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PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 68 ISSN 2447-620X EDUCAÇÃO INFANTIL EM TEMPOS DE PANDEMIA: EM BUSCA DAS BORBOLETAS Cristiane Suzart Cop Guimara�es crisuzart29@gmail.com Te�cnica em Assuntos Educacionais - Cole�gio de Aplicaça�o UFRJ Professora – SEEDUC-RJ Michele Morgane de Melo Mattos michele_morgane@id.uff.br Te�cnica em Assuntos Educacionais - Cole�gio de Aplicaça�o UFRJ Priscila de Melo Basí�lio cyla_basilio@yahoo.com.br Professora de Educaça�o Infantil - Cole�gio de Aplicaça�o UFRJ Resumo Este texto tem como objetivo tecer reflexo� es sobre a Educaça�o Infantil no atual cena� rio de pandemia que temos vivenciado, causado pelo Coronaví�rus, ví�rus causador da Covid- 19 e discute aspectos importantes da primeira etapa da Educaça�o Ba�sica sob uma perspectiva crí�tica que diverge dos condicionantes de uma visa�o neoliberal e suas conseque7ncias. Palavras-chave: Educaça�o Infantil; pandemia; neoliberalismo; infa7ncias. Introdução “Quatro crianças estavam correndo pelo pátio muito entusiasmadas em uma mesma direção. Em alguns momentos, elas mudavam o percurso de maneira harmoniosa e muito felizes. Não resisti, me aproximei delas e indaguei: - Ei, de que vocês estão brincando? Uma das crianças me olhou surpresa, como se eu não fosse capaz de perceber óbvio e disse: - Estamos seguindo aquela borboleta, ué! Fiz um enorme esforço e consegui, com espanto, vislumbrar uma minúscula e delicada borboleta amarela. Que consigamos vislumbrar a borboleta e que ela seja capaz de nos encantar”. (Cristiane Suzart) PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 69 ISSN 2447-620X O atual cena� rio pande7mico causado pelo Coronaví�rus, ví�rus causador da Covid- 19, tem incitado a comunidade escolar a (re) pensar a educaça�o e seus modos de organizaça�o. Na Educaça�o Infantil, cujas propostas pedago� gicas sa�o norteadas pelos eixos interaço� es e brincadeira, urge (re) inventar outras maneiras de interagir, de brincar, de se relacionar com o outro, com o espaço e com o objeto na escola. Sera� que, no retorno a> escola, apo� s esse perí�odo de pandemia, ainda havera� possibilidade de “seguir as borboletas” pelo pa� tio? Diante de um cena� rio ta�o obscuro e duvidoso, na�o sabemos como e quando retornaremos a> s escolas. Mas cabe tambe�m questionarmos: antes da pandemia, a Educaça�o Infantil vislumbrava a minu� scula e amarela borboleta do pa� tio? Permitia a> s crianças correrem livremente sendo movidas pelos seus desejos e curiosidades ou os seus atores estavam em uma sala emparedada realizando atividades descontextualizadas dos interesses delas? Nesse sentido, este artigo tem a intença�o de tecer reflexo� es sobre a Educaça�o Infantil em tempos de pandemia, propondo alternativas para esse perí�odo, sem perder de vista o cara� ter lu� dico e a importa7ncia do ví�nculo das crianças com a escola. Para tanto, iniciamos a reflexa�o abordando os efeitos do Neoliberalismo na Educaça�o Infantil; em seguida, refletimos sobre o protagonismo das relaço� es entre adultos e crianças; na terceira seça�o, tratamos de estrate�gias de ví�nculos com as famí�lias e crianças no perí�odo de pandemia; e, por u� ltimo, apresentamos modos mais solida� rios de existe7ncia: uma educaça�o contra a barba� rie. Por uma Educação Infantil na contramão do Neoliberalismo De acordo com Leher (2014), os setores dominantes da sociedade pensam “a educaça�o como uma pra� tica capaz de converter o conhecimento e a formaça�o humana em “capital humano” (p.1). Sob a perspectiva do modelo capitalista, que tem o mercado como o princí�pio fundador, unificador e autorregulador da sociedade, o ideal de uma educaça�o pu� blica e universal vem sendo substituí�do pelo entendimento de que a gesta�o da educaça�o deve ser transferida para a iniciativa privada cuja orientaça�o e� educar para produzir mais e melhor. Nesse sentido, sa�o valorizados sistemas de ensino e escolas que busquem reproduzir a lo� gica da competiça�o e as regras do mercado (LIBAE