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TCC- ENFERMAGEM UFRR (24)


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA 
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE 
CURSO BACHAREL EM ENFERMAGEM 
 
 
 
 
 
KELYHORRARA LIMA FERNANDES 
 
 
 
 
 
DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA POR PUÉRPERAS NA ASSISTÊNCIA DURANTE 
O TRABALHO DE PARTO E PARTO EM UMA MATERNIDADE DE REFERÊNCIA 
EM BOA VISTA – RR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA-RR 
2020 
 
 
 
 
 
KELYHORRARA LIMA FERNANDES 
 
 
 
 
 
 
 
DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA POR PUÉRPERAS NA ASSISTÊNCIA DURANTE 
O TRABALHO DE PARTO E PARTO EM UMA MATERNIDADE DE REFERÊNCIA 
EM BOA VISTA – RR 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito para a 
conclusão do curso de Bacharelado em Enfermagem do 
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal 
de Roraima. 
Orientadora Prof.ª Me. Tarcia Millene de A. C. Barreto 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BOA VISTA-RR 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) 
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: 
Shirdoill Batalha de Souza - CRB-11/573 - AM 
F363d Fernandes, Kelyhorrara Lima. 
Discriminação percebida por puérperas na assistência 
durante o trabalho de parto e parto em uma maternidade de 
referência em Boa Vista – RR / Kelyhorrara Lima Fernandes. – 
Boa Vista, 2020. 
63 f. 
 
Orientador: Profª. Dra. Tarcia Millene de Almeida Costa Barreto. 
Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima, Curso 
de Bacharelado em Enfermagem. 
 
1 – Discriminação. 2 – Assistência. 3 – Parto institucionalizado. 4 – 
Parturiente. 5 – Aspectos socioeconômicos. I – Título. II – Barreto, 
Tarcia Millene de Almeida Costa (orientadora). 
 
CDU – 618.4-083 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
A Deus por todos seus planos e desígnios, pelo destino que me levou ao curso 
de enfermagem permitindo que eu me encontre nessa jornada de autodescobrimento 
diária. 
Eternamente grata à minha família que nunca me faltou e sempre teve fé 
inabalável na minha capacidade mesmo quando eu pensava diferente. À minha mãe 
por sua dedicação e suporte sem o qual eu nunca teria alcançado o fim deste curso, 
agradeço por facilitar o meu caminho quando o da senhora foi tão tortuoso. Ao meu 
pai pelo modo peculiar de manifestar suas preocupações e as mensagens no celular 
que sempre me trazem um sorriso ao rosto. Ao meu irmão pelas palavras 
encorajadoras e planos mais ambiciosos que os meus, obrigada também pela minha 
cunhada que é uma pessoa maravilhosa. 
Aos meus amigos e companheiros Pammela, Lucas e Manuela que me 
acompanharam em todos os momentos, compartilhando os meus lamentos e 
frustrações do mesmo modo que participaram das alegrias e conquistas. Às minhas 
parceiras de longa data que se fazem presente independentemente da labuta do dia, 
Ianna, Jack, Larissa, Silvia e Rayssa. Aos meus colegas de turma que viraram amigos, 
especialmente à Lorrayne que me permitiu presenciar um dos momentos mais 
importantes de sua vida. Pretendo cultivar essas amizades pelo resto da vida. 
Agradeço à minha estimada orientadora Professora Tárcia Barreto pelos 
conselhos e pela disponibilidade. Obrigada por corrigir meus excessos e considerar 
minhas ideias. 
Ao corpo docente e administrativo do Curso de Enfermagem e Centro de 
Ciências da Saúde pelo trabalho caprichado apesar das limitações. 
À Banca examinadora por serem tão solícitos e acessíveis. 
Agradecimento especial às participantes da pesquisa que partilharam suas 
experiências e possibilitaram a concretização dessa pesquisa. 
Grata aos preceptores de estágio que nos acolheram em seu local de trabalho. 
A todos que não foram citados, mas de forma direta ou indireta contribuíram 
para minha formação. 
Por fim, agradeço a minha pessoa que resistiu às dificuldades e não desistiu 
mesmo ciente da opção, estou orgulhosa. 
 
RESUMO 
O parto institucionalizado está enraizado nas questões de desigualdade de gênero 
relacionadas à assistência médica. Além da perda de autonomia à qual a mulher está 
mais propensa na escolha do ambiente hospitalar para o parto, a sua origem social, 
raça e posição econômica também irão afetar profundamente a experiência que ela 
terá durante a internação. O presente estudo teve como objetivo principal investigar a 
ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência ao 
trabalho de parto e parto no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré 
(HMINSN). Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa, de caráter 
descritivo que buscou identificar o perfil sociodemográfico e tipo de atendimento 
prestado às puérperas. Participaram da pesquisa 21 puérperas internadas na Ala das 
Rosas do HMINSN, a coleta de dado se deu no mês de julho de 2020 através de 
entrevista gravada com roteiro semiestruturado. Para análise de dados utilizou-se do 
Método de Bardin. Nos dados sociodemográficos das participantes verificou-se 
predominância de mulheres autodeclaradas pardas, com renda até um salário mínimo 
e sem ocupação formal, de nacionalidade brasileira e venezuelana. Durante análise 
dos discursos percebeu-se tratamentos desfavoráveis no discurso das participantes, 
sendo eles: atrasos no atendimento, negligências no cuidado durante internação, falta 
de consentimento informado e tratamentos rudes e/ou ignorantes. Verificou-se nos 
achados da pesquisa características sociais como fatores predisponentes nas 
situações de discriminação percebida, porém não foi possível apontar as diferenças 
de tratamento de acordo com cada aspecto social analisado, uma vez que as 
características sociais das participantes que referiram os tratamentos discriminatórios 
mostraram-se similares às demais puérperas entrevistadas. Constatou-se que os atos 
discriminatórios não foram uma constante a uma determinada característica 
socioeconômica, mas sim a casos que podem ser denominados aleatórios por 
conduta individual do profissional provedor do serviço. 
 
 
Palavras-chave: Discriminação. Assistência. Parto institucionalizado. Parturiente. 
Aspectos socioeconômicos. 
 
 
ABSTRACT 
Institutionalized parturition is rooted in the issues of gender inequality related to 
medical care. In addition to the loss of autonomy to which the woman is most prone in 
choosing the hospital environment for childbirth, her social origin, skin color and 
economic situation will also profoundly affect the experience she will have during 
hospitalization. The present study aimed to investigate the occurrence of self-
perceived discriminatory treatment by puerperal women during labor and delivery at 
the Maternal and Child Hospital Nossa Senhora de Nazaré. This is a qualitative, 
descriptive field research that sought to identify the sociodemographic profile and type 
of care provided to the puerperal women. Twenty-one recent mothers admitted to the 
HMINSN Rosas Wing participated in the research. Data collection took place in July 
2020 through a recorded interview with a semi-structured script. For data analysis, the 
Bardin Method was used. In the sociodemographic data of the participants, there was 
a predominance of self-declared brown women, with income up to a minimum wage 
and without formal occupation, of Brazilian and Venezuelan nationality. During 
analysis, unfavorable treatments were perceived in the sample, namely: delays in care, 
negligence in care during hospitalization, lack of informed consent and rude or/and 
rough treatments. In the research findings, social characteristics were found to be 
predisposing factors in situations of perceived discrimination, but it was not possible to 
point out the differences in treatment according to each social aspect analyzed, since 
the social characteristics of the participants who mentioned the discriminatory 
treatmentswere shown similar to the other interviewed mothers. It was found that 
discriminatory acts were not a constant in a given socioeconomic characteristic, but in 
cases that can be called random due to the individual conduct of the professional 
providing the service. 
 
 
Keywords: Discrimination. Assistance. Institutionalized delivery. Parturient. 
Socioeconomic aspects. 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO 8 
2 PROBLEMA DA PESQUISA 9 
3 HIPÓTESE 10 
4 OBJETIVOS 10 
4.1 OBJETIVO PRIMÁRIO 10 
4.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS 10 
5 JUSTIFICATIVA 10 
6 REVISÃO DE LITERATURA 11 
6.1 DISCRIMINAÇÃO 11 
6.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE 12 
6.3 HISTÓRICO DO TRABALHO DE PARTO E DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO 14 
6.4 PARTO NO BRASIL, CARACTERIZAÇÃO DE UMA ASSISTÊNCIA MARCADA 
POR DESIGUALDADES. 18 
7 METODOLOGIA 21 
7.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO 21 
7.2 LOCAL DO ESTUDO 21 
7.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA 22 
7.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 22 
7.4.1 Critérios de inclusão e exclusão 23 
7.5 ANÁLISE DE DADOS 23 
7.6 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS 24 
8 RESULTADOS E DISCUSSÃO 25 
8.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO 25 
8.3 DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA 29 
8.3.1 Atrasos no atendimento 29 
8.3.2 Negligências no cuidado durante internação 30 
8.3.3 Falta de consentimento informado e comunicação ineficaz 32 
8.3.4 Tratamentos rudes e/ou ignorantes 33 
8.4 TRATAMENTOS DESFAVORÁVEIS GENERALIZADOS OU 
DISCRIMINAÇÃO? 35 
8. 5 SATISFAÇÃO COM ATENDIMENTO E SEUS DETERMINANTES 36 
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 38 
 
