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A PSICOLOGIA NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA , 1 2 Martyn Shuttleworth Desde o início da civilização e o estabelecimento das primeiras religiões e crenças espiri- tuais, vários sacerdotes, xamãs e líderes espirituais foram responsáveispelo bem-estar mental de seu povo. Dos xamãs aos cabalistas judeus, curar a mente era parte importante do caminho espiritual; mesmo que o tratamento fosse formulado em magia e mistério, usando rituais para expulsar demônios. Se definirmos a psicologia como um estudo formal da mente e uma abordagem mais sistemática para a compreensão e a cura das condições mentais, então os gregos da anti- guidade certamente foram os primeiros proponentes. Tal como aconteceu com muitos es- tudos científicos, Aristóteles esteve na vanguarda do desenvolvimento dos fundamentos da psicologia. A psicologia de Aristóteles, como seria de se esperar, estava entrelaçada a sua filosofia da mente, do raciocínio e da ética; mas o método psicológico começou com sua mente brilhante e abordagem empírica. Claro, seria injusto concentrar-se plenamente na psicologia de Aristóteles, sem estudar alguns dos outros grandes pensadores que contribuíram para a história da psicologia; mas seu trabalho certamente é a base de métodos modernos. Qualquer psicólogo moderno de valor entende perfeitamente o pensamento básico aristotélico e reconhece sua contribui- ção para a história da psicologia. 1. A psicologia de Aristóteles e a influência de Platão Dar à Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) o crédito completo por ser o primeiro pensador a desenvolver uma teoria proto-psicológica é ser injusto com alguns dos outros filósofos da Grécia antiga e além. No entanto, embora haja poucas dúvidas de que os babilônios e os budistas, entre outros, desenvolveram conceitos envolvendo a mente, o pensamento e o raciocínio, grande parte de sua tradição foi transmitida por via oral e, desafortunadamen- te, perdida. Por esta razão, os gregos da antiguidade forneceram um ponto de partida útil, à medida que aprofundamos nossa investigação sobre a história da psicologia. O mestre de Aristóteles, Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.), forneceu algumas infor- mações úteis sobre a estrutura teórica da mente humana, baseada, em grande parte, em sua elegante TEORIA DAS FORMAS. Platão usou a ideia de uma psiché, uma palavra usada para descrever tanto a mente como a alma, para desenvolver uma estrutura áspera do comportamento humano, do raciocínio e dos impulsos. Martyn Shuttleworth (19 de junho, 2010). Aristotle's Psychology. Recuperado em 20 de Dezembro, 2017 1 de Explorable.com: https://explorable.com/aristotles-psychology. Tradução para o português do professor Sylvio Allan Rocha Moreira. Alterações no texto são de inteira 2 responsabilidade do tradutor. 1 https://explorable.com/aristotles-psychology Platão propôs que a mente humana fosse o lugar de todo o conhecimento e impressa com todo o conhecimento que o homem precisava. Como resultado, aprender era uma questão de desbloquear e utilizar esse conhecimento incorporado, um processo que ele chamou de ANAMNESE. Em sua famosa obra, A REPÚBLICA, Platão desenvolveu essa ideia e propôs, pela pri- meira vez, a ideia de que a mente consistia de três partes entrelaçadas, chamadas de MENTE TRIPARTITE. a) logistikon: o intelecto, o assento do raciocínio e da lógica. b) thumos: o centro espiritual da mente e responsável pelas emoções e pelos sentimen- tos. c) epithumetikon: governa os desejos e apetites (impulsos). Segundo Platão, a mente saudável descobriu um equilíbrio entre as três partes, e uma dependência excessiva sobre essas partes levava à expressão da personalidade. Por exem- plo, a gula e o egoísmo podem ser explicados pelo domínio do epithumetikon, permitindo que os desejos governem o comportamento. Em A REPÚBLICA, um tratado voltado a teorizar a sociedade perfeita, Platão propôs que os governantes de tal sociedade, aqueles que determinavam o rumo e a política, deveri- am ser selecionados dentre os homens onde o logistikon dominava. Indivíduos com um forte epithumetikon seriam excelentes comerciantes e obtentores de riqueza, enquanto que o thumos, que pode ser identificado com a vontade e a coragem, era o domínio do soldado. Mais tarde, Platão renunciou a sua ideia de uma mente tripartite e retornou a propos- tas anteriores de uma explicação dualista para a mente, equilibrada entre o intelecto e o desejo. No entanto, essa divisão de três caminhos ressurgiria na ideia de Aristóteles de uma trindade de almas; com base na ideia prevalecente em muitas sociedades e religiões, que deram uma reverência ao número três, os psicanalistas do século XX mantiveram a ideia de uma mente humana equilibrada entre três instâncias psíquicas (id, ego, supere- go). 