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1 Disciplina: Fonética e fonologia da Libras Autor: M.e Andréia Alves Correa Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Lucimara Ota Eshima Ano: 2020 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade UNINA. O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Andréia Alves Correa Fonética e fonologia da Libras 1ª Edição 2020 Curitiba, PR Faculdade UNINA 3 Faculdade UNINA Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Conselho Editorial D.r Alex de Britto Rodrigues / D.r Eduardo Soncini Miranda / D.r João Paulo de Souza da Silva / D.ra Marli Pereira de Barros Dias / D.ra Rosi Terezinha Ferrarini Gevaerd / D.ra Wilma de Lara Bueno / D.ra Yara Rodrigues de La Iglesia Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Designer Instrucional Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Lucimara Ota Eshima Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA CORREA, Andréia Alves. Fonética e fonologia da Libras / Andréia Alves Correa. – Curitiba: Faculdade UNINA, 2020. 54 p. ISBN: 978-65-87972-58-9 1. Fonética. 2. Fonologia. 3. Libras. Material didático da disciplina de Fonética e fonologia da Libras – Faculdade UNINA, 2020. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade UNINA! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade UNINA 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 06 Aula 1 – Fonética e fonologia .................................................................... 08 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 08 1.1 Estudos dos sons da fala ............................................................... 08 1.2 Fonética ........................................................................................ 09 1.3 O aparelho fonador ....................................................................... 12 1.4 Fonologia ...................................................................................... 14 Conclusão da aula 1 .................................................................................. 17 Aula 2 – Fonética articulatória e as transcrições da fala ............................. 17 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 17 2.1 Fonética articulatória ..................................................................... 18 2.2 A produção da fala ........................................................................ 21 2.3 Transcrições da fala ...................................................................... 23 2.3.1 Transcrição fonética ................................................................... 24 2.3.2 Transcrição fonológica ............................................................... 26 Conclusão da aula 2 .................................................................................. 27 Aula 3 – Processos fonológicos e dialetógicos e teorias e métodos de análise fonológica ...................................................................................... 28 Apresentação da aula 3 ............................................................................ 28 3.1 Processos fonológicos .................................................................. 28 3.2 Natureza dos processos fonológicos ............................................ 30 3.3 Tipos de processos fonológicos ................................................... 31 3.4 Teorias e métodos da análise fonológica ...................................... 35 Conclusão da aula 3 .................................................................................. 38 Aula 4 – Modelos fonético-fonológicos para descrição de línguas de sinais 39 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 39 4.1 Aspectos linguísticos e culturais da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ................................................................................................... 39 4.2 Organização fonológica das línguas de sinais ............................... 43 4.3 Variação linguística na Libras ....................................................... 47 Conclusão da aula 4 .................................................................................. 49 Conclusão da disciplina ............................................................................. 50 6 Índice Remissivo ........................................................................................ 51 Referências ............................................................................................... 53 7 Prefácio Nesta disciplina de Fonética e fonologia da Libras serão evidenciadas as principais características e conceitos referentes aos sons da fala. Serão abordados conceitos e definições referentes à fonética, à fonologia e à fonética articulatória. Também serão apresentados elementos que irão discutir questões referentes às transcrições fonéticas e fonologia, bem como os processos fonológicos e dialetógicos. Serão também apresentadas nesta disciplina as teorias e métodos que são utilizados para a realização das análises fonológicas. E, finalmente, a última aula será destinada à apresentação dos modelos fonéticos-fonológicos para a descrição de línguas de sinais e um pouco sobre questões referentes à variação linguística na língua de sinais. Convido, portanto, você, aluno, a prestigiar o material produzido e ampliar seus conhecimentos sobre o assunto e, que tal produção preparada para você, possa contribuir para a ampliação e construção de novos conhecimentos na área. 8 Aula 1 – Fonética e fonologia Apresentação da aula 1 Olá! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina Fonética e Fonologia da Libras. Nela você conhecerá a definição de fonética e fonologia, bem como o objeto de estudo que ambas as áreas do conhecimento dividem, porém, com objetivos distintos e específicos. A aula de Fonéticae Fonologia apresentará inicialmente conceitos e significados sobre os temas. Inicialmente serão apresentados elementos referentes à fonética e o seu objeto de estudo, a fala humana. Na sequência, serão apresentados os conceitos referentes à fonologia e as especificidades que estão associadas a esta área do conhecimento. E, finalmente, a aula apresentará a relação existente entre a fonética e a fonologia e os motivos para ambas as áreas serem estudadas em conjunto. 1.1 Estudos dos sons da fala A comunicação entre as pessoas está presente na História desde os seus primórdios e se configura como uma das grandes responsáveis pela evolução da humanidade. Comunicação Fonte: https://br.freepik.com/fotos-gratis/retrato-de-uma-mulher-pensativa_6782006.ht m#page=4&query=Comunica%C3%A7%C3%A3o&position=43 https://br.freepik.com/fotos-gratis/retrato-de-uma-mulher-pensativa_6782006.htm#page=4&query=Comunica%C3%A7%C3%A3o&position=43 https://br.freepik.com/fotos-gratis/retrato-de-uma-mulher-pensativa_6782006.htm#page=4&query=Comunica%C3%A7%C3%A3o&position=43 9 Diferentes maneiras de realizar os processos de comunicação foram criadas e desenvolvidas pelo homem ao longo da história nas diferentes sociedades, o que permitiu que pudéssemos chegar à comunicação como a temos atualmente. O objetivo nessa aula não é conhecer todas as formas de comunicação utilizadas pelo homem, mas conhecer e entender uma forma específica de comunicação e comum a todos os seres humanos, a fala. Independentemente de qualquer situação econômica, social e política, a fala é comum a quase todos os seres humanos e é a partir dela que a comunicação oral entre as pessoas ocorre. Bizello e Oliveira (2019) mostram que é por meio da materialização da fala que “ocorre a comunicação oral e a transmissão de significados dentro de uma comunidade que compartilha o mesmo sistema linguístico” (BIZELLO e OLIVEIRA, 2019, p. 13). No momento em que falamos produzimos sequências sonoras com sentido e com um objetivo para que elas possam ser ouvidas e interpretadas por outras pessoas que serão os ouvintes. Esse processo ocorre de uma maneira tão natural que não nos damos conta de que ele é carregado de significados específicos que não fazem parte do conhecimento da grande maioria das pessoas. Bizello e Oliveira (2019) afirmam que a fala é muito mais do que uma simples sequência de sons audíveis e nela existem propriedades específicas e intrínsecas que nos permitem “analisá-los, classificá-los e organizá-los de acordo com a sua função nas línguas” (BIZELLO e OLIVEIRA, 2019, p.13). Com relação ao estudo da fala e das propriedades que estão atribuídas aos sons nas línguas, a área da linguística que se ocupa dessa tarefa é a fonética e a fonologia. Conheceremos a seguir algumas especificidades de ambas as vertentes da área da linguística. 1.2 Fonética O termo fonética, etimologicamente, tem origem no grego “phonetikós” e quer dizer “conhecimento dos sons”. O ambiente em que vivemos produz diferentes tipos de sons em diferentes situações, mas a fonética não irá estudar qualquer tipo de som, na verdade, estudará tipos específicos de sons, todos aqueles produzidos pela fala humana. 