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107
Enfermagem Brasil
Março / Abril 2010;9(2)
Artigo original
Comunicação não-verbal e história da 
enfermagem: as representações do uniforme 
na formação da identidade profissional
Teresa Cristina Prochet, D.Sc.*, Paulo Fernando Souza Campos, D.Sc.**, Taka Oguisso, D.Sc.***, 
Maria Julia Paes da Silva, D.Sc.****
*Integrante do Grupo de Pesquisa e Estudo sobre Comunicação em Enfermagem do CNPq, Docente Comissionada na Escola 
de Escola de Enfermagem da Universidade de SãoPaulo,**Historiador, Pós-Doutorando do Departamento de Orientação 
Profi ssional, Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Pesquisador do Grupo de Pesquisa História e Legislação de 
Enfermagem da CNPq,***Profa. Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Coordenadora do Grupo de 
Pesquisa de História e Legislação da Enfermagem do CNPq,****Profa. Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São 
Paulo e Coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Comunicação em Enfermagem do CNPq
Resumo
Este trabalho propõe refl etir em torno dos signifi cados atribuídos ao uniforme usado pela enfermeira. Considerado como 
linguagem não-verbal, o uniforme constitui objeto e fonte de estudos no campo da história da enfermagem. A perspectiva 
proposta entende que o uniforme usado a partir do advento da enfermagem moderna contribuiu para a resignifi cação da 
construção histórica e visual da enfermeira. Documentos e objetos históricos preservados na Escola de Enfermagem, da 
Universidade de São Paulo, permitem avaliar o alcance dos propósitos originais atribuídos ao uniforme da enfermeira, qual 
seja, conferir identidade profi ssional.
Palavras-chave: comunicação não-verbal, história da enfermagem, uniformes. 
Abstract
Non-verbal communication and nursing history: representations of the uniform for 
the professional identity construction 
Th is paper aims at refl ection around the meanings attributed to the uniforms worn by nurses. Considered as a non-verbal 
language, the uniform is an object and source for studies in the fi eld of nursing history. Th e proposed perspective understands 
that uniform worn since the beginning of modern nursing has contributed for a re-meaning of the nurse’s historical and visual 
construction. Historical documents and objects preserved at the University of São Paulo, School of Nursing, allow evaluating 
the original proposals attributed to the nurse’s uniform, that is, the professional identity. 
Key-words: nonverbal communication, nursing history, uniforms. 
Artigo recebido em 25 de fevereiro de 2010; aceito em 15 de março de 2010.
Endereço para correspondência: Teresa Cristina Prochet, Av. Dr Enéas de Aguiar Carvalho 419, 05403-
000 Cerqueira César SP, Tel: (11)3061-7545, tcprochet@usp.br, pfsouzacampos@usp.br, juliaps@usp.br, 
takaoguisso@usp.br
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Introdução
Comunicar é compartilhar. Compartilhamos 
nossas experiências de vida, projetos, sentimentos e 
manifestações ideológicas por intermédio do discur-
so ou das práticas cotidianas e, assim, expressamos 
nossa identidade. Comunicação é, pois, um processo 
pelo qual podemos entender o mundo, relacionar-se 
com os outros, transformar a si mesmo e a realidade 
circundante [1].
A comunicação permeia a vida da pessoa hu-
mana desde o nascimento, revelando a primazia da 
existência. Conceitualmente, a comunicação pode 
ser interpretada como um processo mediado por 
compreensão e troca de informações, mensagens 
que são enviadas por um emissor que, por sua vez, 
são decodifi cadas por um receptor, ratifi cando um 
dos principais aspectos da condição humana: a 
linguagem [1]. 
Existem várias perspectivas para o estudo 
da comunicação. As teorias que a fundamentam 
apontam para diferentes noções, como a que analisa 
o processo da forma comunicacional mais geral, 
chamada de sistêmica, ou a que aprofunda aspectos 
intrínsecos do ato de comunicar, como o interacio-
nismo simbólico, estudando a interação intrapessoal 
e interpessoal como fenômeno que infl uencia a 
socialização humana [2].