REFERÊNCIAS 39 
APÊNDICE A 48 
APÊNDICE B 52 
APÊNDICE C 54 
ANEXO 1 57 
ANEXO 2 63 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
Todas as relações humanas são definidas pelo contexto social no qual os 
indivíduos estão inseridos. As dinâmicas ocorrem circunstanciadas pela estratificação 
social onde aqueles que compartilham de certas semelhanças, (cor de pele, gênero, 
orientação ou status socioeconômico) são agrupados. 
Não seria nada sensacionalista afirmar que a posição social de um ser 
humano exerce grande influência em todos os âmbitos de sua vida. Assim as suas 
futuras experiências são previamente definidas por fatores além de seu controle. 
As características que o encaixam em algum grupo social marginalizado será 
o seu fator definidor de acesso às condições de qualidade de vida até que haja uma 
intervenção externa que busque a inclusão desses grupos através de um olhar 
pautado na equidade (BARATA, 2009). 
Quando falamos de acesso à saúde no Brasil mesmo com um sistema de 
saúde público pautado em lei na equidade, integralidade e universalização do acesso, 
as situações de discriminação não estão ausentes. 
Os estigmas sociais, preconceitos e discriminação são pautados na ideia 
instituída de superioridade de um grupo em relação a outro. Como são construções 
sociais, modificam-se de acordo com o contexto no qual ocorrem e de acordo com o 
background das experiências, senso de moral e/ou comportamento ideal particular a 
cada indivíduo, todas as ideias pré-concebidas antes do primeiro contato com o outro 
ser (MASSIGNAM et al., 2015). 
Logo, quando falamos em discriminação nos ambientes de assistência à 
saúde, pensamos em dois sujeitos: o profissional que prestará a assistência e o cliente 
que será assistido e as desigualdades sociais servirão de pano de fundo contextual 
no qual a assistência se dará (MONTEIRO; CECCHETTO, 2011). No momento da 
assistência estabelece-se uma relação de poder, no qual o profissional da saúde 
detentor do saber científico, o seu produto a ser negado ou partilhado, dependendo 
do seu julgamento de “merecimento” do cliente. 
Levando as ideias apresentadas ao âmbito da assistência obstétrica, o cliente 
só pelo fato de ser mulher já está sujeita a maior discriminação pelo seu gênero e a 
condição da gravidez (OLIVEIRA, 2017). O desenvolvimento histórico da ciência 
obstétrica baseia-se na figura masculina paternalista do médico especialista no sexo 
9 
 
feminino que se inseriu nas salas de parto tomando o lugar das parteiras e difundiram 
a ideia da segurança do saber científico em detrimento do saber acumulado por 
experiências das parteiras (BRASIL, 2010). O médico homem toma o lugar de 
protagonismo das mulheres, rompendo com a união do feminino da sala de parto e 
exercendo seu poder de dominação numa clara expressão das desigualdades das 
relações de gênero. 
O parto institucionalizado está enraizado nessas questões de desigualdade 
de gênero relacionadas à assistência médica. A partir do momento que o parto deixa 
de ser domiciliar para ocorrer no ambiente hospitalar, a mulher deixa e de ser sujeito 
e o corpo gravídico se torna objeto de intervenção médica, numa perda de autonomia 
e vontade (VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). 
 Mesmo com a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos e as mudanças 
ocorridas na sociedade contemporânea em relação ao papel da mulher exerce, a 
assistência realizada em maternidades e centros obstétricos ainda não perderam o 
caráter tutelar, pois a mulher que está em trabalho de parto é considerada como 
incapaz por maioria dos profissionais e assim eles se sentem no “dever” de tomar as 
decisões, pois são dotados do saber científico e esse fato os qualifica para a posição 
de poder (CASSIANO, 2016). 
Relacionando as ideias apresentadas, além da perda de autonomia à qual a 
mulher está mais propensa a ser vítima na escolha do ambiente hospitalar para o 
parto, a sua origem social, raça e posição econômica também irão afetar 
profundamente a experiência que ela terá durante a transformação do seu papel social 
de “mulher” para o de “mãe” (MARTIN, 2006). 
Desta forma, o presente estudo é orientado por significados sobre a 
ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência 
ao trabalho de parto e parto em uma maternidade de Roraima. 
 
2 PROBLEMA DA PESQUISA 
Diante do exposto questiona-se: ocorre discriminação por fatoes 
sociodemograficos na assistência ou no cuidado oferecido à mulher durante o 
trabalho de parto e parto, na percepção da puérpera? 
10 
 
3 HIPÓTESE 
As mulheres percebem discriminação durante a assistência no trabalho de 
parto e parto por causa de suas características sociodemográficas tais como cor, 
nacionalidade, classe social, nível de escolaridade e status socioeconômico. 
4 OBJETIVOS 
4.1 OBJETIVO PRIMÁRIO: 
Analisar a ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas 
durante a assistência ao trabalho de parto e parto em uma maternidade de referência 
em Boa Vista-RR. 
4.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS 
● Identificar perfil sociodemográfico das puérperas das participantes do estudo; 
● Conhecer as situações assistenciais autopercebidas como de caráter 
discriminatório as mulheres durante o trabalho de parto e parto; 
● Descrever a satisfação na assistência prestada a mulheres durante o trabalho 
de parto e parto. 
5 JUSTIFICATIVA 
A ideia desta pesquisa surgiu a partir de experiências vividas durante o 
período em que atuei como ligante da Liga Acadêmica de Enfermagem Obstétrica de 
Roraima (LAEO-RR), no decorrer dos plantões pude observar algumas diferenças nos 
atendimentos durante os partos assistido, e como os profissionais aparentavam 
“julgar” o quanto a parturiente era digna ou não de sua atenção. 
Questionei-me se essa situação estava ligada a fatores de cor, nacionalidade 
e classe social das parturientes ou era apenas um produto das condições de trabalho 
desfavoráveis. Devido ao fato de que, historicamente, mulheres pretas ou pardas e de 
classes sociais menos favorecidas sofrem mais discriminação nos serviços de saúde, 
optei pela primeira opção e decidi desenvolver esta pesquisa. 
A discriminação em ambientes de assistência à saúde toma diversas formas, 
por ser sutil na maioria das vezes não é notada pelos clientes. Assim, ao buscar a 
opinião destes e identificar o que os mesmos consideram como discriminação,abre-
11 
 
se novos horizontes para a discussão de como a discriminação percebida influencia 
no estado de saúde e satisfação do usuário em relação à assistência recebida nos 
serviços de saúde. 
6 REVISÃO DE LITERATURA 
6.1 DISCRIMINAÇÃO 
A partir da década de 1920 com desenvolvimento da Sociologia enquanto 
ciência houve um aumento das pesquisas sobre o tema e o enfrentamento das 
desigualdades relacionadas ao preconceito e discriminação, pois esses eventos 
sociais deixaram de ser percebidos como consequências naturais das relações entre 
os diferentes grupos e começaram a ser entendidas como problemas sociais 
(MASSIGNAM et al., 2015). 
Parker (2012) define discriminação como um comportamento negativo em 
resposta a ideias pré-concebidas de valor relativas a um determinado grupo social, ou 
seja, uma forma consumada do preconceito e estigma. Celeste (2015) considera 
discriminação como manifestações concretas do preconceito, atingindo pessoas ou 
grupos sociais, e esses atos podem acontecer em diversas esferas da vida em 
sociedade. 
Entende-se que discriminação implica em uma ação em que há indivíduos que 
possam ser identificados: a vítima, o perpetrador e possivelmente uma testemunha 
(MONTEIRO; VILLELA, 2013). As formas de discriminação dependem das interações 
e relações sociais para a sua ocorrência e acontecem de acordo com o contexto, há 
questões objetivas (ter, ser, portar), subjetivas (psicológicas, vivências), culturais 
(modismos, hábitos de classe), e histórico-contextuais (significados do 
comportamento) que vão ser implicadas simultaneamente. (MONTEIRO; 
CECCHETTO, 2011; GONÇALVES et al., 2012). 
Grande parte das pesquisas realizadas nos últimos anos sob o tema da 
discriminação, concluíram que as vítimas mais comuns são mulheres, negros, 
homossexuais, indivíduos com baixa autoestima ou depressão, de menor posição 
socioeconômica e obesos (GONÇALVES et al., 2012). 
Embora o Brasil tenha sido considerado no exterior como uma “democracia 
racial”, a realidade se distancia dessa expressão. Portanto há uma preocupação com 
12 
 
discriminação de uma forma geral, fato expresso no texto da Constituição Federal de 
1988. 
A formulação da Constituição Federal de 1988 ocorreu no período de 
redemocratização do país, contexto importante e marcado pelas lutas dos movimentos 
sociais, não obstante a esse fato discorre no seu preâmbulo valores para a promoção 
da igualdade. E no seu Art. 3º dos “Objetivos Fundamentais da República” parágrafo 
IV discorre: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, 
idade e quaisquer outras formas de discriminação”. No Art. 5º garante “Todos são 
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros 
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, 
à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. 
Mesmo que expresso na lei maior do país, o preconceito e discriminação estão 
enraizados na sociedade brasileira, sendo constante a preocupação do governo, 
principalmente no tangente ao âmbito da saúde levando à criação de políticas públicas 
objetivando o acesso equitativo, a serem citadas: Política Nacional de Saúde Integral 
da População Negra, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do 
Sistema Único de Saúde (PNH), Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da 
Mulher e Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Entretanto, 
essas políticas mostram-se distantes para anulação dos atos discriminatórios 
arraigados nos estabelecimentos de saúde. 
6.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE 
Desde o século XIX, as desigualdades sociais em saúde vêm sendo 
documentadas, a estrutura política e social que se estabeleceu com o Sistema 
Capitalista e a estratificação das classes sociais resultante do processo contribuiu 
para um arranjo social que se mantém até a atualidade. No qual o estado de saúde 
físico e mental, as exposições ao risco e vulnerabilidade variam de acordo com a 
posição sociais (BARATA, 2009). 
Nos últimos anos a questão do preconceito e discriminação advindos das 
desigualdades sociais vem sendo alvo dos holofotes e está é considerada como 
problema de saúde pública por influenciar no acesso aos serviços de saúde e impactar 
na saúde mental e física de populações que são tratadas inadequadamente 
(MASSIGNAM et al., 2015; BOCCOLINI et al., 2016). 
13 
 
