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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO BACHAREL EM ENFERMAGEM KELYHORRARA LIMA FERNANDES DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA POR PUÉRPERAS NA ASSISTÊNCIA DURANTE O TRABALHO DE PARTO E PARTO EM UMA MATERNIDADE DE REFERÊNCIA EM BOA VISTA – RR BOA VISTA-RR 2020 KELYHORRARA LIMA FERNANDES DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA POR PUÉRPERAS NA ASSISTÊNCIA DURANTE O TRABALHO DE PARTO E PARTO EM UMA MATERNIDADE DE REFERÊNCIA EM BOA VISTA – RR Monografia apresentada como requisito para a conclusão do curso de Bacharelado em Enfermagem do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Roraima. Orientadora Prof.ª Me. Tarcia Millene de A. C. Barreto BOA VISTA-RR 2020 Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Shirdoill Batalha de Souza - CRB-11/573 - AM F363d Fernandes, Kelyhorrara Lima. Discriminação percebida por puérperas na assistência durante o trabalho de parto e parto em uma maternidade de referência em Boa Vista – RR / Kelyhorrara Lima Fernandes. – Boa Vista, 2020. 63 f. Orientador: Profª. Dra. Tarcia Millene de Almeida Costa Barreto. Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima, Curso de Bacharelado em Enfermagem. 1 – Discriminação. 2 – Assistência. 3 – Parto institucionalizado. 4 – Parturiente. 5 – Aspectos socioeconômicos. I – Título. II – Barreto, Tarcia Millene de Almeida Costa (orientadora). CDU – 618.4-083 AGRADECIMENTOS A Deus por todos seus planos e desígnios, pelo destino que me levou ao curso de enfermagem permitindo que eu me encontre nessa jornada de autodescobrimento diária. Eternamente grata à minha família que nunca me faltou e sempre teve fé inabalável na minha capacidade mesmo quando eu pensava diferente. À minha mãe por sua dedicação e suporte sem o qual eu nunca teria alcançado o fim deste curso, agradeço por facilitar o meu caminho quando o da senhora foi tão tortuoso. Ao meu pai pelo modo peculiar de manifestar suas preocupações e as mensagens no celular que sempre me trazem um sorriso ao rosto. Ao meu irmão pelas palavras encorajadoras e planos mais ambiciosos que os meus, obrigada também pela minha cunhada que é uma pessoa maravilhosa. Aos meus amigos e companheiros Pammela, Lucas e Manuela que me acompanharam em todos os momentos, compartilhando os meus lamentos e frustrações do mesmo modo que participaram das alegrias e conquistas. Às minhas parceiras de longa data que se fazem presente independentemente da labuta do dia, Ianna, Jack, Larissa, Silvia e Rayssa. Aos meus colegas de turma que viraram amigos, especialmente à Lorrayne que me permitiu presenciar um dos momentos mais importantes de sua vida. Pretendo cultivar essas amizades pelo resto da vida. Agradeço à minha estimada orientadora Professora Tárcia Barreto pelos conselhos e pela disponibilidade. Obrigada por corrigir meus excessos e considerar minhas ideias. Ao corpo docente e administrativo do Curso de Enfermagem e Centro de Ciências da Saúde pelo trabalho caprichado apesar das limitações. À Banca examinadora por serem tão solícitos e acessíveis. Agradecimento especial às participantes da pesquisa que partilharam suas experiências e possibilitaram a concretização dessa pesquisa. Grata aos preceptores de estágio que nos acolheram em seu local de trabalho. A todos que não foram citados, mas de forma direta ou indireta contribuíram para minha formação. Por fim, agradeço a minha pessoa que resistiu às dificuldades e não desistiu mesmo ciente da opção, estou orgulhosa. RESUMO O parto institucionalizado está enraizado nas questões de desigualdade de gênero relacionadas à assistência médica. Além da perda de autonomia à qual a mulher está mais propensa na escolha do ambiente hospitalar para o parto, a sua origem social, raça e posição econômica também irão afetar profundamente a experiência que ela terá durante a internação. O presente estudo teve como objetivo principal investigar a ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência ao trabalho de parto e parto no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré (HMINSN). Trata-se de uma pesquisa de campo de abordagem qualitativa, de caráter descritivo que buscou identificar o perfil sociodemográfico e tipo de atendimento prestado às puérperas. Participaram da pesquisa 21 puérperas internadas na Ala das Rosas do HMINSN, a coleta de dado se deu no mês de julho de 2020 através de entrevista gravada com roteiro semiestruturado. Para análise de dados utilizou-se do Método de Bardin. Nos dados sociodemográficos das participantes verificou-se predominância de mulheres autodeclaradas pardas, com renda até um salário mínimo e sem ocupação formal, de nacionalidade brasileira e venezuelana. Durante análise dos discursos percebeu-se tratamentos desfavoráveis no discurso das participantes, sendo eles: atrasos no atendimento, negligências no cuidado durante internação, falta de consentimento informado e tratamentos rudes e/ou ignorantes. Verificou-se nos achados da pesquisa características sociais como fatores predisponentes nas situações de discriminação percebida, porém não foi possível apontar as diferenças de tratamento de acordo com cada aspecto social analisado, uma vez que as características sociais das participantes que referiram os tratamentos discriminatórios mostraram-se similares às demais puérperas entrevistadas. Constatou-se que os atos discriminatórios não foram uma constante a uma determinada característica socioeconômica, mas sim a casos que podem ser denominados aleatórios por conduta individual do profissional provedor do serviço. Palavras-chave: Discriminação. Assistência. Parto institucionalizado. Parturiente. Aspectos socioeconômicos. ABSTRACT Institutionalized parturition is rooted in the issues of gender inequality related to medical care. In addition to the loss of autonomy to which the woman is most prone in choosing the hospital environment for childbirth, her social origin, skin color and economic situation will also profoundly affect the experience she will have during hospitalization. The present study aimed to investigate the occurrence of self- perceived discriminatory treatment by puerperal women during labor and delivery at the Maternal and Child Hospital Nossa Senhora de Nazaré. This is a qualitative, descriptive field research that sought to identify the sociodemographic profile and type of care provided to the puerperal women. Twenty-one recent mothers admitted to the HMINSN Rosas Wing participated in the research. Data collection took place in July 2020 through a recorded interview with a semi-structured script. For data analysis, the Bardin Method was used. In the sociodemographic data of the participants, there was a predominance of self-declared brown women, with income up to a minimum wage and without formal occupation, of Brazilian and Venezuelan nationality. During analysis, unfavorable treatments were perceived in the sample, namely: delays in care, negligence in care during hospitalization, lack of informed consent and rude or/and rough treatments. In the research findings, social characteristics were found to be predisposing factors in situations of perceived discrimination, but it was not possible to point out the differences in treatment according to each social aspect analyzed, since the social characteristics of the participants who mentioned the discriminatory treatmentswere shown similar to the other interviewed mothers. It was found that discriminatory acts were not a constant in a given socioeconomic characteristic, but in cases that can be called random due to the individual conduct of the professional providing the service. Keywords: Discrimination. Assistance. Institutionalized delivery. Parturient. Socioeconomic aspects. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 8 2 PROBLEMA DA PESQUISA 9 3 HIPÓTESE 10 4 OBJETIVOS 10 4.1 OBJETIVO PRIMÁRIO 10 4.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS 10 5 JUSTIFICATIVA 10 6 REVISÃO DE LITERATURA 11 6.1 DISCRIMINAÇÃO 11 6.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE 12 6.3 HISTÓRICO DO TRABALHO DE PARTO E DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO 14 6.4 PARTO NO BRASIL, CARACTERIZAÇÃO DE UMA ASSISTÊNCIA MARCADA POR DESIGUALDADES. 18 7 METODOLOGIA 21 7.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO 21 7.2 LOCAL DO ESTUDO 21 7.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA 22 7.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS 22 7.4.1 Critérios de inclusão e exclusão 23 7.5 ANÁLISE DE DADOS 23 7.6 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS 24 8 RESULTADOS E DISCUSSÃO 25 8.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO 25 8.3 DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA 29 8.3.1 Atrasos no atendimento 29 8.3.2 Negligências no cuidado durante internação 30 8.3.3 Falta de consentimento informado e comunicação ineficaz 32 8.3.4 Tratamentos rudes e/ou ignorantes 33 8.4 TRATAMENTOS DESFAVORÁVEIS GENERALIZADOS OU DISCRIMINAÇÃO? 35 8. 