10 A fonética é uma área que estabelece diálogos com diferentes áreas científicas e com objetivos diversos como irá mostrar a tabela abaixo: A diversidade de estudos da fonética ÁREA DO CONHECIMENTO OBJETO DE ESTUDO Música Investigar as semelhanças e diferenças entre os sons produzidos por meio da fala e aqueles produzidos pelo canto. Medicina Investigar as patologias que estão associadas à fala. Psicologia Investigar a aquisição dos sons pelas crianças. Engenharia Elaborar sistemas de conversão texto-fala, isto é, sistemas de síntese de fala, além de sistemas de reconhecimento automático de fala. Direito Identificar quem são os falantes e o que constitui uma área denominada fonética forense. Linguística Investigar os sons da fala e, em especial, os sons que estruturam as várias línguas do mundo. Fonte: Silva (2007). Apesar de a fonética dialogar com diferentes áreas do conhecimento científico, neste trabalho dedicaremos os estudos para uma área específica: a Linguística. A fonética é uma das vertentes da Linguística que se ocupa do estudo da descrição dos fatos físicos que caracterizam linguisticamente os sons da fala (Cagliari, 2002), em outras palavras, a fonética é responsável por descrever o que acontece com o som quando uma pessoa fala. Silva (2007) diz também que a fonética tem um objetivo bem específico que é o de “investigar os sons da fala e, em especial, os sons que estruturam as várias línguas do mundo”. Por esse motivo, é responsável por estudar todos os sons possíveis de serem produzidos pelo aparelho fonador humano e tais estudos realizados fornecem as informações que são necessárias para a realização das descrições fonológicas. Tais descrições irão analisar a maneira como os sons são produzidos por seus locutores, a maneira como são 11 percebidos pelos ouvintes e irá analisar os aspectos físicos que estão envolvidos na sua realização. Ao exemplificar a forma descritiva como a fonética se configura, Cagliari (2002) mostra que um som ao ser produzido por um falante: articula-se com uma corrente de ar pulmonar, egressiva, com uma fonação sonora, com uma obstrução fricativa à corrente de ar, formada pela aproximação dos lábios levemente protusos, como no caso do som [ß].(CAGLIARI, 2002, p.17) Vocabula rio Protusos: que foi alvo de protusão; que foi deslocado para frente em relação ao considerado normal. A descrição de um som pode ser realizada em algumas situações em termos acústicos. Em outras situações, a descrição do som serve para descrever a variação da melodia da fala ou ainda, para mostrar a intensidade do som acústico ou mesmo a duração de determinados segmentos do som da fala (Cagliari, 2002). As avaliações de todos esses aspectos mencionados dos sons da fala dependem, como afirma Cagliari (2002), da maneira como a percepção da fala é realizada. Toda a percepção física dos sons de um locutor que realizada deve receber uma interpretação em função das possibilidades articulatórias e auditivas do homem, ou seja, aquilo que é capaz de fazer com a sua voz. A fonética, conforme Lima (2011), Silva (2007) e Borba (2007) estuda os sons da fala a partir de três aspectos: a) Articulatória: estuda os sons da fala a partir do ponto de vista fisiológico, ou seja, estuda a produção dos sons pelo aparelho fonador humano e realiza a sua descrição e classificação. 12 b) Acústica: estuda as propriedades físicas dos sons (altura e intensidade), ou seja, como os sons da fala chegam até ao aparelho auditivo. c) Perceptiva: centraliza seus estudos na percepção dos sons pelo aparelho auditivo humano. Mas não apenas isso, Silva (2007) mostra também que a fonética estuda as caracterizações acústicas (interpretação dos sons) e articulatórias e as investigações que estão relacionadas com a maneira como os ouvintes percebem os sons que são produzidos pelos falantes da sua língua. Estes estudos representam o ponto de partida para que, a partir dos estudos realizados pela área da fonética, seja possível encontrar respostas coerentes e corretas sobre as questões apresentadas no quadro abaixo: Questões sobre fonética a) Que sons constituem o inventário fônico de uma determinada língua; b) Que características são comuns a alguns desses sons e, portanto, possibilitam seu agrupamento em uma mesma classe; c) Como e por que alguns sons de uma dada língua têm algumas de suas características alteradas em função do ambiente em que ocorrem? d) Quais são os aspectos dos sons necessários para se atribuir um significado ao que está sendo dito? Fonte: Silva (2007). Até essemomento, a intenção é apresentar apenas alguns conceitos gerais sobre a fonética. A seguir, serão apresentados também conceitos específicos sobre a fonologia e, na sequência, a relação entre as duas áreas. 1.3 O aparelho fonador Para o processo de produção da fala e de qualquer outro tipo de som utilizamos o aparelho fonador que é formado por um conjunto de órgãos envolvidos na produção dos sons da fala. 13 No momento em que falamos alguma palavra ou, então, emitimos algum tipo de som, Ferreira (2013) diz que colocamos em funcionamento uma série de órgãos como os pulmões, a laringe, a faringe, as cavidades bucal e nasal em que o ar entra em nosso organismo e por onde o ar é expelido. Nesse processo, são ativados ao mesmo tempo três tipos de sistemas do corpo humano, compostos por vários órgãos. São eles: o sistema respiratório, o sistema fonatório e o sistema articulatório (Moraes, 2015). A imagem abaixo traz uma ilustração do aparelho fonador e dos órgãos que o compõem: Aparelho fonador Fonte: https://prezi.com/8gzqmmzppsaj/o-aparelho-fonador/?frame=0d48016fc334c6ec 2efec00a2f0728ddb25b7af8 Os órgãos que fazem parte do sistema fonador funcionam de maneira ordenada e conjunta, mas, como mostra Ferreira (2013), é importante sabermos que tais órgãos não têm como função primária e específica a produção da fala, entretanto desempenham outras funções no organismo e a fala, então, se constitui como uma função secundária. 14 A ilustração acima traz a representação do aparelho fonador dividido em três partes que serão apresentadas na tabela abaixo com base nas descrições de Ferreira (2013). Composição do aparelho fonador Sistema respiratório É composto pelos pulmões, músculos pulmonares, brônquios e pela traqueia. Tem como função a produção da respiração propiciando a troca de gases necessária à nossa sobrevivência e fornecer a corrente de ar necessária para a produção dos sons da fala. Sistema fonatório Constituído pela laringe, órgão situado na parte superior da traqueia, que faz a comunicação entre ela e a faringe, permitindo a passagem do fluxo de ar. Sistema articulatório Constituído pelas três cavidades situadas acima da laringe, portanto, acima da glote, por onde flui a corrente de ar em direção à saída do aparelho fonador. Fonte: Ferreira (2013). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA É importante a ampliação dos estudos sobre a produção dos sons pela fala humana. Para complementação desse tema, indica-se que faça a consulta sobre o assunto no material produzido por Demerval da Hora Oliveira Fonética e Fonologia, pois ele traz uma descrição sobre a produção dos sons e outros assuntos que podem complementar seus estudos. Acesse o link abaixo: http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/fonatica _e_fonologia_1360068796.pdf 1.4 Fonologia Fonética e fonologia dividem o mesmo objeto de investigação: o som. Mas, embora compartilhem desse mesmo objeto de estudo, o objetivo de ambas 15 as áreas é distinto. A fonética se dedica à descrição dos sons e a fonologia à interpretação deles. Cagliari (2002) mostra que em um processo de análise de sons, a fonética irá se ocupar em analisar os processos de percepção e de produção dos sons por parte dos falantes e dos ouvintes. Já a fonologia irá se ocupar em analisar os sons produzidos dentro de uma língua, ou seja, “na função linguística que eles desempenham nos sistemas de sons das línguas” (CAGLIARI, 2002, p. 18). A fonologia, a partir da análise realizada por Cagliari (2002), almeja a descrição da organização sistemática global dos sons da língua do falante. Por exemplo, a vogal “a” pode ser pronunciada com o som /a/ ou /ã/ e esta diferença serve para distinguir o significado de certas palavras da língua. Por exemplo, a vogal “a” é utilizada na escrita das palavras “camada” e “cama”, na primeira sílaba de ambas as palavras é utilizada a mesma vogal, mas com sons diferentes e com significados diferentes. Sobre este fato, Cagliari (2002) fala que “reconhecer que as ocorrências fonéticas dessas vogais são idênticas é tarefa da fonética. Interpretar seu valor dentro de um sistema da língua é tarefa da fonologia” (CAGLIARI, 2002, p.19). Por esse motivo, fonética e fonologia precisam ter métodos e técnicas de análise diferentes, pois enquanto a primeira identificará o som, a segunda irá interpretá- lo e explicá-lo conforme a língua em que se encontra. Para que ocorra uma análise fonológica, é necessário, primeiramente, que ocorra uma análise fonética, pois a fonologia pressupõe a fonética, ou seja, vem após a sua realização. Sobre o estudo de ambas as áreas, Cagliari (2002) aconselha que o mesmo deva ser realizado em conjunto, pois o estudo de uma ou de outra área apenas não é o indicado, pois “a fonética sozinha pode se perder em coisas inúteis” (CAGLIARI, 2002, p. 19). Já, a fonologia que é estudada separadamente da fonética, conforme Cagliari (2002): começa a inventar uma língua que existe apenas para contentar o modelo teórico. Esse entrosamento entre fonética e fonologia representa a exigência de adequação da interpretação gerada pelos modelos teóricos com os fatos da língua (CAGLIARI, 2002, p.19). 