 Essa desigualdade percebida está fortemente relacionada a questões de 
gênero, raça e classe. Essas características da vida de um indivíduo se entrecruzam 
no que Cordeiro e Ferreira (2009) definiu como o “processo de exploração-dominação 
baseado na articulação dessas três estruturas de organização social”. Sendo assim, 
os atos discriminatórios não se limitam apenas a uma dessas características, mas 
num revezamento destas (não necessariamente havendo a exclusão de uma delas), 
onde de acordo com o momento ou local cada uma delas pode ser o maior 
determinante para a discriminação. 
No âmbito da saúde a discriminação pode ser definida como tratamentos 
injustos ou desfavoráveis dirigidos a um indivíduo ou a categorias sociais, 
manifestando-se na forma de atrasos no atendimento, negligências, assédio moral e 
até recusas no tratamento (CELESTE, 2015). 
Com a implantação do Sistema único de Saúde – SUS através da Lei 
Orgânica 8.080 de 19 de setembro de 1990 (Dispõe sobre as condições para a 
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos 
serviços correspondentes e dá outras providências) que estabeleceu o princípio da 
universalização do atendimento, houve uma redução de qualidade dos serviços 
públicos devido ao aumento da demanda sem melhorias na infraestrutura para o 
atendimento da população (GOUVEIA et al., 2005). 
Com esta falha do sistema em cobrir de forma eficiente toda a população, 
aqueles com maior poder econômico migram para a assistência privada em saúde, 
segundo dados do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011), em 2008, a 
maior parte dos atendimentos do SUS se concentra em usuários com faixa de renda 
entre um quarto e meio salário mínimo e a população negra representa 67% dos 
atendimentos e a branca 47,2% do público total atendido. Deve-se considerar 
também que 37,8 % da população adulta preta ou parda avaliaram sua saúde como 
regular, ruim ou muito ruim, enquanto apenas 29,7% da população branca relatou o 
mesmo. 
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 identificou que 74,8% das 
pessoas brancas consultaram um médico nos últimos 12 meses, contra 69,5% dos 
pretos e 67,8% dos pardos. Barata (2009) afirma que o número de consultas médicas 
é diretamente proporcional à renda familiar, para ambos os sexos. Segundo o Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), brancos têm em média maiores 
salários e são menos expostos ao desemprego, já os pretos, pardos e indígenas 
14 
 
quase sempre têm indicadores socioeconômicos mais desvantajosos, o que corrobora 
com os resultados. 
Das 146,3 milhões de pessoas com 18 anos ou mais no Brasil analisadas na 
PNS/2013, 10,6% (15,5 milhões) delas relataram discriminação nos serviços de 
saúde. Dentre essas pessoas, 11,6% eram mulheres, 11,9% pessoas de cor preta, 
11,4% eram pardas, e 11,8% pessoas sem instrução ou com ensino fundamental 
incompleto. Dessas pessoas 15,5 milhões, 53,9% relataram como motivo percebido 
para a discriminação sendo a falta de dinheiro e 52,5% a classe social. 
Um estudo com clientes do SUS, realizado por Gouveia e colaboradores 
(2005) em 2003, identificou que 9% dos participantes da pesquisa sentiram que 
receberam pior tratamento devido à falta de dinheiro e 8% por causa de sua classe 
social. As seguintes porcentagens correspondem a clientes internados que relataram 
algum tipo de discriminação e sua causa: 1,4% pela cor da pele, 14,9% fatores 
financeiros,13,1 pela classe social e 2,3 devido ao sexo. 
Ainda que a que a falta de dinheiro e a classe social permaneçam como 
maiores determinantes percebidos para a discriminação em serviços de saúde, 
Boccolini e colaboradores (2016) aponta que houve uma queda da prevalência destes 
fatores em relação à PNS/2013 e a PNS/2003. Sugerindo que o motivo dessa 
diminuição possa ser a implantação de políticas sociais do no âmbito do Sistema 
Único de Saúde. 
6.3 HISTÓRICO DO TRABALHO DE PARTO E DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO 
O trabalho de parto como processo fisiológico e natural, desde os primórdios 
da civilização humana foi realizado num ambiente feminino, a mulher como 
protagonista sendo assistida por outras mulheres, formando um laço fortalecido na 
empatia e pelas experiências compartilhadas. 
As parteiras tradicionais que prestavam assistência durante o parto domiciliar, 
também cuidavam da saúde da mulher, pré-natal, puerpério e aconselhavam a 
respeito de cuidados com o recém-nascido. Além disso, exerciam um papel na 
comunidade, enquanto conselheira, curadora e amiga (PALHARINI; FIGUEIRÔA, 
2018; PIMENTA et al., 2013). 
Na maioria das vezes, as parteiras eram mulheres que receberam pouca 
instrução, pobres, casadas ou viúvas e consideravam o ato de partejar como “dom 
divino”. O conhecimento que detinham era adquirido a partir da observação da 
15 
 
atuação de outras parteiras ou por suas vivências e experiências (PIMENTA et al., 
2013). 
Entre o século XVI e XVII, a grande maioria dos partos eram assistidos por 
parteiras, e somente em casos mais graves o cirurgião ou médico eram chamados. 
Raramente os profissionais homens eram convocados devido ao excesso de pudor 
da época (ACKER et al. 2006). 
O início da medicalização do trabalho de parto teve seus primórdios em países 
europeus como França e Inglaterra, com o crescimento do pensamento de que o corpo 
é uma máquina (Paradigma Mecanicista) na medicina ocidental durante o século XVII 
e XVIII. O útero e o ventre foram definidos como bombas que atuariam na expulsão 
do feto sob as condições favoráveis. Essa nova visão na qual o útero é a máquina e 
o médico o mecânico, influenciou na criação das “ferramentas” necessárias para 
consertar a “máquina que apresenta defeitos” (MARTIN, 2006). 
Durante esse mesmo período, o fórceps foi desenvolvido e estudado. Criado 
pelo inglês Peter Chamberlen, tal instrumento poderia ajudar nos partos mais 
demorados e difíceis embora pudesse mutilar a criança e dilacerar o corpo gravídico. 
O cirurgião munido de suas ferramentas para corrigir as “falhas do corpo” ganha o 
“comando” para o evento do parto, realizando-o de acordo com a sua competência e 
propagando a ideia de que o seu método era superior ao das parteiras (BRASIL, 2010; 
MARTINS, 2004). 
Essa visão mecanicista e fragmentada possibilitou avanços na ciência médica 
e alavancou a produção científica. Porém, a construção da imagem médico como 
especialista em mulheres representando a ciência prejudicou a assistência obstétrica 
prestada e contribuiu para o desenvolvimento do modelo biomédico de assistência, 
que desconsidera os outros aspectos psicológicos, culturais, sociais e econômicos da 
vida do ser humano (BRASIL, 2010). 
Consequentemente, ganha força no início do século XX o movimento de 
transferência do parto do ambiente domiciliar para o hospitalar. Durante essa 
transformação da assistência, na troca da parteira pelo médico, Palharini e Figueirôa 
(2018) considera como manifestação das relações de desigualdade de gênero, pois o 
conhecimento acumulado das parteiras perde espaço para o exercício da medicina 
validada política e socialmente. A prática do parturiar é desvalorizada, fazendo com 
que as práticas populares das parteiras sejam marginalizadas e o homem invade o 
território antes exclusivamente feminino (PALHARINI; FIGUEIRÔA 2018). 
16 
 
O conhecimento institucionalizado masculino e o discurso médico científico 
fizeram com que aos poucos a mulher deixasse de ser sujeito e torna-se objeto de 
intervenção. Nessa relação nova que é construída, entre a mulher e o médico, a 
parturiente torna-se submissa, perdendo sua autonomia e assumindo um papel 
passivo. (VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). 
Alguns autores concordam que talvez a mudança perceptível que melhor 
ilustre a nova relação de poderes estabelecida durante o parto institucionalizado seja 
a adoção da posição litôtonica, para que o médico possa visualizar melhor o canal de 
parto e seja mais confortável para que o mesmo utilize seus instrumentos (ACKER et 
al. 2006; PONTES et al. 2014; VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). 
No primeiro momento da institucionalização do parto, o médico é o principal 
responsável pela tomada de decisão. No entanto, ao passar dos anos, os hospitais 
sob a lógica do capitalismo se transformam em empresas e o médico no papel de 
empregado está à mercê do novo sistema. Para que a empresa obtenha lucro, é 
necessário que se obtenha maior produção num determinado espaço de tempo, logo 
o bebê saudável seria o “produto” e para maior produtividade o operário (médico) 
deveria empregar as tecnologias mais eficazes no trabalho de parto para melhor uso 
do tempo (MARTIN, 2006). 
O parto altamente tecnocrático roteirizado estabelece-se como prática 
habitual, com o uso de analgesias (principalmente uma combinação de morfina no 
início do trabalho e escopolamina ao final do período expulsivo) as mulheres sequer 
assistiam ao parto, pois amarradas às mesas inconscientes tinham seus corpos 
manipulados pelos médicos. Ao passar dos anos a sedação completa foi deixada de 
lado devido aos riscos e os altos índices morbimortalidade maternas e perinatais 
(DINIZ, 2005). 
Ayres e colaboradores (2018) ao analisar produção científica obstétricas do 
século XX, percebeu a implicação da tomada de decisão como exclusiva da figura do 
médico, e a passividade da mulher que está baseada na confiança cega que as 
mesmas eram levadas a ter nesse profissional. No modelo medicalizado e 
institucionalizado, o médico é a “barreira” que a livrará dos traumas e dores do parto 
visto como processo patológico, uma ideia que os eles mesmos eram responsáveis 
por dissipar. 
A partir da década de 1950, profissionais dissidentes começaram a se 
organizar movimentos a favor de uma mudança no modelo Tecnocrático do parto, a 
17 
 
