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A expansão árabe na África e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai (sécs VII-XVI) _ Idade Média - Prof Dr Ricardo da Costa

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03/04/2021 A expansão árabe na África e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) | Idade Média - Prof. Dr. Ricardo da Costa
https://www.ricardocosta.com/artigo/expansao-arabe-na-africa-e-os-imperios-negros-de-gana-mali-e-songai-secs-vii-xvi 1/58
Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso, 
Louvado seja Deus, Senhor do Universo, 
O Clemente, o Misericordioso, 
Soberano do Dia do Juízo. 
Só a Ti adoramos e só de Ti imploramos ajuda! 
Guia-nos à senda reta, 
À senda dos que agraciaste, não à dos abominados, nem à dos extraviados. 
Alcorão, A Abertura, 1ª Surata.
Imagens 1 e 2. Berbere do norte da África e sua casa
A expansão árabe na África e os Impérios
Negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-
XVI)
Ricardo da COSTA (mailto:ricardo@ricardocosta.com)
In: História Afro-brasileira
(ISBN 85-88909-20-0 - módulo I).
In: NISHIKAWA, Taise Ferreira da Conceição. História Medieval: História II.
São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 34-53
(ISBN 978-85-88639-90-4)
(para o curso de Educação à Distância da Unopar Virtual
(http://www.unoparvirtual.com.br/)).
mailto:ricardo@ricardocosta.com
http://www.unoparvirtual.com.br/
03/04/2021 A expansão árabe na África e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) | Idade Média - Prof. Dr. Ricardo da Costa
https://www.ricardocosta.com/artigo/expansao-arabe-na-africa-e-os-imperios-negros-de-gana-mali-e-songai-secs-vii-xvi 2/58
 
I. A expansão militar islâmica
Existem muitos fatores que contribuíram para a incrível expansão árabe do
século VII que partiu da Península Arábica em direção ao Magreb – que quer
dizer “ocidente” em árabe. A baixa produtividade do solo da Península e o
desejo de ter uma terra cultivável, somado a uma população em crescimento; o
enfraquecimentos dos reinos de Bizâncio e da Pérsia, que se encontravam
devastados pelas guerras e tinham suas províncias em franco processo de
declínio (o imperador bizantino Heráclio [610-641] assistiu impotente à perda
das províncias que havia recentemente conquistado) (ANGOLD, 2002: 50);
possíveis afinidades inter-étnicas (a Síria e a Mesopotâmia tinham tribos
árabes), e até o uso de camelos nas batalhas em campo aberto por parte dos
exércitos muçulmanos (HOURANI, 1994: 40).
Tudo isso pode ter contribuído para as sucessivas, rápidas e espantosas vitórias
da espada do Islã, mas definitivamente o motivo maior e mais poderoso nas
mentes de então foi a unidade política e principalmente espiritual promovida e
realizada por Maomé (570-632).
Logo após a morte do Profeta, em 634 a Península arábica foi definitivamente
unificada e os primeiros exércitos islâmicos foram enviados para o exterior.
Seus sucessores, os primeiros califas rashidun(os “califas corretamente
orientados”) (HOURANI, 1994: 459) – a palavra califa significa “representante”
– foram os líderes militares que organizaram as bases pelas quais o império
pôde crescer.
Imagem 3. A Expansão do Islã
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In: Atlas Histórico. Barcelona: Editorial Marin, 1992, p. 44.
As tropas árabes que realizaram essa expansão tanto para o leste quanto para o
oeste eram disciplinadas e coesas. Definitivamente não eram bárbaras. Conta a
tradição que Abu Bakr (623-624), o primeiro califa, sogro de Maomé, teria dito
às suas tropas:
Sede justos, sede valentes; morrei antes de render-vos; sede piedosos; não mateis nem
velhos, nem mulheres, nem crianças; não destruais árvores frutíferas, cereais ou gado.
Mantende vossa palavra, mesmo aos vossos inimigos; não molesteis as pessoas religiosas
que vivem retiradas do mundo, mas compeli o resto do mundo a se tornar muçulmano
ou nos pagar tributo. Se eles recusarem estes termos, matai-os. 
(citado em DURANT, s/d: 171).
Assim, enquanto Khalid ibn al-Walid, general supremo de Abu Bakr,
conquistava o Iraque e Damasco ao norte, o comandante Amr ibn al-As, outro
recém-convertido e veterano das guerras sírias, partiu de Gaza, tomou Pelúsio,
Mênfis e, finalmente, Alexandria, após um sítio de vinte e três meses, em 641. O
trigo do Egito era muito necessário para Medina, e o porto de Alexandria
oferecia um ponto seguro para a expansão marítima islâmica (PREVITÉ-
ORTON, 1976: 337).
Os cristãos monofisistas do Egito (que acreditavam em uma só natureza do
Cristo), cansados das perseguições religiosas de Bizâncio, receberam os
muçulmanos de braços abertos – de maneira semelhante como as comunidades
judaicas na Península Ibérica fariam em 711. A propósito, a estória que Amr ibn
al-As teria ordenado a destruição da Biblioteca de Alexandria é considerada
hoje uma versão completamente destituída de fundamento (LEWIS, 1990: 63).
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Amr administrou muito bem o Egito. Apesar de ter governado com base em
duros tributos cobrados da população local, ele reparou canais e, a partir de seu
acampamento, construiu em 642 uma nova capital, de nome al-Fustat (que
significa “a tenda”): mais tarde ela se chamaria Cairo.
Imagem 4. Representação de Abu Bakr
 
De posse desse novo potentado, e preocupados com um possível ataque
bizantino vindo do ocidente, a partir de 647 os muçulmanos decidiram
prosseguir em seu assalto ao norte da África. Seguindo a costa africana,
partiram então para o oeste, liderados por Ibn Sad, emir do Egito. Um poderoso
e organizado exército marchou através do deserto até a cidade de Barka (Barca,
atualmente na Líbia), tomando-a de assalto em 643-644. Dali avançou
praticamente sem nenhuma resistência até as proximidades de Cartago, já na
Tripolitânia.
Ao sul da Túnis moderna (na Tunísia), o comandante Okba ibn Nafi construiu
um acampamento na areia, em 670, fundando assim uma das maiores cidades
do Islã bem no coração da África romana, Kairuan (Karouan ou Cairuão) – o
“lugar do descanso”, para sustar as contra-ofensivas dos bizantinos (observe a
característica do surgimento da cidade islâmica nessa expansão militar: ela, via
de regra, teve origem em um acampamento militar). Esse avanço até a
Tripolitânia e a fundação de Kairuan foram muito importantes para a expansão
do Islã. Dali, Okba fez incursões e massacres contra as tribos berberes, que se
refugiaram nas montanhas do Atlas.
Os berberes eram tribos nativas que viviam espalhadas por toda a África do
Norte. Segundo o cronista muçulmano Ibn Khaldun (c. 1332-1395), os berberes
eram quase totalmente nômades,
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...gentes que vivem em tendas e que viajam no lombo do camelo, e se instalam nas
alturas das montanhas (...) No deserto, a maioria da população mantém suas
genealogias, porque, de todos os laços que servem para vincular um povo, o de sangue é
o mais próximo e de maior força (...) 
Os povos que experimentam a influência desse sentimento preferem sempre a vida do
deserto à das cidades... 
BN JALDÚN, 1997: 633.
Imagem 5. Berbere tunisino em seu camelo
Imagem 6. Berberes tunisinos
 
Em 681, Okba atingiu o Atlântico, mas os berberes se esqueceram de sua
hostilidade secular contra aos romanos e decidiram combater esse novo
invasor. Sob as ordens do príncipe Koceila (Kossaila ou Kossayla), uma parte
dos berberes derrotou Okba ibn Nafi (683), saqueou Kairuan e fez o exército
árabe retroceder de volta para Barka. Contudo, outra parte dos berberes
abraçou o Islamismo, fato que enfraqueceu o exército de Koceila.
Este, recuando para Barka em 689, foi surpreendidoe massacrado por uma
força bizantina (PIRENNE, 1970: 136), e o exército árabe, por sua vez,
perseguido pelas forças berberes chefiadas por uma misteriosa e lendária
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rainha-sacerdotisa zenata de nome Kahina (ou Kahena), foi obrigado a retornar
derrotado de volta ao Egito – os zenatas ou zanagas eram uma etnia berbere
originária do sul do Marrocos (KI-ZERBO, s/d: 129).
Hasan, governador do Egito, decidiu contra-atacar: retomou a ofensiva,
reconstruiu Kairuan e apoderou-se definitivamente de Cartago, em 698. Os
cartagineses fugiram e a cidade antiga foi substituída por uma nova, ao fundo
do gloso: Túnis. Seu porto, Goulette, tornou-se a partir de então uma das
grandes bases navais islâmicas do Mediterrâneo.
Sim, a expansão islâmica também abrangia os mares: desde o califa Moawiah
(660) os muçulmanos dispunham de uma frota, e com ela também alargaram
seu poder e invadiram as ilhas de Chipre, Rodes, Creta e Sicília, além de
transformarem o porto de Cizico (Cyzicus), na Ásia Menor, em uma importante
base naval islâmica de onde passaram a assediar Constantinopla (PIRENNE,
1970: 134-135).
Imagem 7. A expansão islâmica por águas bizantinas
 