16 Silva (2007) relata que a fonética tem interesse por todos os sons produzidos pela fala humana para poder fazer a sua descrição. A fonologia, ao contrário, tem interesse apenas por aqueles sons que permitem a comunicação, ou seja, que permitem que o som veicule uma mensagem do falante para o ouvinte. Para exemplificar tal função comunicativa atribuída ao som, Silva (2007) mostra que na Língua Portuguesa: dizemos que /p/ tem função comunicativa porque, o fato de ser sonoro o distingue de /b/, de onde resulta que uma palavra como “pato” veicula uma informação distinta de uma palavra como “bato”. O fato de ser bilabial faz com que /p/ difra de /t/ e, por isso, uma palavra como “pato” veicula uma informação diferente da palavra “tato” (SILVA, 2007, p. 80). No processo de análise do som, a fonologia opera com a função de organização dos sons de um sistema, ou seja, realiza uma análise da forma como esses sons podem se combinar nas palavras e quais as combinações de sons são evitadas pela estrutura interna da língua. Com essa característica, Bizello e Oliveira (2019) mostram que a fonologia “é uma ciência explicativa e interpretativa orientada para a análise da função linguística dos sons nos sistemas” (BIZELLO e OLIVEIRA, 2019, p.14). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Leia a obra Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa, escrita por Aline Bizello e Julio Cesar Cavalcanti de Oliveira. Esta obra tem como objetivo realizar uma análise histórica, conceitual e didática de um ramo da linguística responsável pela descrição dos sons de uma língua: no campo das propriedades físicas (articulatórias acústicas e perceptivas). Após a apresentação dos conceitos referentes à fonética e à fonologia foi possível perceber a importância que elas têm e a necessidade da realização do estudo de ambas as áreas de maneira conjunta, para que a compreensão dos fatos possa ser realizada corretamente. 17 Conclusão da aula 1 Nesta aula abordaram-se os principais temas referentes à fonética e à fonologia. Inicialmente foram apresentadas considerações sobre o objeto de estudo de ambas as áreas. Em seguida, foram apresentados os conceitos referentes à fonologia e às especificidades que estão associadas a esta área do conhecimento. Dentro deste assunto, também foram feitas caracterizações sobre o aparelho fonador humano responsável pela produção dos sons. Na sequência, foram apresentados conceitos referentes ao objeto de estudo da fonologia e as questões que a diferenciam da fonética. E, finalmente, de maneira breve,foram apresentados os motivos que levam o pesquisador a estudar fonética e fonologia juntas, pois elas se complementam. Atividade de Aprendizagem Para consolidar seus estudos sobre o tema fonética e fonologia, solicita-se que seja realizada uma nova leitura sobre os assuntos abordados na aula e, então, seja produzido um esquema com as principais características que estão associadas a ambas as áreas do conhecimento. Aula 2 – Fonética articulatória e as transcrições da fala Apresentação da aula 2 Olá! Seja bem-vindo à segunda aula da disciplina de Fonética e Fonologia da Libras. Nela você conhecerá elementos importantes associados à fonética articulatória, à produção dos sons e às transcrições fonéticas e fonológicas da língua. 18 Entendendo a necessidade de ampliar os estudos sobre os processos de produção, análise e interpretação dos sons da fala humana, esta segunda aula tem como objetivo identificar os mecanismos que estão envolvidos na produção da fala. Inicialmente serão apresentados conceitos gerais referentes à fonética articulatória e o seu objeto de estudo. Nesse item, também será realizada a apresentação dos órgãos da articulação que são responsáveis pela produção dos sons no corpo humano. Ainda sobre o processo de produção de sons, será apresentada a maneira como a voz é produzida pelo corpo humano, desde a etapa que vai do pensamento até o momento em que será pronunciada pelo falante. Na sequência, serão apresentados alguns conceitos sobre a transcrição da fala, sendo apresentados conceitos referentes à transcrição fonética e à transcrição fonológica. 2.1 Fonética articulatória Antes de iniciarmos os estudos para entendermos os conceitos que estão associados à fonética articulatória, convém relembrarmos o conceito apresentado a esse termo na aula anterior. A fonética articulatória é um dos campos de investigação da fonética que é responsável por estudar os sons da fala a partir do ponto de vista fisiológico, ou seja, estuda a produção dos sons pelo aparelho fonador humano e realiza a sua descrição e classificação. Estudar a fonética articulatória é estudar a maneira como a fala é produzida pelo organismo humano. A fonética articulatória é responsável por estudar os sons que o aparelho fonador é capaz de produzir. Borba (2007) relata que o aparelho fonador tem a capacidade de produzir cerca de cinco mil sons durante o processo de expiração do ar. 19 Produção da fala Fonte: https://br.pinterest.com/pin/385409680600583501/ Para conhecer a fonética articulatória, é necessário conhecer também os órgãos que executam o processo de articulação dos sons e o processo de produção da fala, assuntos que serão apresentados nos itens a seguir dessa aula. Ví deo Assista ao vídeo Fisiologia da voz produzida pelo Instituto de Técnica Vocal CFV. Este vídeo apresentará detalhadamente o processo de formação da voz, bem como trará imagens sobre os órgãos que são responsáveis pela produção sonora. Acesse o link abaixo: https://www.youtube.com/watch?v=HlYVdqsiz90 2.1 Os órgãos de articulação O processo de produção da fala, conforme mostra Bizello e Oliveira (2019), envolve uma série de mecanismos e estruturas do corpo humano que se integram e interagem harmonicamente para possibilitar que a produção dos sons possa se efetivar. O som produzido nesse processo de integração e interação é, como relata Bizello e Oliveira (2019), o resultado: 20 final de um complexo processo, que envolve estruturas de diversas partes do corpo humano: pulmões, músculos respiratórios, traqueia, faringe, laringe, pregas vocais, língua, palato duro, palato mole, lábios e outras estruturas. (BIZELLO e OLIVEIRA, 2019, p.25) Os órgãos que são responsáveis pelo processo de articulação, conforme mostra Borba (2007), constituem três grupos distintos: a) Aparelho respiratório: que fornece a corrente de ar para a produção dos sons; b) Laringe: responsável por criar a energia sonora que é utilizada na fala; c) Cavidades supraglóticas (faringe, boca, fossas nasais): que trabalham como os ressoadores dos sons produzidos. Órgãos da produção da voz Fonte: https://www.gta.ufrj.br/grad/09_1/impvocal/propdosinal.htm Além desses órgãos mencionados, também é responsável pelo processo de produção da voz as cordas vocais ou pregas vocais, que são duas membranas constituídas de tecidos musculosos que vibram quando a corrente de ar que vem dos pulmões força a passagem, e assim produz um som. As cordas vocais estão localizadas na laringe e Borba (2007) diz que quanto mais longas e espessas elas forem mais lentas serão as suas vibrações e quanto mais curtas e delgadas forem a sua constituição, maior será a frequência das suas vibrações. 21 Cordas vocais Fonte: https://br.pinterest.com/pin/665266176175643097/ O processo de abertura e fechamento das cordas vocais produz uma vibração em uma dada frequência e o resultado dessa vibração é o som da fala ou o processo de fonação. Sobre a produção dos sons pelas cordas vocais, Engelbert (2012) fala que: o som é inicialmente fraco, mas ganha força na passagem pela faringe, boca e cavidade nasal. Até o som sair pela cavidade bucal ou pela nasal, ele sofre modificações, causadas pelos articuladores do trato vocal (ENGELBERT, 2012. p.21). Engelbert (2012) fala que cordas vocais afastadas indicam que o ar passará livremente pela laringe e chegará até as cavidades nasal e oral, produzindo os sons desvozeados ou surdos. Cordas vocais aproximadas acabam impedindo a passagem do ar fazendo com que ele force essa passagem fazendo, então, com que as cordas vocais vibrem, produzindo assim um som vozeado ou sonoro. 