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CSM - Sávio Martins

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ 
ESCOLA DE BELAS ARTES 
PRODUÇÃO MUSICAL – LABORATÓRIO DE PERFORMANCE MUSICAL I 
 
Sávio Eduardo de Matos Martins 
 
17.03.2020 – Análise de Performance de Santa Maria, Strela do Dia 
 
Santa Maria, Strela do Dia, encontra-se registrada no compêndio Cantigas de Santa Maria, atribuído 
normalmente ao rei Afonso X, de Castela e Leão. Tal cancioneiro, datado do século XIII, é diferenciado de outras 
obras desse período (cantigas de escárnio e maldizer, de amigo, e de saudade)1 por ser um conjunto de poemas e 
de músicas com tema fundamentalmente religioso. Ainda assim, traz em suas iluminuras registros de muçulmanos, 
em trajes tradicionais de seu povo, a tocar flautas ao lado de cristãos que, por sua vez, praticam em instrumentos 
de sopro similares2. Além disso, por ter sido composto através de múltiplos autores, ou de “varios maestros 
anónimos y asistentes” como defende CORTI (2003, p.20. apud SILVA FONTES3, 2009), há uma rica diversidade 
de vozes, pois o “o texto apresenta uma enorme variedade de povos (etnias, religiões, nacionalidades, classes 
sociais) e os mais fantásticos acontecimentos”. (CASTRO, 2006, p.43-44 apud SILVA FONTES, 2009). 
Daí que é com essa construção multifacetada que Afonso X, o rei Sábio, inicia suas tentativas de controle 
sociopolítico em sua região. A propaganda de seu governo se constitui na invocação da sensorialidade (SILVA 
FONTES, 2009), ao se utilizar de composições em virelai4, forma medieval francesa de música e poesia, assim 
demonstrando afinidade com canções dos trobadours provençais da época. É por esse motivo que, de acordo com 
Leão (2000, p.13)5, o scriptorium6 de D. Afonso X, acaba por se utilizar tanto do galego-português para a maior 
parte do texto contido nas CSM. Segundo a autora, 
Parece que o motivo não estaria nem numa excentricidade do autor, nem numa 
leviandade política, mas no fascínio exercido por uma língua que, no contexto 
linguístico da Ibéria, se afirmava como apta, ou até como ideal, para a poesia. Aliás, 
esse fato não era único na Europa Medieval, onde três línguas vernáculas gozavam 
da preferência dos poetas: o galego-português no mundo ibero-romântico; o 
provençal no domínio galo-romântico; e o toscano no âmbito ítalo-romântico. O seu 
prestígio era tão amplamente reconhecido, que muitos trovadores [...] deixavam de 
lado as respectivas línguas maternas e adotavam uma das três [...]. (LEÃO, 2000). 
 
 É muito por conta disso, da preocupação em “soar bem” e em trazer uma poesia mais popular e trovadoresca, 
e da grande capacidade de Afonso X (e sua equipe anônima) em narrar uma história, que as CSM apresentam 
caráter de oralidade peculiar. Peculiar também pelas interferências linguísticas castelhanas, língua-mãe da região 
e do rei de Castela e Leão. Ainda mais peculiar por trazer referências latinas, contidas nos hinos litúrgicos e nas 
coleções de milagres de propriedade de santuários marianos, ambos amplamente pesquisados no scriptorium 
quando da confecção da obra. Dessa forma, ela se torna uma obra bastante sofisticada, com versos de estrutura 
rebuscada e temas filosoficamente complexos, pois esses não se continham na vida religiosa, mas abordavam 
também uma ampla gama de “conhecimentos de mentalidade, costumes, das doenças, das profissões, da 
prostituição, do jogo, dos hábitos monásticos, de [..] aspectos do quotidiano medieval na Ibéria” (LEÃO, 2000, 
p.15). 
Nas CSM, “o rei encarna o trovador, numa tradição cavalheiresca cristianizada. O castelo se torna o locus de 
poder, com a tradição de festas, luxo, estética e narrativa; enfim, a vida cortesã em plena efervescência” (SILVA 
FONTES, 2009). De acordo com esse autor, é justamente essa afetividade espiritual que reflete a posição do rei, 
enquanto ser mais próximo da luz e da imagem de Cristo. São os traços iniciais de uma cultura que culminaria no 
 
