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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 3 – INTERMEDIÁRIA: MECANISMO DE AÇÃO DOS FÁRMACOS USADOS NO MANEJO DA ARTRITE REUMATOIDE: A descoberta de fármacos capazes de impedir ou frear o avanço da doença é de grade relevância para quadros como a artrite reumatoide, pois eles favorecem o aumento do tempo de sobrevida e a elevação da qualidade de vida por esses pacientes. O efeito dos chamados medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) se manifesta de forma variada, tão breve quanto em 2 semanas, ou de forma retardada, após 6 meses de tratamento. A terapia com MMCD abrange compostos sintéticos, como metotrexato, azatioprina, cloroquina ou hidroxicloroquina, ciclofosfamida, ciclosporina, leflunomida, micofenolato de mofetila, sulfassalazina e o tofacitinibe (que é comercializado como um MMCDbio), todos pequenos compostos moleculares, e fármacos biológicos, representados por grandes proteínas formadas por tecnologias de manipulação do DNA recombinante. Nessa última categoria, ainda é possível descrever medicamentos de ação anti-TNF e aqueles não anti-TNF. Dessa forma, quanto ao mecanismo de ação, é possível segmentar os MMCD em: MMCD sintéticos: o Metotrexato (MTX): é utilizado em até 70% dos pacientes com AR, considerado como o fármaco de 1ª linha para essa doença, apresentando no entanto, potencial para ser aplicado em outras doenças, como o LES, vasculites e polimiosites. Sua ação ocorre principalmente pela inibição da aminoimidazolcarboxamida ribonucleotídeo (AICAR) transformilase, que se deposita no interior das células, causando acúmulo de AMP que, ao ser liberado pela célula, pode ser convertido em adenosina, com ampla capacidade de supressão inflamatória de leucócitos. Mecanismos de ação do metotrexato e seu impacto para os processos da AR Outro possível mecanismo de ação do MTX é o antagonismo ao ácido fólico, que leva a inibição da síntese de citocinas e de purina, gerando finalmente o efeito imunossupressor e anti-inflamatório esperado. Os principais efeitos colaterais desse medicamento são ulcerações em mucosas e náuseas, porém também podem ser observadas manifestações decorrentes da inibição da proliferação celular, como alopecia, alterações no hemograma e lesões gástricas. o Leflunomida (LEF): esse fármaco é rapidamente convertido em A77- 1726, seu metabólito ativo, responsável por inibir o di- hidrorotato-desidrogenase, responsável pela síntese de ribonucleotídeos, interrompendo a proliferação celular ainda na fase G1. Todo esse processo gera depleção no número de linfócitos T e uma redução na produção de autoanticorpos. Nota-se também Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO diminuição na ativação de fatores dependentes do TNF- α. Mecanismo de ação da leflunomida O uso da LEF é tão efetivo quanto o MTX para a prevenção da degradação óssea, porém alguns possíveis efeitos colaterais decorrentes dessa terapia incluem diarreia, elevação em enzimas de função hepática, ambos dose- dependentes, alopecia leve, aumento da PA e ganho de peso, sendo raras as alterações hematológicas. o Sulfassalazina: esse medicamento é decomposto em ácido5- aminossalicílico e sulfapiridina, princípio ativo que atua na supressão de células T e na inibição da secreção de citocinas pró- inflamatórias produzidas por macrófagos (IL-1, IL-6 e TNF-α). Mecanismo de ação da sulfassalazina e seus dois metabólitos Os efeitos colaterais mais comuns são cefaleia, exantemas e náusea, podendo também ocorrer infertilidade masculina reversível e anemia hemolítica, de forma menos frequente. Pode estar associada ao desenvolvimento de lúpus induzido por fármaco. o Azatioprina: sua ação se dá a partir da 6-tioguanina, metabólito principal desse fármaco que, ao se ligar como nucleotídeo falso ao DNA, é capaz de suprimir a função linfocitária B e T, além de cessar a secreção de IL-2 e a produção de ácido inosínico (um componente de nucleotídeos). Mecanismo de ação da azatioprina, que se transforma num falso nucleotídeo para inativar a ação enzimática de Rac 1, inibindo a ativação linfocitária Além do emprego na artrite reumatoide, a azatioptina pode ser utilizada na prevenção de rejeição a transplantes renais, juntamente a outros imunossupressores, e também no manejo do lúpus eritematoso sistêmico (LES). A supressão da medula óssea é um dos mais importantes efeitos adversos da terapia com esse medicamento, que também pode contar com alterações no funcionamento gastrintestinal e em ligeiro aumento no risco de infecções e linfomas. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Local de ação de alguns dos principais imunossupressores associados à artrite reumatoide (destacados por um retângulo) o Hidroxicloroquina: é usada no tratamento da malária, além de atuarem no controle da AR leve e do LES. O mecanismo de ação desse composto ainda é desconhecido, porém são propostas a inibição de linfócitos T a mitógenos (impede a replicação celular), a supressão da quimiossíntese leucocitária, e a captação de EROS pela célula. A hidroxicloroquina não é um MMCD efetivo, sendo prescrita em associações, com respostas terapêuticas surgindo apenas após 3 a 6 meses do tratamento. Há uma predileção significativa para ligações entre a hidroxicloroquina e o tecido pigmentado da retina, o que pode causar manifestações oculares irreversíveis, justificando acompanhamentos anuais. Maculopatia em olho de boi, desfecho possível em pacientes em uso crônico de hidroxicloroquina o Ciclofosfamida: esse MMCD age por meio da mostarda de fosforamida, que se liga de forma cruzada ao DNA, de forma a impedir a replicação celular. Há também relativa supressão na atividade de linfócitos T e B. Seu uso pode ser indicado em diversas condições reumáticas graves e em sintomas secundários. o Ciclosporina: ainda que esse composto seja um antibiótico peptídico, para o manejo da AR, ele se insere como um MMCD sintético, capaz de regular a produção de receptores para IL-1 e IL-2 (inibição da transcrição gênica), o que, por sua vez, leva à supressão da interação e responsividade de células T e de todas as estruturas imunes dela dependentes. Mecanismo de ação da ciclosporina para a inativação de linfócitos T O uso de ciclosporina no manejo da AR está associado ao retardo no desenvolvimento de erosões ósseas, com resultados que indicam a aplicabilidade em outros quadros reumáticos. São esperados, como efeitos colaterais, trombocitopenia, leucopenia e, menos frequentemente, anemia, porém a administração crônica desse medicamento pode Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO estar também associada à esterilidade feminina. o Micofenolato de mofetila (MMF): a atividade desse composto é determinada por sua conversão a ácido micofenólico, capaz de suprimir a inosina monofosfato desidrogenase, o que inibe linfócitos T e B, de forma semelhante à azatioprina. Outra ação desse fármaco é a alteração dos processos de adesão leucocitária no endotélio, com a inativação de selectinas. Mecanismo de ação do micofenolato de mofetila, evidenciando sua semelhança com a azatiroprina, ambos antimetabólitos A maior incidência de efeitos colaterais associados ao MMF tem cunho gastrintestinal, como náusea, diarreia e dor abdominal, porém também é observado risco aumentado para infecções. o Tofacitinibe: esse composto age por meio da inibição seletiva de moléculas associadas à via JAK- cinase, principalmente da JAK3 e JAK1, o que resulta em supressão da atividade da via JAK-STAT, ativada por receptores de cadeia γ (comum a diversas citocinas pró-inflamatórias) crucial para a produçãode genes de diferenciação de linfócitos T e B, e de células NK. Sua administração está relacionada à uma rápida redução dos níveis de PCR. Representação da via JAK-STAT. O tofacitinibe age impedindo a conexão entre o TNF-α e seu receptor, inibindo a transdução gênica Tal fármaco é empregado como parte do tratamento de 3ª etapa para a AR, ainda que tenha