2.2 A produção da fala A fala tem significado, sentido, e um elemento produzido por quase todas as pessoas em todas as culturas. Não é um simples som produzido, como um bater palmas ou estalar de dedos, porque, se assim fosse caracterizado, não daríamos tanta importância para a sua produção e a ciência não destinaria seus 22 esforços para entendê-lo e conhecê-lo melhor. É, na verdade, o mecanismo utilizado para comunicação e interação entre as pessoas. Para exemplificar melhor o processo de produção da fala e facilitar a sua compreensão pelo leitor, utilizaremos a mesma analogia feita por Silva (2007) ao descrever tal processo. Silva (2007) compara o processo de produção de sons utilizando como exemplo um instrumento musical de sopro, no caso uma flauta. Um músico, ao soprar o orifício da flauta, emite correntes de ar que irão vibrar no interior do instrumento. De tempos em tempos, o músico promove a obstrução no orifício da flauta com os lábios e essa alternância de obstruir o ar e deixa-lo livre modula a corrente de ar no interior do tubo e, então, produz as ondas sonoras, por meio do qual o som da flauta se propaga. A corrente de ar se constitui como a fonte sonora no processo de produção do som da flauta. Mas, como essa analogia se configura? Como o som da flauta pode de fato ser comparado com a produção da fala? Silva (2007) mostra que o processo de fonação, que é o processo pelo qual a voz humana é produzida, é bastante semelhante à produção do som da flauta e, por isso, a comparação pode ser feita. Ao comparar ainda a fala com o som da flauta, Silva (2007) diz que a fonte sonora é a laringe, porque “é nela que se localizam as pregas vocais que, vibrando, produzirão os sons da fala.” (SILVA, 2007, p.10). Deixando a analogia de lado, o que sabemos é que o processo de produção da fala tem características complexas porque desde a sua conceitualização até a sua exteriorização, ela passa por diferentes processos, como mostra Bizello e Oliveira (2019): à articulação, vai transformando representações abstratas (regras fonológicas) em níveisinferiores de abstração (associações fonéticas) até chegar aos comandos neuromotores e, em seguida, aos articuladores da fala. É a movimentação desses articuladores que modula o fluxo de ar, produzindo o som. (BIZELLO e OLIVEIRA, 2019, p.26) Quando falamos não nos damos conta da complexidade de produção desse processo e de todas as etapas que estão envolvidas nessa ação. A fonética articulatória nos explica que para falarmos precisamos utilizar várias partes do nosso corpo, como diz Engelbert (2012). 23 A fala nasce primeiramente no nosso pensamento, pois precisamos pensar no que vamos dizer. Depois, o cérebro começa a enviar estímulos para os músculos em diferentes partes do corpo, preparando-os para dizer aquilo que foi planejado. Após esse momento, o processo de fonação irá se configurar de fato durante o processo de expiração, como explica Silva (2007): A corrente do ar egresso dos pulmões [...] se propaga pela traqueia e, ao chegar à parte superior da mesma, na região da laringe, encontra um obstáculo à sua passagem – a glote, onde estão localizadas as pregas vocais (SILVA, 2007, p.10). Então, ao chegar à glote o ar exercerá uma pressão na sua cavidade inferior e irá empurrar as cordas vocais, que se localizam na parte superior da glote. As cordas vocais irão se afastar e o ar irá se propagar entre elas. Silva (2007) mostra que assim que o ar passar pelas cordas vocais, a pressão antes exercida irá diminuir e as cordas vocais se aproximarão novamente. Esse processo de produção da fala pode ser comparado ao funcionamento de uma máquina em que várias peças devem estar articuladas para que possam cumprir a sua função. 2.3 Transcrições da fala A história mostra que a necessidade do homem em realizar o registro da palavra falada para torná-la permanente e conhecida por todos, fez com que ela fosse registrada. Tal registro iniciou com simples desenhos e rabiscos que evoluíram e se constituíram no sistema de escrita alfabética (letras) que hoje nossa sociedade utiliza. Pelo fato de conhecermos muito bem o nosso sistema de escrita, sabemos que ele não possui uma relação direta com todos os sons da fala, e que, em algumas situações, um som pode ser representado por diferentes códigos (letras). Um exemplo para essa situação bem simples é o caso da palavra “asa” e “reza”, o som inicial da segunda sílaba de ambas as palavras é o mesmo, porém ele é registrado com letras diferentes. Outra situação de representação de som que mostra que a correspondência do som com letra no sistema de escrita alfabética não é direta 24 é o caso de uma letra representar diferentes sons, dependendo da posição em que se encontram na palavra. Para exemplificar essa situação temos as palavras “sapato”, “casa” e “mês”, nos três exemplos, a consoante “s” representa três tipos de sons diferentes. Pelo fato desse processo de transcrição do sistema de escrita alfabética ser organizado com diferentes regras, ele não atendia as necessidades da fonética e da fonologia, que precisava descrever todos os sons da fala da maneira mais fiel possível, utilizando símbolos únicos e que fossem de conhecimento universal. Por esse motivo, foram criados alfabetos próprios para a realização das transcrições fonéticas e fonológicas, que serão apresentados na sequência. 2.3.1 Transcrição fonética No momento em que falamos produzimos uma sequência de sons que pode ser dividida em palavras e sílabas até chegar a segmentos sonoros menores que a sílaba. Tais segmentos podem ser transcritos, ou seja, podem ser representados graficamente. A transcrição fonética é o processo de reprodução graficamente de todos os sons, sendo eles fonêmicos ou não, que são reproduzidos pela fala (LOPES, 2007). Em um processo de transcrição fonética, o foneticista irá registrar todas as diferenças que forem perceptíveis e que possam chamar a atenção. Na transcrição fonética, cada segmento sonoro tem a sua representação gráfica e transcrever foneticamente é representar, por meio de símbolos escritos, todos os sons emitidos por um falante quando ele produz a sua fala. A transcrição fonética é a “transcrição da forma fônica do signo linguístico em um código de símbolos gráficos” (MORAES, 2015, p.31). O processo de realização da transcrição fonética é realizado pelos foneticistas que precisam escolher um sistema próprio de transcrição, ou seja, um alfabeto fonético. Tal alfabeto, como mostra Ferreira (2013), não apresenta ambiguidades e tem como objetivo permitir que os sons de qualquer língua humana possam ser compreendidos e reproduzidos. O alfabeto fonético, conforme Ferreira (2013), é organizado seguindo dois princípios fundamentais: 25 a) A representação do som não é baseada em características fonéticas de nenhuma língua, mas sim, nas possibilidades articulatórias do aparelho fonador; b) A relação entre o som e o símbolo é biunívoca, ou seja, uma relação direta de um para outro. Dentre os diversos sistemas de descrições fonéticas existentes, o que recebe maior credibilidade da ciência, segundo Moraes (2015), é o sistema produzido pela Associação Fonética Internacional, que elaborou o Alfabeto Fonético Internacional (AFI). Este alfabeto apresenta “uma notação padrão para a representação fonética de todas as línguas do mundo. A maior parte de suas letras originou-se do alfabeto romano, e algumas do grego.” (SEARA, NUNES, VOLCÃO, 2011, p.62). Saiba Mais É importante nesse momento consultar o Alfabeto Fonético Internacional (AFI) produzido pelos foneticistas para compreender a maneira como ele representa os elementos sonoros produzidos pelo falante. Consulte o alfabeto fonético no link abaixo: https://www.internationalphoneticassociation.org/content/ipa -chart O Alfabeto Fonético Internacional é composto por 107 letras, 52 diacríticas e 4 marcas de prosódia. Esse alfabeto foi organizado para que os sons possam ser representados da maneira como são pronunciados e não pode ser comparado ao alfabeto ortográfico, ao qual estamos mais acostumados. Tal comparação não é possível porque no alfabeto ortográfico a representação de um fonema pode ser feita por mais de uma letra, fato que não ocorre no alfabeto fonético. Moraes (2015) mostra que o Alfabeto Fonético Internacional é dividido em três categorias, como é representado na tabela abaixo: 26 Categoria do alfabeto fonético internacional LETRAS Que indicam os sons básicos (vogais e consoantes). DIACRÍTICOS Que especificam mais esses sons básicos. SUPRASSEGMENTAIS Que indicam categorias como velocidade, tom e acento tônico. Fonte: Moraes (2015) Para compreender melhor essas categorias acima mencionadas e a organização do Alfabeto Fonético Internacional, convém acessá-lo no endereço indicado. 2.3.2 Transcrição fonológica A transcrição fonológica, diferente da fonética, reproduz graficamente somente os fonemas da língua, não levando em conta a diversidade de sons que realizam esses fonemas na fala (LOPES, 2007, p.117). O processo de transcrição fonológica deve ser realizado com o uso de barras transversais (/ /) e deve ser realizado seguindo os padrões convencionais da língua em que está sendo transcrita. Por exemplo, a língua portuguesa é organizada com normas pré-estabelecidas e próprias delas, no caso de um processo de transcrição fonológica, o foneticista deve seguir as regras dela. Moraes (2015) diz que em uma transcrição fonológica, somente os fonemas são descritos, diferente da transcrição fonética, que no processo de transcrição deve utilizar símbolos para descrever os elementos físicos, também presentes na fala como a velocidade. As transcrições fonológicas utilizam-se dos mesmos elementos também utilizados pelas transcrições fonéticas, ou seja, utiliza também os símbolos propostos pelo AlfabetoInternacional de Fonética. Conhecer e saber diferenciar os processos envolvidos nas transcrições da fala se faz necessário para os profissionais que dedicam seus estudos nessa área de conhecimento. 