5 SATISFAÇÃO COM ATENDIMENTO E SEUS DETERMINANTES 36 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 38 REFERÊNCIAS 39 APÊNDICE A 48 APÊNDICE B 52 APÊNDICE C 54 ANEXO 1 57 ANEXO 2 63 8 1 INTRODUÇÃO Todas as relações humanas são definidas pelo contexto social no qual os indivíduos estão inseridos. As dinâmicas ocorrem circunstanciadas pela estratificação social onde aqueles que compartilham de certas semelhanças, (cor de pele, gênero, orientação ou status socioeconômico) são agrupados. Não seria nada sensacionalista afirmar que a posição social de um ser humano exerce grande influência em todos os âmbitos de sua vida. Assim as suas futuras experiências são previamente definidas por fatores além de seu controle. As características que o encaixam em algum grupo social marginalizado será o seu fator definidor de acesso às condições de qualidade de vida até que haja uma intervenção externa que busque a inclusão desses grupos através de um olhar pautado na equidade (BARATA, 2009). Quando falamos de acesso à saúde no Brasil mesmo com um sistema de saúde público pautado em lei na equidade, integralidade e universalização do acesso, as situações de discriminação não estão ausentes. Os estigmas sociais, preconceitos e discriminação são pautados na ideia instituída de superioridade de um grupo em relação a outro. Como são construções sociais, modificam-se de acordo com o contexto no qual ocorrem e de acordo com o background das experiências, senso de moral e/ou comportamento ideal particular a cada indivíduo, todas as ideias pré-concebidas antes do primeiro contato com o outro ser (MASSIGNAM et al., 2015). Logo, quando falamos em discriminação nos ambientes de assistência à saúde, pensamos em dois sujeitos: o profissional que prestará a assistência e o cliente que será assistido e as desigualdades sociais servirão de pano de fundo contextual no qual a assistência se dará (MONTEIRO; CECCHETTO, 2011). No momento da assistência estabelece-se uma relação de poder, no qual o profissional da saúde detentor do saber científico, o seu produto a ser negado ou partilhado, dependendo do seu julgamento de “merecimento” do cliente. Levando as ideias apresentadas ao âmbito da assistência obstétrica, o cliente só pelo fato de ser mulher já está sujeita a maior discriminação pelo seu gênero e a condição da gravidez (OLIVEIRA, 2017). O desenvolvimento histórico da ciência obstétrica baseia-se na figura masculina paternalista do médico especialista no sexo 9 feminino que se inseriu nas salas de parto tomando o lugar das parteiras e difundiram a ideia da segurança do saber científico em detrimento do saber acumulado por experiências das parteiras (BRASIL, 2010). O médico homem toma o lugar de protagonismo das mulheres, rompendo com a união do feminino da sala de parto e exercendo seu poder de dominação numa clara expressão das desigualdades das relações de gênero. O parto institucionalizado está enraizado nessas questões de desigualdade de gênero relacionadas à assistência médica. A partir do momento que o parto deixa de ser domiciliar para ocorrer no ambiente hospitalar, a mulher deixa e de ser sujeito e o corpo gravídico se torna objeto de intervenção médica, numa perda de autonomia e vontade (VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). Mesmo com a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos e as mudanças ocorridas na sociedade contemporânea em relação ao papel da mulher exerce, a assistência realizada em maternidades e centros obstétricos ainda não perderam o caráter tutelar, pois a mulher que está em trabalho de parto é considerada como incapaz por maioria dos profissionais e assim eles se sentem no “dever” de tomar as decisões, pois são dotados do saber científico e esse fato os qualifica para a posição de poder (CASSIANO, 2016). Relacionando as ideias apresentadas, além da perda de autonomia à qual a mulher está mais propensa a ser vítima na escolha do ambiente hospitalar para o parto, a sua origem social, raça e posição econômica também irão afetar profundamente a experiência que ela terá durante a transformação do seu papel social de “mulher” para o de “mãe” (MARTIN, 2006). Desta forma, o presente estudo é orientado por significados sobre a ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência ao trabalho de parto e parto em uma maternidade de Roraima. 2 PROBLEMA DA PESQUISA Diante do exposto questiona-se: ocorre discriminação por fatoes sociodemograficos na assistência ou no cuidado oferecido à mulher durante o trabalho de parto e parto, na percepção da puérpera? 10 3 HIPÓTESE As mulheres percebem discriminação durante a assistência no trabalho de parto e parto por causa de suas características sociodemográficas tais como cor, nacionalidade, classe social, nível de escolaridade e status socioeconômico. 4 OBJETIVOS 4.1 OBJETIVO PRIMÁRIO: Analisar a ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência ao trabalho de parto e parto em uma maternidade de referência em Boa Vista-RR. 4.2 OBJETIVOS SECUNDÁRIOS ● Identificar perfil sociodemográfico das puérperas das participantes do estudo; ● Conhecer as situações assistenciais autopercebidas como de caráter discriminatório as mulheres durante o trabalho de parto e parto; ● Descrever a satisfação na assistência prestada a mulheres durante o trabalho de parto e parto. 5 JUSTIFICATIVA A ideia desta pesquisa surgiu a partir de experiências vividas durante o período em que atuei como ligante da Liga Acadêmica de Enfermagem Obstétrica de Roraima (LAEO-RR), no decorrer dos plantões pude observar algumas diferenças nos atendimentos durante os partos assistido, e como os profissionais aparentavam “julgar” o quanto a parturiente era digna ou não de sua atenção. Questionei-me se essa situação estava ligada a fatores de cor, nacionalidade e classe social das parturientes ou era apenas um produto das condições de trabalho desfavoráveis. Devido ao fato de que, historicamente, mulheres pretas ou pardas e de classes sociais menos favorecidas sofrem mais discriminação nos serviços de saúde, optei pela primeira opção e decidi desenvolver esta pesquisa. A discriminação em ambientes de assistência à saúde toma diversas formas, por ser sutil na maioria das vezes não é notada pelos clientes. Assim, ao buscar a opinião destes e identificar o que os mesmos consideram como discriminação,abre- 11 se novos horizontes para a discussão de como a discriminação percebida influencia no estado de saúde e satisfação do usuário em relação à assistência recebida nos serviços de saúde. 6 REVISÃO DE LITERATURA 6.1 DISCRIMINAÇÃO A partir da década de 1920 com desenvolvimento da Sociologia enquanto ciência houve um aumento das pesquisas sobre o tema e o enfrentamento das desigualdades relacionadas ao preconceito e discriminação, pois esses eventos sociais deixaram de ser percebidos como consequências naturais das relações entre os diferentes grupos e começaram a ser entendidas como problemas sociais (MASSIGNAM et al., 2015). Parker (2012) define discriminação como um comportamento negativo em resposta a ideias pré-concebidas de valor relativas a um determinado grupo social, ou seja, uma forma consumada do preconceito e estigma. Celeste (2015) considera discriminação como manifestações concretas do preconceito, atingindo pessoas ou grupos sociais, e esses atos podem acontecer em diversas esferas da vida em sociedade. Entende-se que discriminação implica em uma ação em que há indivíduos que possam ser identificados: a vítima, o perpetrador e possivelmente uma testemunha (MONTEIRO; VILLELA, 2013). As formas de discriminação dependem das interações e relações sociais para a sua ocorrência e acontecem de acordo com o contexto, há questões objetivas (ter, ser, portar), subjetivas (psicológicas, vivências), culturais (modismos, hábitos de classe), e histórico-contextuais (significados do comportamento) que vão ser implicadas simultaneamente. (MONTEIRO; CECCHETTO, 2011; GONÇALVES et al., 2012). Grande parte das pesquisas realizadas nos últimos anos sob o tema da discriminação, concluíram que as vítimas mais comuns são mulheres, negros, homossexuais, indivíduos com baixa autoestima ou depressão, de menor posição socioeconômica e obesos (GONÇALVES et al., 2012). Embora o Brasil tenha sido considerado no exterior como uma “democracia racial”, a realidade se distancia dessa expressão. Portanto há uma preocupação com 12 discriminação de uma forma geral, fato expresso no texto da Constituição Federal de 1988. A formulação da Constituição Federal de 1988 ocorreu no período de redemocratização do país, contexto importante e marcado pelas lutas dos movimentos sociais, não obstante a esse fato discorre no seu preâmbulo valores para a promoção da igualdade. E no seu Art. 3º dos “Objetivos Fundamentais da República” parágrafo IV discorre: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. No Art. 5º garante “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Mesmo que expresso na lei maior do país, o preconceito e discriminação estão enraizados na sociedade brasileira, sendo constante a preocupação do governo, principalmente no tangente ao âmbito da saúde levando à criação de políticas públicas objetivando o acesso equitativo, a serem citadas: Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do Sistema Único de Saúde (PNH), Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da Mulher e Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Entretanto, essas políticas mostram-se distantes para anulação dos atos discriminatórios arraigados nos estabelecimentos de saúde. 