exemplo o “Parto sem dor” na Europa que propôs as primeiras ideias que formaram o 
Movimento pela Humanização do Parto e do Nascimento (DINIZ, 2005). 
Na segunda geração do “Parto Sem Dor”, o movimento traz valores 
individualistas e libertários ao campo, especialmente a sexualidade da mulher e o 
envolvimento do pai no processo. Ainda criticavam a medicalização da saúde e 
objetivavam a construção de uma equipe multiprofissional para diminuir a influência 
do saber biomédico dominador que era alvo da crítica (TORNQUIST, 2002). 
Nos anos 60, o Movimento Feminista através da implantação de centros de 
saúde feminista e os Coletivos de Saúde das Mulheres faz sua entrada na frente de 
batalha em busca dos direitos das mulheres (DINIZ, 2005). Não obstante deve-se ao 
movimento a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos enquanto direitos 
humanos, marco na assistência à saúde da mulher. 
O chamado feminismo contemporâneo exerceu impacto ao questionar o 
determinismo biológico da maternidade, até então o destino das mulheres se tornarem 
mães nunca tinha sido refutado. Ao discutir a construção social da maternidade 
possibilitou abrir o debate à dominação do sexo masculino e a violência de gênero 
explícita nas relações sociais e familiares (SCAVONE, 2001). 
Os estudos feministas desse momento histórico foram de grande valia para a 
recuperação da boa imagem das parteiras que tinha sido ofuscada pelo modelo 
tecnocrático de assistência. Recuperam escritos de parteiras e lançaram holofotes a 
respeito da solidariedade feminina e o controle que tinham do partoem outrora 
(MARTINS, 2004). 
Moldado pelas discussões apresentadas, o conceito de Parto Humanizado 
ganha forma, remetendo a uma atenção pautada num resgate à “humanidade” do 
parto e nascimento. A humanização tem um significado amplo e dinâmico, mas está 
ligado a práticas que promova um retorno ao que é natural, com enfoque na autonomia 
da mulher, intervenções mínimas e procedimentos comprovadamente benéficos 
(principalmente não farmacológicos) que garantam um parto e nascimento saudáveis 
(MAIA, 2010). 
Seguindo essa corrente ideológica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) 
lançou em 1985 o texto “Tecnologias apropriadas para o parto e nascimento” (no 
original “Appropriate Technology for Birth”). O primeiro de uma série de 
recomendações sistematizadas a partir de estudos que comprovavam a sua 
segurança e eficácia dos métodos, com propostas acerca de medidas para a mudança 
18 
 
da assistência, como o incentivo à diminuição de intervenções, participação ativa da 
mulher, liberdade de escolha da posição de parir, incentivo ao parto vaginal, presença 
de acompanhantes, o fim de rotina de episiotomia e indução do parto, entre outras 
(DINIZ, 2005; TORNQUIST, 2002). 
É notório como são lentos os avanços ao longo dos anos na mudança do 
modelo assistencial obstétrico. Há uma resistência às mudanças, que ocorre por 
diversos fatores que ultrapassam as dimensões técnicas dificultando a inserção de 
práticas baseadas em evidências científicas e contribuindo para a permanência do 
modelo tecnocrático intervencionista (DINIZ, 2001). 
Estudo realizado por Leal e colaboradores (2014), que analisa as intervenções 
obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres de risco habitual no 
território brasileiro, constatou-se que em mais de 70% das mulheres da amostra foi 
realizada a punção venosa periférica e o uso de ocitocina ocorreu em 
aproximadamente 40% delas. Durante o parto propriamente dito, observou-se que a 
posição litotônica ocorreu em 92% dos casos, manobra de Kristeller em 37% e 
episiotomia em 56%. Do total de parto vaginais, apenas 5% ocorreram sem nenhuma 
intervenção durante o trabalho de parto e parto. 
Destarte, Lauretis (1994), sintetiza como a discriminação de gênero influencia 
na assistência obstétrica na sua seguinte fala: 
 
O atendimento à mulher durante a gestação e o parto expressa claramente 
as relações sociais e políticas que dizem respeito à interação assimétrica e 
hierárquica entre desiguais, já que parte do princípio de que o corpo feminino 
é normalmente defeituoso e dependente da tutela médico-cirúrgica e dá 
sustentação à relação entre poder e gênero que acontece nas cenas da 
assistência ao pré-natal (LAURETIS, 1994 apud PONTES et al. 2014). 
 
6.4 PARTO NO BRASIL, CARACTERIZAÇÃO DE UMA ASSISTÊNCIA MARCADA 
POR DESIGUALDADES. 
A assistência em saúde no Brasil é marcada pelas desigualdades sociais em 
todos os seus âmbitos, assim, além da influência dos aspectos organizacionais e 
práticos dos serviços de saúde, a experiência da gravidez, parto e o nascimento 
também são definidos por fatores socioeconômicos e demográficos (PEDRAZA; 
ARAÚJO, 2017). 
Analisando a assistência à saúde da mulher durante o período gravídico até 
o puerperal, os dados de pesquisas nacionais, desde as mais antigas até as mais 
19 
 
atuais, indicam disparidades em relação às regiões do país e características 
socioeconômicas da população atendida. 
Segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (BRASIL, 2015), 
embora o Ministério da Saúde Brasileiro recomenda no mínimo sete (7) consultas no 
pré-natal em 2012, 62,4% das gestantes realizaram sete ou mais consultas pré-natal; 
27,3% tiveram de 4 a 6 consultas; 7,3% tiveram de uma a três consultas; e, 3% não 
tiveram nenhuma consulta pré-natal. Nas regiões Norte e Nordeste os números 
indicam um menor acesso às consultas, apenas 41% das gestantes da Região Norte 
e 50,2% das gestantes do Nordeste realizaram sete ou mais consultas. 
No estudo realizado por Guimarães (2018) constatou que a dimensão da 
qualidade do cuidado pré-natal foi avaliada como inadequada em nível nacional. A 
região Norte teve pior índice, seguido pela região Nordeste. Quando o autor cruzou a 
adequação da atenção pré-natal, avaliada pela disponibilidade de infraestrutura, por 
regiões geográficas, indicadores socioeconômicos e de saúde, chegou ao resultado 
de que os piores índices de adequação das Unidades de Saúde da Família da Região 
Norte estavam localizados em sítios com piores indicadores de renda e Índice de 
Desenvolvimento Humano Municipal. 
Na problemática da cobertura ainda há as desigualdades relacionadas à cor 
ou raça no acesso ao atendimento pré-natal. Gestantes brancas tiveram maior 
acesso, quase 75% delas tiveram 7 ou mais consultas, gestantes pretas 56,4% e 
pardas 54,8%. Entre mulheres indígenas o número é ainda menor, apenas 24,3% 
delas tiveram acesso às consultas (BRASIL, 2015). Quanto às orientações sobre 
sinais de risco na gravidez, 80,8% das mulheres brancas referiram que receberam 
informações, contra 66,1% das pretas e 72,7% das pardas (BRASIL, 2016). 
No estudo de Leal e colaboradores (2017), constatou-se que pretas e pardas 
têm maiores dificuldades na vinculação a maternidades (o que pode ser consequência 
do menor número de consultas de pré-natal e recebem menos orientações, 
aumentando assim a peregrinação para o parto. Além da maior peregrinação, pretas 
e pardas referiram mais frequentemente o uso de transporte público e menos o próprio 
para o deslocamento até a maternidade (DINIZ et al, 2016). 
No tangente ao trabalho de parto, persiste o alto índice de cesarianas no 
território nacional, com uma proporção de 45,5% em mulheres de risco obstétrico 
habitual e 52% do total de nascimentos (LEAL et al, 2014). A proporção de gestantes 
que tiveram parto normal pelo SUS em 2013 foi de 45,3%, sendo a maior parte de 
20 
 
mulheres pardas (53,4%), seguida das mulheres pretas (52,5%) e, depois, das 
brancas (33,6%) (PNS, 2013). 
Mulheres com maior poder aquisitivo e usuárias do setor privado, 
estatisticamente, têm menores chances de ter um parto normal segundo Inquérito 
Nascer no Brasil (2014). As taxas de cesarianas chegam a 88%, no sistema de saúde 
privado, levando em consideração o fato de que, comprovadamente, mulheres 
brancas utilizam mais os serviços privados de saúde, ocorre uma menor incidência de 
partos normais para essa população. 
Aquelas com melhor índice de escolaridade e usuárias do setor privado são 
mais submetidas ao uso de analgesia e episiotomia (LEAL et al. 2014). Mulheres 
pretas e pardas são menos expostas a intervenções como uso de ocitocina, analgesia 
e episiotomia, porém o que poderia ser decorrente de uma adequação às boas 
práticas, indica motivações de discriminação étnico-raciais, principalmente o que 
indica o menor uso de analgesia para esses grupos (LEAL et al. 2017). 
Quanto à presença de acompanhante, em 25% dos casos, as clientes ficaram 
sem nenhum acompanhante durante toda a internação hospitalar, mesmo que esse 
seja um direito previsto em lei (LEAL et al. 2017). Aquelas de cor branca foram menos 
prejudicadas (17, 4%), enquanto pretas (30,9%) e pardas (24,8%) ficaram mais 
sozinhas (DINIZ et al, 2016). 
Devido às desigualdades que fazem parte do cotidiano de mulheres que estão 
marginalizadas, a banalização da violência institucional e o desconhecimento dos 
próprios direitos, muitas delas não se percebem discriminação e violência institucional 
nos estabelecimentos de saúde que são motivadas por fatores de cor e classe 
(OLIVEIRA, 2017). 
A violência institucionalizada ao parto no Brasil vem sendo associada a 
condutas eticamente duvidosas e desrespeitosas dos profissionais, utilização de 
práticas que não têm benefícios comprovados cientificamente, agressões verbais e 
indicação de cesáreas desnecessárias (CASSIANO, 2016). 
Estudos de Aguiar e colabores (2013),identificou-se ainda uma linha tênue e 
subjetiva do que os profissionais consideram como violência institucional e conduta 
necessária ao parto. E os tratamentos rudes e humilhantes são mais comumente 
direcionados a mulheres pertencentes aos grupos sociais mais vulneráveis (pobres 
em geral, negras, solteiras, adolescentes), mesmo configurando violação dos direitos 
humanos e reprodutivos das mulheres (DINIZ, 2001), as relações hierarquizadas 
21 
 
