dever como base. 
O mais relevante desses encaminhamentos no Século XX foi a 
experiência relatada durante os julgamentos de Nuremberg pelos médicos dos 
campos de concentração na Alemanha nazista. Não porque experimentos de 
tal natureza e crueldade não tenham sido realizados antes, mas pelo impacto 
que esses apresentaram ao chocar a civilização ocidental como um todo. O 
documento de Nuremberg foi o primeiro a tratar do que hoje chamamos de 
bioética. Como uma resposta às atrocidades de que tiveram notícia, durante os 
julgamentos, os juízes decidiram, por conta própria criar um documento para 
ajudar a impedir que aquilo acontecer, limitando assim o interesse da 
sociedade e ciência em relação a individualidade, considerando o emprego de 
humanos em pesquisas e tratamentos. 
Os experimentos de Josef Mengele, o mais famoso dos médicos 
nazistas, e seus colegas eram baseados em duas ideias principais. Primeiro 
 
 
 
 
que os sujeitos de seus experimentos não possuíam os mesmos direitos que 
os outros membros da sociedade alemã da época. Os experimentos cruéis de 
Josef Mengele e seus colegas durante a Segunda Guerra Mundial chocaram o 
mundo ocidental, motivando a criação de recursos que viram a gerar a 
fundação da bioética. Tais experimentos eram baseados em duas ideias, 
primeiro que os sujeitos de tais experimentos não possuíam os mesmos 
direitos que os outros membros da sociedade. Segundo, a ideia de que a 
finalidade de tais experimentos poderia justificar tais abusos, as quais eram 
oriundas da doutrina (ou ramo), que melhor descreviam o Utilitarismo. 
Em termos de tradição ética ocidental, essa ideia é negada por John 
Locke ao afirmar os direitos naturais (liberdade, vida e propriedade), o que veio 
a compor parte da base das revoluções americana e francesa, influenciando 
toda a civilização ocidental. 
A recusa à primeira ideia desse posicionamento aparece na Declaração 
Universal dos Direitos Humanos (1948), “Todos os seres humanos nascem 
livres e iguais em dignidade e em direitos”. Esse posicionamento também 
aparece na constituição de muitos países e em documentos de orientação 
quanto à bioética, reforçando e protegendo os direitos naturais com direitos 
legais. 
Saiba Mais 
 John Locke (1632-1704), nasceu em 
Wrington, (Inglaterra), foi filósofo e 
ideólogo do liberalismo, sendo considerado 
o principal representante do empirismo 
britânico (conhecido como fundador do 
empirismo e defensor da liberdade e a 
tolerância religiosa) e um dos principais 
teóricos do contrato social. Como filósofo, pregou a teoria da 
tábua rasa (a qual a mente humana era como uma folha em 
branco, que se preenchia apenas com a experiência). 
 
Segundo, e mais relevante para este tópico em particular, a ideia de que 
a finalidade, ou utilidade, de tais experimentos poderia justificar a infração aos 
direitos naturais, sendo tais direitos o direito à liberdade, o direito à vida e o 
 
 
 
 
direito à propriedade, incluindo especialmente a propriedade sobre o próprio 
corpo. Em termos de neuroética, o direito sobre o próprio corpo se manifesta 
como a capacidade de consentimento, ou seja, a capacidade de optar por 
participar ou não participar de um tratamento ou experimento por vontade 
própria. Esta capacidade, entende-se, pode ser alterada de acordo com 
situações que influenciam a estrutura do cérebro e seus efeitos na cognição. 
Amplie Seus Estudos 
SUGESTÃO DE LEITURA 
Leia a obra Fundamentação da Metafísica 
dos Costumes, de autoria de Immanuel Kant. 
O pensamento de Kant sobre a ética e seu 
conceito de imperativo categórico, em 
oposição aos imperativos hipotéticos, foram 
fundamentais para a refutação do utilitarismo 
em ciência, permitindo a criação de uma 
base ética rigorosa. 
 
Quando lemos Locke e Kant juntos, à luz da Declaração Universal dos 
Direitos Humanos, entendemos que a justificativa dos fins de uma pesquisa 
podemos muitas vezes impactar e infringir os direitos naturais que todos os 
humanos possuem. A autonomia e individualidade são automaticamente 
ignoradas em experimentos que não consideram a capacidade de 
consentimento dos indivíduos, que os consideram menos relevantes frente a 
outros indivíduos ou ainda que consideram que o sacrifício de vidas humanas é 
aceitável em busca de um resultados para a ciência ou sociedade. 
Immanuel Kant formulou uma teoria do dever dedicada a combater o 
aspecto subjetivo do utilitarismo, que segundo ele levava ao desrespeito e 
degradação da humanidade. Para Kant, apenas uma doutrina objetiva, que 
pudesse ser aplicada a todos poderia ser considerada boa. A ideia de que a 
utilidade de um proceder pode justificar abusos é a ideia que melhor descreve 
esse aspecto subjetivo, criticado por Kant. 
Em resumo, esse posicionamento foi importante para afastar as 
posições de que a finalidade da ciência, ou seus resultados, poderiam justificar 
 
 
 
 
abusoscontra a individualidade ou autonomia de seres humanos. No limite, 
trata-se da distinção entre o que podemos fazer como cientistas e o que 
devemos fazer como seres humanos. O dever do cientista é respeitar os 
direitos naturais e legais, em particular a individualidade e a autonomia de cada 
ser humano. 
 
2.1.1 Código de ética 
Quando os deveres assumem uma forma mais concreta, através do 
diálogo da sociedade por meio da ética, são formalizados como normas de 
conduta aplicáveis por meio de instituições e impostas aos indivíduos que 
compõem uma sociedade, independente de seu posicionamento moral 
particular. Da definição dos deveres vem a formalização. Ao se entender as 
necessidades de uma área e os deveres que levam às ações corretas, o que é 
trabalho do diálogo promovido pela ética, esses deveres passam a assumir a 
forma de normas de conduta. Essas normas, por sua vez e diferente das 
normas autoimpostas da moral, são regidas pelo direito e impostas por força 
institucional de autoridade legitima, na maioria dos casos um estado, 
republicano ou não, ou uma organização específica. Temos o caso, por 
exemplo, já citado da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das 
constituições de diversos países, mas no caso da deontologia e especialmente 
da bioética, esta formalização acontece principalmente como um código de 
ética profissional. 
Aplicado e fiscalizado por conselhos profissionais e comitês de ética, e 
especialmente relevante para as profissões que atuam em questões da vida 
humana, os códigos de ética não apenas compilam os deveres dos 
profissionais que atuam sob ele, mas os direitos, procedimentos e ferramentas 
que esses profissionais têm a sua disposição. 
É também uma forma de uma determinada classe de profissionais 
expressar o seu compromisso para com a ética perante o público e a 
sociedade em geral. 
 