6.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE Desde o século XIX, as desigualdades sociais em saúde vêm sendo documentadas, a estrutura política e social que se estabeleceu com o Sistema Capitalista e a estratificação das classes sociais resultante do processo contribuiu para um arranjo social que se mantém até a atualidade. No qual o estado de saúde físico e mental, as exposições ao risco e vulnerabilidade variam de acordo com a posição sociais (BARATA, 2009). Nos últimos anos a questão do preconceito e discriminação advindos das desigualdades sociais vem sendo alvo dos holofotes e está é considerada como problema de saúde pública por influenciar no acesso aos serviços de saúde e impactar na saúde mental e física de populações que são tratadas inadequadamente (MASSIGNAM et al., 2015; BOCCOLINI et al., 2016). 13 Essa desigualdade percebida está fortemente relacionada a questões de gênero, raça e classe. Essas características da vida de um indivíduo se entrecruzam no que Cordeiro e Ferreira (2009) definiu como o “processo de exploração-dominação baseado na articulação dessas três estruturas de organização social”. Sendo assim, os atos discriminatórios não se limitam apenas a uma dessas características, mas num revezamento destas (não necessariamente havendo a exclusão de uma delas), onde de acordo com o momento ou local cada uma delas pode ser o maior determinante para a discriminação. No âmbito da saúde a discriminação pode ser definida como tratamentos injustos ou desfavoráveis dirigidos a um indivíduo ou a categorias sociais, manifestando-se na forma de atrasos no atendimento, negligências, assédio moral e até recusas no tratamento (CELESTE, 2015). Com a implantação do Sistema único de Saúde – SUS através da Lei Orgânica 8.080 de 19 de setembro de 1990 (Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências) que estabeleceu o princípio da universalização do atendimento, houve uma redução de qualidade dos serviços públicos devido ao aumento da demanda sem melhorias na infraestrutura para o atendimento da população (GOUVEIA et al., 2005). Com esta falha do sistema em cobrir de forma eficiente toda a população, aqueles com maior poder econômico migram para a assistência privada em saúde, segundo dados do Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011), em 2008, a maior parte dos atendimentos do SUS se concentra em usuários com faixa de renda entre um quarto e meio salário mínimo e a população negra representa 67% dos atendimentos e a branca 47,2% do público total atendido. Deve-se considerar também que 37,8 % da população adulta preta ou parda avaliaram sua saúde como regular, ruim ou muito ruim, enquanto apenas 29,7% da população branca relatou o mesmo. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 identificou que 74,8% das pessoas brancas consultaram um médico nos últimos 12 meses, contra 69,5% dos pretos e 67,8% dos pardos. Barata (2009) afirma que o número de consultas médicas é diretamente proporcional à renda familiar, para ambos os sexos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), brancos têm em média maiores salários e são menos expostos ao desemprego, já os pretos, pardos e indígenas 14 quase sempre têm indicadores socioeconômicos mais desvantajosos, o que corrobora com os resultados. Das 146,3 milhões de pessoas com 18 anos ou mais no Brasil analisadas na PNS/2013, 10,6% (15,5 milhões) delas relataram discriminação nos serviços de saúde. Dentre essas pessoas, 11,6% eram mulheres, 11,9% pessoas de cor preta, 11,4% eram pardas, e 11,8% pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto. Dessas pessoas 15,5 milhões, 53,9% relataram como motivo percebido para a discriminação sendo a falta de dinheiro e 52,5% a classe social. Um estudo com clientes do SUS, realizado por Gouveia e colaboradores (2005) em 2003, identificou que 9% dos participantes da pesquisa sentiram que receberam pior tratamento devido à falta de dinheiro e 8% por causa de sua classe social. As seguintes porcentagens correspondem a clientes internados que relataram algum tipo de discriminação e sua causa: 1,4% pela cor da pele, 14,9% fatores financeiros,13,1 pela classe social e 2,3 devido ao sexo. Ainda que a que a falta de dinheiro e a classe social permaneçam como maiores determinantes percebidos para a discriminação em serviços de saúde, Boccolini e colaboradores (2016) aponta que houve uma queda da prevalência destes fatores em relação à PNS/2013 e a PNS/2003. Sugerindo que o motivo dessa diminuição possa ser a implantação de políticas sociais do no âmbito do Sistema Único de Saúde. 6.3 HISTÓRICO DO TRABALHO DE PARTO E DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO O trabalho de parto como processo fisiológico e natural, desde os primórdios da civilização humana foi realizado num ambiente feminino, a mulher como protagonista sendo assistida por outras mulheres, formando um laço fortalecido na empatia e pelas experiências compartilhadas. As parteiras tradicionais que prestavam assistência durante o parto domiciliar, também cuidavam da saúde da mulher, pré-natal, puerpério e aconselhavam a respeito de cuidados com o recém-nascido. Além disso, exerciam um papel na comunidade, enquanto conselheira, curadora e amiga (PALHARINI; FIGUEIRÔA, 2018; PIMENTA et al., 2013). Na maioria das vezes, as parteiras eram mulheres que receberam pouca instrução, pobres, casadas ou viúvas e consideravam o ato de partejar como “dom divino”. O conhecimento que detinham era adquirido a partir da observação da 15 atuação de outras parteiras ou por suas vivências e experiências (PIMENTA et al., 2013). Entre o século XVI e XVII, a grande maioria dos partos eram assistidos por parteiras, e somente em casos mais graves o cirurgião ou médico eram chamados. Raramente os profissionais homens eram convocados devido ao excesso de pudor da época (ACKER et al. 2006). O início da medicalização do trabalho de parto teve seus primórdios em países europeus como França e Inglaterra, com o crescimento do pensamento de que o corpo é uma máquina (Paradigma Mecanicista) na medicina ocidental durante o século XVII e XVIII. O útero e o ventre foram definidos como bombas que atuariam na expulsão do feto sob as condições favoráveis. Essa nova visão na qual o útero é a máquina e o médico o mecânico, influenciou na criação das “ferramentas” necessárias para consertar a “máquina que apresenta defeitos” (MARTIN, 2006). Durante esse mesmo período, o fórceps foi desenvolvido e estudado. Criado pelo inglês Peter Chamberlen, tal instrumento poderia ajudar nos partos mais demorados e difíceis embora pudesse mutilar a criança e dilacerar o corpo gravídico. O cirurgião munido de suas ferramentas para corrigir as “falhas do corpo” ganha o “comando” para o evento do parto, realizando-o de acordo com a sua competência e propagando a ideia de que o seu método era superior ao das parteiras (BRASIL, 2010; MARTINS, 2004). Essa visão mecanicista e fragmentada possibilitou avanços na ciência médica e alavancou a produção científica. Porém, a construção da imagem médico como especialista em mulheres representando a ciência prejudicou a assistência obstétrica prestada e contribuiu para o desenvolvimento do modelo biomédico de assistência, que desconsidera os outros aspectos psicológicos, culturais, sociais e econômicos da vida do ser humano (BRASIL, 2010). Consequentemente, ganha força no início do século XX o movimento de transferência do parto do ambiente domiciliar para o hospitalar. Durante essa transformação da assistência, na troca da parteira pelo médico, Palharini e Figueirôa (2018) considera como manifestação das relações de desigualdade de gênero, pois o conhecimento acumulado das parteiras perde espaço para o exercício da medicina validada política e socialmente. A prática do parturiar é desvalorizada, fazendo com que as práticas populares das parteiras sejam marginalizadas e o homem invade o território antes exclusivamente feminino (PALHARINI; FIGUEIRÔA 2018). 