NEO; PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 70 ISSN 2447-620X OLIVEIRA; TOSCHI, 2012). A educaça�o passa, enta�o, a ser vista como uma mercadoria e na�o como um direito, reduzindo a participaça�o do Estado. Para Liba7neo, Oliveira e Toschi (2012), a nova ordem econo7 mica mundial, com o avanço das tecnologias e da globalizaça�o, requer indiví�duos com habilidades mais diversificadas e flexí�veis, portanto necessita de um ensino mais eficiente atrave�s de uma formaça�o geral sofisticada, estimulada pela competitividade, descentralizada, privatizada, seletiva, pautando-se pelo desempenho do indiví�duo. Com o advento da pandemia, os debates atuais que tratam sobre a Educaça�o Infantil apontam a necessidade de reafirmarmos as especificidades da faixa eta� ria atendida por esse segmento da Educaça�o Ba�sica para enfrentarmos os retrocessos que se apresentam atrave�s do incentivo a> produça�o de atividades, a> competitividade, ao uso de livros dida� ticos e de apostilas com os seus descritores de compete7ncias, dentre outras maneiras, em detrimento de uma escola que contempla a criança em seus desejos e curiosidades. Mas como a Educaça�o Infantil pode contestar esse tipo de proposta? Resistir a uma ordem econo7 mica que subordina os interesses da populaça�o ao capital, questionar os fundamentos da vida capitalista, agir em defesa da vida acima do lucro e propor novas formas de atuar para ale�m da sociedade do capital sa�o caminhos norteadores para pensar uma educaça�o transformadora, comprometida com as questo� es sociais visando a> diminuiça�o das desigualdades. Krenak (2020), uma importante liderança indí�gena, ao tecer reflexo� es sobre a pandemia causada pelo Coronaví�rus no mundo, afirma que: [...] dizer que a economia e� mais importante e� como dizer que o navio importa mais que a tripulaça�o. Coisa de quem acha que a vida e� baseada em meritocracia e luta por poder. Na�o podemos pagar o preço que estamos pagando e seguir insistindo nos erros (KRENAK, 2020, p. 16). Assim, o autor complementa que urgem novas relaço� es do ser humano com o outro e com o planeta. Acrescentamos que, na escola, e na�o haveria de ser diferente no segmento da Educaça�o Infantil, e� imprescindí�vel que novas formas de se relacionar com o mundo sejam construí�das tendo como pilares modos mais solida� rios de viver em coletividade, a valorizaça�o das diferenças entre as pessoas, o compromisso com a diminuiça�o das desigualdades, a contemplaça�o das coisas simples e desimportantes, a PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 71 ISSN 2447-620X religaça�o da criança com a natureza, se permitir aprender com elas. EM preciso, ainda, considerar que a “continuidade da vida no planeta depende de novas formas de sociabilidade e de subjetividade, comprometidas com a democracia e a sustentabilidade” (TIRIBA, 2010, p. 4). A qualidade nos espaços da Educaça�o Infantil e o seu modo de organizaça�o do currí�culo passam por um processo de mobilizaça�o democra� tica, de conscientizaça�o e de resiste7ncia a uma ordem econo7 mica que produz e acentua as excluso� es e desigualdades. Para Guattari e Rolnik (1986), em Micropolí�ticas: Cartografias do Desejo, “os afrontamentos sociais na�o sa�o mais apenas da ordem econo7 mica, eles se da�o tambe�m entre diferentes maneiras pelas quais os indiví�duos e grupos entendem viver a sua existe7ncia” (p. 86). Na�o pode haver fatalismo, e� preciso resistir a essa ideologia imposta, porque: A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz a> s vezes mansamente aceitar que a globalizaça�o da economia e� uma invença�o dela mesma ou um destinoque na�o poderia se evitar, uma quase entidade metafí�sica e na�o um momento de desenvolvimento econo7 mico submetido, como toda produça�o econo7 mica capitalista, a uma certa orientaça�o polí�tica ditada pelos interesses dos que dete7m o poder (FREIRE, 1997, p.142-143). Portanto, pensar a Educaça�o Infantil e a reflexa�o das infa7ncias contra uma lo� gica neoliberal e� romper com o tempo do imediatismo, e� pensar outras temporalidades. A infa7ncia na�o responde