Nesta perspectiva, comunicação pode ser clas-
sifi cada como verbal ao referir-se às palavras ditas 
ou escritas e não-verbal, quando se expressa por 
intermédio de sinais tais como: gestos, silêncios, 
entonação e timbre da voz, toque, posição e distância 
corporal, aparência física, condições ambientais, 
posturas corporais e também através da vestimenta, 
objeto desta refl exão. Ambas, verbal e não-verbal, 
pretendem comunicar, transmitir, informar; ainda 
que nem sempre voluntariamente [1]. 
Nesse sentido, é possível afi rmar que a comu-
nicação (verbal ou não-verbal) interfere poderosa-
mente na formação das sociabilidades, portanto, a 
vestimenta está incluída nesse processo [1,3]. Como 
tipo de comunicação não-verbal, a relação proposta 
merece estudos mais aprofundados, em específi co 
no que concerne à Enfermagem. Contudo, sabemos 
que as vestimentas constituem estímulos não-verbais 
e estes infl uenciam as relações que, muitas vezes, são 
determinantes no processo de entendimento de uma 
informação; algo recorrente e de signifi cativa impor-
tância para o enfermeiro, que em seu cotidiano lida 
com as mais diversas formas de comunicação [4,5]. 
As diferentes funções da indumentária, como 
comunicação não-verbal, incluem elementos que 
permitem retraçar identidades. Não raro, atributos 
pessoais podem ser revelados pelas roupas como, 
idade, sexo, condição socioeconômica, humor, 
personalidade, interesses e outros valores. As cores 
das roupas, da mesma forma, possibilitam associá-las 
às ocupações de seus usuários e servem para predi-
zer comportamentos e infl uenciar o autoconceito 
de forma positiva ou o seu contrário, fabricando 
imagens e comportamentos que não correspondem 
com o real [4,6]. 
Silva et al. [7] propõem que a roupa determina 
nossas expectativas de conduta sobre o usuário, espe-
cialmente quando se trata de um tipo específi co de 
indumentária, vale dizer, o uniforme. A roupa pode 
ajudar, ou não, na aproximação entre as pessoas. 
Como via de mão dupla, a roupa pode promover 
sentimentos positivos diversos e ser motivo de ex-
clusão e segregação. 
Assim, a roupa usada pode incluir ou excluir 
pessoas, grupos ou categorias sociais, sobretudo se 
estas não forem compartilhadas pelo grupo receptor 
da mensagem impressa na vestimenta. Do mesmo 
modo, a roupa pode interromper a comunicação e 
Resumen
Comunicación no verbal y de la historia de la enfermería: las representaciones del 
uniforme en la formación de la identidad profesional
Este trabajo propone refl exionar sobre los signifi cados asignados a los uniformes utilizados por la enfermera. Considerado 
como lenguaje no verbal, el uniforme constituye objeto y fuente de estudios en el campo de la historia de la enfermería. 
El enfoque sugerido entiende que el uniforme utilizado desde el adviento de la moderna enfermería ha contribuido para la 
construcción histórica y visual de la enfermera. Documentos y objetos históricos preservados por la Escuela de Enfermería, 
de la Universidad de São Paulo, permiten evaluar el alcance de los propósitos originales atribuidos para el uniforme de la 
enfermera, cual sea, conferir identidad profesional.
Palabras-clave: comunicación no-verbal, historia de la enfermería, uniformes.
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a socialização, processo que no âmbito da enferma-
gem invariavelmente compromete a assistência, pois 
funda a comunicação em antagonismos existentes, 
gerando intolerância e preconceitos [4]. 
Evocar o tema da vestimenta usada pela enfer-
magem como um elemento da comunicação não-
verbal e analisá-la no campo das profi ssões permite, 
no caso específi co da enfermagem, problematizar 
o capital simbólico de suas representações. Trazer 
o tema para o campo da refl exão do enfermeiro 
permite, ainda, evidenciar valores e julgamentos 
formadores de opinião, cujos signifi cados podem 
auxiliar no entendimento de um dos símbolos da 
enfermagem,o uniforme, bem como perceber sua 
interferência na formação da identidade profi ssional. 