16 O conhecimento institucionalizado masculino e o discurso médico científico fizeram com que aos poucos a mulher deixasse de ser sujeito e torna-se objeto de intervenção. Nessa relação nova que é construída, entre a mulher e o médico, a parturiente torna-se submissa, perdendo sua autonomia e assumindo um papel passivo. (VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). Alguns autores concordam que talvez a mudança perceptível que melhor ilustre a nova relação de poderes estabelecida durante o parto institucionalizado seja a adoção da posição litôtonica, para que o médico possa visualizar melhor o canal de parto e seja mais confortável para que o mesmo utilize seus instrumentos (ACKER et al. 2006; PONTES et al. 2014; VENDRÚSCOLO; KRUEL, 2015). No primeiro momento da institucionalização do parto, o médico é o principal responsável pela tomada de decisão. No entanto, ao passar dos anos, os hospitais sob a lógica do capitalismo se transformam em empresas e o médico no papel de empregado está à mercê do novo sistema. Para que a empresa obtenha lucro, é necessário que se obtenha maior produção num determinado espaço de tempo, logo o bebê saudável seria o “produto” e para maior produtividade o operário (médico) deveria empregar as tecnologias mais eficazes no trabalho de parto para melhor uso do tempo (MARTIN, 2006). O parto altamente tecnocrático roteirizado estabelece-se como prática habitual, com o uso de analgesias (principalmente uma combinação de morfina no início do trabalho e escopolamina ao final do período expulsivo) as mulheres sequer assistiam ao parto, pois amarradas às mesas inconscientes tinham seus corpos manipulados pelos médicos. Ao passar dos anos a sedação completa foi deixada de lado devido aos riscos e os altos índices morbimortalidade maternas e perinatais (DINIZ, 2005). Ayres e colaboradores (2018) ao analisar produção científica obstétricas do século XX, percebeu a implicação da tomada de decisão como exclusiva da figura do médico, e a passividade da mulher que está baseada na confiança cega que as mesmas eram levadas a ter nesse profissional. No modelo medicalizado e institucionalizado, o médico é a “barreira” que a livrará dos traumas e dores do parto visto como processo patológico, uma ideia que os eles mesmos eram responsáveis por dissipar. A partir da década de 1950, profissionais dissidentes começaram a se organizar movimentos a favor de uma mudança no modelo Tecnocrático do parto, a 17 exemplo o “Parto sem dor” na Europa que propôs as primeiras ideias que formaram o Movimento pela Humanização do Parto e do Nascimento (DINIZ, 2005). Na segunda geração do “Parto Sem Dor”, o movimento traz valores individualistas e libertários ao campo, especialmente a sexualidade da mulher e o envolvimento do pai no processo. Ainda criticavam a medicalização da saúde e objetivavam a construção de uma equipe multiprofissional para diminuir a influência do saber biomédico dominador que era alvo da crítica (TORNQUIST, 2002). Nos anos 60, o Movimento Feminista através da implantação de centros de saúde feminista e os Coletivos de Saúde das Mulheres faz sua entrada na frente de batalha em busca dos direitos das mulheres (DINIZ, 2005). Não obstante deve-se ao movimento a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos enquanto direitos humanos, marco na assistência à saúde da mulher. O chamado feminismo contemporâneo exerceu impacto ao questionar o determinismo biológico da maternidade, até então o destino das mulheres se tornarem mães nunca tinha sido refutado. Ao discutir a construção social da maternidade possibilitou abrir o debate à dominação do sexo masculino e a violência de gênero explícita nas relações sociais e familiares (SCAVONE, 2001). Os estudos feministas desse momento histórico foram de grande valia para a recuperação da boa imagem das parteiras que tinha sido ofuscada pelo modelo tecnocrático de assistência. Recuperam escritos de parteiras e lançaram holofotes a respeito da solidariedade feminina e o controle que tinham do partoem outrora (MARTINS, 2004). Moldado pelas discussões apresentadas, o conceito de Parto Humanizado ganha forma, remetendo a uma atenção pautada num resgate à “humanidade” do parto e nascimento. A humanização tem um significado amplo e dinâmico, mas está ligado a práticas que promova um retorno ao que é natural, com enfoque na autonomia da mulher, intervenções mínimas e procedimentos comprovadamente benéficos (principalmente não farmacológicos) que garantam um parto e nascimento saudáveis (MAIA, 2010). Seguindo essa corrente ideológica, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou em 1985 o texto “Tecnologias apropriadas para o parto e nascimento” (no original “Appropriate Technology for Birth”). O primeiro de uma série de recomendações sistematizadas a partir de estudos que comprovavam a sua segurança e eficácia dos métodos, com propostas acerca de medidas para a mudança 18 da assistência, como o incentivo à diminuição de intervenções, participação ativa da mulher, liberdade de escolha da posição de parir, incentivo ao parto vaginal, presença de acompanhantes, o fim de rotina de episiotomia e indução do parto, entre outras (DINIZ, 2005; TORNQUIST, 2002). É notório como são lentos os avanços ao longo dos anos na mudança do modelo assistencial obstétrico. Há uma resistência às mudanças, que ocorre por diversos fatores que ultrapassam as dimensões técnicas dificultando a inserção de práticas baseadas em evidências científicas e contribuindo para a permanência do modelo tecnocrático intervencionista (DINIZ, 2001). Estudo realizado por Leal e colaboradores (2014), que analisa as intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres de risco habitual no território brasileiro, constatou-se que em mais de 70% das mulheres da amostra foi realizada a punção venosa periférica e o uso de ocitocina ocorreu em aproximadamente 40% delas. Durante o parto propriamente dito, observou-se que a posição litotônica ocorreu em 92% dos casos, manobra de Kristeller em 37% e episiotomia em 56%. Do total de parto vaginais, apenas 5% ocorreram sem nenhuma intervenção durante o trabalho de parto e parto. Destarte, Lauretis (1994), sintetiza como a discriminação de gênero influencia na assistência obstétrica na sua seguinte fala: O atendimento à mulher durante a gestação e o parto expressa claramente as relações sociais e políticas que dizem respeito à interação assimétrica e hierárquica entre desiguais, já que parte do princípio de que o corpo feminino é normalmente defeituoso e dependente da tutela médico-cirúrgica e dá sustentação à relação entre poder e gênero que acontece nas cenas da assistência ao pré-natal (LAURETIS, 1994 apud PONTES et al. 2014). 6.4 PARTO NO BRASIL, CARACTERIZAÇÃO DE UMA ASSISTÊNCIA MARCADA POR DESIGUALDADES. A assistência em saúde no Brasil é marcada pelas desigualdades sociais em todos os seus âmbitos, assim, além da influência dos aspectos organizacionais e práticos dos serviços de saúde, a experiência da gravidez, parto e o nascimento também são definidos por fatores socioeconômicos e demográficos (PEDRAZA; ARAÚJO, 2017). Analisando a assistência à saúde da mulher durante o período gravídico até o puerperal, os dados de pesquisas nacionais, desde as mais antigas até as mais 19 atuais, indicam disparidades em relação às regiões do país e características socioeconômicas da população atendida. Segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (BRASIL, 2015), embora o Ministério da Saúde Brasileiro recomenda no mínimo sete (7) consultas no pré-natal em 2012, 62,4% das gestantes realizaram sete ou mais consultas pré-natal; 27,3% tiveram de 4 a 6 consultas; 7,3% tiveram de uma a três consultas; e, 3% não tiveram nenhuma consulta pré-natal. Nas regiões Norte e Nordeste os números indicam um menor acesso às consultas, apenas 41% das gestantes da Região Norte e 50,2% das gestantes do Nordeste realizaram sete ou mais consultas. No estudo realizado por Guimarães (2018) constatou que a dimensão da qualidade do cuidado pré-natal foi avaliada como inadequada em nível nacional. A região Norte teve pior índice, seguido pela região Nordeste. Quando o autor cruzou a adequação da atenção pré-natal, avaliada pela disponibilidade de infraestrutura, por regiões geográficas, indicadores socioeconômicos e de saúde, chegou ao resultado de que os piores índices de adequação das Unidades de Saúde da Família da Região Norte estavam localizados em sítios com piores indicadores de renda e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Na problemática da cobertura ainda há as desigualdades relacionadas à cor ou raça no acesso ao atendimento pré-natal. Gestantes brancas tiveram maior acesso, quase 75% delas tiveram 7 ou mais consultas, gestantes pretas 56,4% e pardas 54,8%. Entre mulheres indígenas o número é ainda menor, apenas 24,3% delas tiveram acesso às consultas (BRASIL, 2015). Quanto às orientações sobre sinais de risco na gravidez, 80,8% das mulheres brancas referiram que receberam informações, contra 66,1% das pretas e 72,7% das pardas (BRASIL, 2016). No estudo de Leal e colaboradores (2017), constatou-se que pretas e pardas têm maiores dificuldades na vinculação a maternidades (o que pode ser consequência do menor número de consultas de pré-natal e recebem menos orientações, aumentando assim a peregrinação para o parto. Além da maior peregrinação, pretas e pardas referiram mais frequentemente o uso de transporte público e menos o próprio para o deslocamento até a maternidade (DINIZ et al, 2016). No tangente ao trabalho de parto, persiste o alto índice de cesarianas no território nacional, com uma proporção de 45,5% em mulheres de risco obstétrico habitual e 52% do total de nascimentos (LEAL et al, 2014). A proporção de gestantes que tiveram parto normal pelo SUS em 2013 foi de 45,3%, sendo a maior parte de 20 mulheres pardas (53,4%), seguida das mulheres pretas (52,5%) e, depois, das brancas (33,6%) (PNS, 2013). Mulheres com maior poder aquisitivo e usuárias do setor privado, estatisticamente, têm menores chances de ter um parto normal segundo Inquérito Nascer no Brasil (2014). As taxas de cesarianas chegam a 88%, no sistema de saúde privado, levando em consideração o fato de que, comprovadamente, mulheres brancas utilizam mais