Assim, além do avanço para o oeste pelo norte da África – e simultaneamente a
ele – os muçulmanos se apoderam gradativamente de posições marítimas
chaves no Mediterrâneo. A resistência berbere foi desfeita e a rainha-
sacerdotisa Kahina teve a cabeça cortada e enviada como troféu ao califa no
Egito.
Imagem 8. Estátua em homenagem à rainha zenata Kahina
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II. A fragmentação do Norte da África em potentados
No final do século VII, os muçulmanos concretizaram definitivamente sua
expansão no norte da África. Na região mais setentrional, outro comandante
árabe, Mousa ibn Noçayr submeteu o Magreb (Marrocos) e impôs
definitivamente o Islamismo às tribos berberes. Com isso, a África ficou
dividida em três províncias:
1) O Egito, com sua capital em al-Fustat (próxima de Cairo); 
2) Ifriqiya (Tunísia), com sua capital em Kairuan e 
3) Magreb (Marrocos), com sua capital em Fez.
Durante cerca de cem anos, os emires dessas três províncias reconheceram os
califas do Oriente como seus soberanos. No entanto, devido às longas
distâncias e as dificuldades naturais de comunicação – que só aumentaram
com a transferência da capital do Império para Bagdá, essas províncias
gradativamente tornaram-se reinos independentes no século IX, cada um com
uma dinastia. Foram elas:
1) Dinastia tulunida (868-905), no Egito e na Síria;
2) Dinastia aglábida (800-909), em Kairuan (dominando a Tunísia, a região oriental da
Argélia e a Sicília) e 
3) Dinastia idrísida (789-926) no Magreb.
No Egito, a dinastia tulunida durou apenas duas gerações de monarcas.
Fundada por Ahmad ibn-Tulun (868-884), filho de um escravo turco, com ela, o
Egito passou por um rápido renascimento cultural, tanto nas artes quanto no
saber. Ibn Tulun construiu uma nova capital (Qatai, subúrbio de al-Fustat),
palácios, banhos públicos, um hospital, um aqueduto ainda de pé e a grande
mesquita Ibn Tulun, hoje uma homenagem do tempo a seu governo.
Imagem 9. Mesquita Ibn Tulun, no Egito
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Imagem 10. Aqueduto construído por Ibn Tulun, no Egito
 
No entanto, seu filho Khumarawayh (ou Khumavaraih, 884-895) transferiu a
energia que herdou do pai totalmente para a luxúria: tributou pesadamente seu
povo para revestir seu palácio de ouro e construir uma piscina de mercúrio,
onde sua cama com almofadas (também de ouro) e sempre cheia com seu
harém pudesse flutuar... Apesar disso, Khumarawayh foi reconhecido como
governador do Egito, da Síria e da Mesopotâmia do Norte, casando sua filha
com o califa al-Mutadid-Mutadid. O poder dos tulunidas cai com seu filho
Harun (896-904); outra dinastia turca, os ikshididas (935-969) tomou-lhes o
poder (Islamic Architecture – Tulunids
(http://www.islamicarchitecture.org/ia/dynasties/tulunids.html)).
*
Na Ifriqiya (Tunísia), em 800, Ibrahim ibn al-Aghlab fundou a dinastia
aglábida, que governou a região até 909. Embora fossem tecnicamente
submissos aos califas abássidas, os aglábidas eram independentes. Eles foram
responsáveis pela construção da grande mesquita e suas muralhas, e
transformaram sua capital em um importante centro cultural, onde as ciências
religiosas e a poesia puderam florescer.
Os aglábidas criaram também uma marinha e desenvolveram técnicas
agrícolas, de irrigação e de arquitetura, além das artes. Grande foi o
florescimento das atividades intelectuais. Nesse período, destacam-se Imam
Suhnun, Assad ibn al-Furat (no Direito) (SOUSA, 1986), Yahia ibn Sallam (na
Exegese do Alcorão) e Ibn al-Jazzar (na Medicina) (Os Aglábidas
(http://www.geocities.com/ibnkhaldoun_2000/aglabidas.htm)). Os aglábidas
também conquistaram e dominaram a Sicília (827-878); dali, em 846, um
http://www.islamicarchitecture.org/ia/dynasties/tulunids.html
http://www.geocities.com/ibnkhaldoun_2000/aglabidas.htm
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exército aglábida conseguiu atacar e saquear Roma. Essa ilha permaneceu sob o
domínio muçulmano mais de cem anos e só foi reconquistada pelos cristãos em
1091.
Imagem 11. Ribat de Susa, na Tunísia (1)
 
Trata-se de um clássico exemplo arquitetônico da fortaleza ribat. O núcleo
dessa construção data do período 770-96 e seu último estágio dos anos 821-22.
Sua construção é atribuída ao aglábida Ziyadat Allah. Consiste em um cerco
fortificado com uma entrada e torres nos cantos e no meio das paredes. O pátio
é cercado por dois níveis de muros. O lado do sul do segundo assoalho é
ocupado por uma mesquita com um mihrab no centro (o mihrabem uma
mesquita é o nicho decorado que indica a direção [qibla] de Meca. MIQUEL,
1971: 556). Para o ribat, ver adiante nosso item VI.
Imagem 12. Ribat de Susa, na Tunísia (2). Parte interna
 
No entanto, uma força religiosa tomaria Ifriqiya de assalto: os ismaelitas. Por
volta de 905, Abu Abdala surgiu naquele reino pregando uma doutrina que se
propagaria por todo o mundo árabe, aDoutrina Ismaelita dos Sete Imãs. Com a
adesão dos berberes, ele conseguiu depor a dinastia aglábida e saudar Obeidala
ibn Muhammad como al-Mahdi (ou Madi), o “líder justo”, aquele que viria
destruir a tirania e estabelecer a justiça. Contudo, assim que chegou ao poder,
uma das primeiras medidas de Obeidala foi ordenar a morte de Abu Abdala.
O sucesso da tomada do poder pelos ismaelitas fez surgir uma nova e
importante dinastia: os fatímidas (se diziam “fatímidas” porque se
consideravam descendentes de Fátima, filha do Profeta). Lá mesmo na Tunísia,
os exércitos fatímidas se prepararam para a conquista do Egito, primeiro passo
para se chegar ao império do Oriente (LEWIS, 2003: 43).
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*
Aglábidas e fatímidas devolveram à África do Norte um pouco da prosperidade
dos tempos da Romaimperial. No século IX, os muçulmanos abriram novas
rotas, desenvolveram o comércio tanto com o Islã Oriental quanto com a
Espanha e as regiões transaarianas (como veremos a seguir), e trouxeram novas
técnicas para a arte do couro, das tinturas e dos perfumes. Ao se expandirem
até o Egito, tomando-o dos turcos ikshididas, os fatímidas unificaram todo o
norte da África. Transferiram-se então para a cidade de Qahira (“A vitoriosa”,
isto é, Cairo) ao nordeste de Qatai, chegando posteriormente a ter o controle
sobre toda a Arábia e a Síria.
Imagem 13. Maior extensão do califado fatímida (909-1171)
 
Os fatímidas tornaram-se rapidamente os reis mais ricos de seu tempo. No
entanto, a liberdade cultural e religiosa dos primeiros tempos deixava pouco a
pouco de existir: com o califa al-Haquim (996-1021), uma série de perseguições
contra judeus e muçulmanos teve início – até mesmo a Igreja do Santo
Sepulcro, em Jerusalém, foi destruída – fato que deu início à pregação das
cruzadas. Apesar disso, a dinastia ainda floresceu culturalmente com o longo
reinado de Mustansir (1036-1094), filho de uma escrava sudanesa.
Mustansir construiu um belo pavilhão e viveu uma vida de música, vinho e
conforto. Ele disse: “Isto é mais agradável que contemplar a Pedra Preta, ouvir o
zumbido dos muezins (o encarregado do apelo à oração) e beber água
impura” (citado por DURANT, s/d: 258). Após sua morte, o império se
fragmentou em várias facções (berberes, sudanesas e turcas). Ifriqiya e
Marrocos já haviam se separado, a Palestina se rebelou e a Síria foi perdida.
Imagem 14. Moeda de ouro cunhada no reinado de Mustansir (1048-1049)
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III. Natureza e força da civilização islâmica no Norte da
África
Todas aquelas três cortes dos reinos africanos – do Cairo, de Kairuan e de Fez –
protegeram e desenvolveram as artes – a música, a filosofia, a poesia, a
arquitetura, a pintura e as artes menores (azulejos, estampas em tecidos, vasos
de cristal, etc.). Em Kairuan, em 670 foi erguida a maravilhosa mesquita de Sidi
Oqba, restaurada sete vezes. Seus claustros ainda hoje são sustentados por
colunas coríntias das ruínas de Cartago. A riqueza da arte de Sidi Oqba tornou
Kairuan a quarta cidade santa do Islã – chamada de “um dos quatro portões do
Paraíso”.
Imagem 15. Mesquita de Sidi Okba, em Kairuan
 
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Com um púlpito entalhado, o mais antigo minarete quadrado e maciço do
mundo (o minarete é a torre da mesquita), e seus interiores rodeados de
pilastras coríntias iluminadas com velas, a mesquita de Sidi Okba é um marco
da força da arquitetura e da fé islâmica (DURANT, s/d: 258), e artisticamente
contrasta maravilhosamente com a imensidão e o silêncio do deserto – observe
que um dos pilares da contemplação estética é justamente observar a inserção
da obra arquitetônica no espaço natural em que ela foi construída, e essa
interação deve ser levada em conta quando da fruição artística.
Imagem 16. Mesquita de Sidi Okba, em Kairuan. Interiores
 