bem a> cronologia imposta pelo mundo das ma�quinas, cronometrado. O que buscamos e� uma educaça�o brincante, que desperte a alegria e potencialize o viver bem. Kohan (2004) apresenta a infa7ncia ao tempo aión, um tempo da vida, um tempo do brincar. Educação Infantil: pedagogia das relações O campo da Educaça�o Infantil vem se constituindo atrave�s de concepço� es teo� ricas que olham para a criança como sujeito histo� rico e de direitos, como produtora de cultura e na�o mais atrave�s de abordagens assistencialistas ou como preparaça�o/antecipaça�o para os conteu� dos do ensino fundamental. A criança tem direito a> infa7ncia, a brincar, a desenvolver suas potencialidades de forma integral. PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 72 ISSN 2447-620X A Resoluça�o n° 5/2009 fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaça�o Infantil (DCNEI), que, articulada com as Diretrizes Nacionais da Educaça�o Ba� sica, orienta a organizaça�o das propostas pedago� gicas da primeira etapa da Educaça�o Ba�sica. As interaço� es e a brincadeira sa�o os eixos norteadores para a construça�o de tais propostas, entretanto, entendemos que eles orientam tambe�m a nossa construça�o como seres humanos, enquanto crianças, adultos, professores e demais profissionais da escola e famí�lias, afinal, a escola e� feita de pessoas que se relacionam e na�o robo7 s e ma�quinas. Quando pensamos o currí�culo para os pequenos, na�o podemos deixar de evidenciar algumas particularidades, dentre elas, a responsabilidade da efetiva participaça�o de toda comunidade escolar. EM imprescindí�vel a interlocuça�o entre diferentes atores que compo� em o corpo social das creches e pre� -escolas. Pensar a qualidade da Educaça�o Infantil e� colocar a criança como centro do currí�culo, articulando as suas experie7ncias e saberes ao conhecimento produzido histo� rico e socialmente, visando a> sua ampliaça�o. Para tanto, e� necessa� ria uma escuta sensí�vel por parte dos professores para compreender que correr atra� s das borboletas no pa� tio significa deixar- se guiar pela curiosidade, postura investigativa e desejo das crianças. Para Malagguzzi: [...] em qualquer contexto, elas [as crianças] na�o esperam para apresentar questo� es a si mesmas para formar estrate�gias de pensamento, ou princí�pios, ou sentimentos. Sempre, e em todo lugar, as crianças assumem um papel ativo na construça�o e aquisiça�o da aprendizagem e da compreensa�o. Aprender e� uma experie7ncia satisfato� ria, mas tambe�m, como o psico� logo Nelson Goodman nos diz, compreender e� sentir desejo, drama e conquista (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016, p. 72). Compreendendo que a forma como o adulto se relaciona com a criança influencia na sua motivaça�o e aprendizagem, Malagguzzi complementa que e� preciso auxiliar a criança a sentir-se autora e inventora e a descobrir o prazer das investigaço� es, valorizando, assim, as suas expectativas (Ibidem). EM ainda Malagguzzi que aponta para uma abordagem baseada na relaça�o como uma dimensa�o fundamental de conexa�o do sistema de Reggio Emí�lia. Para o autor, “o sistema de relacionamentos tem em si mesmo uma capacidade virtualmente auto7 noma de educar” (Ibidem, p. 75). Por isso, a Educaça�o Infantil se constitui na pedagogia da relaça�o, ao dar importa7ncia a> voz da criança e as suas diversas formas de se expressar. PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 73 ISSN 2447-620X Desse modo, como assegurar todas essas especificidades da Educaça�o Infantil que convergem com uma pedagogia da relaça�o atrave�s de soluço� es ra�pidas e desesperadas que o momento pande7mico quer nos impor como Ensino Remoto ou, ainda que seja, uma Educaça�o a Dista7ncia (EaD)? O parecer nº 05/2020, emitido pelo Conselho Nacional de Educaça�o, traz orientaço� es sobre a reorganizaça�o do calenda�rio escolar e atividades pedago� gicas na�o presenciais em raza�o da pandemia da Covid-19. Para a Educaça�o Infantil, o parecer sugere o desenvolvimento de materiais de orientaço� es aos pais ou responsa�veis com