A refl exão proposta visa analisar a vestimenta 
da enfermeira como elemento constituinte da iden-
tidade profi ssional. Para tanto, pretende retraçar 
movimentos históricos que redimensionaram a 
vestimenta usada pela enfermeira, sobretudo após 
o advento da enfermagem moderna proposta por 
Florence Nightingale e, deste modo, evidenciar os 
uniformes utilizados por alunas da Escola de Enfer-
magem, da Universidade de São Paulo.
Material e métodos
Pesquisa histórica pautada na documentação 
existente no Centro Histórico Cultural da Enferma-
gem Ibero-Americana, da Escola de Enfermagem 
da Universidade de São Paulo, em específi co os 
uniformes usados pelas alunas da EEUSP entre as 
décadas de 1940 e 1970. O referencial teórico que 
fundamenta a refl exão proposta baseia-se em Pierre 
Bourdieu, especifi camente em sua teoria sobre o 
poder simbólico [8], na qual enfatiza a imposição 
e vigência dos signifi cados produzidos, sobretudo, 
sua interferência na formação das sociabilidades, 
identifi cando pessoas como superiores, inferiores 
ou iguais, vale dizer, de acordo com o que é (re)
afi rmado pelo capital simbólico ou por intermédio 
dele, no caso, os uniformes usados pelas enfermeiras 
e alunas da Escola de Enfermagem da Universidade 
de São Paulo. 
Resultados e discussão
Quando nos referimos à Enfermagem, imagens 
diferenciadas são evocadas e signifi cados também 
distintos formalizam representações construídas 
para sua principal personagem: a enfermeira. Em 
relevo, a indumentária aparece como determinante 
que possibilita reconhecer como os signos da vesti-
menta usada (ou não) pela enfermeira infl uenciam 
na construção dos discursos em torno da profi ssão.
A história da Enfermagem indica que original-
mente as ações do cuidado não distinguiam os sexos. 
Homens e mulheres atuavam como cuidadores 
nos mais diferentes espaços sociais, destacando-se 
a presença de religiosos, cuja rigidez disciplinar, 
autocontrole, fi rmeza e celibato imprimiram signifi -
cados próprios à ação de cuidar. Como ato sagrado, 
o cuidado era considerado uma ação caritativa, antes 
mesmo que terapêutica. Contudo, a indumentária 
identifi cava visualmente os cuidadores por intermé-
dio das cores e modelos. Ditados pelas diferentes 
congregações, a vestimenta usada pelos religiosos 
assumiu discretas mudanças ao longo do tempo, 
permanecendo praticamente inalterados [9].
Entretanto, a vestimenta religiosa não era 
coerente e tampouco compatível com as ativida-
des da Enfermagem. Os religiosos, assim como as 
mulheres, tinham difi culdades em movimentar-se, 
pois a pesada indumentária ou o uso dos esparti-
lhos difi cultavam suas ações. Florence Nightingale 
[10,11] questionou a representação religiosa do 
cuidado afi rmando que a enfermeira deveria ser 
ágil e silenciosa. 
Suas impressões se consubstanciam com a 
experiência vitoriosa da Guerra da Criméia (1860), 
na qual organizou o serviço de enfermagem de uma 
das bases inglesa. Para tanto, propôs a confecção de 
um uniforme composto por capa cinza de lã grossa, 
casaco de lã escuro, lenço marrom na cabeça com 
legenda em vermelho “Scuttari”, base militar para 
a qual fora designada juntamente com um grupo 
de mulheres voluntárias. O uniforme proposto pela 
fundadora da enfermagem moderna, além de retra-
tar as normas rígidas e formais de comportamento 
da época, impedia que o propósito original das ações 
de guerra se desviasse, vale dizer, o cuidado [11]. 