2. A psicologia de Aristóteles: Para Psyche Aristóteles, a partir do trabalho dos filósofos anteriores a ele e de seus estudos sobre a mente, o raciocínio e o pensamento, escreveu o primeiro tratado conhecido na história sobre psicologia, chamado Para Psyche (Sobre a alma). Neste trabalho histórico, ele apre- sentou os primeiros princípios do estudo do raciocínio, os quais determinaram a direção da psicologia; muitas das suas propostas continuam a influenciar os psicólogos modernos. 2 No livro, a definição de psique, como era comum na época, usava MENTE e ALMA de forma intercambiável, sem a necessidade dos filósofos gregos antigos de fazer a distinção entre os dois. Nesse período, com exceção do ateísmo de Theodorus, os filósofos gregos consideravam a existência da influência divina como um fato. Somente Sócrates realmen- te questionou se o comportamento humano e a necessidade de ser uma "pessoa boa" eram motivados pela busca da felicidade pessoal, em vez de apaziguar uma vontade divina. Em Para Psyche, Aristóteles propôs que a mente fosse a PRIMEIRA ENTELÉQUIA, ou prin- cipal razão para a existência e o funcionamento do corpo. Esta linha de pensamento foi fortemente influenciada pelos estudos de Aristóteles sobre zoologia, que propôs existirem três tipos de almas que definem a vida: a alma da planta (vegetativa), a alma animal (animalia) e a alma humana (rationalia), que deram à humanidade a habilidade única de raciocinar e criar. Curiosamente, essa alma humana foi o último elo com o divino e Aristó- teles acreditava que a mente e a razão poderiam existir independentemente do corpo. Aristóteles foi um dos primeiros a examinar as motivações e os impulsos que regem e definem a vida, acreditando que a libido e o desejo de se reproduzir são o impulso pri- mordial de todos os seres vivos, influenciados pela alma vegetativa. Enquanto Aristóteles ligou parcialmente isso ao processo de alcançar a imortalidade e cumprir os propósitos de uma mente divina, ele propôs esse impulso reprodutivo muitos séculos antes de Darwin. Essa ideia é um bom exemplo de um dos grandes avanços mentais intuitivos que definem o legado de Aristóteles. 3. A psicologia de Aristóteles sobre os impulsos e os desejos Continuando com esta linha de pensamento, Aristóteles tentou abordar as relações en- tre impulsos e desejos na mente humana, muitos anos antes de Freud ressuscitar alguns dos princípios básicos da psicologia de Aristóteles com sua teoria psicanalítica. Aristóteles acreditava que, ao lado da libido, estavam o desejo e a razão, duas forças que determi- navam as ações. A psicologia de Aristóteles propôs que permitir o desejo dominar a razão levaria a um desequilíbrio insalubre e à tendência de realizar ações ruins. Aqui, o pensamento de Aris- tóteles criou um paradigma que permaneceu incontestável por séculos e que ainda sus- tenta o trabalho da psicologia e da filosofia modernas, onde o desejo é renomeado como emoção, e a razão, como racionalidade. Incomumente, Aristóteles também entendeu a importância do tempo sobre as ações de uma pessoa, onde o desejo está voltado para o presente e a razão está voltada para o fu- turo e para as consequências a longo prazo. Comuma aparente e ligeira divergência na sociologia, para Aristóteles, este curto prazo e busca por resultados imediatos é uma das forças motrizes por trás dos colapsos econômicos, da degradação ambiental e do popula- rismo político. 3 Talvez mais pessoas devessem estudar Aristóteles e suas ideias sobre o que motiva o comportamento humano. Ele pode, com bastante legitimidade, ser chamado de “primeiro behaviorista” e base dos trabalhos de B. F. Skinner e I. Pavlov, dois dos nomes mais famo- sos na história da psicologia. A psicologia de Aristóteles incluiu um estudo sobre a formação da mente humana, como uma das primeiras digressões no debate NATUREZA vs. APRENDIZAGEM, que influencia muitas disciplinas acadêmicas, incluindo, psicologia, sociologia, educação, política e geo- grafia humana. Aristóteles, ao contrário de Platão, era um defensor da aprendizagem, afirmando que a mente humana estava vazia no nascimento e que educar o indivíduo, ex- pondo-os às experiências, definiria a formação da mente e construiria um repositório de conhecimentos. 