1 Site da ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, “Cancioneiro”. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/cancioneiro#ref268145>. Acesso 
em 17/03/2020. 
2 Site da ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, “Wind Instrument”. Disponível em: <https://www.britannica.com/art/wind-
instrument/Flutes#ref131207>. Acesso em 17/03/2020. 
3 SILVA FONTES, L.A., “A função política das Cantigas de Santa Maria no Reino de Afonso X (CASTELA E LEÃO, 1252-1284)”, UFRGS, Porto 
Alegre, 2009. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9854/5702>. Acesso em 17/03/2020. 
4 Site da ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, “Cantiga”. Disponível em: < https://www.britannica.com/art/cantiga#ref6986> . Acesso em 
17/03/2020. 
5 LEÃO, A. “Questões de Linguagem nas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X. Scripta, Belo Horizonte, v.4, n.7, p.11-24, 2000. 
6 Local onde se realizam traduções e trabalho copista. No scriptorium de Toledo, havia traduções de textos hebreus para castelhano, de 
“heresias” do árabe para línguas ibéricas, dentre outros. (LEÃO, 2000). 
https://www.britannica.com/art/cancioneiro#ref268145
https://www.britannica.com/art/wind-instrument/Flutes#ref131207
https://www.britannica.com/art/wind-instrument/Flutes#ref131207
https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9854/5702
https://www.britannica.com/art/cantiga#ref6986
absolutismo, séculos mais tarde. Também é essa afetividade que referencia a necessidade da oralidade, dado que 
um reino não deve converter os seus súditos e vassalos, mas também os iletrados. É nesse contexto que entram as 
iluminuras e as cantigas – especialmente as numeradas em múltiplos de dez. Estas, tais como Santa Maria, Strela 
do Dia, são tidas como de lo’ores (louvores). Isto é, são o clímax que vêm depois de nove cantigas de milagres, 
quando Maria se faz humana diante dos fieis e dos opositores7. As CSM são, portanto, também um instrumento 
de propaganda de um governo cristão num contexto de censura e conversão de judeus8 e de mouros, igualmente. 
Para representar isso musicalmente, a cantiga de número 100 Santa Maria, Strela do Dia traz como cerne 
um sentimento inspirador. Baseia-se nos pedidos de guia, no reconhecimento da piedade dela - antes mesmo do 
de Deus – dos pecados cometidos pelos que demonstraram “ousadia / que lhes fazia / fazer folia”, mas que é 
sustentado, sobretudo, na melodia em tom maior. Além disso, como demonstrado na performance arranjada por 
Jeannette Sorrell9, pode ser também uma música de louvor em festa, em que, pouco a pouco, todos os membros 
do conjunto passam a se envolver no canto. Isso é evidenciado ainda mais claramente quando a própria regente 
se direciona à plateia para ela, também, cantar. Essa comunhão, realizada pelos adoradores de Santa Maria, 
piedosa e guia, provavelmente representa a intenção propagandística do texto original. Busca, portanto, engajar 
todos na plateia naquele momento de regozijo. 
A outra apresentação, contida em registros de um audiobook10 dedicado às obras de Ramon Llull (1232 – 
1316), poeta (entre outras ocupações), filósofo da tolerância11, inserido no contexto do governo de Afonso X, 
busca representar com neutralidade e acuidade o que se passa na partitura. Não é muito performática, na medida 
em que não usa de artifícios visuais ou pessoalizados, nem de ferramentas como clímax, engajamento de múltiplos 
cantores etc. Ela busca apenas não ser muito intrusiva no audiobook, mídia através da qual pessoas buscam 
conhecimento e/ou entretenimento menos intenso fisicamente. Esse ápice é o que almeja uma performance que 
busca fazer com que sua plateia também cante junto, em coro, não uma que tem como objetivo dar um momento 
de tranquilidade a seu público, para melhor absorção de informações. Essa é uma das razões por que audiobooks 
pouco possuem trilhas sonoras. Quando elas aparecem, é de forma sutil, mixada por trás da voz do condutor da 
leitura. 
A diferença entre o impacto das duas obras se dá, acima de tudo, na diferença entre o público das mesmas; 
ou melhor, no momento emque o público busca cada uma das formas de interação com a cantiga. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 Aproximadamente 10% das cantigas de louvores (42) tratam diretamente dos mouros, muçulmanos que invadiram a Ibéria no século VIII. 
Daí que se procederam as Guerras de Reconquista, contexto do governo de Afonso X. 
8 Em 1391, eclodiu uma revolta anti-semita em toda a península Ibérica. A razão disso foi a epidemia de Peste Negra, a garantia de 
estabilidade prometida pelo rei Pedro I, o Cruel, através do Ordenamiento de Menestrales, em que regulava os salários dos trabalhadores. 
Com as falhas apresentadas pelo sistema, o rei declara que todos os judeus devem se converter ao cristianismo, para apaziguar os ânimos 
do já tementes a Deus. Disponível em: < https://www.britannica.com/place/Spain/Christian-Spain-c-1260-1479#ref587282 >. Acesso em 
17/03/2020. 
9 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hCGyDmclpS8>. Acesso em 17/03/2020. 
10 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KafB0YTTa5A>. Acesso em 17/03/2020. 
11 COSTA, R. “Ramon Llull (1232-1316) foi o filósofo da tolerância na Idade Média?”, UNESP – Marília, 2017. Disponível em: 
<https://www.ricardocosta.com/artigo/ramon-llull-1232-1316-foi-o-filosofo-da-tolerancia-na-idade-media-o-livro-do-tartaro-e-o >. Acesso 
em 17/03/2020. 
https://www.britannica.com/place/Spain/Christian-Spain-c-1260-1479#ref587282
https://www.youtube.com/watch?v=hCGyDmclpS8
https://www.youtube.com/watch?v=KafB0YTTa5A
https://www.ricardocosta.com/artigo/ramon-llull-1232-1316-foi-o-filosofo-da-tolerancia-na-idade-media-o-livro-do-tartaro-e-o

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