Ainda em relação às artes desse período na África do Norte, é importante
destacar que os muçulmanos desenvolveram com intensa paixão e enorme
paciência as chamadas “artes menores”. Azulejos envernizados, louças de barro,
vidros, vasos de cristal, caixas ricamente decoradas com incrustações de
marfim, osso ou madrepérola (tanto na madeira quanto no metal), tinteiros,
tudo com motivos geométricos. Enfim, todas as manifestações da criatividade
artística humana brotaram esplendorosamente na África do Norte islâmica
entre os séculos VII-XI.
Imagem 17. Porta-jóias (esquife) fatímida (séc. XI-XII)
Imagem 18. Painel de madeira egípcio (séc. XI)
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III.1. O ensino e as letras
É sabido que o mundo muçulmano na Idade Média estimulou muito a
educação e o estudo das letras. No final do século X, a biblioteca de Cairo já era
uma das maiores do mundo conhecido. O Islão patrocinava muito o saber: por
exemplo, em 988 Iacub Qilis convenceu o califa egípcio Aziz a custear a
educação para estudantes na mesquita de el-Azhar.
Era o início do ensino público – logo seguido pelas universidades européias
(embora ali os estudantes custeassem os gastos). O estudo sistemático em el-
Azhar atraiu universitários de todo o mundo muçulmano, processo que
antecedeu em um século o movimento universitário na Europa.
Imagem 19. Mesquita de El-Azhnar
 
O califa al-Haquim criou no Cairo uma instituição chamada Casa de
Sabedoria (Dar al-Ilm), que abrigava o ensino da teologia xiita dos ismaelitas,
da astronomia e da medicina. Haquim também doou sua coleção de
manuscritos à Casa da Sabedoria “para que todo o mundo possa vir para ler,
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transcrever e se instruir” (MANGUEL, 1997: 47). Ali ainda havia um
observatório astronômico, onde trabalhou o maior dos astrônomos
muçulmanos, o egípcio Abu’l Hasan ibn Yunus (†1009) (RONAN, 2001: 100-101).
Imagem 20
 
E de todos os nomes que brilharam dentre os doutores do Islã nesse período, o
mais conhecido é o de Al-Hazin. Matemático muçulmano nascido por volta de
965 em Basra, ele tornou-se famoso por ter escrito um importante tratado de
ótica (Kitab al-Manazir). O primeiro a perceber a capacidade aumentativa do
vidro parece ter sido Sêneca († 65 d. C.), observando objetos através de bolas de
vidro cheias d’água.
Mas foi Al-Hazin, em seu Livro de Ótica, quem deu um passo importante e
definitivo ao trabalhar a ação dos “corpos lenticulares” (FRADA
(http://www.fm.ul.pt/public/Gabinete_Comunicacao_Imagem/www/Nova%20
p%E1gina%20GACI/site%25)). Seu problema básico fora encontrar a imagem de
um ponto brilhante quando refletido fora de um círculo. Isso envolvia
conseguir encontrar um ponto preciso (A) na circunferência de um círculo.
Imagem 21. Estudo ótico de Al-Hazim
http://www.fm.ul.pt/public/Gabinete_Comunicacao_Imagem/www/Nova%20p%E1gina%20GACI/site%25
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Al-Hazin ainda observou a forma de meia-lua da imagem do Sol durante os
eclipses na parede oposta a uma pequena cavidade feita nas folhas de janelas: é
a primeira menção conhecida da câmara-escura, base da fotografia. Até o
tempo de Kepler e da Vinci, todos os estudos europeus sobre a luz basearam-se
na obra de al-Hazin (DURANT, s/d: 261).
Por fim, o efeito mais duradouro da expansão do Islã no Norte da África foi o
quase completo desaparecimento do cristianismo. É bastante provável que os
habitantes latinos das cidades tenham emigrado para a Sicília e Espanha. Todas
as populações, especialmente os berberes, adotaram com tal entusiasmo o Islã
que expandirem-no para o sul do Saara, como veremos a seguir. Assim, o
Mediterrâneo deixou de ser uma rota pacífica e romana como o era no mundo
antigo para se transformar em um mar de fronteira bélica de religiões e
civilizações opostas (PREVITÉ-ORTON, 1976: 337).
IV. Civilizações negrasao sul do Saara
IV.1. a Terra dos Maqzara e o Reino de Tekrur
Imagem 22. Feira livre em Atar (cidade a oeste da Mauritânia)
 
No extremo oeste da África setentrional, entre os atuais países de Mali e da
Mauritânia, ao longo do rio Níger até mais a oeste, na escarpa do Tagant, com
limite ao sul nos rios Senegal e Bakoy, desenvolveram-se as primeiras
civilizações negras conhecidas: os Maqzara, o reino de Tekrur, e os famosos
Impérios de Gana (Wagadu), ou o “Império do Ouro”, como ficou sendo
chamado, e o de Songai (ou de Gao). Essas culturas negras que giravam em
torno do Baixo Senegal (nome de toda essa região) foram o resultado de um
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desenvolvimento autóctone bastante recuado (e de natureza pagão-animista),
iniciado provavelmente na era cristã, aliado ao avanço berbere-islâmico em
direção ao sul do Saara no século IX.
Essa expansão berbere havia se dirigido tanto no leste ao sul do Egito, para
obter o controle das minas de ouro do Sudão, quanto no oeste ao sul de
Magreb, e aqui no Baixo Senegal a expansão basicamente tivera como
motivação o desejo de dominar as rotas cada vez mais desenvolvidas dos
tráficos de ouro, de sal e de escravos, este último um tráfico que nunca parou
de crescer desde então até meados do século XIX (KI-ZERBO, s/d: 130). O
tráfico de escravos – escravos que eram utilizados em sua maior parte no
serviço doméstico ou como soldados – acontecia tanto no sentido do sul para o
norte do Saara quanto o inverso (DAVIDSON, 1992: 146).
Apesar das dificuldades naturais de se atravessar o deserto, muitas caravanas de
muçulmanos cruzavam o Saara a oeste para comerciarem escravos, sal, cavalos
e metais (ouro e cobre) com as populações negras. Os berberes também
compravam dos negros marfim, peles de animais, plumas de avestruz e
sementes de cola (com cafeína); em troca, traziam cobre, espadas decoradas de
Damasco, louças e talheres finos.
Partindo-se do Magreb (de Fez, mais a oeste, ou mesmo de Trípoli), os
viajantes islâmicos utilizavam quatro rotas conhecidas através do deserto para
chegar a quatro importantes pontos de comércio ao sul. Da esquerda para a
direita:
1) De Awdaghost e Tekrur (na Mauritânia atual) para Tindouf, até Marrakech, Fez e
Túnis; 
2) De Tombuctu (no Mali) também para Fez e Túnis, mas passando por Taouden; 
3) De Gao (também no Mali) para Trípoli, passando por Ghadames; 
4) De Agadez, mais ao centro, no Níger, também para Trípoli, passando por Ghadames
ou por Murzuk.
Imagem 23. Mapa das rotas pré-coloniais da África Setentrional
 
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Graças a essas regulares rotas de comércio transaarianas estabelecidas pelos
berberes islamizados é que se tem notícia escrita das civilizações negras ao sul
do Saara. Um viajante e geógrafo muçulmano chamado al-Bakri (século XI)
escreveu a principal fonte para essa região, um livro chamado Descrição da
África (de 1087). Abu Ubayd al-Bakri, filólogo, poeta, geógrafo, historiador e
erudito religioso, viveu em Qurtuba (Córdoba), Al Mariyya (Almeria) e
Ishbiliya (Sevilha), onde morreu em 1094. Ele ficou conhecido por seus
comentários a várias obras, principalmente o Sharth Kitav al amthalde Abu
Ubayd al-Qasim ibn Sallam, e o Al 'Ali fi sharh al amáli, de al-Qali. A intenção
desses comentários muito difundidos na Idade Média era esclarecer os casos
em que o significado desejado por um conhecido autor não estava claro. Então
o comentarista explicava as expressões pouco comuns e fazia as necessárias
correções para os novos e futuros leitores (Poetas andalusíes sevillanos
(http://www.apoloybaco.com/Poetasandalusies.htm)).
Embora al-Bakri, da mesma forma que Tácito em sua obra Germânia (no século
I), nunca tenha ido pessoalmente à região que descreve em sua obra, ele
conversou com viajantes e comerciantes, além de consultar obras de geógrafos
muçulmanos, e pôde assim fazer um precioso registro de segunda mão sobre
aquelas culturas negras (KI-ZERBO, s/d: 131-141; Al-Bakri’s online guide to Ghana
Empire
(http://www.worldbookonline.com/np/na/surf/middle/hippodrome/ghana/sai
hng01.htm)).
Imagem 24. Mapa das culturas negras de Tekrur, Awdaghost e Gana
In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 137.
http://www.apoloybaco.com/Poetasandalusies.htm
http://www.worldbookonline.com/np/na/surf/middle/hippodrome/ghana/saihng01.htm
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Assim, tomando como base esse depoimento muçulmano (e de outros, como
veremos), sabemos que, já a partir do século IX, uma confederação de tribos
berberes sob o comando de Tilutan (836-837) – os lemtunas, os mesufas e os
djoddalas – conseguiram impor sua autoridade sobre vários grupos negros e
negro-berberes instalados ao redor de um povoamento chamado Awdaghost,
que ficava bem no centro da região do Baixo Senegal. Todas essas culturas
próximas a Awdaghost tinham uma defesa natural que as protegiam de
ataques, as escarpas do Tagant, que formam um grande semicírculo natural
protetor naquela região.
Outro escritor islâmico, Al-Idrisi (Abu al-Idrisi, muçulmano de Ceuta, no
Marrocos, educado em Córdoba, na Espanha) (RONAN, 2001: 113) nos informa
que o nome desse reino era País de Qamnuriya(Mauritânia) ou Terra do
Maqzara dos Negros (Ard Maqzarati es Soudan). Bem no centro da rota do sal,
de Buré ao sul até Teghazza, esse reino teria tanto no sul quanto no norte um
povoamento concentrado em um cinturão de cidades: ao sul, Awlil, Sila, Tekrur,
Daw e Barissa; ao norte Qamnuriya e Nighira. No entanto, na época da chegada
dos berberes islâmicos, as rotas com o sul (Senegal) teriam desaparecido,
restando o contato e comércio com o norte islâmico.
*
Um pouco à esquerda do reino de Maqzara, havia outro importante reino
negro, na trilha da famosa “rota saariana do ouro” (que passava por Walata e
Sidjilmasa até Fez): era o reino do Tekrur. No século IX, esse reino era
governado por uma dinastia peule vinda de Hodh: eram os Dia Ogo.
Imagem 25. Tipo de construção na área rural da Mauritânia
 