 
 
 
 
 
 
Conhecer o código de ética da sua profissão é um dos deveres 
mais importantes, pois permite conhecer todos os outros 
deveres. 
 
 
 
2.2 Consciência e cognição 
Ao trabalharmos com a bioética no contexto da neurociência, ou 
neuroética, precisamos entender a discussão acerca da consciência e 
cognição, dois elementos que sempre povoaram as pesquisas em filosofia da 
mente e, mais recentemente, ciência cognitiva e neurociência. 
Para a finalidade dessa aula, podemos apenas lembrar que esta questão 
é antiga, começa com Aristóteles, passa por Descartes e chega aos dias de 
hoje. A neurociência surgiu como uma opção para a superação do 
behaviorismo, particularmente útil, pois a comunidade científica e filosófica é, 
em grande medida, fisicalista, ou seja, adere a ideia de que o corpo e a mente 
são uma mesma entidade física. Nesse contexto, apresentou-se o que a 
neurociência poderia oferecer (a possibilidade de compreensão da mente 
humana por meio da análise do cérebro), o que permitiu que ela ajudasse a 
superar o behaviorismo no início da década de 50, época do declínio do 
behaviorismo (e desenvolvimento acelerado da neurociência), quando os 
desenvolvimentos tornam-se mais relevantes para a neuroética. 
Segundo Teixeira (2005), no início da década de 50, a comunidade 
científica buscava uma forma de ir além do behaviorismo. A questão nunca foi 
a capacidade funcional do behaviorismo, mas o que esse método era incapaz 
de realizar, a compreensão dos processos da mente humana. Para dar o passo 
seguinte, a comunidade científica recrutou um ramo da ciência que começava a 
dar os primeiros passos em seu desenvolvimento, a neurociência. 
A neurociência era adequada, pois em grande parte a comunidade 
científica é fisicalista. O fisicalismo é uma forma de monismo material, ou seja, 
a suposição de que mente e corpo são a mesma entidade material. Em termos 
de neurociência essa relação é mais bem expressa como a relação mente-
cérebro. É particularmente justificada pela ideia de que em se danificando o 
cérebro observando efeitos na mente humana, de forma que, mesmo se 
 
 
 
 
supormos que não sejam a mesma entidade, temos de supor uma relação 
muito forte e real entre a mente e o cérebro. 
Junior (2010), reforça que uma vez que o processamento moral ocorre 
na mente, também devemos aceitar uma relação entre o cérebro e o 
processamento moral. 
Pesquise 
Aprofunde seus conhecimentos pesquisando sobre 
behaviorismo, ciência cognitiva, filosofia da mente e 
fisicalismo. 
 
 
2.3 Questões gerais da bioética 
A bioética possui muitas questões próprias, desde questões quanto ao 
uso de recursos naturais e testes com animais até o uso de sujeitos humanos 
em pesquisas quando esses sujeitos tem suas capacidades de consentimento 
reduzida, passando também pelos casos de abuso, conflito de interesses e 
manipulação de dados em pesquisa científica. Entre essas questões 
encontram-se quatro exemplos clássicos, que podem ser relacionados com a 
neurociência e nos permitem compreender o funcionamento da bioética. São 
eles: 
➢ pena de morte; 
➢ aborto; 
➢ eutanásia; 
➢ eugenia. 
 
Tais questões tratam da vida humana em situações em que a autonomia 
ou a individualidade não parecem se manifestar claramente. Levantam também 
questões acerca do desenvolvimento cognitivo, do início e fim da vida, da 
capacidade de decisão e de como algumas situações podem afetar 
 
 
 
 
negativamente o cérebro, de modo a levar o indivíduo a tomar decisões que 
não tomariam em condições outras. 
Para Refletir 
Em termos de neuroética, a grande questão que subjaz todas 
as outras é: 
Com o conhecimento que possuímos atualmente sobre o 
funcionamento do cérebro e da cognição, sabendo como 
alterações nesta estrutura podem influenciar as decisões, 
ações e julgamentos morais do indivíduo e sabendo que 
estamos sujeitos a tais condições com grande facilidade 
(acidente, doenças, etc), qual é a abordagem correta da vida 
humana e como devemos proceder em relação a ela? 
 
Essa não é uma questão com resposta fácil ou simples. O melhor modo 
de entender tal questão é utilizando os exemplos mais radicais, aqueles que 
tratam do encerramento de uma vida humana. A bioética, como o mais amplo 
campo da ética, possui muitas questões próprias, que ganharam novos 
contornos sobre a luz da individualidade, dignidade e autonomia, entendidos 
como direitos de todos. Entre essas questões quatro se destacam como os 
exemplo mais radicais. Para facilitar o entendimento deve-se dividir essas 
questões em duas categorias, por proximidade da situação, o que não impede 
que construamos relações para além desta categorização básica: 
➢ Aborto e eugenia. 
➢ Pena de morte e eutanásia. 
 
 
 
2.3.1 Aborto e eugenia 
O aborto e a eugenia, caracterizam-se pela impossibilidade de 
manifestação do sujeito. Quando tais procedimentos são realizados, a decisão 
é tomada exclusivamente por agentes externos ao indivíduo e sua autonomia 
normalmente não entra em questão. 
 
 
 
 
 
2.3.1.1 Aborto 
O aborto induzido, que é tema das discussões em bioética, é a 
interrupção de uma gravidez por vontade própria da mãe ou por decisão 
médica. Encontramos aqui um conflito entre a autonomia da decisão e a 
individualidade dos sujeitos. 
Se por um lado o feto é um indivíduo, que tem direitos naturais, a mãe 
também possui autonomia sobre seu próprio corpo e processos. Desta forma, a 
maioria das discussões irá focar nesse conflito em particular, levantando 
pontos como, a partir de qual momento o feto pode ser considerado humano, 
qual o limite da autonomia, se há algum, como fica nossa adesão ao princípio 
de não agressão nesse caso. 
Em termos mais teóricos, “se” por exemplo, utilizarmos a Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, tem-se outro problema. Na Declaração consta 
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos", 
nada é dito sobre o que vale para antes do nascimento. Isso não aponta nem 
para a posição favorável, nem para a posição desfavorável aoaborto, mas 
mantém o dilema, por falta de informações relevantes. 
Em termos neuroéticos, devemos ainda levar em consideração que as 
alterações hormonais na mãe podem afetar seu julgamento, como vemos em 
casos de síndrome pós-parto em que mães cometem atos que jamais 
cometeriam em outras situações. 
 