atividades educativas de cara� ter eminentemente lu� dico, recreativo, criativo e interativo, para realizarem com as crianças em casa, enquanto durar o perí�odo de emerge7ncia (CNE/CEB, 2020). No entanto, e� importante demarcar que as aço� es pedago� gicas na�o presenciais na�o se configuram a mesma coisa que EaD, visto que essa u� ltima tem diretrizes e legislaço� es que a regulamentam. Embora a Educaça�o Ba� sica tenha recorrido a atividades virtuais como uma possibilidade de garantir a continuidade do ano letivo dos estudantes, valer-se exclusivamente do ensino domiciliar interativo de aprendizagem produz mais desigualdades, pois nem todos te7m acesso a> internet ou ao computador, tampouco os meios eletro7 nicos podem substituir o que somente e� garantido na relaça�o entre os sujeitos no cotidiano da escola. Neste momento, sobretudo na Educaça�o Infantil, defendemos que as escolas pensem em formas diferenciadas de manter ví�nculos com as crianças, considerando as diferentes realidades existentes. No item a seguir, propomos algumas possibilidades para a manutença�o dos ví�nculos com as crianças e famí�lias. Estratégias de vínculos com as famílias e crianças no período de pandemia Uma vez que a abordagem de educaça�o em Reggio Emilia surgiu a partir de um movimento de colaboraça�o entre os pais, Malagguzzi aponta para a importa7ncia da relaça�o ou parceria entre as famí�lias, as crianças e os educadores, colocando esses atores no centro de interesse da abordagem, visto que a intença�o e� a construça�o de uma escola PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 74 ISSN 2447-620X conforta�vel, onde crianças, professores e famí�lias sintam-se em casa (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 2016). Ao considerar a criança como o centro do planejamento curricular das instituiço� es de Educaça�o Infantil, as DCNEI entendem que isso significa tambe�m compreender seus grupos culturais, em particular suas famí�lias. Nesse sentido, Oliveira ressalta que: Esse princí�pio [participaça�o da comunidade] reforça a gesta� o democra� tica como elemento imprescindí�vel, uma vez que e� por meio dela que a instituiça�o tambe�m se abre a> comunidade, permite sua entrada, e possibilita sua participaça�o na elaboraça�o e acompanhamento da proposta curricular. A gesta�o democra� tica da proposta curricular deve contar na sua elaboraça�o, acompanhamento e avaliaça�o, tendo em vista o Projeto Polí�tico-pedago� gico da unidade educacional, com a participaça�o coletiva de professoras e professores, demais profissionais da instituiça�o, famí�lias, comunidade e das crianças, sempre que possí�vel e a> sua maneira (OLIVEIRA, 2010, p. 7). Muitas vezes, as vozes dos pais, das ma�es, dos responsa�veis e das crianças na�o esta�o incluí�das na elaboraça�o do currí�culo, como se eles e elas tivessem que se sentir plenamente felizes com o que os especialistas teriam imaginado (VANDENBROECK, 2009). A Constituiça�o Federal, de 1988, teve um papel muito importante para pensar a parceria da escola-famí�lia na educaça�odos seus filhos. Essa parceria precisa ser construí�da no cotidiano das creches e pre� -escolas, em uma relaça�o de colaboraça�o: EM dever da famí�lia, da sociedade e do Estado assegurar a> criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito a> vida, a> sau� de, a> alimentaça�o, a> educaça�o, ao lazer, a> profissionalizaça�o, a> cultura, a> dignidade, ao respeito, a> liberdade e a> convive7ncia familiar e comunita� ria, ale�m de coloca� -los a salvo de toda forma de neglige7ncia, discriminaça�o, exploraça�o, viole7ncia, crueldade e opressa�o (BRASIL, 1988, art. 227). Neste momento, reforçar e estreitar os ví�nculos entre a escola e a famí�lia fortalecem a comunidade escolar para, juntos, pensarem em novas formas e possibilidades para a Educaça�o Infantil em tempos de pandemia. Como a escola pode contribuir, na�o de forma impositiva, mas sim de forma solida� ria, com as famí�lias que esta�o em casa com as crianças vivenciando o perí�odo de quarentena? Em quais aspectos PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 75 ISSN 2447-620X a famí�lia pode participar do fazer pedago� gico da instituiça�o? Ora, as DCNEI’s fornecem pistas importantes: a brincadeira e as interaço� es. Como uma alternativa para a manutença�o de ví�nculos entre a instituiça�o, famí�lias e crianças, o Cole�gio de Aplicaça�o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp – UFRJ) criou uma plataforma on-line para ser o locus institucional para toda a comunidade escolar. A criaça�o da plataforma na�o se trata de oferecer EaD, mas sim de propor uma comunicaça�o e parceria entre todo o corpo social durante o perí�odo de impossibilidade de encontros presenciais com segurança. Neste canal de encontros, disponibilizamos imagens, ví�deos, entrevistas, textos, sugesto� es de brincadeiras que convidem as famí�lias a> experimentaço� es e vive7ncias que possam ser compartilhadas na plataforma. No primeiro semestre de 2020, o Segmento da Educaça�o Infantil, inspirado na obra do poeta Manoel de Barros, construiu o projeto “Minha casa e� maior que o mundo” que tem como objetivo promover a aproximaça�o e o estreitamento dos laços afetivos entre crianças, famí�lias e escola, em tempo de pandemia. Enquanto organizadores/as do processo educativo, o que os/as educadores/as podem oferecer a> s crianças, agora, e� aquilo que, antes de ser direito, e� condiça�o para a existe7ncia plena: um cotidiano brincante. AX s famí�lias que ainda te7m seus direitos garantidos para poderem cumprir esses dias de isolamento fí�sico, diante de um paí�s desigual em que nem todos dispo� em do mesmo direito, o que a Educaça�o Infantil pode aconselhar e� aquilo que lhe e� basilar: a brincadeira como um ato tambe�m de resiste7ncia. As crianças tera�o ainda muito tempo para as letras e os nu� meros, portanto na�o cabe aos responsa�veis exercerem o papel da doce7ncia em casa, com sobrecargas e presso� es. Instrumentalizar a educaça�o com excessos de atividades visando a uma tentativa de escolarizaça�o descontextualizada significa perder uma grande oportunidade de ouvir as crianças e junto com elas construir novas possibilidades de existe7ncia, como bem afirma Drummond: brincar com crianças na�o e� perder tempo, e� ganha� -lo; se e� triste ver meninos sem escola, mais triste ainda e� ve7 -los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercí�cios este�reis, sem valor para a formaça�o do homem. Dessa forma, os pape� is que as famí�lias devem vivenciar neste momento sa�o os de, simplesmente, serem pais, ma�es, avo� s, avo7 s, e tambe�m, bruxas, fadas e magos no campo da imaginaça�o. PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 76 ISSN 2447-620X No entanto, para estarmos abertos ao que as crianças te7m a dizer sobre esse momento que estamos vivendo, e� preciso na�o subestimarmos a capacidade que elas te7m de interpretar, de abstrair, de expressar de diferentes maneiras o que pensam e sentem, sobre esse contexto de pandemia, de forma verbal e na�o verbal. Quantas vezes interditamos suas escolhas pela presunça�o de tentarmos encaixar em seus olhos as lentes que, de acordo com os nossos olhos, cabem nos seus. Muitas vezes as tais lentes que julgamos caber sa�o ta�o limitadoras e autorita� rias que as obrigam a cumprir um planejamento engessado que impede que elas corram livremente seguindo o voo da minu� scula borboleta. Pensar em novas formas de se relacionar com o mundo exige de no� s um olhar descomprometido com toda estrutura lo� gica de pensamento que regula a sociedade em que vivemos, e quem melhor que uma criança pode apresentar esse olhar liberto de estigmas, desafiador de convenço� es? Quem consegue enxergar sem muitas dificuldades a minu� scula borboleta amarela? Vigotski, em Imaginação e criação na infância (2018), ao tratar da relaça�o entre fantasia e realidade, ressalta o quanto sa�o basilares as experie7ncias das crianças para a construça�o da imaginaça�o: “quanto mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; maior e� a quantidade de elementos da realidade de que ela dispo� e em sua experie7ncia; sendo as demais