27 Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Conclusão da aula 2 Nesta aula abordaram-se os principais temas referentes à produção e transcrição dos sons da fala. Inicialmente foram apresentados os conceitos gerais referentes à fonética articulatória e o seu objeto de estudo, também nessa primeira etapa, foram apresentados os órgãos da articulação que são responsáveis pela produção dos sons no corpo humano. Na sequência, a aula deu ênfase à maneira como a voz é produzida pelo corpo humano, desde a etapa que vai do pensamento até o momento em que é pronunciada pelo falante e trouxe conhecimentos importantes sobre o tema. E, para finalizar a aula, foram apresentados alguns conceitos sobre a transcrição da fala, sendo apresentados conceitos referentes à transcrição fonética e à transcrição fonológica. Atividade de Aprendizagem Para finalizar esse assunto sobre a produção e a descrição da fala, faça uma leitura dos pontos principais da aula e escreva um texto dissertativo, apresentando a diferença de transcrição fonética e transcrição fonológica. É importante ampliar seus estudos sobre o tema, pois os conceitos apresentados na aula apenas indicam alguns pressupostos sobre o tema. O livro Para conhecer a fonética e fonologia do português brasileiro, escrito por Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga Nunes e Cristiane Lazarroto Volcão, oferece um manual no qual as teorias e os termos técnicos são introduzidos por meio de exemplos da nossa língua. 28 Aula 3 – Processos fonológicos e dialetógicos e teorias e métodos de análise fonológica Apresentação da aula 3 Olá! Seja bem-vindo a terceira aula da disciplina de Fonética e Fonologia da Libras. Nela você conhecerá elementos importantes associados aos processos fonológicos e dialetógicos e terá oportunidade de conhecer algumas teorias e métodos que são utilizados para a realização das análises fonológicas. A partir do momento em que a criança começa a estar em contato com outras pessoas falantes, ela aprenderá a executar tal processo. No início esse processo é um pouco confuso e com algumas inconsistências e, tais situações serão apresentadas quando estudarmos sobre os processos fonológicos que ocorrem no momento da fala. Então, a aula será iniciada com a apresentação e definição dos conceitos associados aos processos fonológicos e a sua classificação. Ainda sobre os processos fonológicos conheceremos alguns conceitos sobre os processos dialetógicos e poderemos compreender o momento em que os mesmos ocorrem na produção da fala. Fará parte também dessa aula, a apresentação de algumas teorias e métodos que compreendem o processo de análise fonológica. 3.1 Processos fonológicos Aprender a falar é um processo natural que ocorre a partir do contato com outros falantes. A criança quando nasce já está em contato com pessoas falando e interagindo com ela a todo o momento, fato este que irá contribuir de maneira decisiva para o desenvolvimento e produção da sua fala. A partir do primeiro ano de vida a criança começa a exteriorizar as suas primeiras tentativas de produção de palavras na sua língua materna. Essas primeiras tentativas inicialmente estarão repletas de inconsistências fonológicas, algo que é natural e esperado para esse princípio de articulação de fonemas. 29 Aprendizagem Fonte: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/happy-family-mother-child- daughter-play-629490194 Othero (2004) relata que nesse momento de produção as crianças têm os adultos como referência de produção e, a partir da observação e interação, “tentam adaptar a forma das palavras de maneira que consigam produzi-las o mais próximo possível da fala adulta” (OTHERO, 2004, p.1). Essa ação, como dito anteriormente, não é perfeita e apresenta muitos “erros” de pronúncia que acabam mostrando elementos significativos sobre as produções, tais como: a) As estratégias que a criança está utilizando para produzir determinados tipos de sons; b) A dificuldade que a criança está enfrentando para produzir outros tipos de sons; c) O nível de consciência fonológica da criança. No entanto, embora confusas ou com “erros” de pronúncia inicialmente, a fala produzida pela criança apresenta uma coerência sistemática e pode ser analisada pelos pesquisadores que podem prever: como ela irá tentar produzir uma [...] palavra da fala adulta e até mesmo avaliar como a criança está enfrentando a produção de determinados sons ou grupos de sons da fala adulta (OTHERO, 2004, p.2). Nesse momento então temos a teoria dos processos fonológicos que têm como objetivo estudar as operações mentais mais comuns presentes desde 30 o nascimento da criança e que acabam dificultando ou restringindo a produção de determinados sons. Todas as crianças nascem com esses processos e eles acabam sendo eliminados ou suprimidos com o passar do tempo. A eliminação desses processos ocorrerá conforme o aprendizado das regras linguísticas por parte da criança e envolverá: a) O contexto linguístico ao qual a criança está exposta; b) A maturidade neuromuscular da criança; c) O processamento cognitivo linguístico; d) A estrutura biológica para a percepção, planejamento e produção orgânica. O período de maior produção dos processos fonológicos é na primeira infância, a partir de 12 meses de idade até aproximadamente 4 anos. Espera-se que todo o processo de formação do sistema fonológico, de uma criança com desenvolvimento típico, seja concluído por volta dos 5 aos 7 anos de idade, mas dependem de vários fatores para que isso ocorra como já mencionado. Convém, no entanto, conhecermos um pouco mais sobre a natureza dos processos fonológicos para melhor compreendê-los. 3.2 Natureza dos processos fonológicos Os processos fonológicos originam-se, conforme mostra Othero (2004), a partir da dificuldade da criança em pronunciar um determinado som. É caracterizado como um processo mental que se aplica à fala para substituir um som que não seja possível ser pronunciado e serve para auxiliar a pronúncia dele. E, nesse processo de auxílio, Othero (2004) mostra que “um som com certa propriedade “difícil” [...] é substituído por algum outro que seja exatamente igual, mas desprovido dessa propriedade que o torna mais complexo para o pequeno falante” (OTHERO, 2004, p. 3). Os processos fonológicos são produzidos a partir então da dificuldade de pronúncia. Tal dificuldade pode surgir, por exemplo, para a criança pronunciar uma palavra com um encontro consonantal, por exemplo, com a palavra 31 “cabrita”. A pronúncia da consoante “r” não será uma tarefa das mais fáceis e a criança poderá suprimi-la no momento da pronúncia. Esse processo também poderá ocorrer com o encontro consonantal com a consoante “l” em que a criança também pode executar a tarefa de suprimir tal encontro ou então, substituir por outra consoante. Não é apenas uma pronúncia equivocada que os processos fonológicos causam, na verdade, Moraes (2015) relata que as modificações sofridas no início, meio e fim de palavras são responsáveis também pelas mudanças linguísticas e podem alterar, acrescentar, eliminar ou inserir segmentos sonoros nas palavras e, algumas dessas alterações, “atuam sobre o nível fonológico da língua, outras afetam apenas o nível fonético, ocorrendo assistematicamente.” (MORAES, 2015, p.71). Abaixo conheceremos alguns tipos mais comuns de processos fonológicos. Não é possível conhecermos todos, pois eles podem variar de 8 a 42 processos, mas conheceremos os mais produzidos. 3.3 Tipos de processos fonológicos Pelagrande diversidade de processos fonológicos que são produzidos, diversos autores (Cagliari, 2002; Moraes, 2015; Silva, 2011; Othero, 2011) produziram trabalhos sobre os processos fonológicos e, nessa aula, adotar-se-á os tipos apresentados por Othero (2011). Segue abaixo a tabela com a apresentação de alguns processos fonológicos que foram divididos em dois grupos: os processos de estrutura silábica e os processos de substituição. Processos fonológicos Processos fonológicos Definição Exemplo Redução de encontro consonantal: redução de um encontro consonantal através do apagamento de uma consoante. “cobra” “coba” Apagamento de sílaba tônica: apagamento da sílaba não acentuada que pode ser antes “fósforo” 32 Processos de Estrutura Silábica ou após a sílaba tônica em palavras com mais de uma sílaba. “fósro” Apagamento de fricativa final: apagamento de /s/ no final da sílaba dentro da palavra. “estrela” “itela” Apagamento de líquida final: apagamento de consoante líquida em final de sílaba dentro da palavra. “martelo” “matelo” Apagamento de líquida intervocálica: apagamento de uma consoante líquida lateral que ocorre entre duas vogais “velinha” “veinha” Apagamento de líquida inicial: apagamento de uma consoante líquida no início da palavra “rabo” “abo” Processos de Substituição Desonorização da obstruinte: produção de plosivas, fricativas ou africadas. “zebra” “sepa” Anteriorização: substituição de uma consoante palatal ou velar por uma alveolar ou labial “cachorro” “casorru” Substituição de líquida: substituição de uma consoante líquida – lateral ou não- lateral – por outra líquida “armário” “amáliu” Semivocalização de líquida: substituição de uma consoante líquida – lateral ou não- lateral – por uma semivogal “comer” “comei” Plosivização: substituição de uma consoante fricativa ou uma africada por uma consoante plosiva. “vaca” “baka” Posteriorização: substituição de uma consoante labiodental, dental ou alveolar por uma palato-alveolar ou velar. “tesoura” “tisora” Fonte: Othero (2011). 