Em Notes on Nursing a grande dama inglesa 
afi rmou que “...uma enfermeira cuja vestimenta 
farfalha torna-se um pavor para o paciente, ainda 
que ele não saiba o porquê. O agitar da seda ou da 
crinolina, o chocalhar das chaves, o rangido de bar-
batanas e sapatos, fazem mais mal ao doente do que 
o bem que todos os remédios do mundo poderiam 
fazer-lhe” [12].
As alterações na vestimenta da enfermeira, 
a adequação ao trabalho, o surgimento de uma 
nova profi ssão, adquiriam características próprias 
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no quesito vestir. O modelo nursing proposto por 
Nightingale preocupava-se com a praticidade das 
vestimentas, que deveria revelar abnegação e ao 
mesmo tempo impedir a sensualidade que recaía 
sobre a moda feminina. Difundido pelo mundo 
ocidental, o rigor do modelo nursing, destacava os 
princípios da conduta pessoal e moral das alunas 
como prioridades. 
Ao estabelecer os pilares do modelo de ensino e 
de formação da enfermeira, Nightingale reconheceu 
no uniforme um instrumento de comunicação que 
identifi cava e diferenciava a enfermeira formada em 
seus preceitos, das religiosas, leigas e voluntárias. Ela 
acreditava que o uniforme causava impacto e era 
uma forma de conquistar respeito, pois sua intenção 
era utilizar o recurso como estratégia para a transfor-
mação em torno da visibilidade da nova profi ssão, 
consequentemente, da (nova) enfermeira [10].
A historiografia afirma que a enfermagem 
pré-nightingaleana era realizada por mulheres sem 
preparo formal, cuja origem desenraizada contribuía 
para a formação de uma imagem negativa da mulher 
que praticava o cuidado. Fortalecida pela literatura, 
a imagem da enfermeira era a de uma mulher vulgar, 
marginalizada, desleixada em seus modos de vestir 
e comportar-se publicamente. Invariavelmente, tais 
representações imprimiam uma visibilidade danosa 
às cuidadoras e à prática do cuidado que, por sua 
vez, era depreciado socialmente.
Nos Estados Unidos o uso do uniforme foi 
institucionalizado por volta de 1890 e tratava-se de 
roupas confeccionadas pelas próprias estudantes de 
enfermagem. Inicialmente, o mesmo foi associado à 
ideia de servidão, pois o visual do uniforme deixava 
a mulher nada atraente, empobrecida pela ausência 
de adornos e adereços, tecidos caros ou outros recur-
sos. Por conta da representação, muitas estudantes 
resistiram à sua adoção, porém acabaram por se 
sujeitarem à imposição, uma vez que seu uso era 
critério de avaliação, os quais incluíam recato, pro-
bidade, higiene, entre outros aspectos da aparência 
pessoal da mulher [13]. 
O uniforme era composto de saia longa, ape-
nas alguns centímetros do chão, possuíam punhos 
e mangas longas e apertadas, impedindo que as 
mãos fossem higienizadas satisfatoriamente [13]. 
A cor escolhida, o preto, vinculava-se ao espírito 
de seriedade essencial para a enfermeira, caracteri-
zada pelo “boletim moral” [13]. Quando algumas 
decidiam dobrar as mangas do uniforme, visando 
facilitar a prestação de cuidados, eram consideradas 
mulheres inconvenientes. Para o costume da época, 
a exposição do corpo era uma atitude ofensiva ao 
pudor e as que assim o faziam eram classifi cadas 
como oriundas de uma classe social desfavorecida, 
com formação insufi ciente [13].
Com a introdução da teoria microbiana, as 
saias e as mangas sofreram alteração e passaram a 
ser mais curtas, permitindo a lavagem das mãos e 
diminuição da transmissão de infecção pela indu-
mentária, como a barra da saia que tocava o chão 
e as mangas que, da mesma forma, tocava o corpo 
dos pacientes, contribuindo para a proliferação de 
doenças [13].