O Tekrur, segundo Al-Idrisi, era um reino com um soberano independente, que
possuía tropas e muitos escravos, e era muito famoso por seu senso de justiça.
Com um comércio ativo, o reino de Tekrur importava lã, cobre e pérolas do
Marrocos e exportava ouro e escravos para o norte berbere-muçulmano.
IV.2. A escravidão negra
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O tráfico negreiro não foi uma invenção diabólica da Europa. Foi o Islã, desde
muito cedo em contato com a África Negra através dos países situados entre Níger e
Darfur e de seus centros mercantis da África Oriental, o primeiro a praticar em grande
escala o tráfico negreiro (...) 
O comércio de homens foi um fato geral e conhecido de todas as humanidades
primitivas. O Islã, civilização escravista por excelência, não inventou, tampouco,
nem a escravidão nem o comércio de escravos. 
(os grifos são nossos. BRAUDEL, 1989: 138).
Aqui faço um breve parêntese para a questão da escravidão negra. Muitos
séculos antes da chegada dos brancos europeus à África, as tribos, reinos e
impérios negros africanos praticavam largamente oescravismo, da mesma
forma os berberes e demais etnias muçulmanas. Imaginar os portugueses,
castelhanos e italianos lançando seus marinheiros em caçadas aos negros no
coração das florestas africanas não resiste ao menor exame histórico.
Pelo contrário, os europeus seiscentistas tinham verdadeiro pavor de deixar o
litoral ou mesmo desembarcar de seus navios e avançar para longe da costa e
capturar escravos. Estes eram trazidos pelos próprios africanos, que tinham
grandes mercados espalhados pelo interior do continente, abastecidos por
guerras entre as tribos, ou mesmo puro seqüestro aleatório. Isso pode ser
facilmente comprovado, por exemplo, com a descrição do império de Mali feita
pelo cronista muçulmano Ibn Batuta (1307-1377), um dos maiores viajantes da
Idade Média, e o depoimento de al-Hasan (1483-1554) sobre Tumbuctu, capital
do império de Songai, documentos que exporemos mais adiante.
Ademais, havia tribos africanas que praticavam sacrifícios humanos,
naturalmente de escravos. Às vezes, para interromper a chuva, mulheres negras
(e escravas) eram crucificadas.
Imagem 26. Antigo forte muçulmano de escravos, na Tanzânia
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Ao converter meia África, o Islamismo contribuiu muito para estimular ainda
mais a escravidão, pois praticou-a desde cedo: antes mesmo de Maomé, já no
século VI, mercadores árabes freqüentavam todos os portos da costa oriental da
África, trocando cereais, carnes e peixes secos com tribos bantus por escravos
(SILVÉRIO, 2013: 404-410). As populações negras não-muçulmanas também
consideravam a escravidão um fato absolutamente normal (como veremos,
normalmente os reis africanos tinham centenas de escravos como soldados – e
em suas guardas pessoais!).
Imagem 27. Mercado de escravos no Yêmen (1236-1237)
Manuscrito árabe n. 5847, fol. 105, Maqâma 34, Biblioteca nacional da França, Divisão oriental do
Departamento de Manuscritos.
Por exemplo, nas minas de sal-gema de Targhaza (exatamente na rota do
Tekrur em direção a Marrakech), milhares de negros morriam para prover uma
caravana de camelos cada vez maior de ano a ano – por volta de 1200 eram
entre cinco e seis mil camelos que transportavam esse sal para o sul.
Outro conhecido exemplo é o rei de Mali, Mansa Mussa (1312-1332): negro e
muçulmano, quando chegou ao Cairo em peregrinação a Meca em 1324, trouxe
consigo quinhentos escravos, também negros, cada um com uma bola de ouro
na mão (tratarei mais adiante de Mansa Mussa) (HEERS, 1983: 79; DE BONI,
2003: 317-333).
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*
Por fim, a base alimentar do povo do reino do Tekrur era o milhete (um tipo de
milho pequeno), peixe e leite (ROSENBERGER, 1998: 338-358). Vestiam lã (os
mais poderosos) e algodão (a maior parte da população). Seu primeiro rei a
converter-se ao Islamismo foi War Jabi Ndiaye. Com ele, todos os súditos
também se converteram (Jabi Ndiaye morreu em 1040) (KI-ZERBO, s/d: 133).
V. Civilizações negras ao sul do Saara
V.1. O Império de Gana (c. 300-1075)
Imagem 28. O Império de Gana
 
O Reino de Gana é chamado assim por causa do título de seus soberanos. Era
também chamado de Ugadu (país dos rebanhos). Nessa época, o clima era
bastante úmido, o que favorecia a criação de gado e a agricultura. Por volta do
século IX, viviam na região do Hodh e do Auker pastores de origem berbere e
cultivadores negros sedentários que, com o passar do tempo, se mesclaram. Em
876, outro cronista muçulmano, Iacub, escreveu: “O rei de Gana é um grande
rei. No seu território encontram-se minas de ouro e ele tem sob sua dominação
um grande número de reinos” (citado por KI-ZERBO, s/d: 135).
V.1.1. Gana renasce na descrição de Al-Bakri
Em 970 o viajante muçulmano Ibn Hawkal viajou de Bagdá até a margem do rio
Níger, e não hesitou em dizer do imperador de Gana: “É o mais rico do mundo
por causa do ouro” (citado por KI-ZERBO, s/d: 133). Um século depois, outro
cronista, Al-Bakri nos dá informações mais precisas, como disse, em sua
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obra Descrição da África (de 1087). É esse texto, essa fonte que a partir de agora
abrimos espaço para descrever o reino de Gana (Al-Bakri’s online guide to
Ghana Empire).
Imagem 29. A mesquita de Djenne (Jenne, Djena), no Mali
 