4. A história da psicologia e da medicina na Grécia Antiga Platão e Aristóteles adotaram uma abordagem filosófica e abstrata para definir o com- portamento humano e a estrutura da mente; mas essa não foi a única contribuição dos filósofos helenísticos. O desenvolvimento da medicina grega na antiguidade introduziu o estudo da fisiologia na história da psicologia, propondo que havia razões físicas subjacen- tes a muitas doenças mentais. O principal representante foi o pai da medicina, Hipócra- tes, que propunha que a epilepsia tivesse uma causa física e não era uma maldição envia- da pelos deuses. Ao contrário de Aristóteles, que via o coração como a sede do pensamento e da razão, Hipócrates entendeu a importância do cérebro. Este debate continuou, com médicos como Praxágoras ainda sustentando que o coração e as artérias ligavam o pensamento, através de um fluido misterioso chamado pneuma. Em um experimento, Herophilus e Erasistratus receberam permissão do governante de Alexandria, no Egito, para realizar vivissecções em criminosos e determinaram que o sis- tema nervoso e o cérebro controlam o corpo e, portanto, são o lugar da razão. No entan- to, eles ainda acreditavam que o coração envia pneuma para todo o corpo, além de con- trolar processos inconscientes, como o metabolismo. Em contraste, os nervos enviam pneuma "psíquico" para todo o corpo. Essas experiências trouxeram muita informação, mas introduziram a ética médica na história da psicologia, um debate que hoje se desdo- bra. Embora seus estudos tenham sido abomináveisquando analisados através da lente da história, a história da psicologia do século XX também inclui alguns pontos de referência infames e indesejados. 5. A história da psicologia: Galeno e os Quatro Humores Após Hipócrates, foi o médico Galeno quem forneceu o elo entre os gregos antigos e a psicologia islâmica. De origem grega, este brilhante médico e pesquisador ganhou o res- 4 peito de sucessivos imperadores romanos por sua habilidade e capacidade, e continuou a produzir volumes de trabalho cobrindo muitos aspectos da condição humana, da psicolo- gia à cirurgia ocular. Ele propôs a ideia dos QUATRO HUMORES no corpo humano, cada um, responsável por um aspecto diferente da condição humana; e acreditava que um desequilíbrio entre os quatro humores afeta o bem-estar físico e mental. Esta abordagem holística da medicina ligava inextricavelmente a mente ao corpo, um aspecto somente recentemente retomado pela medicina moderna, que ainda tende a tratar as condições físicas e os sintomas sem muito atentar à saúde mental e vice-versa. Os quatro humores de Galeno eram: a) Sanguíneo: o sangue, relacionado ao elemento ar e fígado, dita a coragem, a es- perança e o amor. b) Colérico: a bile amarela, relacionada ao elemento fogo e à vesícula biliar, pode levar ao mau humor e à raiva excessiva. c) Melancólico: a bile negra, associada ao elemento terra e baço, leva à insônia e irritação. d) Fleumático: fleuma, associado ao elemento água e cérebro, responsável pela ra- cionalidade, mas supressor das emoções. Galeno acreditava que o equilíbrio desses quatro humores é influenciado pela localiza- ção, dieta, ocupação, geografia e uma série de outros fatores. Embora essa ideia de hu- mores esteja incorreta, influenciou o pensamento médico e psicológico durante séculos e foi desenvolvida ainda mais pelo grande estudioso islâmico Ibn-Sina (também chamado Avicena). Essa ideia de olhar para todo o corpo e a mente, em vez de culpar a feitiçaria e os es- píritos, certamente influenciou a medicina e a história da psicologia, embora algumas das curas usadas para aliviar a acumulação de um humor, como a sangria, fossem prejudiciais. Para os comentadores modernos, a ideia dos humores parece um pouco primitiva e ba- seada em um conhecimento limitado da psicologia. No entanto, a importância de Galeno, não pela natureza exata de sua teoria, mas pelo fato de que suas ideias terem sido o pri- meiro paradigma a se afastar da ideia de condições mentais tendo uma fonte sobrenatu- ral, e buscando respostas na fisiologia. Não é surpresa que seu trabalho sobre a psicologia e a mente, bem como, sobre outras disciplinas, se tornou a espinha dorsal da redescoberta islâmica dos gregos; suas ideias foram copiadas e acrescentadas pelos estudiosos islâmicos. 5
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