2.3.1.2 Eugenia 
Termo cunhado em 1883 por Francis Galton, pesquisador que lançou as 
bases da genética, trata dos “agentes sob o controle social que podem 
melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física 
ou mentalmente” (GOLDIM, 1998). 
Embora o termo seja recente, a discussão data da Grécia antiga. Os 
espartanos promoviam a eugenia por meio do infanticídio, eliminando as 
crianças que apresentavam qualquer deficiência visível que pudesse atrapalhar 
seu papel como cidadão espartano. Platão, em sua obra República, discute e 
 
 
 
 
descreve métodos de aprimoramento da sociedade humana pela seleção 
daqueles considerados como os melhores exemplares e eliminação daqueles 
considerados os piores. Em grande medida, essa distinção se dava pela 
utilidade. 
A versão moderna da eugenia, promovida por Galton, é baseada na obra 
de Charles Darwin, primo de Galton, A Origem das Espécies. Trata-se do que 
Galton chamou de seleção artificial, baseada no conceito de seleção natural 
promovido por Darwin. 
Galton pesquisou, sistematizou e compilou a inteligência em membros 
de diversas famílias inglesas, sua conclusão foi a de que a inteligência seria 
transmitida hereditariamente e, portanto, sua transmissão poderia ser 
controlada. Dessa forma, a sugestão de Galton foi a de casamentos seletivos 
baseados na inteligência. Importa notar, como evidencia Bulmer (2003), Galton 
não levou em consideração qualquer aspecto social, cultural ou educacional, 
especialmente em termos de acesso à educação, o que poderia ter levantado 
dúvidas quanto a validade de suas conclusões. 
Ainda assim o modelo de Galton não foi considerado excessivamente 
problemático, uma vez que era um modelo de eugenia positiva, que atuava na 
seleção das próximas gerações e não na eliminação de indivíduos. Por outro 
lado, seu relativo mais recente, a eugenia nazista, é um modelo negativo 
(implicando na eliminação de indivíduos), mais próximo do modelo espartano, e 
foi um dos principais motivadores da Declaração Universal dos Direitos 
Humanos e da criação da bioética. 
O conflito presente na eugenia, especialmente nos modelos negativos, é 
entre os anseios de uma sociedade e a individualidade do sujeito. Assim, com 
as possibilidades de aperfeiçoamento humano desenvolvidas nas décadas 
recentes por meio da engenharia genética e o aprimoramento cognitivo, esta 
questão volta à discussão. De um ponto de vista bioético, devemos proceder 
com cautela, evitando qualquer aplicação antecipada ou precipitada de estudos 
ainda em desenvolvimento ou cuja base ética ainda não tenha sido bem 
definida. 
 
 
 
 
 
2.3.2 Pena de morte e eutanásia 
Nesses casos, o indivíduo está consciente do que acontece e a decisão 
passa por agentes externos e pelo indivíduo. Naturalmente, no caso da pena 
de morte não cabe ao indivíduo decidir, mas a sociedade ou autoridade, o que 
agrava a questão do respeito à autonomia e individualidade. 
 
2.3.2.1 Pena de morte 
A pena de morte é a mais alta punição possível a um humano. É a 
tomada da vida por uma autoridade como resposta a um crime. O conflito é 
entre a individualidade e o coletivo. Semelhante aos casos de aborto e eugenia 
trata-se de uma imposição externa ao indivíduo, eliminando a sua autonomia. 
Nesse caso, no entanto, o indivíduo está consciente do fato. 
Deve-se levar em conta ainda os estudos que apontam impactos 
negativos do cárcere no cérebro. Certamente os estudos não são conclusivos, 
mas devemos refletir sobre o que se passa na mente do detento ao ser 
condenado à morte. 
 
2.3.2.2 Eutanásia 
A eutanásia é um dos mais complexos casos da bioética. A palavra vem 
do grego, significando “boa morte” e trata-se do abreviamento da vida de um 
indivíduo enfermo, assistido por especialistas. A diferença da eutanásia em 
relação à maioria das outras questões é que a decisão pode vir do próprio 
indivíduo. 
Divide-se em duas categorias, a eutanásia ativa e a eutanásia passiva. A 
primeira é o efetivo término da vida do paciente, enquanto a segunda é a 
cessão dos tratamentos, o que eventualmente levará a morte do paciente em 
um período menor do que caso estivesse em tratamento. Desta forma, 
enquanto a eutanásia ativa se caracteriza pelo ato em si que provoca a morte, 
a eutanásia ativa é caracterizada pela inexistência de atos que a impeçam. 
A eutanásia se contrapõe a distanásia, a posição de que a vida humana 
deve ser prolongada ao máximo, mesmo que o sofrimento e a morte, por 
 
 
 
 
impossibilidade de cura, sejam inevitáveis. No caso dos médicos, esse 
posicionamento está de acordo com o juramento de Hipócrates e, portanto a 
eutanásia é considerada, conceitualmente, como homicídio, embora não exista 
legislação especifica para eutanásia no Brasil. 
Ao comparar-se a ideia de eutanásia com a ideia de distanásia pode-se 
obter grandes progressos no sentido de melhor definir o que é a dignidade 
humana. Essa ainda é uma discussão em progresso, uma vez que traz à tona 
os três aspectos principais da bioética, a dignidade, autonomia e 
individualidade. 
Outro aspecto a se refletir é a consciência dos profissionais envolvidos, 
ao conhecer a inexistência de cura, observar o sofrimento do paciente e saber 
de seu desejo de abreviar a vida. Aqui pode manifestar-se um conflito moral, 
em que não apenas os códigos de ética, legislações e orientações bioéticas 
entrarão em pauta, mas principalmente a moral do indivíduo que assiste o 
paciente. 
Para Refletir 
Nenhuma das questões abordadas nesta aula são questões 
com simples solução. Refletir a respeito dos efeitos e 
consequências de cada uma delas, do ponto de vista da 
neurociência, compreendendo os conceitos nelas 
apresentados e suas aplicações no âmbito educacional. 
 
Nunca deve-se esquecer que o agente da ciência é também um ser 
humano, com autonomia, individualidade e dignidade, em todas as questões os 
conflitos próprios da pessoa são relevantes. 
 
Resumo da aula 2 
Nesta aula abordaram-se os aspectos específicos da bioética, e 
consequentemente da neuroética, que são mais relevantes na sua aplicação, 
especialmente como a deontologia. Expandimos a compreensão acerca do 
papel da autonomia, dignidade e individualidade, além de explorar as questões 
 
 
 
 
mais polêmicas e radicais da história da bioética, procurando entender como 
essas questões e elementos podem nos ajudar a compreender como aplicar a 
bioética em nossa prática cotidiana. 
Atividade de Aprendizagem 
Discorra a respeito do conceito de deontologia, à luz das 
ideias de Immanuel Kant e John Locke, apresentadas nesta 
disciplina, levando em consideração ainda seu papel para 
afastar o aspecto subjetivo do utilitarismo. 
 