A mesquita de Djenne era um dos principais centros de peregrinação islâmica
nas regiões meridionais do Saara e a cidade um importante entreposto
comercial entre a África do Norte e a África Sudanesa. Djenne fica localizada
no centro-sul do Mali, próxima a um dos vales do rio Níger.
V.1.2. O Reino de Gana
Al-Bakri nos conta:
O reino de Gana está povoado pelos povos de Soninke, que chamam sua terra de
Wagadugu ou Wagadu. O nome Gana é o título do rei que governa aquele império. O
Estado de Soninke é forte, e seu rei controla 200.000 soldados, 40.000 dos quais
arqueiros que protegem as rotas de comércio de Gana.
O poder do rei de Gana provém do monopólio da enorme quantidade de ouro
produzida em seu reino. Esta riqueza permite aos de Soninke construir e manter
enormes cidades, além de uma capital com uma população estimada entre 15.000 e
20.000 habitantes. Soninke também usa sua riqueza para desenvolver outras atividades
econômicas, tais como a tecelagem, a ferraria e a produção agrícola.
Imagem 30. Arqueiro de terracota, de Mali (séc. XIII-XV?)
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61,9 cm de altura
V.1.3. A capital de Gana
A capital de Gana é chamada Kumbi Saleh. A cidade consiste na reunião de duas
cidades que se unem em uma planície, a maior delas habitada por muçulmanos e com
doze mesquitas (ver imagem 28). Kumbi Saleh possui também um grande número de
juízes e de homens instruídos. Ao redor de ambas as cidades há poços de água doce e
potável, e próximos a eles, terras cultivadas com vegetais. 
A cidade habitada pelo rei está a seis milhas da outra cidade (muçulmana) e é chamada
de Al-Ghana. A área entre as duas cidades é coberta com casas feitas de pedra e de
madeira. O rei tem um palácio e choças de formato cônico, cercadas por paredes. Na
cidade do rei, não muito longe da corte de justiça real, há uma mesquita. Os
muçulmanos que vêem em missões ao rei podem rezar ali. Há ainda uma grande
avenida, que cruza a cidade de leste a oeste.
Imagem 31. Figura eqüestre de terracota, de Mali (séc. XIII-XV?)
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70,5 cm de altura
V.1.4. O rei de Gana
O rei adorna a si mesmo como se fosse uma mulher, usando colares ao redor do pescoço
e braceletes em seus antebraços. Quando se senta diante do povo, fica sobre uma
elevação decorada com ouro e se veste com um turbante de pano fino. A corte de
apelação fica em um pavilhão abobadado, com dez cavalos estacionados e cobertos com
um tecido bordado com ouro. Atrás do rei ficam dez pajens segurando escudos e
espadas, ambas decoradas com ouro. 
À sua direita ficam os filhos dos vassalos do país do rei, vestindo esplêndidasroupas e
com os cabelos trançados com ouro. O governador da cidade senta-se na terra diante do
rei e os ministros ficam do mesmo modo, sentados ao redor. Na porta do pavilhão estão
cães de excelente pedigree e que dificilmente saem do lugar de onde o rei está, pois
estão ali para protegê-lo. Os cães usam ao redor de seus pescoços colares de ouro e de
prata cheios de sinos com o mesmo metal. 
A audiência é anunciada pela batida em um longo cilindro oco que se chama daba.
Quando os povos que professam a mesma religião se aproximam do rei, caem de joelhos
e polvilham suas cabeças com pó, uma forma de mostrar respeito por ele. Quanto aos
muçulmanos, eles cumprimentam-no somente batendo suas mãos. 
(Al-Bakri’s online guide to Ghana Empire).
Imagem 32. Vila de Songo, no Mali, com uma pequena mesquita ao centro
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Os tipos de “casas cônicas” descritas por Al-Bakri em sua obra ainda podem ser vistas no Mali,
como mostra a fotografia acima da Vila de Songo, no Mali.
V.1.5. A economia e a justiça em Gana
O rei cobra o imposto de um dinar de ouro para cada carga de asno com sal que entra
em seu país, e dois dinares de ouro para cada carga de sal que sai. 
Os impostos são cobrados também pelo cobre e qualquer outra mercadoria que entra e
sai do Império. O melhor ouro do país vem de Ghiaru, uma cidade distante da capital 18
dias de viagem. Todas as peças de ouro que são nativas e encontradas nas minas do
Império pertencem ao soberano, embora ele deixe o povo ter um pouco de ouro em pó,
isso certamente com o conhecimento de todos. Sem essa precaução, o ouro não só se
tornaria abundante como praticamente perderia seu valor. 
Quando um homem é acusado de negar um crime, um chefe pega um barril fino de
madeira ácida e amarga de provar e coloca nela um pouco de água. Depois disso, ele dá
essa bebida ao réu para que a beba. Se o homem vomita, sua inocência é reconhecida e
ele é felicitado. Se não vomita e a bebida permanece em seu estômago, a acusação é
aceita e justificada.
Imagem 33. Mesquita de Bandiagra, no Mali
1
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Bandiagra: quatro mulheres da etnia dos dogons, com seus trajes típicos, em frente à mesquita,
tendo à frente um sorridente homem com uma coroa e vestido com um tecido cor de vinho.
Todos estão descalços. Observe o belo contraste entre as cores dos personagens e o tom amarelo-
tijolo do cenário.
V.1.6. A religião em Gana
Al-Bakri nos conta:
Ao redor da cidade do rei há choupanas abobadadas e bosques onde vivem os
feiticeiros, homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os
ídolos e os túmulos dos reis. Estes bosques são guardados: ninguém pode entrar ou
descobrir seus recipientes. As prisões dos vivos também estão ali, e se alguém é
aprisionado lá, nunca mais se ouve falar dele. 
Quando o rei morre, constroem uma enorme abóbada de madeira no lugar do enterro.
Então trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da abóbada. A
seu lado colocam seus ornamentos, suas armas, e os recipientes que ele usava para
comer e beber. A serpente é a guardiã do Estado e vive em uma caverna que lhe é
devotada. Quando o rei morre, seus possíveis sucessores se reúnem em uma assembléia,
e a serpente é trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é então
chamada para ser o novo rei.
A descrição de Al-Bakri é sucinta e clara. A população de Gana, rodeada de
hortas, pepinos, palmeirais e figueiras, vivia assim em uma espécie de oásis
protetor na fronteira sul do deserto. Como disse acima, a mesquita de Djenne
tornava a região um importante centro islâmico, com um comércio bastante
próspero. Al-Bakri nos diz a respeito: “A criação de carneiros e de bois é aí
particularmente próspera. Por um simples mitkal (moeda de ouro equivalente
ao dinar – 4,722 gramas) podem-se comprar pelo menos dez carneiros.
Encontra-se muito mel, que vem do país dos Negros. As gentes vivem
desafogadamente e possuem muitos bens” (citado em KI-ZERBO, s/d: 136).
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O escritor muçulmano não se esquece da cozinha e a graça das moças da terra:
“Encontramos também jovens com uma linda cara, tez clara, corpo esbelto,
seios direitos, cintura fina, ombros largos, ancas abundantes, sexo estreito, etc”
(citado em KI-ZERBO, s/d: 136).
Embora devamos ter uma prudência em relação aos textos dos cronistas
muçulmanos, pois, como disse, alguns deles foram redigidos com base em
narrativas orais e consulta a obras, não no local, a obra de Al-Bakri nos sugere
um grau de islamização ainda bastante fraco das populações negras (André
Miquel é ainda mais rigoroso: “No Ghâna, de resto directamente atingido pelo
choque almorávida, tanto o povo como o rei ter-se-iam mantido pagãos,
sòmente sendo tocados pelo Islame os intérpretes e certos funcionários...”.
MIQUEL, 1971: 216).
Tanto o rei, que ainda era escolhido com base em tradições animistas – a picada
da deusa-serpente –, quanto uma parte do povo teriam ainda se mantidos
pagãos (embora se deva observar que a cidade com maior densidade
demográfica descrita por Al-Bakri era a muçulmana, com suas doze mesquitas).
Segundo Ki-Zerbo, esse era o culto do deus-serpente do Uagadu (Uagadu-
Bida), antepassado-totem dos Cissés: “Segundo a lenda, saía da toca no dia da
entronização dos reis e recebia em sacrifício anualmente a mais bela rapariga
da terra. Um dia, diz-se, Maghan, vendo a sua noiva, a jovem virgem Sai,
entregue à serpente, matou o réptil. Mas o pitão era o deus da fecundidade.
Teria sido o seu desaparecimento que desencadeara a desertificação do país”
(KI-ZERBO, s/d: 138). Deve-se ainda atentar para o fato de o Império ter,
segundo as estimativas dos especialistas, cerca de um milhão de habitantes
(DAVIDSON, 1992: 147).
De resto, Al-Bakri parece ter delimitado bastante bem a separação entre as
duas culturas religiosas naquele momento: um bom exemplo disso é a
saudação das pessoas quando se aproximavam do rei. Os animistas jogavam
terra em sua cabeça em sinal de respeito, os muçulmanos batiam palmas,
notável e marcante diferença que mostra o ainda baixo grau de penetração
islâmica junto ao rei e à corte de Gana.
Em suma, sabemos da existência desse rico império negro e escravocrata graças
aos viajantes islâmicos e à presença muçulmana na região, com seu grupo
letrado, mas que ainda não se misturara efetivamente com a população
autóctone, nem conseguira penetrar na casa real, ainda de forte tradição
animista.
Para finalizar, como eram fisicamente os homens de Gana? Outro cronista
islâmico que viveu duzentos anos depois de al-Bakri, o historiador al-Umari
(1301-1349), nos informa que o povo era “alto, de compleição preta retinta e
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cabelos encrespados”. Um dos informantes de al-Umari lhe disse que “o ouro é
extraído cavando-se buracos na profundidade que chegam à altura de um
homem e são encontrados embutidos nas laterais dos buracos, ou às vezes no
fundo deles” (DAVIDSON, 1992: 148).
Os séculos IX e X viram o apogeu do império negro de Gana. No entanto, no
século XI, com o avanço almorávida, aqueles territóriosforam teatro de grandes
convulsões, como veremos a seguir.
VI. A gesta dos almorávidas (c. 1056-1147)
33. O Império Almorávida em sua maior extensão (c. 1110)
 