baseadas em questões de gênero e sociodemográficas garantem a impunidade 
daqueles que perpetuam a violência (CASSIANO, 2016). 
As discussões fomentadas pelos estudos mencionados, em especial a 
pesquisa “Nascer no Brasil”, são extremamente necessárias, pois expondo as 
fraquezas e falhas da assistência possibilitam a formulação de políticas e diretrizes 
para saná-las. Conforme Leal (2018) expõe, faz-se indispensável também a defesa 
dos direitos das mulheres e a redução da pobreza e das iniquidades sociais em saúde, 
para a construção e consolidação de um modelo assistencial obstétrico humanizado, 
eficiente e seguro no Brasil. 
7 METODOLOGIA 
7.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO 
Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva de abordagem 
qualitativa. 
A abordagem qualitativa é em sua essência subjetiva. Com base nas ciências 
sociais, as questões abordadas são particulares, levando em conta fatores como 
crenças, aspirações, motivos, valores, atitudes, etc. Portanto, trata de um mundo de 
significados das ações e relações humanas, aspectos da realidade que não podem 
ser quantificados, buscando compreensão da dinâmica das relações sociais 
(MINAYO, 2001). 
 A pesquisa descritiva busca descobrir a frequência de ocorrência de um 
fenômeno, sua natureza, características e causas. Quando é do tipo ‘pesquisa de 
campo’, o pesquisador utilizará de técnicas (entrevistas, questionários, etc.) para 
coletar informações sobre o objeto de estudo (BARROS; LEHFELD, 2007). 
7.2 LOCAL DO ESTUDO 
A pesquisa ocorreu no Município de Boa Vista – RR. O cenário de aplicação 
foi a ala das Rosas do Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazaré, essa ala 
comporta 120 leitos em ALCON (Alojamento conjunto) para binômio mãe e recém-
nascido e 6 leitos de albergue para mães hóspedes. 
A escolha desse local se deu por este ser o destino das puérperas após 
liberação da Sala de Parto. Lá as mesmas permanecem se recuperando após trabalho 
22 
 
de parto até o recebimento da alta do HMINSN. A concentração das puérperas nesse 
ambiente foi conveniente para a abordagem e entrevista. 
O HMINSN é um Hospital público estadual conveniado ao Sistema Único de 
Saúde, se encontra na capital Boa Vista. Conta com 220 leitos, sendo dividido em 6 
alas: Margaridas (Enfermaria de Pré e Pós Operatório), Violetas (Centro Cirúrgico), 
Pedras Preciosas (Unidade de Cuidados Intensivos e Intermediários Neonatais), 
Orquídeas (Centro Obstétrico), Rosas (Internação em Alojamento Conjunto Binômio 
Mãe-Bebê) e Girassóis (Internação de Gestação de Alto Risco). Além da população 
local e de outros municípios do estado, atende também recebe pacientes provenientes 
de países vizinhos: Venezuela e Guiana Inglesa. 
 Inaugurado em 1982, este Hospital é considerado unidade especializada de 
referência da região do Estado de Roraima e sua missão é:” Desenvolver ações de 
atenção integral à saúde da comunidade, em especial da mulher e do Neonato, em 
nível ambulatorial e hospitalar, com Equidade, Qualidade e Resolutividade”. 
7.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA 
A população alvo foi constituída por mulheres internadas no alojamento 
conjunto na Ala das Rosas do HMINSN. Participaram um total de 21 puérperas, por 
conveniência e mediante aceite de participação, após a assinatura do TCLE e Termo 
de Uso e Gravação de Voz, transcorreram as entrevistas. 
O critério para a interrupção da amostragem se deu por saturação. Esse 
critério é aplicado quando não estão sendo encontrados dados novos durante a coleta. 
(FLICK, 2009). 
7.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 
A coleta de dados se deu nos dias 03, 06 e 13 de julho de 2020, por acontecer 
durante a pandemia de COVID-19, os dias de entrada para a realização das 
entrevistas foram determinadas pelo Departamento e Ensino e Pesquisa do HMINSN. 
Na chegada ao local, a pesquisadora tomou as medidas de segurança de contato e 
usando os equipamentos de proteção individual para prevenção de contaminação 
direta e cruzada. No primeiro momento as possíveis participantes foram abordadas 
no ALCON para apresentação da pesquisa, dos assuntos abordados durante a 
entrevista, aspectos éticos e legais, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 
23 
 
(APÊNDICES A), o Termo de Autorização de Gravação de Voz (APÊNDICE B) e 
respondendo quaisquer as dúvidas que surgiram durante a proposta. 
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista gravada com roteiro 
semiestruturado. O roteiro impresso em três línguas diferentes (APÊNDICE C) para a 
participação de mulheres estrangeiras na pesquisa buscando diversidade amostral. 
O instrumento de coleta de dados semiestruturado foi composto por dois 
eixos: sendo o primeiro para identificação do perfil sociodemográfico (idade, 
nacionalidade, cor autodeclarada, renda familiar, ocupação, estado civil, 
acompanhante) e o segundo eixo para a caracterização da assistência recebida 
(descrição do evento do trabalho de parto e parto, como se deu a assistência 
profissional, motivos de satisfação ou descontentamento com o atendimento). 
Posteriormente ao recolhimento das gravações das entrevistas, estas foram 
transcritas e traduzidas para a análise de conteúdo de Bardin. 
7.4.1 Critérios de inclusão e exclusão 
Como critério de inclusão foram mulheres que pariram fisiologicamente dentro 
do ambiente da instituição. 
Critérios de exclusão: mulheres de etnias indígenas, que não tenham atingido 
maioridade legal e mulheres que não se encontraram em condições físicas e 
psicológicas de responder o questionário. 
Mulheres que estavam internadas na Ala das Rosas após parto cesáreo foram 
incluídas na amostra por demonstrarem interesse em participar da pesquisa e não 
constarem nos critérios de exclusão, contribuindo para a diversidade amostral. 
7.5 ANÁLISE DE DADOS 
A análise de conteúdo utilizou o método de Bardin, no qual aplicada as 
técnicas de análise de comunicação, possibilita-se a obtenção de indicadores que 
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção 
das mensagens (TRIVINOS, 2011). 
Segundo Bardin (2016), a análise de conteúdo é dividida em três fases: 
1) Pré-análise: que tem como objetivo a organização de conteúdo. Por meio da 
leitura flutuante é realizada a escolha das partes dos textos que serão 
submetidos à análise. A escolha é feita de acordo com os objetivos da pesquisa 
e formulam-se hipóteses e indicadores a serem utilizados na análise final; 
24 
 
2) Exploração do material: o material é estudado de forma mais aprofundada, 
consistindo em codificação, classificação e categorização do texto que será 
objeto da análise de conteúdo; 
3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados brutos são 
tratados e são aplicadas estatísticas simples, tendo resultados significativos 
são propostas inferências e interpretações. 
A análise de conteúdo foi realizada por categorias temáticas. De início se 
dividiu o material a ser estudado em partes, distribuindo-o em categorias e 
descrevendo os resultados da categorização. Posteriormente, os resultados obtidos 
foram interpretados com o auxílio da fundamentação teórica adotada conforme 
orientações por Lakatos e Marconi (2019). 
7.6 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS 
Após a apresentação do projeto de pesquisa a Diretoria de Ensino e Pesquisa 
do HMINSN para a obtenção da autorização para execução da pesquisa no local, o 
mesmo foi submetido e submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa em seres 
humanos daUniversidade Federal de Roraima – CEP/UFRR, conforme Resolução do 
Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012. 
Ao participante da pesquisa foram lidos em conjunto com a pesquisadora o 
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICES B) e o Termo de 
Autorização de Gravação de Voz (APÊNDICE C) para gravação da entrevista, ambos 
oferecidos no idioma de sua língua materna (português ou espanhol) e resguardando 
uma cópia destes para as entrevistadas. 
Para proteger o anonimato das participantes da pesquisa, estas são 
identificadas através da codificação no qual o nome é substituído pela letra M seguida 
de numeração atribuída de acordo com o número da participante, por M1, M2, M3 e 
etc. 
Este estudo foi inscrito no CEP-UFRR com a CAAE:30526520.0.0000.5302 e 
obteve aprovação sob o número de Parecer: 4.102.630 (ANEXO 1). 
 
 
25 
 
8 RESULTADOS E DISCUSSÃO 
Neste segmento serão discutidos os achados considerados relevantes aos 
objetivos do estudo. 
No primeiro momento será discorrido a respeito das características 
sociodemográficas das entrevistas como determinantes no acesso a serviços de 
saúde. Após iremos ponderar sobre a influência da presença de acompanhantes na 
qualidade percebida do serviço prestado. Seguido de considerações sobre 
tratamentos vistos como discriminatórios em literatura previamente consultada e as 
circunstâncias da assistência. Finalizando com apontamentos sobre os níveis de 
satisfação das entrevistadas no que tange ao atendimento. 
8.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO 
Participaram deste estudo um total de 21 puérperas, com média de idade de 
27,8 anos, sendo a mais velha com 46 anos e as mais novas com 20 anos. No tocante 
à nacionalidade, 15 delas (71,4%) eram brasileiras e 6 (28,6%) venezuelanas. 
A grande maioria das entrevistadas, 18 (85,7%) delas, se autodeclaram 
pardas, 2 (9,5%) consideram-se pretas e 1 (4,8%) branca. 
No Brasil, as mulheres pretas e pardas chega a somar 28% do total 
populacional, formando o maior grupo da populacional brasileiro. Segundo o Instituto 
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população brasileira é formada por 
42,7% autodeclarados brancos, 46,8% pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como 
amarelos ou indígenas. 
 A maioria das participantes autodeclaradas pardas na pesquisa pode ser 
contextualizado pela composição populacional da Região Norte. Esta região do país 
tem uma formação étnica com uma variável percentual de 73% de pardos, 18,5% de 
brancos e 7% de pretos (IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
Contínua trimestral – 4º trimestre de 2019). 
Pelo fato de o HMINSN ser um Hospital público estadual conveniado ao 
Sistema Único de Saúde, 18 (87,7%) das participantes alvos da pesquisa serem 
autodeclaradas pardas e 19 (90,5%) delas terem renda familiar mensal de até 1 salário 
mínimo, percebe-se a consonância deste achados com dados sociodemográficos da 
Pesquisa Nascer no Brasil. Pois nesse inquérito os dados obtidos apontaram que as 
Regiões Norte e Nordeste têm as maiores concentrações de mulheres pretas e 
26 
 