circunsta7ncias as mesmas, mais significativa e produtiva sera� a atividade de sua imaginaça�o” (VIGOTSKI, 2018, p. 25). A escola deve garantir um espaço de escuta e de construça�o da autonomia. Precisamos estar abertos para ouvirmos de que forma as crianças, em suas va� rias infa7ncias significaram esse contexto de pandemia que se impo7 s e alterou toda a nossa rotina. Quando compreendemos o que as crianças trazem, enquanto produtoras de histo� ria e de cultura, deve ser considerado de forma respeitosa, construí�mos ví�nculos fundamentais que norteara�o os tipos de relaço� es que queremos construir com elas daqui para frente. Ouvir suas vozes significa desatar os no� s da opressa�o adultoce7ntrica. EM momento de ouvirmos e observarmos as crianças e o muito que elas te7m para nos dizer, resgatando o lugar de aprendizagem do adulto, que pode ser ale�m do de intervir ou de conduzir, pode, por exemplo, se deixar ser conduzido pelo pensamento da criança. Enquanto na�o for possí�vel seguir borboletas no pa� tio ou na praça, as crianças PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 77 ISSN 2447-620X podem seguir as formigas ou outros insetos que a sua curiosidade possa direcionar dentro de casa. Algumas brincadeiras podem ser resgatadas das memo� rias das famí�lias e compartilhadas com todos, sa�o as brincadeiras tradicionais, como: escravos de Jo� , peteca, esconde-esconde, amarelinha, pular corda, ela� stico ou, ate� mesmo, contaça�o de histo� rias, cozinhar juntos, dentre outras atividades lu� dicas e prazerosas, que podem ser adaptadas ao ambiente em que a criança se encontra. Portanto, novas formas de relacionamentos e de ser e de estar no tempo e no espaço va�o se construindo, fortalecendo ví�nculos. Modos mais solidários de existência: uma educação contra a barbárie Enquanto famí�lias que perderam entes queridos para a Covid-19 ainda tentam viver o seu luto para prosseguir com a caminhada da vida, a economia pressiona a sociedade para retomar a> sua "normalidade". Nesse contexto, as escolas va�o sendo obrigadas a pensar o seu retorno para atender a uma lo� gica capitalista que e� determinante na sociedade. A escolha que muitos governantes te7m realizado, guiados por um pensamento neoliberal, e� extremamente absurda: arriscar vidas e� preterido a perder trinta dias, noventa dias ou, que seja, o ano escolar. EM disso que estamos falando. Todas as crianças, gestores, professores e profissionais da Educaça�o devem ter o direito a> vida garantido. Ainda mais em um paí�scom tanta vulnerabilidade, as crianças na�o podem ser negligenciadas num momento ta�o difí�cil como esse que estamos enfrentando. Vidas esta�o em jogo e pessoas morrem a cada minuto. E daí?1 Na�o podemos compactuar com pensamentos que isentam o poder pu� blico de qualquer responsabilidade. A perda da sensibilidade que nos permite perceber que as nuances da vida na�o se resumem a essa lo� gica e� explicada por Bauman (2001) como um esfriamento das relaço� es humanas na sociedade moderna, concebida por ele como modernidade lí�quida, caracterizadas por laços sociais fracos entre os indiví�duos e um desengajamento entre o sistema e seus agentes livres. O sistema vigente, por sua vez, leva a> s pessoas a atuarem como ma�quinas, na maioria das vezes, sempre respondendo a alguma demanda externa, 1 SENRA, Ricardo. 5 vezes em que Bolsonaro disse 'e daí�?' Sobre temas importantes. BBC News Brasil em Londres, 2020. Disponí�vel em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-52478242>. Acesso em: 11 de ago. de 2020. PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 78 ISSN 2447-620X pois elas ja� na�o te7m mais capacidade para se ouvir, de ficar em sile7ncio e de “perder tempo” com o que e� encarado como desimportante. Entretanto, agora, podemos (re) aprender outro modo de existir, como bem escreve, em Memo� rias Inventadas – A Infa7ncia, o poeta Manoel de Barros: “Dou respeito a> s coisas desimportantes e aos seres desimportantes/ (...) Eu fui aparelhado para gostar de passarinhos. / Tenho abunda7ncia de ser feliz por