 
 
 
 
 
Aula 3 – Impactos que as descobertas sobre o cérebro acarretam à 
sociedade 
Apresentação da aula 
Nesta aula serão exploradas outras implicações da bioética para a 
neurociência, a qual divide-se em dois tópicos e tem grande impacto na 
sociedade (a relação entre a neurociência e o sistema jurídico, bem como com 
a legislação). Nesse processo será possível o entendimento de como as 
descobertas sobre o funcionamento do cérebro e da cognição afetam essa 
relação. 
 
3. Impactos que as descobertas sobre o cérebro acarretam à sociedade 
Nas décadas mais recentes, a neurociência tem sido usada 
frequentemente nos sistemas jurídico e legal, especialmente nos Estados 
Unidos da América, onde a neurociência, e sua influência na sociedade, 
crescem mais aceleradamente. Atualmente a neurociência e os resultados dos 
testes por ela promovidos são utilizados não apenas para julgar crimese 
assessorar em casos de alegação de insanidade, mas para determinar outros 
elementos relevantes para o sistema judiciário e a legislação influencia este 
sistema, como: porque algumas pessoas cometem crimes, como determinadas 
patologias influenciam o julgamento e como a prisão altera o cérebro. 
 
 
 
 
 
3.1 O problema da implicação 
Não é claro se os testes científicos conduzidos em casos específicos 
estão prontos para servir como evidência nos tribunais. Mesmo para os testes 
realizados no próprio sujeito envolvido no julgamento, muitas vezes esses 
testes não são conclusivos ou não se direcionam exatamente à busca de 
evidências. O propósito básico da neurociência é a investigação científica e 
não a investigação criminal, dessa forma, embora seja possível, não é claro 
que esses testes possam de fato confirmar informações úteis ao processo de 
julgamento, ao menos não em todos os casos. 
 
3.2 Neurociência e os tribunais 
De acordo com dados levantados pela Presidential Comission for the 
Study of Bioethical Issues (Comissão Presidencial para Estudos de Assuntos 
Bioéticos) organizada a pedido do presidente americano Barack Obama, 
apenas no ano de 2012, nos Estados Unidos da América, 250 sentenças citam 
o uso da neurociência pelos defensores dos réus, argumentando que seus 
clientes seriam inocentes, uma vez que seu cérebro, por diversas razões, os 
teria “forçado” a cometer o crime. 
Isso levanta a questão: “é correto utilizar uma ciência ainda em 
desenvolvimento para, possivelmente, condenar uma pessoa?” 
Embora tenha se desenvolvido muito nas recentes décadas, a 
neurociência ainda é muito jovem se comparada a campos mais tradicionais 
como a física e a química. A matemática, por exemplo, existe desde a 
antiguidade e ainda há elementos a seres descobertos e investigados. Além de 
ser uma ciência jovem, a neurociência trabalha com a parte mais complexa do 
corpo humano, o cérebro. 
Por essas razões, podemos afirmar sem medo que a neurociência é 
ainda uma ciência em desenvolvimento, cujas conclusões não têm impacto tão 
conclusivo quanto o de outras ciências mais tradicionais. Isso não significa 
demérito para a neurociência como uma ciência em si, apenas significa que a 
relação com a sociedade e o uso prático de muitos dos seus resultados clínicos 
 
 
 
 
ainda não estão bem estabelecidos o bastante para serem utilizados sem 
restrição. 
De acordo com Hauser (2015), diversos estudos têm mostrado que 
juízes e membros do júri são influenciados por imagens do cérebro, uso de 
jargão científico e descobertas genéticas imprecisas. 
A despeito de seu interesse, a maioria dos juízes e advogados não 
compreende a extensão da neurociência. Em muitos casos pode-se observar 
juízes e membros do júri serem mais influenciados por imagens do cérebro, 
uso de jargão científico e descobertas genéticas imprecisas do que por 
compreensão real dos resultados apresentados, falhando em compreender a 
extensão da neurociência e suas aplicações. O que vemos em muitos casos 
são apelos à autoridade científica. Dessa forma, de acordo com Morse (2016) 
ações falam mais alto que imagens do cérebro e são as ações que devem ser 
julgadas por tribunais. O potencial da neurociência para ampliar a aplicação da 
justiça deve ser contrabalançado com o potencial para exageros e antecipação 
de aplicação de evidências científicas e conceitos que podem ainda não estar 
validados, interpretados de modo preciso ou bem compreendidos. 
Vocabula rio 
Apelo à autoridade - é uma falácia lógica clássica. É a 
tentativa de convencer pela autoridade de quem fala e não pelo 
conteúdo. 
 
 
Hauser (2015) analisa ainda que, de um ponto de vista bioético, sabendo 
que a influência não é do conteúdo, mas do vislumbre da ciência, devemos 
redobrar os cuidados quanto a forma como esses dados e resultados clínicos 
são utilizados. Não obstante, a neurociência tem grande potencial para tornar 
as decisões mais precisas e influenciar legislações, é apenas o caso de que 
devemos ser cuidadosos com suas aplicações e a extensão dessas aplicações, 
o que, em sua análise, não tem acontecido. 
 
 
 
 
 
3.3 Descobertas e culpabilidade 
Técnicas de neurociência como imagens e análises do cérebro, podem 
ajudar a detectar a confiabilidade de uma testemunha visual por exemplo. A 
justiça exige o uso de evidência empírica e os resultados da neurociência são, 
em sua maioria, empíricos, podendo assim contribuir para julgamentos mais 
precisos e resultados mais justos (sendo esse tipo de resultado que a justiça 
valoriza nos seus julgamentos). As sérias consequências de um julgamento 
devem ser levadas em consideração ao decidir pelo uso de qualquer método 
que possa torná-lo mais preciso. 
No entanto, uma descoberta sobre o cérebro ou genética pode, em 
muitos casos, nos dar dicas para entender o comportamento, impulsividade e 
mesmo culpabilidade, mas pode não ser aplicável para determinar a culpa de 
um indivíduo, especialmente nos casos mais graves, como assassinatos. 
A neurociência tem potencial para explicar como um tumor pode tornar 
uma pessoa mais impulsiva, devido a pressão em uma região do cérebro, mas 
na prática, especialmente na prática da justiça, o que significa “mais 
impulsivo”? A neurociência ainda não tem uma resposta precisa para essa 
questão, nem tão pouco uma escala de medida. Ainda, impulsividade não 
significa crime e muitos crimes são cometidos com premeditação, sem 
qualquer influência da impulsividade. A agressividade, outro elemento por 
vezes levantado em julgamentos, possui diferentes formas. 
Para Refletir 
A agressividade nos negócios é o mesmo tipo de 
agressividade utilizada por um bandido ao cometer um 
crime? Será que a agressividade nos esportes é transferida 
para o convívio familiar e a relação com as pessoas 
queridas? 
 