Os almorávidas, cuja dinastia começou em 448 (20 de março de 1056), eram
formados por várias tribos que se diziam descender de Himyar. As mais
célebres são as de lamtuna (ou lemtuna), da qual o príncipe dos crentes Ali ibn
Taxufin faz parte, e os chadala. Saídas do Yêmen nos tempos de Abu Bakr
Siddiq, que as enviou para a Síria, elas passaram depois para o Egito e depois se
transferiram para o Magreb, com Musa ibn Nusayr. Seguiram depois para Tariq
até o Tanger, mas seu gosto pelo isolamento as empurraram para o interior e ali
habitaram até a época que vamos tratar (Kamil fi-l-Tarij, de Ibn al-Athir. In:
SÁNCHEZ-ALBORNOZ, 1986, tomo II: 108).
No século XI, do Saara Espanhol ao Marrocos, surgiu um poderoso movimento
berbere islâmico que varreu a costa setentrional da África até chegar à
Península Ibérica, conferindo um novo caráter e dramaticidade tanto às
culturas da África do Norte quanto à Reconquista Ibérica cristã. Para entendê-
lo, é preciso levar em conta que, durante muito tempo, os berberes, como
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vimos, foram reticentes com o Islã, mas depois de terem se convertido
transformaram-se em uma das etnias africanas que abraçaram a fé do Corão
com mais força.
No entanto, no século X, o Islamismo ainda era praticado em muitas áreas
orientais africanas de maneira bastante permissiva. Isso ocorria especialmente
com muitas tribos de chefes berberes da costa atlântica da Mauritânia, como os
sanhadjas. Por exemplo, eles cumpriam a obrigação da peregrinação a Meca
somente como uma formalidade política. Assim, ao retornar de Meca e parar
em Kairuan, Yaya ibn-Ibrahim, chefe dos djoddalas, foi se consultar com um
sábio muçulmano de nome Abu Amiru (de Fez) e foi repreendido por este por
sua ignorância em relação à fé.
O sábio, chocado com o baixo nível de conhecimento da Lei corânica dos
djoddalas, decidiu procurar um teólogo para instigá-lo a ir até àquele povo
berbere e guiá-lo à luz da verdade sagrada. Encontrou Abdallah ibn Yacine, um
grande letrado da cidade de Sidjilmasa, que aceitou ir pregar entre os
djoddalas.
Contudo, os berberes o receberam muito mal. Não gostaram nem um pouco
das práticas ascéticas de Yacine, queimaram sua casa e o expulsaram. Yacine
então se retirou (cerca de 1030) com dois discípulos da etnia berbere dos
lemtunas, Yaya ibn Omar e seu irmão Abu Bakr (não confundir com o califa do
mesmo nome do século VII), para algum lugar desconhecido da costa atlântica.
Foi então que começaram a receber adeptos. Quando chegaram ao milhar, Ibn
Yacine batizou-os de Al-Morabetin (aqueles do ribat), palavra que deu origem a
almorávida.
O ribat era uma espécie de convento militar muçulmano erguido nas fronteiras
do dar al-islan (a “Casa do Islã”) e que acolhia voluntários piedosos que
desejavam se retirar do mundo e que ali ficavam sob as ordens de um veterano
(sheikh) para se purificar e sair em missões conforme o desejo
do sheikh (DEMURGER, 2002: 43). Demurger define o ribat em uma obra
dedicada às ordens militares cristãs porque muitos historiadores consideram
o ribat o antecessor islâmico das ordens militares e o autor discute essa tese, da
qual discorda).
A idéia de posto de vigília e mosteiro fortificado foi mais tarde valorizada pelo
sufismo: os sufis levavam um modo de vida que buscava a união com Deus por
meio do amor, do conhecimento baseado na experiência e ascese, que levaria a
uma união estática com o Criador. Essa invocação tinha o objetivo de desviar a
alma das distrações mundanas para libertá-la até o vôo da união com Deus.
Uma das formas do dhikr era um ritual coletivo chamado hadra: os
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participantes repetiam constantemente o nome de Alá, cada vez mais
rapidamente, até se chegar a um transe e perda da consciência do mundo
sensível (COSTA, 2002: 73-74).
No tempo dos almorávidas não se têm notícias desse sentido preciso de
guarnição religiosa. Nessa época, a palavra ribat significava “sua seita, seu
corpo, suas forças, sua guerra santa”. O único autor que empregou a palavra
precisa de rabita (fortaleza) foi Ibn Abi Zar, em sua obra Rawd al Qirtas (de
1326), portanto, duzentos anos depois do período de Yacine (KI-ZERBO, s/d:
143).
A missão dos almorávidas era impor a verdadeira fé pela força aos não-crentes.
A partir de 1042, eles se lançaram em uma furiosa jihad a partir das regiões do
Adrar e do Tagant, ambas hoje no coração do Saara Espanhol, contra os
djoddalas e os lemtunas, tendo Yacine como chefe espiritual e Yaya como
general. Negros do Tekrur logo se juntaram a eles, desejosos de se opor ao
Império de Gana. Yaya foi expulso do exército, por não concordar com os
saques e violações cometidos por seus soldados.
Após um breve e novo retiro espiritual, ele conseguiu novas adesões de
discípulos e se lançou novamente no deserto. Isso, somado à pregação religiosa
de Yacine, fez com que as forças almorávidas ganhassem uma grande adesão de
soldados (cerca de 30.000 homens armados de lanças, machados, maças, a pé, a
cavalo e em camelos). Esse motivado exército religioso varreu todo o Sudão
ocidental.
Yaya morreu em 1056 em uma batalha contra os djoddalas próxima a Atar.
Yacine atacou o Marrocos (Maghreb el-Acsa) e morreu no ano seguinte, quando
os almorávidas passaram a ser dirigidos pelo emir Abu Bakr. Este fundou em
1062 a cidade de Marrakech, apoderou-se de Fez, Tlemcen (capital dos zenatas)
e alargou seu poder até Argel. Depois disso, Abu Bakr retornou para o sul e se
instalou no Tagant, decidido a atacar e submeter o Império negro de Gana.
Imagem 35. Mesquita de Koutoubia, Marrakech (séc. XII)
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VI.1. Os almorávidas na Península Ibérica
Mas antes de tratar do declínio de Gana e de sua derrota para as forças
almorávidas, abro um pequeno parêntese à conquista almorávida da Península
Ibérica (1092-1094), devido à sua importância para o processo da Reconquista
cristã. Nas palavras do conde D. Pedro de Portugal, filho bastardo do rei D.
Dinis e famoso cronista do século XIV, os almorávidas eram “os melhores
cavaleiros que os mouros tinham” (Crónica Geral de Espanha de 1344, 1990, vol.
IV, cap. DLXVIII: 34).
Esses monges-soldados muçulmanos haviam declarado uma guerra santa
contra “os muçulmanos depravados dos reinos ibéricos” (CAHEN, 1992: 295).
Imagem 36. O movimento almorávida – do Saara Espanhol à Península Ibérica (c. 1042-
1087)
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In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 144.
Mesmo antes da invasão almorávida na Península Ibérica, os governantes dos
reinos de taifas, mais tolerantes com a convivência e a afinidade entre
moçárabes e andaluzes, já não se interessavam pela guerra santa. A
palavra taifa (que significa “partido, facção”) designa os principados que se
constituíram na Hispânia sobre os restos do califado omíada de Córdoba
(MIQUEL, 1971: 216).
Por exemplo, o rei de Granada, ‘Abd Allãh Nãsir,conta em suas memórias que
o hadjib Almançor (Muhammad ibn Abi ‘Amir) não conseguiu convencer os
andaluzes a fazer a guerra, pois eles “...declararam-se incapazes de participar
nas suas campanhas e alegaram (...) que não se achavam preparados para
combater e, por outro lado, que a sua participação nas campanhas os impediria
de cultivar a terra” (MATTOSO, 1985: 194).
Outro bom exemplo da nova mentalidade dicotômica desses invasores berberes
é a obra Ódio a cristãos e judeus do pensador cordovês Ibn Abdun (séc. XII):
Um muçulmano não deve fazer massagem em um judeu nem em um cristão, nem tirar
suas sujeiras ou limpar suas latrinas, pois o judeu e o cristão são mais indicados para
essas atividades, que são tarefas para gentes vis (…) 
Deve proibir-se às mulheres muçulmanas que entrem nas abomináveis igrejas, pois os
clérigos são libertinos, fornicadores e sodomitas. 
Tratado de Ibn Abdun. In: SÁNCHEZ-ALBORNOZ, tomo II: 219.
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Curiosamente, os almorávidas praticavam a cinofagia – morte de cães – uma
prática e hábito culinário pré-islâmico presente em um hadith do profeta: “Os
anjos não entram em uma casa onde há um cão”:
A Hadith consiste na tradição oral das tribos que habitavam a Arábia mais os
ensinamentos de Maomé que não foram para o Livro, mas que foram se formando
através dos anos. Esta tradição é que conta a história do Profeta, dos santos e dos outros
profetas menores, entre estes Jesus.
Os mulçumanos acreditam também nos gênios, fadas, nos espíritos bons e maus, em
práticas mágicas e outras coisas que, proibidas aos fiéis, podem ser usadas pelos
descrentes. 
KHALIDI, 2001: 16-17.
Eles também inovaram a sociedade dos nômades berberes e as das fronteiras
do mundo negro, trazendo inovações táticas no modo de se fazer a guerra.
Acrescentaram aos exércitos regulares três fileiras de arqueiros – precedendo a
Europa cristã em quase dois séculos na superioridade da infantaria de
arqueiros sobre a cavalaria. Além disso, numa revolução ideológica dos
aspectos mentais do conflito, incluíram grupos com grandes tambores, com o
intuito de aterrorizar os inimigos.
Imagem 37. Exército muçulmano partindo para o ataque (1237)
Iluminura das “Estações de Hariri” (1237), manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris. Esta cena
representa uma pequena paragem antes do ataque decisivo, quando tocam as trombetas e rufam
os tambores. Ela pode estar se referindo a uma das primeiras batalhas do Islão na Península
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Ibérica. No entanto, os trajes dos guerreiros e os jaezes das montadas apontam para uma origem
oriental e para a época em que a iluminura foi elaborada. In: MATTOSO, José (dir.). História de
Portugal. Antes de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, s/d, p. 399.
Este novo estilo de guerra, mais agressivo, era marcado basicamente pela
fundamentação religiosa (MATTOSO, 1985: 194). Isto os distinguia dos outros
islamitas andaluzes da Península, desprezados pelos berberes almorávidas.
Assim, aconteceu a partir do século XI uma “internacionalização” do conflito na
Península Ibérica.
De um lado, cristãos peninsulares ligados ideologicamente ao restante da
Europa, especialmente ao reino franco; de outro, muçulmanos ibéricos dos
reinos de taifas auxiliados pelo conjunto de aliados da África do Norte, por sua
vez intransigentes na ortodoxia. Nesse contexto deram-se as vitórias
portuguesas do primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, na batalha de
Ourique (1146), e na tomada da cidade de Lisboa (1147), com o auxílio de
cruzados vindos do norte europeu.
VI.2. A queda do Império de Gana (1203)
Até esse avanço almorávida, o Império de Gana conseguira suportar os ataques
estrangeiros, tanto de tribos inimigas quanto dos próprios berberes, graças ao
seu exército composto de guerreiros soldados, cavaleiros e arqueiros – citados
por Al-Bakri em sua obra, como vimos.
No entanto, apesar de uma forte resistência, eles foram derrotados pelos
almorávidas e sua capital, Kumbi Saleh, foi tomada e saqueada, por volta de
1076. Com essa vitória, os almorávidas receberam um poderoso reforço, devido
às conversões dos negros de Gana. Disso nos informa o cronista Al-Zuhuri: “As
gentes do Gana tornaram-se muçulmanas em 1076 sob a influência dos
lemtunas” (citado por KI-ZERBO, s/d: 147).
Abu Bakr prosseguia em sua tentativa de unificar as tribos berberes e com elas
atacar Gana. No entanto, morreu em uma escaramuça por causa de uma flecha
envenenada (1087). Gana reconquistou sua independência, mas após a
devastação e saque de sua capital, dez anos antes, o reino negro nunca mais
conseguiu recuperar seu antigo poderio. Pelo contrário, as caravanas passaram
a se desviar das rotas que privilegiavam o coração de Gana, e os comerciantes
passaram a optar por Tombuctu, Gao e Djena.
Os muçulmanos ricos se refugiaram em Walata, especialmente depois do
segundo saque da capital, Kumbi, em 1203, por parte do rei sosso Sumaoro
Kanté. Paralelo a esse declínio comercial aprofundou-se o processo de
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islamização das etnias negras, embora sem nunca atingir todas as camadas da
população – e, de resto, o islamismo negro era bastante mesclado com práticas
animistas.
VII. O Império de Mali (c. 1235-1500)
A queda do Império de Gana abriu um vácuo de poder. A grande questão era:
quem tomaria agora o controle das rotas comerciais próximas das fontes
auríferas? Os almorávidas fracassaram em sua tentativa de monopolizar o
tráfico. O reino que parecia mais próximo de conseguir esse intento era o reino
sosso dos Kantés, ao sul de Gana.
Em 1180, surgiu um guerreiro, Diarra Kanté, de um clã de ferreiros animistas
adversários do Islão. Feiticeiro famoso e de prestígio, Kanté conseguiu tomar a
cidade de Kumbi Saleh, mas sem ocupar as jazidas de ouro, controladas agora
por uma tribo de camponeses, os malinqués (“homem de Mali”). Kanté, após
dominar o Dyara, o Bakunu e o Bumbu, apoderou-se da região do Buré.
Imagem 38. Mapa do Império de Mali (século XIV)
 