isso. / Meu quintal e� maior do que o mundo” (BARROS, 2003, p.26). Desse modo, com o poeta, podemos aprender que e� necessa� rio “perder tempo” com as coisas que sa�o consideradas “desimportantes” pela sociedade atual, que vivencia os reflexos do capitalismo desenfreado. Uma Educaça�o Infantil comprometida com novos modos de vida aponta para o uso como um antí�doto daquilo que o capitalismo considera um veneno. Devemos sim “perder tempo” com as coisas consideradas desimportantes. Façamos a todos um convite: brinquem, dancem, cantem, inventem, experimentem outros modos de existe7ncia! E, quando retomarmos nossas vive7ncias e experie7ncias escolares, estejamos mobilizados por uma nova forma de existir que nos foi “roubada” pela lo� gica do lucro e da economia capitalista, por uma orientaça�o polí�tica ditada pelos interesses dos que dete7m o poder. Iniciemos, neste momento de tempos difí�ceis, um diferente estilo de existir/viver, um projeto de transformaça�o em favor da revoluça�o nas concepço� es de ser humano e de ser social, atuando numa perspectiva de humanizaça�o, de resgate da experie7ncia, de conquista da capacidade de ler o mundo, com experie7ncias de educaça�o e socializaça�o em que se pratique a solidariedade entre crianças e adultos, em que existam laços de coletividade. Considerações finais Diante do que foi exposto, concluí�mos que e� possí�vel a sociedade vislumbrar um mundo mais humanizado e solida� rio apoiando-se na educaça�o como um instrumento de luta pela diminuiça�o das desigualdades sociais e por formas mais justas, alternativas e inovadoras de existe7ncia que va�o na contrama�o de um desenfreado projeto capitalista de sociedade. A Educaça�o Infantil, que vivencia uma temporalidade diferente do PRÁTICAS Revista Práticas em Educação Infantil – vol. 5; nº 6 79 ISSN 2447-620X imediatismo da sociedade, caminha nessa perspectiva ao garantir propostas pedago� gicas que contemplem a curiosidade da criança – como o voo das minu� sculas borboletas –, dando importa7ncia ao que o mundo despreza; que preza pela escuta sensí�vel das crianças; que dialoga com a famí�lia construindo parcerias, que valoriza a diversidade. O cena�rio atual que temos diante da pandemia e� incerto e inseguro, afinal, estamos aprendendo sobre o Coronaví�rus ao mesmo tempo em que estamos convivendo com ele e com os seus impactos. Por isso, no momento da escrita deste texto, defendemos que na�o e� hora de voltar a> escola, mas sabemos que, em algum momento, isso sera� feito. Entretanto, pensamos que qualquer retorno so� deve acontecer com base em protocolos pensados e discutidos de modo intersetorial, envolvendo toda a comunidade escolar, inclusive a famí�lia. Sabemos que esse retorno na�o podera� ser igual para todos, visto que cada estado, cidade e instituiça�o te7m suas demandas e particularidades. Se muitas creches e pre� - escolas ja� na�o possuem uma estrutura fí�sica, alimentaça�o e materiais adequados para o seu funcionamento em tempos “normais”, o contexto atual torna-se mais agravante. Tal situaça�o demanda uma forte mobilizaça�o e conscie7ncia de todas as partes da comunidade escolar para lutar por melhores condiço� es. Enquanto esse retorno na�o acontece, propomos que as famí�lias possam usufruir, junto a> s crianças, das coisas simples, “inu� teis” e “desprezadas” pelo mundo, contemplando o calor do sol e a brisa no rosto, os insetos, resgatando as velhas brincadeiras, contando histo� ria e assim o mundo pode ir se humanizando atrave�s da construça�o de novas relaço� es, mais potentes. E quem sabe assim teremos uma sociedade que consiga vislumbrar a minu� scula e delicada borboleta amarela. Referências: BARROS, Manoel. Memórias inventadas: A Infa7ncia. Rio de Janeiro: Planeta do Brasil, 2003. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plí�nio Dentizien. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2001. BRASIL/MEC/SEB. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Secretaria de Educaça�o Ba� sica. – Brasí�lia: MEC, SEB, 2009. 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