Esses são exemplos de casos em que os resultados da neurociência 
são insuficientes para uma aplicação prática. O mesmo pode acontecer em 
diversas áreas em que se procure aplicar as descobertas da neurociência, sem 
uma análise detida da sua extensão e verdadeiro potencial. 
 
 
 
 
Por outro lado, nas cortes civis o uso da neurociência pode ser mais 
eficiente, especialmente em casos de processos que envolvem dor e intenção. 
Esse tipo de caso apresenta aplicações muito mais amplas, pois pode ser 
utilizado também em outras formas de avaliação, como questões de 
aprendizagem e sistemas educacionais. 
 
3.3.1 Neurociências aplicados à Educação 
Antes do desenvolvimento da neurociência, a intencionalidade de um 
crime só poderia ser verificada por observação, o que sempre dificultou a 
distinção entre crimes intencionais, acidentes e negligência. Antes da 
neurociência começar a ser utilizada nos tribunais, a intencionalidade só 
poderia ser verificada observando o comportamento ou indícios do acusado. 
Embora ainda com aplicação limitada, a neurociência revolucionou esse 
campo. Com os desenvolvimentos atuais é possível verificar e mapear as áreas 
do cérebro para identificar alguns elementos, como a culpabilidade e a 
intencionalidade do réu. 
Esses desenvolvimentos que se aplicam aos casos em que o sujeito 
pode não desejar falar, também se aplicam àqueles casos em que o sujeito 
pode não ser capaz de expressar. E essa possibilidade é útil para a educação. 
Além da tentativa de compreender melhor os processos de ensino e 
aprendizagem, de um ponto de vista cognitivo, aplicável aos estudantes em 
geral, a neurociência também é aplicada na educação para trabalhar com 
alunos com diversas condições, entre elas, atrasos no desenvolvimento e 
patologias. Casos em que o aluno pode não ser capaz de oferecer uma 
resposta imediata da aplicação dos processos de ensino e aprendizagem, o 
que não significa que os métodos não estejam funcionando. 
Ao utilizar-se a neurociência, seja através de imagens do cérebro do 
próprio aluno seja através de dados coletadosem casos semelhantes, 
podemos montar um padrão do tipo de resposta esperada em cada caso. Isso 
nos permite aplicar métodos com mais confiança e aguardar pelas respostas 
que podem demorar mais, por sabermos a porcentagem de efetividade de tais 
métodos em casos semelhantes. 
 
 
 
 
 
3.4 Legislação e bioética 
No que tange as legislações, os estudos de bioética tem ajudado a 
fundar importantes elementos para garantir o respeito à autonomia e 
individualidade dos pacientes e sujeitos de pesquisas. Ainda assim, é preciso 
administrar a tensão entre o uso prematuro de resultados da neurociência para 
produção de legislação e sua capacidade de efetivamente produzir resultados 
úteis à produção de tais legislações, especialmente quando trabalhamos com 
sujeitos vulneráveis. Entre os sujeitos vulneráveis incluímos crianças e pessoas 
com limitação na capacidade de consentimento. Quanto a estes, a neuroética 
tem ajudado a fundar importantes legislações para proteção de tais sujeitos. No 
entanto, há preocupações que devemos levar em conta, evitando o uso 
prematuro de resultados da neurociência e entender os resultados 
efetivamente úteis dos exames clínicos 
Entre os considerados sujeitos vulneráveis incluímos principalmente as 
crianças e os casos de limitação na capacidade de consentimento. A melhor 
compreensão desses aspectos e como aplicar as pesquisas nesses casos 
baseou-se nas discussões entre pesquisadores de neurociência, legislação e 
agentes do estado. O processo levou diversas nações a criar legislações 
específicas para proteger esses sujeitos e permitir o seu emprego em 
pesquisas. 
Os resultados podem beneficiar milhares de pessoas com condições 
semelhantes, mas a individualidade, dignidade e autonomia dos sujeitos da 
pesquisa devem ser respeitadas e protegidas tanto quanto possível, nunca 
permitindo que os interesses da sociedade ou da comunidade científica 
bloqueiem nossa visão quanto ao caráter humano dos sujeitos de pesquisa. 
Em sua entrevista para Marques (2013) o professor Hossne comenta o 
caso, ainda sob sigilo, de um médico que pretendia proceder um determinado 
teste clínico e submeteu-o a aprovação do comitê de ética presidido pelo 
professor Hossne. O teste tratava de desencadear crises de uma determinada 
patologia em crianças, dividi-las em dois grupos, oferecer medicação a um dos 
grupos e placebo ao outro grupo, observando passivamente os resultados. 
 
 
 
 
O comitê de ética considerou esse teste um abuso, pois colocava 
crianças em risco e observava passivamente o seu sofrimento. Por esta razão 
o estudo foi recusado e, apresentando-se a justificativa, o médico foi orientado 
a não proceder o estudo. Contrariando o parecer do comitê de ética, o médico 
tentou proceder o estudo e acabou por ter seu registro junto ao conselho de 
classe cassado. 
Este exemplo evidencia dois aspectos dessa discussão. Primeiro fica 
claro que, não importando os benefícios que se espera adquirir, os direitos de 
cada ser humano devem ser respeitados e colocados acima dos interesses da 
comunidade científica. Não se pode causar sofrimento intencional a um ser 
humano para obter-se qualquer resultado na ciência, especialmente quando 
esse ser humano é incapaz de, por si mesmo, exercer sua autonomia e 
candidatar-se ao testes pela própria vontade, ou de compreender as 
implicações de tais testes, como é o caso de crianças, o que evidencia um dos 
principais papéis do comitê de ética que é fiscalizar e prevenir esses tipos de 
abusos. 
Em segundo lugar, o impacto bilateral da bioética na legislação e vice-
versa. A bioética estabelece critérios para a atuação do cientista, esses 
critérios se convertem em legislação, a legislação por seu turno passa a regular 
a atuação do cientista e conforme são aplicadas as legislações observamos 
resultados dos próprios critérios e como a população e a comunidade científica 
reagem a esses resultados. Dessa forma, somos capazes de produzir novas e 
melhores legislações a cada aplicação. 
Organizações dedicadas ao estudo da bioética têm publicado 
informações que levaram a mudanças nas regras internas de profissões e 
mesmo nas leis que regem tratamentos em neurociência. Os testes promovidos 
e utilizados pela neurociência podem nos ajudar nesse processo aos oferecer 
os dados relativos a como as pessoas reagem a determinados procedimentos. 
Porém, ainda existem preocupações, em termos de respeito à 
privacidade e a liberdade. Alguns autores começam a se preocupar com o 
desenvolvimento da neurociência em uma forma de “interrogar o cérebro” 
adquirindo informações contra a vontade do sujeito. Esse tipo de preocupação 
 