sido inicialmente desenvolvido para minimizar reações de rejeição a órgãos transplantados. Seus efeitos colaterais abrangem o aumento da vulnerabilidade a infecções (normalmente de vias aéreas superiores e do trato urinário), além da possibilidade de desenvolvimento de linfomas e câncer de pulmão e mama. Pode haver elevação laboratorial da concentração sérica de lipídeos. MMCDbio não-TNF: o Abatacepte: a ação desse mecanismo baseia-se na inibição das células T, de forma a regular a coestimulação de fatores imunes. Esse medicamento contém o ligante CTLA- 4, que se liga a receptores CD80 ou CD28 em células apresentadores de antígenos, afetando a ativação linfocitária. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Comparação entre a ativação regular de linfócitos T e a inibição mediada pelo abatacepte Esse composto pode ser utilizado tanto isoladamente quanto em associação com outros tipos de MMCD, principalmente em quadros moderados a graves de AR (2ª etapa terapêutica). Como efeitos colaterais, destaca-se o aumento de risco para infecções, principalmente em vias aéreas superiores (justificado a não recomendação de uso junto a outro modificador biológico), podendo também haver raras reações de hipersensibilidade e possibilidade de incidência maior de linfomas. Não devem ser administradas vacinas com vírus atenuados em pacientes em tratamento com abatacepte ou em até 3 meses após o término deste. o Rituximabe: esse medicamento atua na degradação de linfócitos B CD20 por estimulação da apoptose e de ações citotóxicas mediadas pelo sistema complemento. Ao diminuir o número dessas estruturas, há diminuição da inflamação, uma vez que é interrompida a cadeia de ativação de linfócitos T e da secreção de citocinas. Mecanismo de ação do rituximabe sobre linfócitos B CD20 As indicações clínicas para o uso desse fármaco são casos ativos moderados a graves, como medicamento de terceira etapa em combinação com o MTX. Ao ser associado a glicocorticoides, é parte integrante do tratamento de vasculites e doenças granulomatosas. Dentre os efeitos colaterais destacam- se o exantema (comum no primeiro tratamento, é menos frequente nas próximas administrações), maior susceptibilidade a infecções e possível reativação do HBV. o Tocilizumabe: é um medicamento de 2ª linha para o tratamento de AR. Corresponde a um anticorpo humano que se liga a receptores de IL-6 na membrana, inibindo a síntese pró- inflamatória mediada por esse composto, o que atinge diretamente linfócitos T e as proteínas hepáticas que agem como marcadores de inflamação aguda. Ação inibitória de IL-6 mediada pelo tocilizumabe Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO A indicação desse composto será destinada a pacientes moderados ou graves, após falha terapêutica de 3 meses com medicamentos de 1ª linha, podendo ser utilizado individualmente ou em associação a MMCD sintéticos. A ocorrência de infecções graves, como a tuberculose, corresponde a um dos possíveis efeitos colaterais desse medicamento, que ainda conta com neutropenia, plaquetopenia e perfurações gastrintestinais em pacientes predispostos ao quadro. MMCDbio bloqueadores do TNF: o bloqueio direto do TNF-α tem papel central para a resposta imune, pois esse comporto modula a função celular pela ativação de receptores de membrana específicos, propagando o estado inflamatório. o Adalimumabe: é um anticorpo monoclonal tipo IgG de origem totalmente humana, formando complexos com o TNF-α, o que impede a interação deste com os receptores celulares p55 e p75, reduzindo assim a ativação de linfócitos e demais leucócitos. o Certolizumabe pegol: esse composto é um fragmento de anticorpo recombinante humano associado a um polietilenoglicol específico para o TNF-α. A inibição dessa citocina se dá diretamente sobre a membrana, uma vez que não consegue formar imunocomplexos. o Etanercepte: esse fármaco é formado por uma proteína de fusão recombinante formada por dois receptores de TNF associados à uma porção de um