os serviços privados de saúde, ocorre uma menor incidência de partos normais para essa população. Aquelas com melhor índice de escolaridade e usuárias do setor privado são mais submetidas ao uso de analgesia e episiotomia (LEAL et al. 2014). Mulheres pretas e pardas são menos expostas a intervenções como uso de ocitocina, analgesia e episiotomia, porém o que poderia ser decorrente de uma adequação às boas práticas, indica motivações de discriminação étnico-raciais, principalmente o que indica o menor uso de analgesia para esses grupos (LEAL et al. 2017). Quanto à presença de acompanhante, em 25% dos casos, as clientes ficaram sem nenhum acompanhante durante toda a internação hospitalar, mesmo que esse seja um direito previsto em lei (LEAL et al. 2017). Aquelas de cor branca foram menos prejudicadas (17, 4%), enquanto pretas (30,9%) e pardas (24,8%) ficaram mais sozinhas (DINIZ et al, 2016). Devido às desigualdades que fazem parte do cotidiano de mulheres que estão marginalizadas, a banalização da violência institucional e o desconhecimento dos próprios direitos, muitas delas não se percebem discriminação e violência institucional nos estabelecimentos de saúde que são motivadas por fatores de cor e classe (OLIVEIRA, 2017). A violência institucionalizada ao parto no Brasil vem sendo associada a condutas eticamente duvidosas e desrespeitosas dos profissionais, utilização de práticas que não têm benefícios comprovados cientificamente, agressões verbais e indicação de cesáreas desnecessárias (CASSIANO, 2016). Estudos de Aguiar e colabores (2013),identificou-se ainda uma linha tênue e subjetiva do que os profissionais consideram como violência institucional e conduta necessária ao parto. E os tratamentos rudes e humilhantes são mais comumente direcionados a mulheres pertencentes aos grupos sociais mais vulneráveis (pobres em geral, negras, solteiras, adolescentes), mesmo configurando violação dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres (DINIZ, 2001), as relações hierarquizadas 21 baseadas em questões de gênero e sociodemográficas garantem a impunidade daqueles que perpetuam a violência (CASSIANO, 2016). As discussões fomentadas pelos estudos mencionados, em especial a pesquisa “Nascer no Brasil”, são extremamente necessárias, pois expondo as fraquezas e falhas da assistência possibilitam a formulação de políticas e diretrizes para saná-las. Conforme Leal (2018) expõe, faz-se indispensável também a defesa dos direitos das mulheres e a redução da pobreza e das iniquidades sociais em saúde, para a construção e consolidação de um modelo assistencial obstétrico humanizado, eficiente e seguro no Brasil. 7 METODOLOGIA 7.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO Trata-se de uma pesquisa de campo, exploratória, descritiva de abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa é em sua essência subjetiva. Com base nas ciências sociais, as questões abordadas são particulares, levando em conta fatores como crenças, aspirações, motivos, valores, atitudes, etc. Portanto, trata de um mundo de significados das ações e relações humanas, aspectos da realidade que não podem ser quantificados, buscando compreensão da dinâmica das relações sociais (MINAYO, 2001). A pesquisa descritiva busca descobrir a frequência de ocorrência de um fenômeno, sua natureza, características e causas. Quando é do tipo ‘pesquisa de campo’, o pesquisador utilizará de técnicas (entrevistas, questionários, etc.) para coletar informações sobre o objeto de estudo (BARROS; LEHFELD, 2007). 7.2 LOCAL DO ESTUDO A pesquisa ocorreu no Município de Boa Vista – RR. O cenário de aplicação foi a ala das Rosas do Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazaré, essa ala comporta 120 leitos em ALCON (Alojamento conjunto) para binômio mãe e recém- nascido e 6 leitos de albergue para mães hóspedes. A escolha desse local se deu por este ser o destino das puérperas após liberação da Sala de Parto. Lá as mesmas permanecem se recuperando após trabalho 22 de parto até o recebimento da alta do HMINSN. A concentração das puérperas nesse ambiente foi conveniente para a abordagem e entrevista. O HMINSN é um Hospital público estadual conveniado ao Sistema Único de Saúde, se encontra na capital Boa Vista. Conta com 220 leitos, sendo dividido em 6 alas: Margaridas (Enfermaria de Pré e Pós Operatório), Violetas (Centro Cirúrgico), Pedras Preciosas (Unidade de Cuidados Intensivos e Intermediários Neonatais), Orquídeas (Centro Obstétrico), Rosas (Internação em Alojamento Conjunto Binômio Mãe-Bebê) e Girassóis (Internação de Gestação de Alto Risco). Além da população local e de outros municípios do estado, atende também recebe pacientes provenientes de países vizinhos: Venezuela e Guiana Inglesa. Inaugurado em 1982, este Hospital é considerado unidade especializada de referência da região do Estado de Roraima e sua missão é:” Desenvolver ações de atenção integral à saúde da comunidade, em especial da mulher e do Neonato, em nível ambulatorial e hospitalar, com Equidade, Qualidade e Resolutividade”. 7.3 POPULAÇÃO E AMOSTRA A população alvo foi constituída por mulheres internadas no alojamento conjunto na Ala das Rosas do HMINSN. Participaram um total de 21 puérperas, por conveniência e mediante aceite de participação, após a assinatura do TCLE e Termo de Uso e Gravação de Voz, transcorreram as entrevistas. O critério para a interrupção da amostragem se deu por saturação. Esse critério é aplicado quando não estão sendo encontrados dados novos durante a coleta. (FLICK, 2009). 7.4 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS A coleta de dados se deu nos dias 03, 06 e 13 de julho de 2020, por acontecer durante a pandemia de COVID-19, os dias de entrada para a realização das entrevistas foram determinadas pelo Departamento e Ensino e Pesquisa do HMINSN. Na chegada ao local, a pesquisadora tomou as medidas de segurança de contato e usando os equipamentos de proteção individual para prevenção de contaminação direta e cruzada. No primeiro momento as possíveis participantes foram abordadas no ALCON para apresentação da pesquisa, dos assuntos abordados durante a entrevista, aspectos éticos e legais, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 23 (APÊNDICES A), o Termo de Autorização de Gravação de Voz (APÊNDICE B) e respondendo quaisquer as dúvidas que surgiram durante a proposta. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista gravada com roteiro semiestruturado. O roteiro impresso em três línguas diferentes (APÊNDICE C) para a participação de mulheres estrangeiras na pesquisa buscando diversidade amostral. O instrumento de coleta de dados semiestruturado foi composto por dois eixos: sendo o primeiro para identificação do perfil sociodemográfico (idade, nacionalidade, cor autodeclarada, renda familiar, ocupação, estado civil, acompanhante) e o segundo eixo para a caracterização da assistência recebida (descrição do evento do trabalho de parto e parto, como se deu a assistência profissional, motivos de satisfação ou descontentamento com o atendimento). Posteriormente ao recolhimento das gravações das entrevistas, estas foram transcritas e traduzidas para a análise de conteúdo de Bardin. 7.4.1 Critérios de inclusão e exclusão Como critério de inclusão foram mulheres que pariram fisiologicamente dentro do ambiente da instituição. Critérios de exclusão: mulheres de etnias indígenas, que não tenham atingido maioridade legal e mulheres que não se encontraram em condições físicas e psicológicas de responder o questionário. Mulheres que estavam internadas na Ala das Rosas após parto cesáreo foram incluídas na amostra por demonstrarem interesse em participar da pesquisa e não constarem nos critérios de exclusão, contribuindo para a diversidade amostral. 7.5 ANÁLISE DE DADOS A análise de conteúdo utilizou o método de Bardin, no qual aplicada as técnicas de análise de comunicação, possibilita-se a obtenção de indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens (TRIVINOS, 2011). Segundo Bardin (2016), a análise de conteúdo é dividida em três fases: 1) Pré-análise: que tem como objetivo a organização de conteúdo. Por meio da leitura flutuante é realizada a escolha das partes dos textos que serão submetidos à análise. A escolha é feita de acordo com os objetivos da pesquisa e formulam-se hipóteses e indicadores a serem utilizados na análise final; 24 2) Exploração do material: o material é estudado de forma mais aprofundada, consistindo em codificação, classificação e categorização do texto que será objeto da análise de conteúdo; 3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados brutos são tratados e são aplicadas estatísticas simples, tendo resultados significativos são propostas inferências e interpretações. A análise de conteúdo foi realizada por categorias temáticas. De início se dividiu o material a ser estudado em partes, distribuindo-o em categorias e descrevendo os resultados da categorização. Posteriormente, os resultados obtidos foram interpretados com o auxílio da fundamentação teórica adotada conforme orientações por Lakatos e Marconi (2019). 