 
 
 
nos leva de volta às origens da bioética, no fim da Segunda Guerra Mundial, 
em que a grande preocupação era com o respeito ao indivíduo e sua 
autonomia. 
Mesmo que os equipamentos atuais ainda não sejam capazes de “ler 
mentes”, é preciso começar desde já a levantar as questões acerca da 
privacidade dos estados mentais de uma pessoa, para que, quando e se 
chegarmos à capacidade de interpretá-los em termos do seu conteúdo, 
possamos ter uma estrutura ética e legislativa para garantir os direitos naturais 
dos sujeitos de tais exames clínicos. 
 
3.5 O dever 
Em termos de uso para criação de legislações, a bioética, 
particularmente na neurociência, precisa avançar para questões cada vez mais 
complexas, mantendo-se ativa na defesa da autonomia e individualidade. 
No que tange o uso em tribunais e na produção de legislações penais, 
pesquisadores envolvidos com a neurociência tem o dever ético de educar 
aqueles que podem utilizar erroneamente ou irresponsavelmente as 
informações derivadas de suas pesquisas. A educação levanta também a 
questão da compreensão da ciência desde os primeiros anos. Vivemos em 
uma sociedade baseada em ciência e tecnologia, a compreensão dessas duas 
áreas certamente pode ajudar a evitar a precipitação e mal-uso dos resultados 
clínicos. 
Por esse ponto de vista, é dever dos pesquisadores e profissionais que 
utilizam métodos e testes da neurociência, educar a sociedade e 
especialmente a próxima geração, para compreender o papel da ciência na 
nossa sociedade, reduzindo o impacto e surpresa do uso de termos científicos 
e resultados de pesquisas, pela compreensão do que essas informações 
realmente significam. 
Ao compreendermos a verdadeira extensão dos dados e testes da 
neurociência, seremos capazes de aplicá-los de modo sensato, sem exageros 
ou antecipações em todos os ramos da nossa sociedade, nessa sessão 
trabalhamos com casos mais radicais de julgamento e produção de legislações, 
 
 
 
 
mas com a melhor compreensão da ciência pelo público em geral seremos 
capazes de aplicar a neurociência em diversos outros setores da sociedade. 
 
Resumo da aula 3 
Nesta aula abordamos as implicações da neurociência na nossa 
sociedade e como podemos, de modo seguro, expandir essa aplicação. 
Exploramos implicações exemplo de uso da neurociência na produção de 
legislação e de evidências em julgamentos, bem como da aplicação desses 
mesmos processos na educação. Procuramos aprofundar nosso conhecimento 
sobre a extensão dos testes e dados da neurociência a fim de compreender 
como aplicamos de modo a respeitar a dignidade, autonomia e individualidade 
de cada ser humano. 
 
Atividade de Aprendizagem 
A extensão real dos dados e resultados de testes da 
neurociência, somos capazes de aplicá-los dentro dos limites 
sensatos da possibilidade de aplicação da ciência, sem 
cometer exageros ou precipitações. Considerando essa forma 
de proceder, discorra a respeito das contribuições para a 
elaboração de legislações, aplicabilidades, influências e 
benefícios da aplicabilidade da neurociência nos outros 
setores da sociedade. 
 
 
Aula 4 - Questionamentos de cientistas sobre a Neurociência 
Apresentação da aula 
Nesta aula serão exploradas algumas das principais implicaçõesdos 
avanços da neurociência na sociedade e como devemos lidar com tais avanços 
do ponto de vista ético. Utilizando-se das implicações da bioética na 
investigação clínica da neurociência e seu impacto na sociedade: Capacidade 
de consentimento e aprimoramento cognitivo. 
 
 
 
 
 
4. Questionamentos de cientistas sobre a Neurociência 
Considerando, existem métodos neurobiológicos, os quais podem 
influenciar os processos de ensino e aprendizagem e mesmo as capacidades e 
potencialidades individuais, fazendo-se importante o conhecimento dos limites 
e dos critérios para a identificação e direcionamento para utilização de tais 
métodos. Tem-se por um lado a questão da capacidade de consentimento e 
por outro a questão do aprimoramento cognitivo. A primeira vista elas não 
parecem conectadas, mas basta olharmos para as questões da autonomia e 
individualidade para vermos a ligação. Utilizemos um exemplo para melhor 
compreensão, quando aplicamos resultados de estudos e pesquisa da 
neurociência às crianças, para aprimorar sua capacidade de aprendizagem, 
devemos nos perguntar as consequências de tal atividade e qual a extensão da 
capacidade de consentimento dessa criança. Da mesma forma, quando 
aplicamos estudos sobre o potencial de aprimoramento cognitivo em sujeitos 
adultos com limitações em sua capacidade de consentimento, deve-se 
perguntar, “qual o limite desta aplicação?” “E como podemos estabelecer 
padrões seguros e que respeitem a individualidade e autonomia de uma 
pessoa com limitação em sua capacidade de consentimento?” 
 
4.1 Capacidade de consentimento 
A neurociência atual promete oferecer importantes conhecimentos 
quanto a natureza de patologias e condições diversas, bem como métodos de 
proteção e tratamento para pessoas com capacidade de decisão 
comprometida. No entanto, para que tal progresso seja alcançado, a pesquisa 
científica exige testes com seres humanos. Tais pesquisas envolvem, em 
muitos casos, o próprio órgão envolvido na capacidade de decidir participar 
desses testes por vontade própria. 
Desde sua origem, a neurociência trabalha para oferecer importantes 
conhecimentos quanto a natureza de patologias e condições diversas 
envolvendo o cérebro, consciência e cognição, bem como métodos de proteção 
e tratamento para pessoas com capacidade de decisão comprometida. No 
entanto, para que tal progresso seja alcançado, a pesquisa científica exige 
 