O avental foi usado como estratégia para guar-
dar objetos necessários ao processo de cuidar como 
lápis, tesouras, termômetro, chaves e fósforos. Essa 
peça do vestuário, ainda que funcional, era associada 
aos uniformes usados por trabalhadoras domésticas 
e, assim como o gorro ou touca, que também foi 
usado por motivos práticos (as mulheres tinham 
cabelos longos), compunham um visual subserviente 
e inferior, contribuindo para a construção de uma 
imagem simplória da enfermeira, pois não permitia 
o adorno do próprio cabelo [13]. 
O uso de penteados, que poderia ser um 
referencial de feminilidade ou destaque social era 
rechaçado por também revelar sensualidade. Os 
sapatos eram fechados, de cor preta e o uso de 
meias completavam a vestimenta das primeiras 
enfermeiras, como as formadas pela Nightingale 
TrainingSchool for Nurses no St. Th omas Hospital 
em Londres, Inglaterra [13].
O sistema de ensino conhecido como Mode-
lo Nightingaleano se espalhou rapidamente pelo 
mundo. Introduzido extraofi cialmente no Brasil 
em 1894, com a fundação do Hospital Samaritano, 
na cidade de São Paulo, o uso do uniforme seguia 
os princípios que lhes deu origem. A questão do 
uniforme aparece nos depoimentos coletados junto 
às alunas da Escola do Hospital Samaritano e reite-
ram o seu uso como elemento distintivo, exemplar, 
ainda que sem o glamour da moda feminina: “...
nós tínhamos que ter uma postura para não sermos 
confundidas com qualquer outra coisa, mesmo usando 
aquele uniforme horroroso, éramos mulheres cuidando 
de homens...”. [15,16]
Alcântara [15] bem como o acervo do Centro 
Histórico Cultural da Enfermagem Ibero-America-
na, da EEUSP, permite verifi car que a enfermeira 
não poderia suscitar desejo ou despertar a libido, 
conduzindo o tema para o campo das relações de 
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seu usuário como parte de um determinado grupo, 
situando-o quanto à hierarquia ocupada por cada 
membro; determinações que orientam, inclusive, o 
profi ssional de enfermagem no campo da adminis-
tração dos serviços. Os distintivos da indumentária, 
ainda que simbólicos, auxiliam o gerenciamento, a 
defi nição de tarefas e as tomadas de decisões [21]. 
Na década de 1990, com as novas perspectivas 
relativas à autonomia da enfermeira, concedida pela 
legislação do exercício de Enfermagem, os anseios 
de liberdade reinventaram o uniforme, que passou 
a ter modelos diferentes e criativos. Neste contex-
to, o jaleco foi incluído como principal referencial 
ao uniforme da enfermeira, ainda que o branco 
predominasse nos modelos usados sob o jaleco. Ge-
ralmente longo, com grandes bolsos laterais e com 
pequenos bordados que serviam para identifi cação 
de seu usuário ou do local de trabalho, o jaleco per-
manece como peça fundamental do guarda-roupa 
do enfermeiro [14]. 
Atualmente, a roupa branca compõe a indu-
mentária usada pela enfermeira. Na Escola de En-
fermagem da USP, o uso associado do azul marinho, 
ou mesmo sua combinação, tem sido também uma 
realidade [6]. Não existe uma regra ou um modelo 
imposto, percebe-se que os vestidos não são mais 
usados, mas substituídos por saia ou calça comprida, 
acrescido de jalecos de manga longa ou sem manga, 
porém brancos ou na tonalidade de azul escuro. 
O levantamento realizado por Silva et al. [7] 
indicou que, no caso específi co da EEUSP, o unifor-
me composto por saia acima do joelho, blusa branca 
e blazer azul marinho foi o escolhido pelos pacien-
tes, pelas enfermeiras e docentes de enfermagem 
quando essas estivessem realizando atividades que 
envolvessem a elucidação de dúvidas e orientação 
de alta. Observou-se também uma associação do 
uso de blazer como uma vestimenta que expressa 
maior formalidade. O uso de calça comprida e 
blusa brancas foi representado nesse estudo como 
reveladores de confi abilidade, segurança, inteligên-
cia, tranquilidade e prestatividade. Foi escolhido 
quando ações a serem realizadas tinham o caráter 
mais técnico (verifi cação de pressão arterial, auxiliar 
no banho, por exemplo). A supremacia do branco 
no âmbito da enfermagem tornou-se inquestionável. 