pardas, que pertencem às classes econômicas D e E, com pagamento público do 
parto (LEAL et. al. 2017). 
A renda familiar de 19 (90,5%) participantes é de até 1 salário mínimo e 2 
(9,5%) delas têm renda familiar mensal de 2 a 3 salários mínimos. Apenas 3 (14,3%) 
das mulheres tinham emprego fixo, trabalhando como auxiliar de gabinete, auxiliar 
administrativo e vendedora; 2 (9,5%) participantes eram autônomas (manicures); e 16 
(76,2%) puérperas disseram serem donas de casa ou desempregadas. Destacando 
que todas as migrantes venezuelanas estão na última categoria. Este achado está em 
concordância com os dados das IBGE, pois mulheres negras e pardas são as que 
mais sofrem com desemprego (taxa de 16,6%) têm a renda mais baixa dentre os 
grupos da população brasileira (ESTARQUE; CAMAZANO, 2019). 
 À essa situação, soma-se o crescimento da taxa de desemprego causado 
pela pandemia de COVID-19, segundo dados da Pnad Covid-19 do IBGE a população 
desocupada no Brasil era de 12,3 milhões em julho de 2020, para o mês de agosto a 
taxa de desocupação aumentou em 0,5 ponto percentual. Sendo a taxa de 
desocupação das mulheres (16,2%) maior que a dos homens (11,7%). Considerando 
raça ou cor, a taxa era maior entre as pessoas de cor preta ou parda (15,4%) do que 
para brancos (11,5%) (CAMPOS, 2020). 
Levando em consideração o capitalismo, racismo e sexismo como 
mecanismos de dominação social e características fenotípicas e econômicas (raça ou 
cor, gênero e classe) como determinantes de vulnerabilidade social (GODOI; SILVA, 
2020), mulheres pretas e pardas de classes sociais menos favorecidas (grupo 
majoritário na população do estudo) formam um grupo social vulnerável. 
As implicações do conceito de vulnerabilidade no tangente a políticas públicas 
de saúde e assistência social convergem em encalhes na busca por melhores 
condições de vida, interferidas por contextos individuais e, principalmente, coletivos 
(CARMO; GUIZARDI, 2018). 
Logo, mulheres pretas e pardas de classes sociais menos favorecidas estão 
mais expostas a danos e têm as condições de cidadania mais fragilizadas. 
8.2 PRESENÇA DE ACOMPANHANTES NA QUALIDADE PERCEBIDA DO 
SERVIÇO PRESTADO 
A presença de acompanhante é constantemente associada a qualidade do 
serviço e nível de satisfação. Mulheres com acompanhantes geralmente têm melhor 
27 
 
acesso a explicação e comunicação com os profissionais, têm maior atenção da 
equipe, estão menos expostas ao risco de serem vítimas de violência (física, verbal e 
psicológica) e à negligência do cuidado (D’ORSI et al , 2014; LEAL et al, 2017). 
A falta da presença de um acompanhante influencia o sentimento de amparo 
da paciente durante internação. A maior parte das mulheres considera a presença do 
acompanhante como fator para uma experiência melhor e mais calma durante o parto 
(DINIZ, 2014). 
Usuárias do SUS, mulheres com menores rendimentos, menor escolaridade 
e de cor preta ou parda geralmente tem menos acompanhantes durante qualquer 
momento do parto (DINIZ et al, 2014). 
Das participantes do estudo, 17 (80,9%) tinham acompanhantes durante a 
entrevista e as 4 (19,1%) restantes não tinham acompanhantes. 
Identificou-se que os acompanhantes presentes se dividiam entre cônjuge 
e/ou pai do bebê em 9 (42,8%) dos casos; familiares e parentes de primeiro grau (mãe, 
irmã, tia) em 4 (19,1%); parentes de segundo grau (cunhada) em 3 (14,3%); e amiga 
em 1 (4,7%). 
Das duas participantes autodeclaradas pretas, uma delas estava sem 
acompanhante, e esta implica na resposta ser por motivos pessoais e não restrição 
do hospital: 
Compensar que não tenho acompanhante, eles me atenderam bem, me 
ajudaram no que necessitava, tudo se saiu bem (M4). 
 
Leal e colaboradores (2017) verifica durante pareamento de escore de 
propensão entre mulheres pretas vs. brancas e pardas vs. brancas, que as mulheres 
pretas e pardas possuem maior risco de ausência de acompanhantes do que 
mulheres brancas. 
A participante M8, migrante venezuelana e parda, têm um relato que remete 
a negligência do cuidado podendo este estar influenciado pelo fato de que estava sem 
acompanhante durante toda a sua internação. 
 
Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, porque muita gente né? 
Eu fiquei só, ganhei bebê só, depois veio pegou menino e ajeitou (M8). 
 
28 
 
 A participante M6 declarou que não ter acompanhante foi uma decisão 
tomada pelo medo de ser responsável por contaminação pelo vírus da COVID-19 de 
terceiro. 
Eu tava me sentindo bem, quem ia parir era eu mesma, resolvi vir sozinha. 
(Teve medo?) Tive pelo vírus, mas não pela dor que eu ia passar por que eu 
já sabia como que era (M6). 
 
No HMINSN durante a pandemia o fluxo de acompanhantes foi delimitado, 
sendo realizada triagem com rastreio de sinais e sintomas de síndrome gripal e 
mediçãode sinais vitais na entrada no hospital. A direção e equipe do hospital 
estavam seguindo orientações do Ministério da Saúde quanto às normas de 
prevenção de transmissão do novo Coronavírus SARS – COV - 2, evitando a entrada 
de acompanhantes/visitantes com sintomas respiratórios (BRASIL, 2020) 
A participante M15 foi a única que relatou não ter acompanhante pela restrição 
da equipe do hospital durante toda a internação, embora esta esteja em segunda 
internação e não em recuperação pós-parto: 
 
A única coisa que eu não gostei foi por que eu não pude ter acompanhante, 
por que como eu já tive alta e voltei com ela por causa do amarelo, aí eles 
não deixaram, eu achei injusto porque eu tô cesárea, cirurgiada, não 
deixaram eu ter acompanhante (M15). 
 
A entrevista M12 relatou restrição de acompanhante em parte da internação, 
não especificando o porquê nem em qual período: 
 
Gente, eu não gostei, porque, tipo assim, a gente tá numa situação que a 
mãe num pode entrar, o marido num pode entrar, e tipo assim, a gente vai 
falar que a gente tá, é, sentindo dor, que a gente tá com alguma coisa, a 
pessoa vem e trata a gente com ignorância (M12). 
 
Deve-se apontar que as decisões de proibição de entrada dos 
acompanhantes vão contra direitos previstos em lei. Os serviços de saúde do Sistema 
Único de Saúde, rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir a entrada de 
um acompanhante durante todo período do trabalho de parto, parto e pós parto 
imediato conforme Art. 19-J da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005 (BRASIL, 2005). 
Tendo em mente que a presença de um acompanhante se configura como 
uma intervenção segura e de baixo custo para a melhoria dos serviços prestados 
durante o parto institucionalizado deve-se atentar a conformidade dessa prática para 
promover um ambiente confortável e benéfico para a cliente, em todos os momentos 
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.108-2005?OpenDocument
29 
 
da internação. Com vistas à consolidação de uma cultura de respeito aos direitos das 
mulheres independentemente de renda, cor, ou pagamento do serviço prestado 
(DINIZ et al, 2014) 
8.3 DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA 
Usuários de sistemas de saúde e profissionais de saúde geralmente são 
relutantes em admitir situações discriminatórias como tais, os clientes tendem a 
classificar esse tipo de tratamento como injusto ou desrespeitoso, dificultando o 
reconhecimento desse tipo de atitude ou comportamento demonstrados pelos 
provedores do serviço (FRA, 2013). 
Assim, para fins de identificação de episódios discriminatórios iremos utilizar 
das definições da Agência Dos Direitos Fundamentais da União Europeia que também 
foi usada por Celeste e colaboradores (2015) (vide item 6.2 DESIGUALDADES 
SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE). Definindo-se assim como 
principais práticas que se configuram como discriminação percebida: os atrasos no 
tratamento, recusa dos profissionais em prover tratamento, tratamento indigno e 
estereotipagem, negligência e má qualidade do atendimento, falta de consentimento 
informado e assédio (FRA, 2013). 
Quando analisados os discursos, identificou-se quatro situações que podem 
ser percebidas como práticas de discriminação em sistemas de saúde como as mais 
recorrentes no caso das entrevistadas: atrasos no atendimento (M3, M8), negligências 
no cuidado durante a internação (M3, M6, M8, M17, M21), falta de consentimento 
informado (M6, M10) e tratamentos rudes e/ou ignorantes (M2, M3, M10, M12). 
As participantes que relataram tais situações desfavoráveis representam 
42,8% da amostra (9 mulheres). Todas autodeclaradas pardas, com idade entre 20 e 
46 anos, 7 delas com renda de até 1 salário mínimo e duas delas com renda de 2 a 3 
salários mínimos (M17 e M21). Somente uma delas é de nacionalidade venezuelana 
(M8). 
8.3.1 Atrasos no atendimento 
Neste estudo, os atrasos durante atendimento foram relatados por M3 (cor 
parda e com acompanhante) e por M8 (parda e sem acompanhante), ambas 
desempregadas com renda familiar mensal até 1 salário mínimo. 
 
30 
 
Por conta do atendimento, muito demorado, deixavam esperando, não foi 
nada de já pra ganhar a menina já tava saindo, e eles dizendo que não tava 
na hora, [...] (M3). 
 