Kanté foi um pequeno interregno entre dois impérios, Gana e Mali. Quanto ao
segundo, não se conhecem as origens do reino de Mali (ou Mandinga).
Diferentes etnias viviam naquela região. Seus chefes se diziam “caçadores-
mágicos”, todos com ritos iniciatórios mais ou menos comuns. Esses clãs
estavam unidos pelo chamado “parentesco de brincadeira”, isto é, um curioso
direito e dever de fazer troça uns aos outros. O chefe gozava do monopólio das
pepitas de ouro. A estrutura social baseava-se em uma grande família que
dispunha de um campo comunitário (foroba) próximo à aldeia. Logo um dos
herdeiros sosso tomou o título de mansa (ou maghan), isto é, imperador.
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Paralelo a esse processo de integração por parte dos sosso acontecia a
conversão ao Islamismo. Baramendana foi o primeiro rei a se converter, graças
ao pai de Abu Bakr, em 1050. A tradição conta que Baramendana estava
desesperado por causa de uma longa seca. Então se dirigiu a um devoto
lemtuna que o levou a um monte para passar uma noite rezando. Pela manhã
choveu, e o rei mandou destruir os ídolos animistase se converteu ao
Islamismo.
Imagem 39. O Império de Mali com seus reinos “vassalos” (século XIV)
In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 165.
A partir de 1150 se conhece relativamente bem a cronologia dos reis de Mali.
Hamana, Djigui Bilali (1175-1200), Mussa Keita, Naré Famaghan (1218-1230) e
principalmente Sundjata (ou Mari Djata, o “Leão do Mali”), todos com estórias
recheadas de lendas e mitos e transmitidas também pelos griot, os
“transmissores de ouvido” de cada etnia que passam de geração para geração as
tradições de sua cultura.
Na época de Sundjata, Mali era um reino essencialmente agrícola. Os
malinqués desenvolveram a cultura do algodão, do amendoim e da papaia,
além da criação de gado. Sundjata instituiu uma associação de trinta clãs (de
artesãos, de guerreiros, de homens livres – que, no entanto, eram chamados de
“escravos da coletividade”, os ton dyon). Com o crescimento do reino, a
categoria dos escravos se multiplicou – recorde que sempre os reinos negros
praticaram a escravidão.
Com o filho de Sundjata, Mansa Ulé (1255-1270) e seus sucessores – Abubakar I,
Sakura, Abubakar II – até Mansa Mussa (ou Kandu Mussa, 1312-1332), o reino de
Mali passou a ser conhecido no mundo ocidental. Em 1324, Mansa Mussa
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realizou uma peregrinação a Meca, passando pelo Egito e com a intenção de
maravilhar os soberanos árabes.
Imagem 40. Figura sentada, Mali (século XIII)
Observe as feições alongadas do rosto do personagem, aliás, de todo o corpo. Pode-se, assim, ter
uma noção do tipo físico predominante então, além de uma contemplação de posturas e gestos
corporais.
O Tarikh es Soudan! (1655), de autoria do mouro Es Saadi, nos informa que ele
atravessou o deserto passando por Walata e pelo Tuat com 60.000 mil
servidores (escravos), evidentemente um exagero – as cifras hoje estão por volta
de 500 (HEERS, 1983: 79). Chegou ao Cairo com cerca de duas toneladas de
ouro (!), em pó e em pepitas. O cronista Al-Omari (†1349) nos conta:
Quando da minha primeira viagem ao Cairo, ouvi falar da vinda do sultão Mussa (...) E
encontrei os habitantes do Cairo todos excitados a contarem as largas despesas que
haviam visto fazer às suas gentes. 
Este homem espalhou pelo Cairo ondas de generosidade. Não deixou ninguém, oficial
da coroa ou titular de qualquer função sultânica, sem receber dele uma quantia em
ouro. Que nobre aspecto tinha este sultão! Que dignidade e que lealdade! 
(citado por KI-ZERBO, s/d: 171).
Mansa Mussa foi tão generoso que, ao sair do Cairo, foi obrigado a pedir um
empréstimo a um riquíssimo mercador de Alexandria, para que pudesse
manter sua largueza até chegar a Meca...
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Sua peregrinação fez o Império de Mali ser conhecido por todo o mundo, e os
mapas europeus passaram a citá-lo. Por exemplo, tanto o de Angelo Dulcert
Portolano (1339), quanto o Atlas catalão de Abraão Cresques (1375), elaborado
para o rei da França Carlos V (1338-1380), o Sábio, trazem nitidamente o nome
da capital (Ciutat de Melli), além do rei de Mali, Mansa Mussa, sentado em seu
trono e segurando uma pepita de ouro.
Imagem 41. Mapa do Norte da África (manuscrito catalão de 1375)
Este mapa catalão do século XIV do Norte da África tem quatro reis, três africanos: o rei Mansa
Musa de Mali (sentado, com uma gema de ouro na mão direita), o rei de Organa, o rei da Núbia e
o rei da Babilônia.
Imagem 42. Detalhe do mapa do Norte da África (manuscrito catalão de 1375)
 