3.2 Processos Dialetógicos Nascemos em um mundo repleto de signos linguísticos que, a partir do momento em que conseguimos compreendê-los, passamos a utilizá-los em 33 nossas interações e na produção de nossa linguagem. A língua é um elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade que, através das relações estabelecidas entre as pessoas, acaba influenciando e transformando a linguagem. As relações que se estabelecem entre a sociedade e a língua acabam se tornando elementos de estudos para diversas áreas do conhecimento como a Sociolinguística e a Etnolinguística e também, em especial, para a área da dialetologia que, conforme Sanches e Carvalho (2020), ocupa-se em estudar as variações da língua em um determinado espaço geográfico. Sanches e Carvalho (2020) relatam que a dialetologia é uma ciência que surgiu no final do século XIX com o objetivo de estudar os dialetos regionais, principalmente os rurais. É um ramo da linguística que identifica, descreve e situa os diferentes usos em que uma língua se diversifica conforme a sua distribuição espacial e sociocultural. Se pensarmos na língua portuguesa da maneira como a mesma é falada em todo território nacional, sabemos que apresenta diferentes variações regionais e dialetais, que são consideradas típicas para aquele determinado espaço e acabam até mesmo por caracterizá-lo. No entanto, no momento do processo de realização da análise fonológica, tal regionalidade precisa ser considerada, pois questões dialetais estão presentes na fala das pessoas e podem modificar a produção de alguns sons. Cagliari (2002) diz que o falante “não é um ser isolado linguisticamente, sua fala revelará infalivelmente a maneira como a comunidade a qual pertence usa a língua portuguesa, pelo menos com relação à maioria dos fatos.” (CAGLIARI, 2002, p.112) Mas não é apenas a diferença da regionalidade que se faz presente na fala das pessoas, o fator idade também traz considerações importantes no momento de um processo de análise fonológica. Cagliari (2002) relata que o “Português é um somatório de muitos subsistemas linguísticos caracterizando as diferentes línguas, ou os dialetos, falares.” (CAGLIARI, 2002, p. 114). Sanches e Oliveira (2020) realizaram uma pesquisa investigativa no estado brasileiro do Amapá com alguns moradores com o objetivo de identificar os processos fonológicos de substituição ou transformação em alguns sons específicos produzidos. 34 Esta pesquisa foi realizada em 10 localidades do estado do Amapá e a pesquisa contou com 40 participantes. Para controlar as variáveis do estudo, a condição de participação na pesquisa era: a) ter nascido no município; b) ser filho de pais nascidos na região; c) não ter morado em outro estado ou região por mais de um terço de sua vida; d) ter nível de instrução escolar variando de analfabeto ao ensino fundamental completo; e) possuir boas condições de saúde e de fonação. Os itens selecionados para investigação fonética seguiram critérios previamente determinados e foram os seguintes: assobio, passagem, homem, clara, planta, placa, bicicleta, arroz, três, giz, caspa, paz, prateleira, caixa, tesoura, manteiga, peixe, ouvido, elefante, hóspede e muito. O resultado da pesquisa indicou os processos fonológicos que serão apresentados na tabela a seguir: Processos fonológicos Fenômenos Item fonético Nº de ocorrência Degeneração: troca do fonema /b/ pelo fonema /v/ Assobio - assovio 11 Desnasalação: transformação de fonema nasal em um fonema oral Passagem – passagi 35 Ditongação: transformação de uma vogal ou hiato em ditongo Arroz – arroiz 32 Monotongação: transformação ou redução de um ditongo em uma vogal Prateleira – pratelera 26 Metafonia: alteração do timbre ou da altura da vogal Elefante - elefanti 36 Nasalação: troca de um fonema oral por um fonema nasal Muito - muintu 28 Fonte: Sanches e Oliveira (2020). O estudo realizado pelas pesquisadoras mostrou que nas falas analisadas há presença de processos fonológicos na fala das pessoas dessa 35 região que caracterizam a regionalidade e as questões referentes ao dialeto da localidade. Saiba Mais Foram apresentados acima apenas alguns elementos da pesquisa realizada por Sanches e Oliveira (2020) que trata dos “Processos fonológicos por substituição ou transformação na fala de amapaenses: uma abordagem geossociolinguística”. Vale a pena consultar o estudo na íntegra, pois ele apresenta considerações importantes sobre os processos dialetógicos. Consulte o link abaixo: http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/index.php/Revista/art icle/view/1816. 3.4 Teorias e métodos da análise fonológica O processo de análise fonológica é realizado com o objetivo de identificar, na produção dos sons da fala, alguns possíveis processos fonológicos. Para que seja possível a realização da análise dos sons, é necessário ter uma amostra deles para que tal tarefa possa ser realizada. Coletar e avaliar amostras de fala requer do avaliador um preparo e domínio sobre todas as etapas que deverão ser seguidas para que o trabalho possa ser realizado com precisão. Portanto, faz-se necessário que ele conheça os instrumentos de avaliação que serão utilizados, bem como os procedimentos que precisarão ser adotados para a coleta de dados. Lima (2011), ao relatar os procedimentos para a realização de uma avaliação fonológica, indica que ele deve estar organizado com as seguintes etapas: a) História do caso, no qual devem constar informações clínicas e sociofamiliares; b) Observação atenta durante a entrevista; c) Entrevista com familiares; d) Coleta de dados relativos ao contexto escolar; 36 e) Provas ouatividades que, de forma direta ou indireta, se orientam para a análise de padrões de realização linguística. A análise fonológica tem o objetivo de investigar a língua falada e identificar possíveis processos fonológicos existentes, mas ter o conhecimento sobre o todo investigado também se faz necessário. Para a realização da coleta dos dados fonológicos sugere-se que a entrevista seja gravada em vídeo para que análises detalhadas possam ser executadas. O processo de análise fonológica, ou seja, de avaliação sobre a maneira como os sons da fala são produzidos e as inconsistências que ele apresenta, exige do avaliador a escolha de um método adequado que possa lhe dar as informações necessárias. Lima (2011) sugere que alguns critérios sejam observados pelo avaliador no momento da escolha do modelo de referência para a realização da análise fonológica: a) O modelo deve permitir analisar não apenas os padrões de fala, mas também do conjunto de aptidões que traduzem o verdadeiro domínio da linguagem, as capacidades de competência linguística, cognitiva e interacional ou comunicativa; b) As modalidades auditivo-orais devem ser prioritariamente avaliadas; c) Deve ser em primeiro lugar, posta a hipótese de causalidade remetente para aspectos anatômicos e fisiológicos inerentes à atividade verbal; d) Devem ser estabelecidas relações entre o comportamento linguístico observável e o funcionamento interno ou dado de caráter cognitivo do sujeito como possíveis fatores determinantes. Na sequência, a tabela apresentará as etapas de análise fonológica com base nos estudos apresentados por Cagliari (2002), que orienta que as etapas sejam rigorosamente seguidas na ordem em que serão apresentadas. 37 Etapas de análise fonológica Etapas Procedimentos 1 O corpus São os dados fonéticos da fala que devem ser coletados através da transcrição fonética detalhada e cuidadosa. Pode ser constituído de palavras (50 palavras), frases ou textos. 2 Tabela fonética Realizar um levantamento de todas as palavras, frases ou textos falados e dispor os mesmos em forma de tabela fonética. 3 Os pares suspeitos Com as informações na tabela fonética, identificam-se os pares de sons foneticamente semelhantes circulando- os para posterior investigação. Alguns sons não serão circulados e precisarão ser analisados posteriormente por serem muito diferentes dos demais. 4 Os pares mínimos Nessa etapa, procuram-se para cada par suspeito, os pares mínimos encontráveis no corpus. Todo par mínimo estabelece o valor de dois fonemas, os quais começam a formar outra tabela: Tabela dos Fonemas. 5 Os ambientes análogos Para os casos suspeitos não resolvidos através de pares mínimos, recorre-se aos ambientes análogos, para verificar se são fonemas ou não. Este passo poderá ser realizado somente se os demais passos estiverem resolvidos. 6 A distribuição complementar Verificar se ocorre ou não distribuição complementar e isso é possível através das tabelas especiais de ocorrências dos sons foneticamente semelhantes. 7 Outros tipos de variações Comparar os dados do corpus, verificar se há outros tipos de variação nos sons 8 Os sons restantes Verificar os sons que ficaram isolados na Tabela Fonética e que não participaram da discussão fonológica com outros sons. Se não houver motivos para duvidar, eles são fonemas independentes. 9 O inventário de fonemas O inventário de Fonemas na Tabela de Fonemas estará completo e os processos fonológicos de distribuição dos fonemas já devem ser conhecidos. Fonte: Cagliari (2002). 38 Com a apresentação do modelo de análise fonológica elaborado por Cagliari (2002) percebemos a complexidade da realização do processo e a importância que tal análise tem para a identificação de possíveis processos fonológicos. Tal ação se faz importante a fim de que, se identificado o problema, o mesmo possa ser resolvido. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Para ampliar seu conhecimento sobre os processos de análise fonológica, indica-se a leitura do material produzido pela linguística Luiz Carlos Cagliari “Análise Fonológica: introdução a teoria e a prática, com especial destaque ao modelo fonêmico. Para isso, acesse o link abaixo: https://edisciplinas.usp.br/plugi nfile.php/3352068/mod_resource/content/1/Luiz%20Carlos%20C agliari%20-%20An%C3%A1lise%20fonol%C3%B3gica.pdf Conclusão da aula 3 Esta aula apresentou em seu contexto a definição dos conceitos associados aos processos fonológicos e um pouco de sua classificação. Ainda sobre os processos fonológicos tivemos a oportunidade de conhecer alguns conceitos sobre os processos dialetógicos e a influência que eles podem exercer na maneira de falar de certa sociedade. E, finalmente, a aula apresentou de maneira breve alguns conceitos associados às teorias e aos métodos que podem ser utilizados para a realização de avaliações da fala. Atividade de Aprendizagem A aula apresentou conceitos sobre as questões referentes ao dialeto das pessoas e a maneira como ele pode influenciar na maneira de falar das pessoas. Pesquise sobre a maneira como a escola pode encaminhar esse processo de aprendizagem quando tem alunos com marcas de dialeto na fala e que não são característica da turma. 39 Aula 4 – Modelos fonético-fonológicos para descrição de línguas de sinais Apresentação da aula 4 Olá! Seja bem-vindo a quarta aula da disciplina de Fonética e Fonologia da Libras. Nela você conhecerá elementos importantes associados aos modelos fonético-fonológicos para a descrição de línguas de sinais, bem como questões relacionadas às variações linguísticas da língua brasileira de sinais (libras) A disciplina de Fonética e Fonologia da Libras apresentou até o momento conceitos relacionados ao estudo da linguagem na perspectiva da oralidade, mas chegou o momento de conhecer as particularidades associadas à linguagem de sinais. No primeiro momento, serão apresentados alguns conceitos gerais sobre a língua de sinais e, em especial, sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Na sequência, a aula abordará alguns conceitos relacionados à organização fonológica das línguas de sinais. Serão apresentados os elementos do corpo que são utilizados para a produção dos sinais e consequentemente, para o estabelecimento da comunicação entre os surdos. E, finalmente, a aula apresentará algumas informações com relação à variedade linguística existente na língua de sinais. É importante realizar uma leitura atenta de todos os elementos apresentados a fim de que eles possam contribuir para a ampliação dos seus conhecimentos sobre a Fonética e Fonologia em Libras. 4.1 Aspectos linguísticos e culturais da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) A surdez é um quadro orgânico que é caracterizado por perdas na capacidade auditiva, de forma parcial ou total, e que se refletem no desenvolvimento da linguagem oral inviabilizando a comunicação e interação entre as pessoas dessa maneira. No entanto, é importante sabermos que a linguagem que utilizamos para nos comunicar é simbólica, ou seja, é constituída por meio de signos que desempenham o papel de representar a realidade, e que a comunicação oral é 40 apenas uma das maneiras de interação que as pessoas podem utilizar, pois, conforme Fernandes (2007), a comunicação também pode ocorrer por meio de gestos, desenhos, símbolos, sons, ícones, cores e sinais, como é o caso da comunicação das pessoas com surdez. Diferente da linguagem oral que utiliza o canal oral-auditivo para se constituir, a língua de sinais tem características viso-espacial, ou seja, precisa da “visão para sua apropriação, e de elementos corporais, faciais, organizados em movimentos no espaço, para constituir unidades de sentido: as palavras, ou como se referem os surdos, os sinais” (FERNANDES,2007, p.95). Língua de sinais Fonte: https://br.pinterest.com/pin/40462096639346178/ Vários equívocos sobre o entendimento da língua de sinais foram produzidos ao longo dos tempos por pessoas que desconheciam a organização do sistema. A Universidade Luterana do Brasil (2009) apresenta alguns equívocos de concepções que já foram pensados e que serão apresentados no quadro abaixo: Concepções equivocadas sobre a língua de sinais • A língua de sinais é uma mímica incapaz de expressar conceitos abstratos; 41 • Existe uma única língua de sinais que é universal e usada por todas as pessoas surdas; • Há uma falta de organização gramatical nas línguas de sinais, sendo elas línguas improvisadas, sem estrutura própria, subordinadas e inferiores às línguas orais; • É um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e linguisticamente inferiores ao sistema de comunicação oral; • Derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes; • Seriam línguas do hemisfério direito do cérebro, pelo fato de ser esse o hemisfério responsável pelo processamento de informação espacial, não se constituindo, portanto, em um legítimo sistema linguístico. Fonte: Universidade Luterana do Brasil (2009). Diversas pesquisas já foram realizadas e ainda estão em execução e todas contribuem para o processo de desmistificação dos pensamentos apresentados acima. Os estudos realizados pela Ciência mostram que as línguas de sinais são: sistemas linguísticos transmitidos de geração para geração de pessoas surdas, sem origem nas línguas orais, mas como uma necessidade natural de comunicação entre as pessoas que não utilizam o canal oral- auditivo. (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL, 2009, p. 19). Assim como na linguagem oral em que cada país tem a sua própria língua, o seu próprio idioma, a língua de sinais não apresenta características universais, ou seja, cada país tem a sua língua de sinais constituída. Então, se uma pessoa surda, que se utiliza da língua de sinais, precisar se comunicar com uma pessoa surda de outro país, deverá aprender a língua de sinais desse país assim como ocorre com os ouvintes que utilizam a língua oral. Com relação à estrutura e organização, a Universidade Luterana do Brasil (2009) mostra que as línguas de sinais possuem um sistema de gramática própria com regras específicas para a produção dos sinais em todos os níveis: fonológico, morfológico e sintático. 42 Já com relação ao vocabulário de sinais, isso é constituído por palavras que mantêm uma relação de arbitrariedade com a realidade. Sobre essa relação arbitrária com a realidade que alguns sinais estabelecem, Fernandes (2004) fala que: o que ocorre é que, dada a sua modalidade visual-espacial, há uma tendência em se buscar relação com aspectos da realidade para constituir seu sistema de representação, o que faz com haja motivação icônica em alguns sinais” (FERNANDES, 2004, p. 98). A imagem abaixo traz um exemplo de representação de sinal (casa) com as características arbitrárias mencionadas por Fernandes (2004) que se aproximam da realidade do objeto. REPRESENTAÇÃO EM LIBRAS PARA CASA Fonte: https://catracalivre.com.br/educacao/aprender-libras-online-gratis/ Fernandes (2007) fala que Libras é a sigla utilizada para a definição da língua brasileira de sinais que expressa os elementos culturais da comunidade surda. A língua brasileira de sinais (Libras) foi oficializada em todo território nacional como língua oficial da comunidade surda através da Lei Federal nº 10.436/2002 conforme a descrição abaixo: 43 LEI Nº 10.436, DE 24 ABRIL DE 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10436.htm A partir do reconhecimento oficial da língua brasileira de sinais (Libras), estudos sobre a sua constituição e organização passaram a ser ampliados, bem como questões didáticas sobre o ensino dela. A seguir, serão apresentados conceitos específicos sobre o sistema linguístico das línguas de sinais o qual é um dos objetivos dessa aula. 4.2 Organização fonológica das línguas de sinais A língua de sinais possui um sistema linguístico próprio e completamente diferente do sistema da língua portuguesa e precisa também ser estudado pela linguística. Xavier (2006) diz que apesar das diferenças da modalidade de realização e de percepção, a língua de sinais apresenta algumas semelhanças com as línguas orais, principalmente com relação à sua organização estrutural. Dito de outra forma, a língua de sinais, assim como a língua oral, é também constituída de partes. A língua de sinais não deve ser pensada simplesmente como figuras desenhadas no ar com o uso das mãos, mas sim, “como símbolos complexos e 44 abstratos que podem ser analisados em elementos menores” (XAVIER, 2006, p.10). Assim como a língua oral, a língua de sinais apresenta complexidade estrutural, como mostra Fernandes (2007), com organização em todos os níveis gramaticais, e tem o mesmo objetivo da língua oral: transmitir uma informação e servir como elemento de comunicação. Xavier (2006) e Fernandes (2007) mostram que a língua de sinais é constituída de quatro parâmetros independentes que serão apresentados na tabela a seguir: Parâmetros da língua de sinais 1 Localização Lugar no corpo ou no espaço em frente ao corpo em que o sinal é produzido. 