Ai fiquei aguardando mais um pouquinho e ganhei o bebê. Rápido não, 12 
horas, mas foi tranquilo. Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, 
porque muita gente né? (M8) 
 
Em estudo de d’Orsi e colaboradores (2014), o fator cor da pele parda foi 
associado a menor satisfação com o tempo de espera para atendimento. 
Atrasos no atendimento em cuidados obstétricos está diretamente relacionado 
à gravidade de desfechos maternos adversos nas complicações obstétricas 
(PACAGNELLA et al, 2014). Na maioria dos casos, os atrasos para receber cuidado 
adequado são devido à baixa adesão aos protocolos necessários (AMARAL ET AL, 
2011). 
A continuidade dos processos internos contribui para a eficiência da 
assistência e é essencial para a qualidade do cuidado. A obediência a protocolos é 
imprescindível, com a aplicação à rigor em todos os casos evitando inconstâncias nos 
atendimentos. Quanto mais cedo forem identificados os critérios aplicáveis em cada 
caso particular, melhores são as chances de cuidado no momento oportuno, 
promovendo assim a segurança de toda e qualquer paciente. 
8.3.2 Negligências no cuidado durante internação 
A negligência nos serviços de saúde pode ser considerada como a “falta de 
ação”, seja por passividade ou omissão daquele que deveria prover a assistência 
(FREITAS; OGUISSO, 2008). A negligência durante a assistência obstétrica e 
perinatal pode resultar em situações que ameaçam a vida da mãe e do bebê 
decorrente de complicações evitáveis (OMS, 2014). E ainda pode provocar quebra 
de confiança entre as clientes e as equipes de saúde acarretando um sentimento de 
desamparo durante o período de internação. 
O trecho de M3 exemplifica negligência do cuidado com a paciente e a 
desconsideração dos informes da mesma: 
 
[...] Deixavam esperando, não foi nada de já pra ganhar a menina já tava 
saindo, e eles dizendo que não tava na hora (M3). 
 
31 
 
Já M6 foi constrangida por comentário a respeito de “mal cheiro” durante 
ao exame sendo que mesma tinha pedido ajuda para asseio e limpeza anteriormente, 
mas não foi atendida: 
 
Então não tinha como eu me limpar né, me assear, aí então num ficou com 
cheiro legal, ai eu peguei e falei assim né: eu queria tomar banho, tem como 
eu tomar banho? Trocar esses panos aqui. Eu tava sem acompanhante, mas 
tinha os enfermeiros, os técnicos, que poderiam ter trocado o lençol, ai 
quando foi a doutora chegou [...] Ai ela disse assim: “tá com mau cheiro, muito 
forte” ai então eu fiquei assim né, aí eu falei assim “pois é né, mas desde de 
manhã (a conversa era meia noite) que eu falei que eu queria tomar banho, 
queria me trocar, por isso né, porque sangue , sangue já é podre ainda mais, 
essa parte aí pra mim foi horrível (M6). 
 
O caso da participante M8 chama bastante atenção nesse tópico da 
negligência, uma migrante venezuelana de 34 anos, autodeclarada parda, 
desempregada, solteira e sem acompanhante. Sozinha na sala de parto, com a equipe 
chegando para prestar assistência somente após o parto. 
 
Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, porque muita gente né? 
Eu fiquei só, ganhei bebê só, depois veio pegou menino e ajeitou (M8). 
 
As desigualdades no acesso e processo de cuidado podem ser derivadas das 
condições de estrutura dos serviços de saúde (como disponibilidade de serviços 
humanos e equipamento), ou nas atividades desenvolvidas pelos profissionais de 
saúde, sendo fator influenciador na qualidade e equidade da assistência (LEAL et al, 
2017). 
Permanece a incerteza se o caso de M8 ocorreu devido a superlotação da 
unidade ou por negligência da equipe que estavatrabalhando no horário do ocorrido. 
Independentemente deste fato, o risco a qual a paciente foi exposta não se anula, os 
possíveis desfechos poderiam acarretar em consequências permanentes à saúde da 
cliente e de seu filho. 
 A negligência talvez seja uma das expressões de discriminação mais 
complexa de ser enfrentada, uma vez que a mesma se demonstra imperturbável a 
despeito de protocolos e normas. Ademais, os diversos fatores que convergem podem 
derivar de condições distintas individuais dos profissionais, ou de convicções coletiva 
das equipes, tornando a prática uma realidade diária corriqueira. 
32 
 
8.3.3 Falta de consentimento informado e comunicação ineficaz 
Nota-se nos serviços públicos de saúde uma crônica falta de comunicação 
entre pacientes e provedores do serviço. As mulheres usuárias do SUS têm menos 
abertura para esclarecimento de dúvidas e participação na tomada de decisão do que 
aquelas usuárias de planos de saúde privados. Tal negligência em prover informações 
a respeito do tratamento pode surgir pela noção discriminatória de essas mulheres 
não teriam capacidade de entendimento para compreender e participar da tomada de 
decisão ou pelo caráter tutelar que permeia a assistência obstétrica (D’ORSI et al, 
2014; CASSIANO, 2016). 
M17 discorre com insatisfação o fato de não ter sido ouvida sobre o desejo de 
realização da cesariana: 
 
Por que eu esperaria que fosse cesariana, por causa do peso dela, eu tava 
sofrendo muito não andava muito mais, mas foi conforme eles decidiram, mas 
agora tá tudo bem. Teve laceração do neném porque muito grande. [...] Com 
respeito ao atendimento foi bom, mas assim tinha que ver mais um pouco o 
lado da mulher né de ter o bebe normal ou de ter cesariana, por conta do 
sofrimento né (M17). 
 
Mesmo que as condições da parturiente não se encaixassem em indicação da 
cesariana, uma conversa e explicação por parte dos profissionais poderia ter mudado 
a opinião da mesma, promovendo a participação da cliente na tomada de decisão e 
tendo respeito a sua autonomia e melhorando o nível de satisfação. 
Repete-se o descaso da falta de comunicação com M21, que refere espera 
de quatro dias para realização de cesárea, mas não indica os motivos da demora por 
falta de informação. 
 
Bom, eu só acho assim se, como eu cheguei aqui a quatro dias, né, como eu 
já sabia que ia ser cesariana, eu só acharia que eles pudessem logo fazer 
mais antes, não esperasse tanto (M21). 
 
Misago e colaboradores (2001) em resultados de 1997 sobre o parto em 
hospitais rurais no Ceará, verificou que as mães recebiam poucas informações sobre 
o acontecia com elas. O processo do parto normal não era explicado e as decisões 
sobre medicamentos, cesáreas ou outros procedimentos não eram discutidos com as 
pacientes. É preocupante que mais de 20 anos após esse retrato a situação continue 
a mesma na maioria dos casos. 
33 
 
Atrelada à falta de informações está a falta de consentimento informado para 
a realização de procedimentos que são comumente realizados durante o parto ou 
imediatamente após. Nas regiões da América Latina e Caribe (LAC), África 
Subsaariana e leste europeu foram confirmados uma falta de rotina e protocolos no 
tangente a informação ao paciente e consentimento para procedimentos obstétricos e 
suas respectivas indicações (BOWSER; HILL, 2010). 
Como no caso de M10, que não foi avisada sobre realização de aminiotomia, 
muito menos teve informações sobre indicação do procedimento: 
 
 [...] Por exemplo foram romper minha bolsa, não falaram nada, não tem “tem 
que romper a bolsa agora” não tava esperando, não avisaram, tipo essas 
coisas (M10). 
 
8.3.4 Tratamentos rudes e/ou ignorantes 
O desrespeito, tratamentos rudes e ignorantes e abusos constituem como 
violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres (OMS, 2014). 
Mulheres que não conhecem os seus direitos de usuárias do sistema de saúde 
geralmente estão mais propensas a sofrerem estes abusos e não os identificar como 
tais. As mesmas tendem a internalizar como dever da parturiente se comportar de 
maneira subserviente e submissa aos profissionais, acatando as ordens em silêncio 
sem direito a objeção. Nota-se no discurso de M6: 
 
Eles nunca me trataram mal, sempre eu fiz o meu papel que foi parir, né, e 
eles que ajudaram, me auxiliaram então num teve problema, entendeu. (Você 
acha que se você se comportasse diferente, eles te tratariam mal?) Sim, não 
é que tratariam mal, entendeu? É porque, a pessoa tem que ter consciência 
que você veio pra ter o bebê, então você tem que fazer o que os médicos 
mandam né?! (M6). 
 
Obstetras entrevistados por Aguiar e colaboradores (2013) assumem que 
quando consideram, por parâmetros próprios, a paciente como “não colaborativa” ou 
que “fazem escândalo” utilizam de ameaças de abandono do cuidado. Sem 
reconhecerem tal prática como abuso da posição que ocupam. 
Há uma normalização do desrespeito e abuso, muitas vezes os profissionais 
querem disciplinar o paciente para que o mesmo aja de maneira dócil e submissa. 
(BOWSER; HILL, 2010). 
34 
 
Devido ao termo violência ser mais associado à violência física, muitos falham 
em reconhecer os abusos verbais como tal. Evidenciando a relação hierárquica que 
promove a violência institucional naturalizada (AGUIAR; D’OLIVEIRA, 2010). 
 Essa naturalização da violência faz com a violência verbal seja confundida 
com aspectos da personalidade do profissional, assim o provedor do serviço é 
considerado como “chato” ou “ignorante” e não abusivo ou perpetrador de violência 
verbal. Fato que pode se observar nas falas de M12, M3 e M2. 
 
A gente vai falar que a gente tá, é, sentindo dor, que a gente tá com alguma 
coisa, a pessoa vem e trata a gente com ignorância, [...] sei que eu fiquei bem 
chateada, pelo jeito que eles trataram a gente, porque eu não falo só de mim, 
falo das outras meninas que tava no quarto também (M12). 
 