 
 
 
testes com seres humanos. O principal dilema que surge nessas pesquisas 
com seres humanos, em relação às pessoas com capacidade de decisão 
comprometida é que elas devem consentir em participar das pesquisas, mas a 
sua incapacidade refere-se justamente a ato de consentir. 
A questão da capacidade de consentimento trata do exercício da 
autonomia dos indivíduos ao participar de testes clínicos, como parte de 
pesquisas científicas, ou submeter-se a tratamentos. Porém, a partir dos 
resultados da própria neurociência, sabemos que muito do processamento 
moral que leva à tomada de decisão sobre participar desses testes acontece no 
cérebro, ao mesmo tempo em que os casos mais devastadores e relevantes 
para a pesquisa científica em neurociência envolvem justamente o cérebro. 
Nesse ponto deve-se recorrer à ética, para estabelecer critérios para 
esses casos e proteger os direitos dos sujeitos envolvidos em tais pesquisas. 
A capacidade de consentimento é um requisito ético, já previsto em 
algumas legislações e parte integral de regulamentações profissionais e de 
comitês de ética, sendo assim amplamente aceito para a maioria das 
pesquisas científicas, testes clínicas e tratamentos. O consentimento 
informado, baseado no respeito à autonomia, dignidade e individualidade dos 
sujeitos, converte-se assim em um elemento fundamental da bioética. 
Para ser capaz de consentir o indivíduo, sujeito de uma pesquisa, teste 
ou tratamento, deve ter a capacidade comprovada de fornecer tal 
consentimento. Essa verificação é procedida por meio de exames e com base 
nas capacidades subjacentes que constituem a capacidade de consentimento. 
Considera-se capaz de consentir o indivíduo, sujeito de uma pesquisa, 
teste ou tratamento, que tenha a capacidade comprovada de fornecer o 
consentimento. As capacidades subjacentes que permitem identificar tal 
conhecimento, no entanto, ainda são debatidas, o que constitui-se em mais um 
motivo para sermos cautelosos. Nesse contexto, devem ser consideradas as 
seguintes capacidades: 
➢ capacidade de compreender a informação apresentada; 
➢ apreciar a importância de tal informação; 
 
 
 
 
➢ expressar de modo claro e direto a escolha. 
 
Essas capacidades subjacentes, no entanto, ainda são debatidas, o que 
constitui-se em mais um motivo para sermos cautelosos. Na maioria das vezes 
se considera que as capacidades subjacentes incluem a capacidade de 
compreender a informação apresentada pelo pesquisador e sua equipe, 
apreciar a importância de tal informação e utilizar estas informações para 
raciocinar acerca de sua aceitação, fazendo a escola e expressando-a de 
modo claro e direto. 
 
4.1.1 A relevância e as causas da implicação 
É possível que muitos de nós sejamos afetados ou conheçamos alguém 
afetado por alguma condição neurológica que reduz a capacidade de 
consentimento. Desordens neurológicas crescem em populações idosas. 
Acidentes de carro e lesões nos deixam vulneráveis a traumas cerebrais. 
Temos ainda nesta lista os distúrbios neurológicos, como o traumatismo 
craniano, alguns casos de acidente vascular cerebral, demência e até mesmo 
distúrbios metabólicos. Essas diversas situações podem comprometer a 
capacidade dos indivíduos de analisar informações e compreender a relevância 
ou os riscos de sua participação em um estudo ou tratamento. 
Por essas razões, comumente os pesquisadores de neurociência que 
realizam pesquisas envolvendo humanos, trabalham com indivíduos ou mesmo 
populações que apresentam comprometimento de sua capacidade de 
consentimento. Por outro lado, muitas dessas pesquisas tratam justamente de 
investigar soluções para patologias e transtornos que ocasionam o 
comprometimento da capacidade de consentimento. 
Também, os profissionais que fazem uso dos resultados da neurociência 
encontram, em diversas situações, indivíduos (pacientes, alunos, etc.) que 
apresentam comprometimento de sua capacidade de consentimento. Sendo 
necessário considerar ainda a possibilidade dos testes ou tratamentos 
apresentarem alterações na capacidade de consentimento do indivíduo. 
 
 
 
 
A lista de condições neurológicas que podem levar um indivíduo a ter 
sua capacidade de consentimento reduzida é longa e inclui, desordens 
neurológicas que crescem exponencialmente em populações idosas, acidentes 
de transito, uso de substâncias tóxicas e lesões que nos deixam vulneráveis a 
traumas cerebrais. Nesse contexto o possível efeito dessas condições nos 
pacientes podem comprometer a capacidade dos indivíduos de analisar 
informações e compreender a relevância ou os riscos de sua participação em 
um tratamento, teste ou estudo clínico. 
Um caso em que não há lesão ou trauma, mas se considera a 
possibilidade de limitação da capacidade de consentimento é o caso das 
crianças. Por ainda estarem em desenvolvimento, os pesquisadores e comitês 
de ética tendem a tratar pesquisas com crianças de maneira ainda mais 
rigorosa. Mesmo que nesta situação em particular sempre haja um 
responsável, devemos nos perguntar sempre pela autonomia, individualidade e 
dignidade do sujeito. E no caso de crianças, devemos nos perguntar ainda se 
não estamos afetando esses direitos no futuro ao expô-las aos testes, 
tratamentos e métodos. Isto inclui desde testes clínicos até aplicações da 
neurociência na educação. 
 
4.2 Autonomia e dimensão ética 
Sabendo da necessidade dessas pesquisas, mas também conscientes 
de que a autonomia é um dos pilares fundamentais dabioética. Deparamo-nos 
com o desafio de estabelecer critérios para utilização desses indivíduos 
garantindo a segurança dos mesmos e o respeito aos seus direitos. 
As regras estabelecidas com base na neuroética não pretendem 
estereotipar os indivíduos com base em diagnósticos. É possível que alguns 
indivíduos com as condições neurológicas descritas acima possuam perfeitas 
condições de compreender os riscos, realizar uma escolha autônoma e 
oferecer em retorno informações úteis à pesquisa. Isso faz parte do respeito à 
autonomia, compreender que algumas dessas pessoas estão em condições de 
realizar suas próprias escolhas. 
 
 
 
 
Alguns indivíduos, mesmo com as condições neurológicas graves, 
possuem condições de compreender os riscos, realizar uma escolha autônoma 
e oferecer em retorno informações úteis à pesquisa. As regras para pesquisa 
científica não tem objetivo de estereotipar e restringir as possibilidades desses 
pacientes. Essas pessoas estão em condições de realizar suas escolhas e as 
regras para a pesquisa devem respeitar sua autonomia. O interesse das regras 
é mais voltado aos indivíduos vulneráveis, que podem ser incapazes de 
compreender a escolha que fazem ao submeter-se à pesquisa e tratamento, o 
que identifica o objetivo de respeitar essas regras, evitando que alegado bem 
maior, o interesse da sociedade ou da comunidade científica seja colocado 
acima do indivíduo e sua autonomia. 
O interesse dessas regras é na proteção daqueles indivíduos que podem 
estar vulneráveis, sem a capacidade de compreender a escolha que é colocada 
a sua frente, quando lhes é apresentado um tratamento ou a possibilidade de 
participar em um teste clínico. Seguir adiante com uma pesquisa, teste ou 
tratamento nessas condições seria colocar o alegado bem maior, o interesse 
da sociedade ou da comunidade científica, acima do indivíduo. Evitar que isto 
aconteça é exatamente o motivo pelo qual a bioética foi criada. 
 