2 Configuração da mão A forma ou estado dos dedos que a mão apresenta quando da realização de um sinal. 3 Movimento Maneira como a mão se move ao longo da articulação de um sinal 4 Movimento da mão Orientação da posição da palma da mão. Fonte: Xavier (2006), Fernandes (2007). Com base nas explicações de Xavier (2006) e Fernandes (2007), serão apresentadas características de cada um desses parâmetros da língua de sinais: a) Localização – lugar no corpo ou no espaço em frente ao corpo em que o sinal é produzido. É a área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados. Alguns pontos são mais precisos como a ponta do nariz e outros são mais abrangentes, como a frente do tórax. b) Configuração da mão – é a forma ou estado dos dedos que a mão apresenta quando realiza um sinal. A língua brasileira de sinais (LIBRAS) apresenta um total de 46 configurações de mão que pode permanecer a mesma durante a articulação de um sinal ou pode passar de uma configuração para outra. 45 Configuração de mão Fonte: http://charles-libras.blogspot.com/2014/10/ c) Movimento - Maneira como a mão se move ao longo da articulação de um sinal. Para que ocorra um movimento é necessário que exista um objeto e um espaço. Na língua de sinais a mão do enunciador representa o objeto e o espaço é a área em torno do corpo do enunciador. O movimento é definido como um parâmetro que pode envolveruma vasta rede de formas e direções, desde movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e os movimentos direcionais do braço. d) Movimento da mão – é a direção para a qual a palma da mão aponta na produção de um sinal que pode ser: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita ou para a esquerda. O processo de produção da escrita na língua oral acontece a partir da combinação dos grafemas (letras) com os fonemas (sons). A língua oral possui 46 26 grafemas que, combinados com os fonemas, possibilitam a escrita de qualquer palavra. Tal processo também ocorre com a língua de sinais, no entanto, no lugar dos grafemas e fonemas são utilizados os parâmetros acima mencionados na Tabela 7. A combinação desses parâmetros também permite a produção de sinais com significados nessa língua. Sobre esse processo de combinação de parâmetros, Xavier (2006) diz que existe: um número finito de valores diferentes que cada uma dessas quatro categorias pode assumir e que esses valores, tal como ocorre nas línguas faladas, podem se recombinar, ou seja, podem reaparecer na constituição de outros itens lexicais. (XAVIER, 2006, p. 11) Xavier (2006) relata que os quatro parâmetros apresentados (localização, configuração da mão, movimento e movimento da mão) são essenciais para a articulação e produção de um sinal e eles desempenham a mesma função que os fonemas executam nas línguas orais. Ví deo Para ampliar seu conhecimento sobre Fonética e Fonologia em Libras, faço um convite para assistir ao vídeo produzido pelo professor André Xavier que traz a discussão sobre os aspectos da fonética e da fonologia na língua de sinais. Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=5aPGHLpMBcs Com relação ao campo de estudo da língua de sinais, elementos que são investigados nas línguas orais também são estudados na língua de sinais. A fonética, por exemplo, nas línguas orais tem como objeto de estudo a articulação dos sons produzidos pela fala. Já na língua de sinais, o objeto de estudo da fonética é a articulação dos sinais “tomando os braços, as mãos, os dedos como um conjunto complexo de articuladores” (MÁXIMO, 2016, p.26). Tais articulares possibilitam a articulação e produção de qualquer sinal o que demonstra que o campo de investigação da fonética na língua de sinais é tão vasto quanto nas línguas orais. 47 No entanto, no processo de articulação das línguas orais os fonemas são pronunciados de maneira sequencial e, na língua de sinais, os parâmetros acontecessem de maneira simultânea e esse fato então acaba diferenciando a língua oral da língua de sinais. 4.3 Variação linguística na Libras Todos os brasileiros, falantes da língua portuguesa, sabem que o idioma falado em todo território nacional possui uma grande diversidade. A maneira de falar, a velocidade empregada no ato da fala indica a região de origem da pessoa. Ao ouvirmos uma pessoa nascida no estado do Rio Grande do Sul e uma pessoa nascida no estado da Bahia, identificamos facilmente que são pessoas falantes da língua portuguesa, porém oriundas de regiões diferentes. Esse fato comprova que a língua portuguesa é uma unidade que se constitui de muitas variedades e, portanto, dizer que todos os brasileiros falam o mesmo português é uma inverdade assim como dizer que todos os surdos usam a mesma língua de sinais em todo território nacional. Gesser (2009) diz que “afirmar essa unidade é negar a variedade das línguas, quando de fato nenhuma língua é uniforme, homogênea” (GESSER, 2009, p. 39). Mas antes de iniciarmos o estudo sobre a variação linguística em libras, convém inicialmente entendermos o significado do termo. Conforme a Universidade Luterana do Brasil (2009), a variação linguística diz respeito “as mudanças que ocorrem no uso da língua em relação ao espaço, ao tempo e à situação de comunicação” (UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL, 2009, p. 93). Tais variações não ocorrem apenas no modo de falar ou no “sotaque” que é empregado, mas também nos níveis fonológicos (na pronúncia das palavras), nos níveis morfológicos (na formação de novas palavras a partir de um morfema), no nível sintático ( nas sentenças formadas) e no nível lexical (o uso de palavras diferentes para se referir a mesma coisa). Gesser (2009) diz que o processo de variação linguística de um idioma também está relacionado com fatores sociais de idade, de gênero, de raça, de cultura, de educação, de profissão e de situação geográfica. Em uma mesma cidade podemos ter variação linguística, pois pessoas que moram, por exemplo, 48 na zona rural, falam de maneira diferente das pessoas que moram na zona urbana. Independentemente da quantidade de fatores que possam estar associados às questões de variedade linguística de uma língua, é importante sabermos que não existe uma variedade melhor que a outra ou uma mais correta que a outra ou, então, que um tipo de variedade possa ser considerado superior ou inferior a outro. Na verdade, a língua tem o objetivo de realizar os processos de comunicação entre as pessoas e quando isso ocorre, o seu objetivo foi atingido. Assim ocorre também com a língua de sinais, a variedade linguística também está presente na língua de sinais em decorrência de fatores relacionados à regionalidade, a fatores sociais e a fatores históricos. Saiba Mais É importante aprofundar os estudos sobre a Variação Linguística em Libras e, portanto, indica-se a leitura do artigo “TEORIA FONOLÓGICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA APLICADAS A LIBRAS” produzidas por Luiz Antonio Zancanaro Junior e Teresinha de Moraes Brenner que é um trabalho que desenvolve uma revisão bibliográfica baseada em dois eixos: princípios estruturalistas e variação linguística, com aplicação na língua de sinais. Consulte o artigo no link abaixo: https://www.researchgate.net/p ublication/335719479_TEORIA_FONOLOGICA_E_VARIACAO_L INGUISTICA_APLICADAS_A_LIBRAS Todas as pessoas que utilizam a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) conseguem se comunicar independente da região do país em que vivem. Haverá em uma determinada região diferença na produção e execução de determinados sinais e isso se deve à grande variedade linguística também presente na língua de sinais. A língua não é única, não é homogênea e a variedade linguística na Libras pode estar associada à questão da idade, da escolaridade ou, então um maior ou menor contato com uma pessoa surda. Portanto, após conhecermos um pouco sobre a fonética e a fonologia da língua de sinais entendemos que a tal língua tem características semelhantes à 49 língua oral em sua organização, mas tem suas especificidades e características únicas que devem ser conhecidas pelos profissionais da educação. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Libras, que Língua É Essa? É uma obra produzida por Audrei Gesser. O leitor encontrará aqui um ponto de partida para repensar algumas crenças, práticas e posturas à luz das transformações que marcam a área da surdez na atualidade. O que se espera é poder chegar a um novo olhar, a uma nova forma de narrar a(s) realidade(s) surda(s). Conclusão da aula 4 No primeiro momento esta aula apresentou alguns conceitos gerais sobre a língua de sinais e, em especial, sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Na sequência, a aula abordou alguns conceitos relacionados à organização fonológica das línguas de sinais e os elementos que são utilizados para a realização da comunicação pelos surdos. Para finalizar a aula, foram discutidas questões sobre a variedade linguística existente na língua de sinais. Atividade de Aprendizagem Leia novamente o conteúdo da aula e elabore um resumo dos elementos mais importantes que foram apresentados na aula. Na sequência, realize uma pesquisa sobre a variedade linguística na língua brasileira de
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