Os dois números em vermelho no mapa marcam dois textos. São eles: 1. “Toda
esta parte tem gentes que ocultam a boca; só se vêem seus olhos. Vivem em
tendas e têm caravanas de camelos. Também possuem animais de cujas peles
fazem excelentes escudos”; 2. “Este senhor negro é aquele muito melhor senhor
dos negros de Guiné. Este rei é o mais rico e o mais nobre senhor de toda esta
parte, com abundância de ouro na sua terra” (tradução literal). Observe que
embaixo do globo de ouro que o imperador Mansa Musa segura na mão direita
está a representação da cidade de Tumbuctu.
De regresso para Mali, o imperador trouxe consigo um poeta-arquiteto, Abu
Issak, mais conhecido como Es Saheli. Com ele, construiu a grande mesquita de
Djinger-ber, em Tumbuctu.
2
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Os sucessores de Mansa Mussa tiveram dificuldades de manter um território
tão vasto. Depois de Maghan (1332-1336), até Mussa II (1374-1387), o reino de
Mali viu Tumbuctu ser saqueada, além de sucessivos assassinatos palacianos
que enfraqueceram o império. Lentamente a hegemonia passava para o reino
de Gao, que anexava uma a uma as províncias do leste, além de tomar a cidade
de Djena, metrópole comercial.
No final do século XV o Tekrur passou para os domínios do estado volofo.
Houve um curto período confuso entre a hegemonia do Mali e do Gao. Várias
etnias foram arrastadas para o movimento dos peules do Bundu, conduzido por
Tenguella I (chamado de “o Libertador”). O imperador do Mali tentou até uma
aliança com D. João II de Portugal, mas nenhuma das missões portuguesas
parece ter chegado a seu destino.
Imagem 43. Mesquita de Djinger-ber, em Tumbuctu (século XIV)
Ela preserva o mesmo estilo africano, tanto no tipo de material da construção quanto no estilo,
reto, simples e vertical. Observe os paus enfiados nas paredes (como nas outras mesquitas
exibidas nas demais imagens): são andaimes usados ao longo dos séculos para restaurar os
edifícios de adobe e estuque, após o castigo sofrido pela construção nas concentradas e breves
chuvas anuais.
VII.1. A religião em Mali
Como todos os reinos negros islamizados desse período, a religião em Mali era
um misto de várias influências, especialmente as pagãs. Por exemplo, Mussa
desconhecia a interdição do Corão de ter mais de quatro mulheres, e os
malinqués comiam carnes proibidas pelo Islão. Sacerdotes com máscaras de
aves praticavam ritos animistas na corte. Em contrapartida, as festas religiosas
islâmicas eram celebradas com grande pompa. As crianças aprendiam o
Alcorão, às vezes com duros castigos – eram postas a ferro, por exemplo.
VII.2. O imperador e sua corte em Mali (descrição de Ibn Batuta)
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Imagem 44. Ibn Batuta
O cronista muçulmano Ibn Batuta (1307-1377), um dos maiores viajantes da
Idade Média, chegou a Mali quinze anos depois da morte de Mansa Musa, entre
os anos 1352-1353. Em um belo texto medieval, esse notável cronista
muçulmano nos informa o fausto da corte do imperador de Mali (o texto
explicativo em parênteses é de minha autoria):
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O sultão tem uma cúpula elevada, cuja porta se encontra no interior de seu palácio e
onde ele se senta com freqüência. Tem do lado das audiências três janelas em arco, de
madeira, cobertas de placas de prata, e por baixo delas três outras guarnecidasde
lâminas de ouro ou de prata dourada. Estas janelas têm cortinados de lã que são
levantados no dia da audiência do sultão na cúpula (...) 
Da porta do castelo saem trezentos escravos, uns com arcos na mão, outros com
pequenas lanças e escudos. Uns estão sentados, outros de pé. À chegada do rei, três
escravos precipitam-se para chamar o seu lugar-tenente. Chegam os comandantes,
assim como o pregador, os sábios juristas, que se sentam à esquerda e à direita, diante
dos homens de armas. À porta, de pé, o intérprete dougha em grande aparato. 
Está soberbamente vestido, em seda fina. O seu turbante está ornado de franjas, que
estas gentes sabem fazer admiravelmente. Tem um sabre a tiracolo, cuja bainha é de
ouro. Nos pés botas e esporas (...) Tem na mão duas lanças curtas. Uma é de prata, a
outra é de ouro. As pontas são de ferro. Os militares, o governador, os pajens ou
eunucos e os mesufitas (mercadores berberes e sarakholés) estão sentados no exterior
do lugar das audiências, numa longa rua, vasta e com árvores. 
Cada comandante tem diante de si os seus homens, com as suas lanças, os seus arcos, os
seus tambores, as suas trompas, enfim, com os seus instrumentos de música feitos com
caniços e cabaças, em que se bate com baquetas e que dão um som agradável (as
trompas eram feitas de marfim das presas de elefantes). Cada um dos comandantes tem
sua aljava às costas. Tem o seu arco à mão e anda a cavalo (...) No interior da sala de
audiências e nas janelas vê-se um homem de pé. Quem desejar falar ao rei dirige-se
primeiro ao dougha. Este fala ao dito personagem que está de pé e este último ao
soberano. 
Instala-se então um grande estrado com três degraus debaixo de uma árvore. É
o pempi. É coberto de seda e guarnecido de almofadas. Por cima instala-se o guarda-
sol, que parece uma cúpula de seda, no alto da qual se vê uma ave do tamanho de um
gavião. 
O rei sai por uma porta aberta num ângulo do castelo. Tem o seu arco à mão e a aljava
às costas. Traz na cabeça um solidéu de ouro, fixado por uma pequena faixa também de
ouro, cujas extremidades são pontiagudas como facas e com mais de um palmo de
comprimento. Na maioria das vezes, traz uma túnica vermelha e felpuda, feita com
tecidos de fabricação européia chamados mothanfas. Diante dele saem os cantores,
tendo na mão um kanabir de ouro e de prata (O kanabir era uma calhandra, isto é, uma
espécie de cotovia, sabiá-do-campo). 
Atrás dele encontram-se cerca de trezentos escravos armados. O soberano caminha
lentamente. Aproxima-se devagar e pára mesmo de vez em quando. Chegado ao pempi,
deixa de caminhar e olha para os assistentes. Em seguida, sobe lentamente o estrado,
como o pregador sobe ao púlpito. Uma vez sentado, tocam-se os tambores e fazem-se
soar as trompas e as trombetas. 
citado por KI-ZERBO, op. cit.: 176-177.)
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03/04/2021 A expansão árabe na África e os Impérios Negros de Gana, Mali e Songai (sécs. VII-XVI) | Idade Média - Prof. Dr. Ricardo da Costa
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Alguns dos pajens escravos do rei eram comprados no Cairo. Era expressamente
proibido espirrar em sua presença. Os cortesãos vestiam-se de branco, com
tecidos de algodão cultivado na própria terra. As jovens e mulheres escravas,
em contrapartida, andavam completamente nuas, para escândalo de Ibn
Batuta. Ele ainda estranhou a comida: “Dez dias depois de nossa chegada,
comemos um mingau que eles preferem a qualquer outra comida. Na manhã
seguinte, estávamos todos doentes” (citado por DAVIDSON, op. cit.: 150).
VII.3. A organização política e a vida econômica
No século XVI, tempo de Mahmud Kati, historiador e conselheiro do Askia
Mohammed, o império tinha cerca de quatrocentas cidades e vilas. O sistema
de governo era descentralizado. Era dividido em províncias, administradas por
um dyamani tigui (ou farba). As províncias eram subdivididas em conselhos
(kafo) e aldeias (dugu).
A autoridade da aldeia poderia ser bicéfala: um chefe político, outro religioso.
O farba recolhia impostos e requisitava tropas, caso necessário. Havia ainda
reinos subordinados que reconheciam a hegemonia do imperador, enviando
regularmente presentes.
*
Um dos segredos do Império de Mali foi a maleabilidade de seu sistema
político, única lógica possível em uma estrutura sem burocracia, além da
tolerância religiosa. Povos tão variados como os tuaregues, os songais, os
malinqués e os peules, reconheceram, durante mais de cem anos, a soberania
do imperador de Mali. Há um elogio do cronista Ibn Batuta que expressa bem
esse sentimento de confiança no funcionamento da estrutura do império:
Não é necessário andar de caravana. A segurança é completa e geral em todo o país (...)
O sultão não perdoa a ninguém que se torne culpado de injustiça (...) O viajante, tal
como o homem sedentário, não tem a temer os malfeitores, nem os ladrões, nem os que
vivem de pilhagem. 
Os pretos não confiscam os bens dos homens brancos que venham a morrer nas suas
terras, ainda mesmo que se trate de tesouros imensos. Depositam-nos, pelo contrário,
em mãos de um homem de confiança dentre os brancos, até que se apresentem aqueles
a quem revertam por direito e tomem conta deles. 
(citado por KI-ZERBO, op. cit.: 180).
Esse é um belo testemunho da grandeza do Mali, feito pelo maior viajante da
época.
VIII. O Império de Songai (de Gao)
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Imagem 45. Máxima extensão do Império de Songai (século XVI)
Uma das características mais perenes das sociedades pré-industriais e iletradas
(ou semiletradas) é a existência de mitos de origem relacionados à cultura e
especialmente ao poder monárquico, além de suas manifestações sociais, todos
mitos originários das tradições orais africanas (Controversial Origins
(http://webusers.xula.edu/jrotondo/Kingdoms/Songhay/SongOrigins01.html)).
Além disso, os homens das sociedades pré-industriais também tinham uma
forma bastante distinta de se relacionar com o mundo (a natureza) e com seus
animais.
O caso do Império de Songai (ou de Gao) é um deles. Sua estória começa com o
mito do feiticeiro Faran Makan Boté. Ele nasceu de um pai sorko e uma “mãe-
fada ligada aos espíritos das águas”. Ao subir o rio, Makan Boté se aliou aos
caçadores gows e pescadores sorkos, e passou a exercer as funções de grande
sacerdote (kanta) junto a camponeses na região de Tillabery. Assim teriam
nascido as energias mágicas do Songai (KI-ZERBO, op. cit.: 181).
Mas a lenda não pára aqui. Por volta do ano 500, príncipes berberes chegaram
às margens da curva do rio Níger e libertaram os pescadores sorkos e
camponeses gabibis do terror de um peixe-feiticeiro (seria um descendente de
Makan Boté). O autor da façanha teria sido Za Aliamen, e a partir de então sua
dinastia reinaria em Kukya até 1335 (no mapa acima, a região assinalada entre
Tumbuctu e Gao). Por volta de 1009, Diá Kossoi, décimo-quinto rei da dinastia
fundada por Za Aliamen, fixou sua capital em Gao. Ele foi o primeiro rei a se
converter ao Islamismo. Já no século XI, Gao rivalizava com a cidade de Kumbi,
capital de Mali.
Esse surto de desenvolvimento despertou a cobiça dos malinqués: em 1325, Gao
foi conquistada pelo Império de Mali, mas em 1337, dois irmãos e príncipes
songaleses – Ali Kolen (ou Golon) e Suleiman Nar – conseguiram se
http://webusers.xula.edu/jrotondo/Kingdoms/Songhay/SongOrigins01.html
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desvencilhar da dominação mali, e Ali Kolen fundou a nova dinastia dos Sis (ou
Sonnis).
Suleiman Daman (ou Dandi), décimo-oitavo

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