anticorpo IgG, tendo mecanismo de ação semelhante ao dos demais inibidores, ligando-se ao TNF-α membranar de forma competitiva. Sua associação ao MTX apresenta elevado poder retardante para a erosão óssea. o Golimumabe: esse anticorpo é capaz de eutralizar tanto TNF-α circulante quanto ligado à membrana celular, impedindo assim sua interação com receptores da célula, também reduzindo o efeito inflamatório desse composto. o Infiximabe: é um anticorpo monoclonal quimérico, ou seja, resultado da interação entre proteínas humanas e de outros animais. A interação com o TNF-α circulante é de alta afinidade, tendo mecanismo de ação similar ao dos demais compostos citados anteriormente. Esse medicamento pode ser empregado juntamente ao MTX em terapias de 2ª etapa, porém sua administração isolada não é recomendada, dada a probabilidade de desenvolvimento de anticorpos anti-infliximabe, o que diminui sua eficácia. Interferência dos inibidores no processo de sinalização do TNF-α (exemplificado pelo adalizumabe) De modo geral, todos inibidores de TNF-α possuem risco para o desenvolvimento de efeitos colaterais graves, dado seu importante papel imunomodulador. Há maior propensão para o desenvolvimento de tuberculose (primoinfecção ou reativação), além de poderem favorecer a ocorrência de câncer de pele, alopecia e hipertricose. Úlceras gastrintestinais também podem Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO surgir em pacientes com propensão prévia, inclusive com perfuração do apêndice ou de divertículos. Os corticosteroides, de ação inicialmente associada apenas a alterações adrenais, também têm papel fundamental na terapia da AR, ligando-se a receptores glicocorticoides em todo o organismo. Após essa interação, o complexo hormônio- receptor atua como um fator modulador de transcrição gênica, apresentando certa latência para a expressão de seus efeitos. Representação da ação celular geral dos corticosteroides Todos os fármacos glicocorticoides atualmente usados na prática médica são derivados sintéticos do cortisol, emulando seus efeitos endógenos, sendo relevante, do ponto de vista reumatológico, a ação anti- inflamatória e imunossupressora. Tais efeitos são fruto dos seguintes processos: Diminuição da concentração de leucócitos e linfócitos (realocados para tecidos linfoides); Redução da capacidade de resposta celular a antígenos; Inibição da fosfolipase A2, percussora do ácido araquidônico e de prostaglandinas; Supressão da liberação de histaminas por basófilos e mastócitos; Diminuição da produção e secreção de citocinas pró-inflamatórias. No tratamento da artrite reumatoide, a indicação de glicocorticoides como a prednisona (ativa por meio do metabólito prednisolona), é realizada a qualquer momento da doença, com efeitos de rápido desenvolvimento, podendo atuar como um “estepe” até o início da resposta por MMCD. O uso de prednisona de liberação tardia pode auxiliar a controlar as crises de rigidez matinal típicas da AR, utilizando a liberação em pequenos pulsos como estratégia para diminuir o infiltrado inflamatório. Contraposição entre o tempo de duração dos efeitos terapêuticos e o potencial de retenção hídrica de glicocorticoides, com destaque para a prednisonae prednisolona (retângulo) Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO O uso de corticosteroides de forma crônica pode causar diversos efeitos colaterais, em sua maioria dose-dependentes (comuns até em aplicações recomendadas de 7,5mg/dia). A osteoporose é a manifestação mais comum, dada a inibição da absorção intestinal de Ca2+, o que justifica a necessidade de suplementação dos pacientes com vitamina D e cálcio. Alguns outros desfechos comuns são a catarata, em exposições de longa duração, a hiperglicemia (necessidade de monitoração em pacientes diabéticos) e a atrofia e equimose da pele, quando empregadas preparações tópicas. Principais efeitos colaterais associados ao uso de corticosteroides
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