Conclusão
A refl exão proposta por este artigo implica 
considerar que as mudanças da indumentária da 
gênero. Havia um modelo único, todas as alunas 
possuíam o uniforme que deveria estar sempre 
engomado, assim como a touca. As alunas eram 
submetidas à observação e avaliação rigorosas, 
utilizando-se inclusive, notas para classifi car o grau 
de cumprimento de tais exigências [17]. O unifor-
me, como um capital simbólico, estendeu-se para as 
demais escolas de enfermagem do país e a vestimenta 
usada pela enfermeira passou a expressar o rigor 
moral exigido pela profi ssão. O uniforme era um 
signo que, decodifi cado, imprimia valores e regras 
morais de conduta à enfermeira.
As solenidades de imposição de insígnias, 
nesta perspectiva, assumiam capital importância 
sobrepondo, muitas vezes, a cerimônia de formatura 
[18]. Antes mesmo de se tornar uma profi ssional, a 
candidata à enfermeira precisava ser aprovada como 
aluna, e como tal já executava as lides cotidianas 
travadas no ambiente hospitalar ou fora dele. Os 
estudos fundados na oralidade e memória confi r-
mam as representações em torno das solenidades, da 
mesma forma, permitem dimensionar o alcance dos 
valores que revestiam tais momentos, não somente 
nos grandes centros urbanos, como São Paulo, mas 
em outros espaços de formação profi ssional, como 
revela o depoimento de uma aluna da Escola de 
Enfermagem Carlos Chagas - UFMG ao comemorar 
um ano de recebimento das insígnias: “Há um ano, 
depois de sacrifícios inauditos, eu recebia as insígnias 
de enfermeira, insígnias que me permitiam ser aluna 
da Escola de Enfermagem” [19]. 
O levantamento realizado por Hoga [20], em 
um conjunto de entrevistas e fotografi as, permite 
considerar como o uniforme foi preconizado pela 
Escola de Enfermagem da USP entre 1944 a 1990. 
Os resultados revelaram que até 1978 o uniforme 
foi branco e azul, e a cor azul assumiu diferentes 
matizes nesse processo, do claro ao escuro. O azul 
predominava como cor de vestido, do agasalho ou 
mesmo detalhes, como nas listras da blusa usada 
pelas alunas no fi nal dos anos 1970. Verifi cou-se 
também que por volta de 1955, o comprimento das 
saias era trinta centímetros do chão, independente-
mente da estatura da aluna. Somente em 1974 foi 
permitido o uso de calça comprida na cor branca. 
A touca nos cabelos foi usada até 1973, depois disso 
foi abolida.
O uso do uniforme representa o instrumento 
simbólico de poder assumido pela profi ssão, pois 
a indumentária representa uma forma de discurso 
autorizado. Como deliberativo simbólico identifi ca 
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enfermeira estão amplamente relacionadas com as 
representações e simbolismos que caracterizaram a 
profi ssão ao longo do tempo. A enfermeira compôs 
sua vestimenta visando resgatar valores tradicionais 
sem deixar de expor sua posição e seu poder. 
A imposição do uniforme como elemento 
distintivo, simbólico, redimensionou os signifi cados 
da ação de cuidar, favorecendo a reinterpretação 
dos sentidos atribuídos às enfermeiras. De acordo 
com a refl exão proposta, o uniforme serviu como 
código não-verbal e estabeleceu novos conteúdos 
cognitivos no processo de comunicação, redefi nindo 
as representações erigidas sobre e para sua principal 
personagem. 
A refl exão considera que o uniforme usado 
pela enfermeira constitui um capital simbólico de 
suma importância para a formação da identidade da 
enfermeira, e da enfermagem brasileira. Ainda que 
em desuso, sua representação é usada como código 
mediador da comunicação que se estabelece nos 
mais diferentes espaços de atuação profi ssional, con-
ferindo, por esse motivo, status social ao seu usuário.
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