(Sobre o atendimento) A parte pior foi o parto, um pouquinho de ignorância 
né. Eu acho que resposta ruim também (Teve algum momento que brigaram 
com você? Foram grossos?) Teve, na entrada né, são muito ignorantes (M3). 
 
Eu me senti bem atendida só na hora do parto mesmo, o resto tinha umas 
mulher bem assim chatinha. Tinha umas que era estressada, num tem? tinha 
uns que era bem amoroso. Só brigava assim na hora de dar o toque num 
tem? Que doía, ai eu fechava as pernas (M2). 
 
O fato de que o parto fisiológico é visto como uma experiência inevitavelmente 
dolorosa, faz com que muitos profissionais acreditem que as parturientes tenham o 
dever de aceitar qualquer outro tipo de dor decorrente da assistência. E quando ela 
não o faz é taxada de “não colaborativa” e na maioria das vezes, hostilizada 
(CARVALHO; BRITO, 2017). 
A maioria dos profissionais que utilizam de frases mais ríspidas e tratamentos 
bruscos tentam se justificar usando o argumento de aquilo seria necessário para 
conseguir a “colaboração” da paciente. Mas a colaboração a qual eles se referem está 
mais parecida com submissão total à autoridade médica. Vê-se que a linha entre os 
maus tratos vistos como violência e como “práticas necessárias para realização do 
trabalho” é borrada e indefinida (AGUIAR et al, 2013). 
O tratamento cordial, digno e respeitoso deve ser visto como regra entre os 
profissionais, não exceções, como exemplificado na fala de M10. 
 
(Sobre o atendimento) de uma parte foi boa, de outras pessoas não, uns 
foram bem, jeito de falar, jeito de conversar, outras pessoas foram bem 
grosseiras mais na hora de falar (M10). 
 
35 
 
Destarte, configura-se como direito de todas as mulheres uma assistência 
digna e respeitosa durante toda a gravidez e parto (OMS, 2014). 
8.4 TRATAMENTOS DESFAVORÁVEIS GENERALIZADOS OU DISCRIMINAÇÃO? 
As participantes que relataram tais situações desfavoráveis representam 
42,8% da amostra (9 mulheres). Todas autodeclaradas pardas, com idade entre20 e 
46 anos, 7 delas com renda de até 1 salário mínimo e duas delas com renda de 2 a 3 
salários mínimos (M17 e M21). Somente uma delas é de nacionalidade venezuelana 
(M8). 
Nos discursos das duas entrevistadas que se autodeclararam de cor pretas 
não foram identificados tratamentos desfavoráveis, ambas se declaram satisfeitas 
com o atendimento e cuidado durante a internação, como explícito nos trechos: 
 
Melhor do que no meu país. Tenho 6 filhos com esse que acabo de ter. aqui 
foi melhor do que na Venezuela. Todos me atenderam bem, compensando 
que não tenho acompanhante, todos me atenderam bem e me ajudaram no 
que precisava. Tudo se saiu bem (M4) (tradução livre do espanhol). 
 
(Sobre a experiência) foi boa e desde o começo quando eu entrei até o final 
de eu ter o neném o médico ficou acompanhando e ele foi super gentil então 
foi uma experiência boa, foi normal. [...] peguei médicos muito simpáticos, foi 
rápido, senti satisfeita (M16). 
 
Essa satisfação das participantes autodeclaradas pretas difere dos achados 
de Leal e colaboradores (2017), cujo dados indicaram um gradiente de cuidado menos 
satisfatórios, com prejuízos de benefícios e oportunidades para as de cor mais escura 
(LEAL et al, 2017). 
A única participante autodeclarada branca do estudo, uma Venezuelana de 
26 anos, sem ocupação, e passou por parto cesáreo exprimiu satisfação com os 
serviços prestados: 
 
Foi, se tudo bom, pressão alta, o resto tudo bem. (Atendimento?) muito bom. 
(Satisfeita?) Sim, muito agradecida, muita atenção (M09). 
 
Devido ao grupo que sofre tratamentos discriminatórios terem relativa 
homogeneidade das características sociais previamente consideradas como 
determinantes para situações de discriminação em ambientes de assistência à saúde, 
como cor autodeclarada predominantemente parda e classe social similar, torna-se 
36 
 
mais difícil relacionar essas características aos tratamentos desfavoráveis 
identificados nos discursos. 
Notando-se que os atos discriminatórios não foram uma constante a uma 
determinada característica socioeconômica, mas sim a casos que podem ser 
denominados aleatórios mais por conduta individual de profissional provedor do 
serviço. 
 
8. 5 SATISFAÇÃO COM ATENDIMENTO E SEUS DETERMINANTES 
Quando questionadas a respeito da satisfação com o atendimento 15 (71,4%) 
das entrevistadas consideraram-se satisfeitas, 4 (19,01%) insatisfeitas e 2 (9,5%) não 
quiseram ou não souberam responder. 
As entrevistadas que relataram tratamentos rudes ou ignorantes durante a 
assistência (M2, M3, M10, M12) responderam que estavam insatisfeitas com o 
atendimento. Fato que corrobora com os achados da pesquisa “Nascer no Brasil”, na 
qual a satisfação do atendimento das mulheres está diretamente relacionada à forma 
como foram atendidas (LEAL; GAMA, 2014). 
Notou-se que mesmo após reclamações das participantes sobre aspectos da 
assistência, algumas delas ainda se diziam satisfeitas com o atendimento. Moimaz e 
colabores (2010) durante seu estudo sobre satisfação e percepção dos usuários do 
SUS, também notou que mesmo após queixas os participantes se declararam 
satisfeitos com os serviços públicos de saúde oferecidos. Fato que pode ser 
relacionado ao medo de que expor opiniões negativas possa afetar futuros 
atendimentos. 
A European Union Agency For Fundamental Rights, (FRA, 2013), considera 
que usuários do sistemas de saúde podem escolher não fazer críticas à assistência 
devido a crença de que os profissionais estão dando o seu melhor dentro do contexto, 
assim como o respeito pela classe médica pode causar receio diante de possível 
enfrentamento. 
 A dominação social perpetrada pela relações de poder entre o médico (e 
outros profissionais da saúde) que historicamente vem de uma classe social mais alta 
e está em posição privilegiada na sociedade versus a mulher usuária do sistema 
público de saúde contribui para o que Pereira (2004) considera uma “transfiguração 
das relações de dominação e de submissão em relações afetivas, a transformação do 
37 
 
poder em carisma ou em encanto adequado a suscitar um encantamento afetivo (no 
qual) o reconhecimento da dívida torna-se reconhecimento, sentimento duradouro em 
relação ao autor do ato generoso”. Ou seja, a usuária pode considerar o trabalho do 
profissional como um “favor” por se dar em um ambiente público, logo esta deve 
aceitar os desvios de tratamento como sendo inerentes ao serviço cheio de limitações. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
38 
 
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Esta pesquisa se propôs a investigar a ocorrência de atos discriminatórios 
percebidos por puérperas durante a assistência ao trabalho de parto e parto no 
Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré. Essa abordagem possibilitou-nos 
compreender que a relação entre os diferentes tratamentos discriminatórios e as 
características sociodemográficas consideradas para fins do estudo. 
Verificou-se nos achados da pesquisa características sociais como fatores 
predisponentes nas situações de discriminação percebida, porém não foi possível 
apontar as diferenças de tratamento de acordo com cada aspecto social analisado, 
uma vez que as características sociais das participantes que referiram os tratamentos 
discriminatórios mostraram-se similares às demais puérperas entrevistadas. 
Constatou-se que os atos discriminatórios não foram uma constante a uma 
determinada característica socioeconômica, mas sim a casos que podem ser 
denominados aleatórios por conduta individual do profissional provedor do serviço. Os 
aspectos assistenciais percebidos como discriminatórios apresentaram na forma de: 
atrasos no atendimento, negligências no cuidado durante internação, falta de 
consentimento informado e comunicação ineficaz, tratamentos rudes e/ou ignorantes. 
Entre as limitações do estudo destacam-se a redução do tempo 
disponibilizado para coleta de dados, em decorrência da pandemia da Covid-19. 
Acredita-se que a limitação de datas possa ter causado interferência na 
homogeneidade das características as das participantes. E ainda a abordagem 
realizada as entrevistadas, uma vez que se trata de um tema envolto de paradigmas 
e até mesmo incompreensões, de forma que percepção discriminatória se torna, por 
vezes, uma ação de difícil expressão. 
Acredita-se que o presente estudo possa contribuir para a comunidade 
científica servindo de referência para próximos trabalhos e promovendo reflexões e 
discussões a respeito do tema para que este não seja ignorado. 
Por fim, consideramos que resultados obtidos neste estudo não esgotam o 
tema, uma vez que o possui muitas outras vertentes que necessitam de análises, 
dando abertura a pesquisas futuras que instiguem e utilizem metodologias distintas a 
fim de garantir o aprofundamento no tema. 
39 
 
REFERÊNCIAS 
 
ACKER, Justina Inês Brunetto Verruck et al. As parteiras e o cuidado com o 
nascimento. Revista Brasileira Enfermagem – REBEn, v. 59, n. 5, p. 647-651, set. 
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AGUIAR J. M. et al. Violência institucional, autoridade médica e poder nas 
maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de 
Janeiro, 2013. 
 
AGUIAR, J. M.; D’OLIVEIRA, A.F.L. Violência institucional em maternidades públicas 
sob a ótica das usuárias. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 2010. 
 
AMARAL E. et al. A population-based surveillance study on severe acute maternal 
morbidity (near-miss) and adverse perinatal outcomes in Campinas, Brazil: the 
Vigimoma Project. BMC Pregnancy Childbirth, 2011. 
 
ANDRADE P. et al. Fatores associados à violência obstétrica na assistência ao parto 
vaginal em uma maternidade de alta complexidade em Recife, Pernambuco. Rev. 
Bras. Saúde Matern. Infantil, Recife, 16 (1): 29-37 jan. / mar.,2016. 
 
AYRES, Lilian Fernandes Arial et al. A representação cultural de um “parto natural”:

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