7.6 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS Após a apresentação do projeto de pesquisa a Diretoria de Ensino e Pesquisa do HMINSN para a obtenção da autorização para execução da pesquisa no local, o mesmo foi submetido e submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos daUniversidade Federal de Roraima – CEP/UFRR, conforme Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012. Ao participante da pesquisa foram lidos em conjunto com a pesquisadora o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICES B) e o Termo de Autorização de Gravação de Voz (APÊNDICE C) para gravação da entrevista, ambos oferecidos no idioma de sua língua materna (português ou espanhol) e resguardando uma cópia destes para as entrevistadas. Para proteger o anonimato das participantes da pesquisa, estas são identificadas através da codificação no qual o nome é substituído pela letra M seguida de numeração atribuída de acordo com o número da participante, por M1, M2, M3 e etc. Este estudo foi inscrito no CEP-UFRR com a CAAE:30526520.0.0000.5302 e obteve aprovação sob o número de Parecer: 4.102.630 (ANEXO 1). 25 8 RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste segmento serão discutidos os achados considerados relevantes aos objetivos do estudo. No primeiro momento será discorrido a respeito das características sociodemográficas das entrevistas como determinantes no acesso a serviços de saúde. Após iremos ponderar sobre a influência da presença de acompanhantes na qualidade percebida do serviço prestado. Seguido de considerações sobre tratamentos vistos como discriminatórios em literatura previamente consultada e as circunstâncias da assistência. Finalizando com apontamentos sobre os níveis de satisfação das entrevistadas no que tange ao atendimento. 8.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PARTICIPANTES DO ESTUDO Participaram deste estudo um total de 21 puérperas, com média de idade de 27,8 anos, sendo a mais velha com 46 anos e as mais novas com 20 anos. No tocante à nacionalidade, 15 delas (71,4%) eram brasileiras e 6 (28,6%) venezuelanas. A grande maioria das entrevistadas, 18 (85,7%) delas, se autodeclaram pardas, 2 (9,5%) consideram-se pretas e 1 (4,8%) branca. No Brasil, as mulheres pretas e pardas chega a somar 28% do total populacional, formando o maior grupo da populacional brasileiro. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população brasileira é formada por 42,7% autodeclarados brancos, 46,8% pardos, 9,4% como pretos e 1,1% como amarelos ou indígenas. A maioria das participantes autodeclaradas pardas na pesquisa pode ser contextualizado pela composição populacional da Região Norte. Esta região do país tem uma formação étnica com uma variável percentual de 73% de pardos, 18,5% de brancos e 7% de pretos (IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral – 4º trimestre de 2019). Pelo fato de o HMINSN ser um Hospital público estadual conveniado ao Sistema Único de Saúde, 18 (87,7%) das participantes alvos da pesquisa serem autodeclaradas pardas e 19 (90,5%) delas terem renda familiar mensal de até 1 salário mínimo, percebe-se a consonância deste achados com dados sociodemográficos da Pesquisa Nascer no Brasil. Pois nesse inquérito os dados obtidos apontaram que as Regiões Norte e Nordeste têm as maiores concentrações de mulheres pretas e 26 pardas, que pertencem às classes econômicas D e E, com pagamento público do parto (LEAL et. al. 2017). A renda familiar de 19 (90,5%) participantes é de até 1 salário mínimo e 2 (9,5%) delas têm renda familiar mensal de 2 a 3 salários mínimos. Apenas 3 (14,3%) das mulheres tinham emprego fixo, trabalhando como auxiliar de gabinete, auxiliar administrativo e vendedora; 2 (9,5%) participantes eram autônomas (manicures); e 16 (76,2%) puérperas disseram serem donas de casa ou desempregadas. Destacando que todas as migrantes venezuelanas estão na última categoria. Este achado está em concordância com os dados das IBGE, pois mulheres negras e pardas são as que mais sofrem com desemprego (taxa de 16,6%) têm a renda mais baixa dentre os grupos da população brasileira (ESTARQUE; CAMAZANO, 2019). À essa situação, soma-se o crescimento da taxa de desemprego causado pela pandemia de COVID-19, segundo dados da Pnad Covid-19 do IBGE a população desocupada no Brasil era de 12,3 milhões em julho de 2020, para o mês de agosto a taxa de desocupação aumentou em 0,5 ponto percentual. Sendo a taxa de desocupação das mulheres (16,2%) maior que a dos homens (11,7%). Considerando raça ou cor, a taxa era maior entre as pessoas de cor preta ou parda (15,4%) do que para brancos (11,5%) (CAMPOS, 2020). Levando em consideração o capitalismo, racismo e sexismo como mecanismos de dominação social e características fenotípicas e econômicas (raça ou cor, gênero e classe) como determinantes de vulnerabilidade social (GODOI; SILVA, 2020), mulheres pretas e pardas de classes sociais menos favorecidas (grupo majoritário na população do estudo) formam um grupo social vulnerável. As implicações do conceito de vulnerabilidade no tangente a políticas públicas de saúde e assistência social convergem em encalhes na busca por melhores condições de vida, interferidas por contextos individuais e, principalmente, coletivos (CARMO; GUIZARDI, 2018). Logo, mulheres pretas e pardas de classes sociais menos favorecidas estão mais expostas a danos e têm as condições de cidadania mais fragilizadas. 8.2 PRESENÇA DE ACOMPANHANTES NA QUALIDADE PERCEBIDA DO SERVIÇO PRESTADO A presença de acompanhante é constantemente associada a qualidade do serviço e nível de satisfação. Mulheres com acompanhantes geralmente têm melhor 27 acesso a explicação e comunicação com os profissionais, têm maior atenção da equipe, estão menos expostas ao risco de serem vítimas de violência (física, verbal e psicológica) e à negligência do cuidado (D’ORSI et al , 2014; LEAL et al, 2017). A falta da presença de um acompanhante influencia o sentimento de amparo da paciente durante internação. A maior parte das mulheres considera a presença do acompanhante como fator para uma experiência melhor e mais calma durante o parto (DINIZ, 2014). Usuárias do SUS, mulheres com menores rendimentos, menor escolaridade e de cor preta ou parda geralmente tem menos acompanhantes durante qualquer momento do parto (DINIZ et al, 2014). Das participantes do estudo, 17 (80,9%) tinham acompanhantes durante a entrevista e as 4 (19,1%) restantes não tinham acompanhantes. Identificou-se que os acompanhantes presentes se dividiam entre cônjuge e/ou pai do bebê em 9 (42,8%) dos casos; familiares e parentes de primeiro grau (mãe, irmã, tia) em 4 (19,1%); parentes de segundo grau (cunhada) em 3 (14,3%); e amiga em 1 (4,7%). Das duas participantes autodeclaradas pretas, uma delas estava sem acompanhante, e esta implica na resposta ser por motivos pessoais e não restrição do hospital: Compensar que não tenho acompanhante, eles me atenderam bem, me ajudaram no que necessitava, tudo se saiu bem (M4). Leal e colaboradores (2017) verifica durante pareamento de escore de propensão entre mulheres pretas vs. brancas e pardas vs. brancas, que as mulheres pretas e pardas possuem maior risco de ausência de acompanhantes do que mulheres brancas. A participante M8, migrante venezuelana e parda, têm um relato que remete a negligência do cuidado podendo este estar influenciado pelo fato de que estava sem acompanhante durante toda a sua internação. Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, porque muita gente né? Eu fiquei só, ganhei bebê só, depois veio pegou menino e ajeitou (M8). 28 A participante M6 declarou que não ter acompanhante foi uma decisão tomada pelo medo de ser responsável por contaminação pelo vírus da COVID-19 de terceiro. Eu tava me sentindo bem, quem ia parir era eu mesma, resolvi vir sozinha. (Teve medo?) Tive pelo vírus, mas não pela dor que eu ia passar por que eu já sabia como que era (M6). No HMINSN durante a pandemia o fluxo de acompanhantes foi delimitado, sendo realizada triagem com rastreio de sinais e sintomas de síndrome gripal e mediçãode sinais vitais na entrada no hospital. A direção e equipe do hospital estavam seguindo orientações do Ministério da Saúde quanto às normas de prevenção de transmissão do novo Coronavírus SARS – COV - 2, evitando a entrada de acompanhantes/visitantes com sintomas respiratórios (BRASIL, 2020) A participante M15 foi a única que relatou não ter acompanhante pela restrição da equipe do hospital durante toda a internação, embora esta esteja em segunda internação e não em recuperação pós-parto: A única coisa que eu não gostei foi por que eu não pude ter acompanhante, por que como eu já tive alta e voltei com ela por causa do amarelo, aí eles não deixaram, eu achei injusto porque eu tô cesárea, cirurgiada, não deixaram eu ter acompanhante (M15). A entrevista M12 relatou restrição de acompanhante em parte da internação, não especificando o porquê nem em qual período: Gente, eu não gostei, porque, tipo assim, a gente tá numa situação que a mãe num pode entrar, o marido num pode entrar, e tipo assim, a gente vai falar que a gente tá, é, sentindo dor, que a gente tá com alguma coisa, a pessoa vem e trata a gente com ignorância (M12). Deve-se apontar que as decisões de proibição de entrada dos acompanhantes vão contra direitos previstos em lei. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde, rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir a entrada de um acompanhante durante todo período do trabalho de parto, parto e pós parto imediato conforme Art. 19-J da Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005 (BRASIL, 2005). Tendo em mente que a presença de um acompanhante se configura como uma intervenção segura e de baixo custo para a melhoria dos serviços prestados durante o parto institucionalizado deve-se atentar a conformidade dessa prática para promover um ambiente confortável e benéfico para a cliente, em todos os momentos http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.108-2005?OpenDocument 29 da internação. Com vistas à consolidação de uma cultura de respeito aos direitos das mulheres independentemente de renda, cor, ou pagamento do serviço prestado (DINIZ et al, 2014) 8.3 DISCRIMINAÇÃO PERCEBIDA Usuários de sistemas de saúde e profissionais de saúde geralmente são relutantes em admitir situações discriminatórias como tais, os clientes tendem a classificar esse tipo de tratamento como injusto ou desrespeitoso, dificultando o reconhecimento desse tipo de atitude ou comportamento demonstrados pelos provedores do serviço (FRA, 2013). Assim, para fins de identificação de episódios discriminatórios iremos utilizar das definições da Agência Dos Direitos Fundamentais da União Europeia que também foi usada por Celeste e colaboradores (2015) (vide item 6.2 DESIGUALDADES SOCIAIS E DISCRIMINAÇÃO NO ÂMBITO DA SAÚDE). Definindo-se assim como principais práticas que se configuram como discriminação percebida: os atrasos no tratamento, recusa dos profissionais em prover tratamento, tratamento indigno e estereotipagem, negligência e má qualidade do atendimento, falta de consentimento informado e assédio (FRA, 2013). Quando analisados os discursos, identificou-se quatro situações que podem ser percebidas como práticas de discriminação em sistemas de saúde como as mais recorrentes no caso das entrevistadas: atrasos no atendimento (M3, M8), negligências no cuidado durante a internação (M3, M6, M8, M17, M21), falta de consentimento informado (M6, M10) e tratamentos rudes e/ou ignorantes (M2, M3, M10, M12). As participantes que relataram tais situações desfavoráveis representam 42,8% da amostra (9 mulheres). Todas autodeclaradas pardas, com idade entre 20 e 46 anos, 7 delas com renda de até 1 salário mínimo e duas delas com renda de 2 a 3 salários mínimos (M17 e M21). Somente uma delas é de nacionalidade venezuelana (M8). 8.3.1 Atrasos no atendimento Neste estudo, os atrasos durante atendimento foram relatados por M3 (cor parda e com acompanhante) e por M8 (parda e sem acompanhante), ambas desempregadas com renda familiar mensal até 1 salário mínimo. 30 Por conta do atendimento, muito demorado, deixavam esperando, não foi nada de já pra ganhar a menina já tava saindo, e eles dizendo que não tava na hora, [...] (M3). Ai fiquei aguardando mais um pouquinho e ganhei o bebê. Rápido não, 12 horas, mas foi tranquilo. Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, porque muita gente né? (M8) Em estudo de d’Orsi e colaboradores (2014), o fator cor da pele parda foi associado a menor satisfação com o tempo de espera para atendimento. Atrasos no atendimento em cuidados obstétricos está diretamente relacionado à gravidade de desfechos maternos adversos nas complicações obstétricas (PACAGNELLA et al, 2014). Na maioria dos casos, os atrasos para receber cuidado adequado são devido à baixa adesão aos protocolos necessários (AMARAL ET AL, 2011). A continuidade dos processos internos contribui para a eficiência da assistência e é essencial para a qualidade do cuidado. A obediência a protocolos é imprescindível, com a aplicação à rigor em todos os casos evitando inconstâncias nos atendimentos. Quanto mais cedo forem identificados os critérios aplicáveis em cada caso particular, melhores são as chances de cuidado no momento oportuno, promovendo assim a segurança de toda e qualquer paciente. 8.3.2 Negligências no cuidado durante internação A negligência nos serviços de saúde pode ser considerada como a “falta de ação”, seja por passividade ou omissão daquele que deveria prover a assistência (FREITAS; OGUISSO, 2008). A negligência durante a assistência obstétrica e perinatal pode resultar em situações que ameaçam a vida da mãe e do bebê decorrente de complicações evitáveis (OMS, 2014). E ainda pode provocar quebra de confiança entre as clientes e as equipes de saúde acarretando um sentimento de desamparo durante o período de internação. O trecho de M3 exemplifica negligência do cuidado com a paciente e a desconsideração dos informes da mesma: [...] Deixavam esperando, não foi nada de já pra ganhar a menina já tava saindo, e eles dizendo que não tava na hora (M3). 31 Já M6 foi constrangida por comentário a respeito de “mal cheiro” durante ao exame sendo que mesma tinha pedido ajuda para asseio e limpeza anteriormente, mas não foi atendida: Então não tinha como eu me limpar né, me assear, aí então num ficou com cheiro legal, ai eu peguei e falei assim né: eu queria tomar banho, tem como eu tomar banho? Trocar esses panos aqui. Eu tava sem acompanhante, mas tinha os enfermeiros, os técnicos, que poderiam ter trocado o lençol, ai quando foi a doutora chegou [...] Ai ela disse assim: “tá com mau cheiro, muito forte” ai então eu fiquei assim né, aí eu falei assim “pois é né, mas desde de manhã (a conversa era meia noite) que eu falei que eu queria tomar banho, queria me trocar, por isso né, porque sangue , sangue já é podre ainda mais, essa parte aí pra mim foi horrível (M6). O caso da participante M8 chama bastante atenção nesse tópico da negligência, uma migrante venezuelana de 34 anos, autodeclarada parda, desempregada, solteira e sem acompanhante. Sozinha na sala de parto, com a equipe chegando para prestar assistência somente após o parto. Na hora de ganhar o bebê fiquei só, elas vão, voltam, porque muita gente né? Eu fiquei só, ganhei bebê só, depois veio pegou menino e ajeitou (M8). As desigualdades no acesso e processo de cuidado podem ser derivadas das condições de estrutura dos serviços de saúde (como disponibilidade de serviços humanos e equipamento), ou nas atividades desenvolvidas pelos profissionais de saúde, sendo fator influenciador na qualidade e equidade da assistência (LEAL et al, 2017). Permanece a incerteza se o caso de M8 ocorreu devido a superlotação da unidade ou por negligência da equipe que estavatrabalhando no horário do ocorrido. Independentemente deste fato, o risco a qual a paciente foi exposta não se anula, os possíveis desfechos poderiam acarretar em consequências permanentes à saúde da cliente e de seu filho. A negligência talvez seja uma das expressões de discriminação mais complexa de ser enfrentada, uma vez que a mesma se demonstra imperturbável a despeito de protocolos e normas. Ademais, os diversos fatores que convergem podem derivar de condições distintas individuais dos profissionais, ou de convicções coletiva das equipes, tornando a prática uma realidade diária corriqueira. 32 8.3.3 Falta de consentimento informado e comunicação ineficaz Nota-se nos serviços públicos de saúde uma crônica falta de comunicação entre pacientes e provedores do serviço. As mulheres usuárias do SUS têm menos abertura para esclarecimento de dúvidas e participação na tomada de decisão do que aquelas usuárias de planos de saúde privados. Tal negligência em prover informações a respeito do tratamento pode surgir pela noção discriminatória de essas mulheres não teriam capacidade de entendimento para compreender e participar da tomada de decisão ou pelo caráter tutelar que permeia a assistência obstétrica (D’ORSI et al, 2014; CASSIANO, 2016). M17 discorre com insatisfação o fato de não ter sido ouvida sobre o desejo de realização da cesariana: Por que eu esperaria que fosse cesariana, por causa do peso dela, eu tava sofrendo muito não andava muito mais, mas foi conforme eles decidiram, mas agora tá tudo bem. Teve laceração do neném porque muito grande. [...] Com respeito ao atendimento foi bom, mas assim tinha que ver mais um pouco o lado da mulher né de ter o bebe normal ou de ter cesariana, por conta do sofrimento né (M17). Mesmo que as condições da parturiente não se encaixassem em indicação da cesariana, uma conversa e explicação por parte dos profissionais poderia ter mudado a opinião da mesma, promovendo a participação da cliente na tomada de decisão e tendo respeito a sua autonomia e melhorando o nível de satisfação. Repete-se o descaso da falta de comunicação com M21, que refere espera de quatro dias para realização de cesárea, mas não indica os motivos da demora por falta de informação. Bom, eu só acho assim se, como eu cheguei aqui a quatro dias, né, como eu já sabia que ia ser cesariana, eu só acharia que eles pudessem logo fazer mais antes, não esperasse tanto (M21). Misago e colaboradores (2001) em resultados de 1997 sobre o parto em hospitais rurais no Ceará, verificou que as mães recebiam poucas informações sobre o acontecia com elas. O processo do parto normal não era explicado e as decisões sobre medicamentos, cesáreas ou outros procedimentos não eram discutidos com as pacientes. É preocupante que mais de 20 anos após esse retrato a situação continue a mesma na maioria dos casos. 