4.3 Aprimoramento cognitivo 
Alguns pesquisadores envolvidos no debate acerca do aprimoramento 
cognitivo acolhem as novas ideias como um meio viável de aperfeiçoar a 
espécie humana. Por outro lado, outros pesquisadores rejeitam tal tentativa de 
aprimoramento e o uso de inovações neurocientíficas que se destinem a forçar 
a cognição humana para além do funcionamento típico, tido como 
estatisticamente normal. Nesse contexto faz-se importante o conhecimento de 
alguns riscos que motivam os pesquisadores contrários ao aprimoramento 
cognitivo. 
➢ risco de ameaças à dignidade humana; 
➢ risco à liberdade; 
➢ retorno das discussões sobre eugenia. 
 
 
 
 
 
Tem-se o caso do aprimoramento cognitivo, o qual desafia a bioética em 
outro sentido. O aprimoramento cognitivo trata de tentativas de aplicar 
conceitos e métodos da neurociência para ampliar a capacidade humana em 
áreas relativas à cognição, entre elas, raciocínio lógico, tempo de reação e 
memória. Aplica-se ainda a ideia de que seja possível avançar nessas áreas 
além do nível de funcionamento que é estatisticamente considerado normal 
para a espécie humana. 
As investigações da neurociência apontam caminhos para técnicas, 
métodos e tecnologias que podem modificar o funcionamento neural humano. 
Entre esses encontramos medicamentos, estimuladores da atividade cerebral e 
ferramentas de treinamento das habilidades cognitivas. Essas são apenas 
alguns dos tipos de modificação neural já conhecidos e que estão em uso. 
Importante notar, para a finalidade da nossa discussão, que esses mesmos 
tipos de modificação neural ainda estão em estudo ou são meras antecipações 
do que seriam resultados possíveis dos estudos em andamento. 
 
4.3.1 A ilusão de aprimoramento 
Recentemente, ondas de estudantes tem se baseado em pesquisas 
vagas e medicação prescritiva na busca de aprimorar o seu potencial. No 
entanto, não há evidência de fato que tais usos de medicações prescritivas, 
sem orientação profissional, tenham qualquer efeito benéfico em indivíduos que 
não possuem a condição que tais medicações tratam. A utilização dos métodos 
e técnicas de qualquer ciência deve ser cautelosa. 
 
4.3.2 O aprimoramento possível 
Alguns dos resultados da neurociência têm o potencial de, não apenas 
manter e recuperar a saúde do cérebro, mas de ampliar seu potencial. 
Existem diferentes casos. Tem-se, por exemplo, o caso da educação, 
em que crianças com deficiências em suas capacidades cognitivas podem ser 
estimuladas e auxiliadas por métodos baseados na neurociência. Nesse caso 
 
 
 
 
existe potencial real para melhoria e, do ponto de vista científico, justificativa 
para o uso de medicações e métodos de aprimoramento. 
Tem-se, por outro lado, o caso de pessoas com distúrbios, atrasos e 
desordem cognitiva, independente da idade dessas pessoas. Aqui retorna a 
questão da capacidade de consentimento. “Essas pessoas possuem 
capacidade cognitiva para aceitar o tratamento ou participar em estudos que 
podem vir a gerar tratamento e métodos de aperfeiçoamento que as beneficie?” 
A questão que se coloca é se temos como estabelecer uma norma para 
o aprimoramento em geral ou se devemos trabalhar cada caso individualmente. 
 
4.4 O debate e o ato em si 
Alguns pesquisadores envolvidos no debate acerca do aprimoramento 
cognitivo acolhem a ideia de novos aprimoramentos cognitivos como um meio 
viável de melhorar a espécie humana. Por outro lado, outros pesquisadores 
rejeitam tal tentativa de aprimoramento e o uso de inovações neurocientíficas 
que se destinem a forçar a cognição humana para além do funcionamento 
típico, tido como estatisticamente normal. Os pesquisadores que se posicionam 
dessa maneira normalmente apontam o risco de ameaças à dignidade humana 
e o risco de retorno das discussões acerca da eugenia, especialmente em seu 
sentido negativo. 
Não apenas a dignidade, mas alguns pesquisadores vão além e 
apontam para os direitos naturais, questionando-se sobre os efeitos de tais 
aprimoramentos sobre a liberdade em uma situação na qual a ciência promove 
avanços que nos permitem controlar a mente por meio de tecnologias de modo 
eficiente. 
Para Refletir 
Ainda, sabendo que alterações no cérebro podem modificar a 
capacidade de consentimento e as decisões morais dos 
indivíduos, como ficaria a questão da responsabilidade e os 
juízos morais se passássemos a alterar a mente das pessoas 
com regularidade? 
 
 
 
 
 
 
Lesões no cérebro podem alterar a capacidade de consentimento e as 
decisões morais dos indivíduos. Considerando que para essas questões ainda 
não temos respostas claras. Nesses casos, o papel da bioética é levantar as 
questões e garantir que elas sejam analisadas de modo isento, sem conflito de 
interesses e respeitando os direitos humanos. 
Pode-se concluir é que, em si, não há violação ética quanto à ideia da 
possibilidade de aprimoramento, mas as possibilidades são tamanhas e o 
cérebro é tão complexo que a ética de uma intervenção específica só pode ser 
verificada analisando caso a caso. 
Para isso, as organizações dedicadas ao estudo da bioética procuram 
envolver o público nas muitas discussões. Mas não se trata apenas do caso do 
aprimoramento cognitivo, as discussões derivadas desse debate se movem 
muito além dele, para uma gama maior de intervenções, comportamentos, 
tecnologias e condições ambientais que afetam, ou podem afetar, o 
funcionamento do cérebro humano. 
A esse conjunto mais amplo de mudanças e possibilidades os 
neurocientistas normalmente referem-se como "modificadores neurais". 
Um dos pontos mais importantes da neuroética é a ideia de que, uma 
vez que o processamento moral ocorre na mente, também devemos aceitar 
uma relação entre o cérebro e o processamento moral. Dessa forma, a 
influência de lesões ou limitações no cérebro deve ser considerada ao 
pensarmos a moral e, consequentemente, a ética. Nesse contexto ao papel da 
neuroética nos experimentos