33 Atrelada à falta de informações está a falta de consentimento informado para a realização de procedimentos que são comumente realizados durante o parto ou imediatamente após. Nas regiões da América Latina e Caribe (LAC), África Subsaariana e leste europeu foram confirmados uma falta de rotina e protocolos no tangente a informação ao paciente e consentimento para procedimentos obstétricos e suas respectivas indicações (BOWSER; HILL, 2010). Como no caso de M10, que não foi avisada sobre realização de aminiotomia, muito menos teve informações sobre indicação do procedimento: [...] Por exemplo foram romper minha bolsa, não falaram nada, não tem “tem que romper a bolsa agora” não tava esperando, não avisaram, tipo essas coisas (M10). 8.3.4 Tratamentos rudes e/ou ignorantes O desrespeito, tratamentos rudes e ignorantes e abusos constituem como violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres (OMS, 2014). Mulheres que não conhecem os seus direitos de usuárias do sistema de saúde geralmente estão mais propensas a sofrerem estes abusos e não os identificar como tais. As mesmas tendem a internalizar como dever da parturiente se comportar de maneira subserviente e submissa aos profissionais, acatando as ordens em silêncio sem direito a objeção. Nota-se no discurso de M6: Eles nunca me trataram mal, sempre eu fiz o meu papel que foi parir, né, e eles que ajudaram, me auxiliaram então num teve problema, entendeu. (Você acha que se você se comportasse diferente, eles te tratariam mal?) Sim, não é que tratariam mal, entendeu? É porque, a pessoa tem que ter consciência que você veio pra ter o bebê, então você tem que fazer o que os médicos mandam né?! (M6). Obstetras entrevistados por Aguiar e colaboradores (2013) assumem que quando consideram, por parâmetros próprios, a paciente como “não colaborativa” ou que “fazem escândalo” utilizam de ameaças de abandono do cuidado. Sem reconhecerem tal prática como abuso da posição que ocupam. Há uma normalização do desrespeito e abuso, muitas vezes os profissionais querem disciplinar o paciente para que o mesmo aja de maneira dócil e submissa. (BOWSER; HILL, 2010). 34 Devido ao termo violência ser mais associado à violência física, muitos falham em reconhecer os abusos verbais como tal. Evidenciando a relação hierárquica que promove a violência institucional naturalizada (AGUIAR; D’OLIVEIRA, 2010). Essa naturalização da violência faz com a violência verbal seja confundida com aspectos da personalidade do profissional, assim o provedor do serviço é considerado como “chato” ou “ignorante” e não abusivo ou perpetrador de violência verbal. Fato que pode se observar nas falas de M12, M3 e M2. A gente vai falar que a gente tá, é, sentindo dor, que a gente tá com alguma coisa, a pessoa vem e trata a gente com ignorância, [...] sei que eu fiquei bem chateada, pelo jeito que eles trataram a gente, porque eu não falo só de mim, falo das outras meninas que tava no quarto também (M12). (Sobre o atendimento) A parte pior foi o parto, um pouquinho de ignorância né. Eu acho que resposta ruim também (Teve algum momento que brigaram com você? Foram grossos?) Teve, na entrada né, são muito ignorantes (M3). Eu me senti bem atendida só na hora do parto mesmo, o resto tinha umas mulher bem assim chatinha. Tinha umas que era estressada, num tem? tinha uns que era bem amoroso. Só brigava assim na hora de dar o toque num tem? Que doía, ai eu fechava as pernas (M2). O fato de que o parto fisiológico é visto como uma experiência inevitavelmente dolorosa, faz com que muitos profissionais acreditem que as parturientes tenham o dever de aceitar qualquer outro tipo de dor decorrente da assistência. E quando ela não o faz é taxada de “não colaborativa” e na maioria das vezes, hostilizada (CARVALHO; BRITO, 2017). A maioria dos profissionais que utilizam de frases mais ríspidas e tratamentos bruscos tentam se justificar usando o argumento de aquilo seria necessário para conseguir a “colaboração” da paciente. Mas a colaboração a qual eles se referem está mais parecida com submissão total à autoridade médica. Vê-se que a linha entre os maus tratos vistos como violência e como “práticas necessárias para realização do trabalho” é borrada e indefinida (AGUIAR et al, 2013). O tratamento cordial, digno e respeitoso deve ser visto como regra entre os profissionais, não exceções, como exemplificado na fala de M10. (Sobre o atendimento) de uma parte foi boa, de outras pessoas não, uns foram bem, jeito de falar, jeito de conversar, outras pessoas foram bem grosseiras mais na hora de falar (M10). 35 Destarte, configura-se como direito de todas as mulheres uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e parto (OMS, 2014). 8.4 TRATAMENTOS DESFAVORÁVEIS GENERALIZADOS OU DISCRIMINAÇÃO? As participantes que relataram tais situações desfavoráveis representam 42,8% da amostra (9 mulheres). Todas autodeclaradas pardas, com idade entre20 e 46 anos, 7 delas com renda de até 1 salário mínimo e duas delas com renda de 2 a 3 salários mínimos (M17 e M21). Somente uma delas é de nacionalidade venezuelana (M8). Nos discursos das duas entrevistadas que se autodeclararam de cor pretas não foram identificados tratamentos desfavoráveis, ambas se declaram satisfeitas com o atendimento e cuidado durante a internação, como explícito nos trechos: Melhor do que no meu país. Tenho 6 filhos com esse que acabo de ter. aqui foi melhor do que na Venezuela. Todos me atenderam bem, compensando que não tenho acompanhante, todos me atenderam bem e me ajudaram no que precisava. Tudo se saiu bem (M4) (tradução livre do espanhol). (Sobre a experiência) foi boa e desde o começo quando eu entrei até o final de eu ter o neném o médico ficou acompanhando e ele foi super gentil então foi uma experiência boa, foi normal. [...] peguei médicos muito simpáticos, foi rápido, senti satisfeita (M16). Essa satisfação das participantes autodeclaradas pretas difere dos achados de Leal e colaboradores (2017), cujo dados indicaram um gradiente de cuidado menos satisfatórios, com prejuízos de benefícios e oportunidades para as de cor mais escura (LEAL et al, 2017). A única participante autodeclarada branca do estudo, uma Venezuelana de 26 anos, sem ocupação, e passou por parto cesáreo exprimiu satisfação com os serviços prestados: Foi, se tudo bom, pressão alta, o resto tudo bem. (Atendimento?) muito bom. (Satisfeita?) Sim, muito agradecida, muita atenção (M09). Devido ao grupo que sofre tratamentos discriminatórios terem relativa homogeneidade das características sociais previamente consideradas como determinantes para situações de discriminação em ambientes de assistência à saúde, como cor autodeclarada predominantemente parda e classe social similar, torna-se 36 mais difícil relacionar essas características aos tratamentos desfavoráveis identificados nos discursos. Notando-se que os atos discriminatórios não foram uma constante a uma determinada característica socioeconômica, mas sim a casos que podem ser denominados aleatórios mais por conduta individual de profissional provedor do serviço. 8. 5 SATISFAÇÃO COM ATENDIMENTO E SEUS DETERMINANTES Quando questionadas a respeito da satisfação com o atendimento 15 (71,4%) das entrevistadas consideraram-se satisfeitas, 4 (19,01%) insatisfeitas e 2 (9,5%) não quiseram ou não souberam responder. As entrevistadas que relataram tratamentos rudes ou ignorantes durante a assistência (M2, M3, M10, M12) responderam que estavam insatisfeitas com o atendimento. Fato que corrobora com os achados da pesquisa “Nascer no Brasil”, na qual a satisfação do atendimento das mulheres está diretamente relacionada à forma como foram atendidas (LEAL; GAMA, 2014). Notou-se que mesmo após reclamações das participantes sobre aspectos da assistência, algumas delas ainda se diziam satisfeitas com o atendimento. Moimaz e colabores (2010) durante seu estudo sobre satisfação e percepção dos usuários do SUS, também notou que mesmo após queixas os participantes se declararam satisfeitos com os serviços públicos de saúde oferecidos. Fato que pode ser relacionado ao medo de que expor opiniões negativas possa afetar futuros atendimentos. A European Union Agency For Fundamental Rights, (FRA, 2013), considera que usuários do sistemas de saúde podem escolher não fazer críticas à assistência devido a crença de que os profissionais estão dando o seu melhor dentro do contexto, assim como o respeito pela classe médica pode causar receio diante de possível enfrentamento. A dominação social perpetrada pela relações de poder entre o médico (e outros profissionais da saúde) que historicamente vem de uma classe social mais alta e está em posição privilegiada na sociedade versus a mulher usuária do sistema público de saúde contribui para o que Pereira (2004) considera uma “transfiguração das relações de dominação e de submissão em relações afetivas, a transformação do 37 poder em carisma ou em encanto adequado a suscitar um encantamento afetivo (no qual) o reconhecimento da dívida torna-se reconhecimento, sentimento duradouro em relação ao autor do ato generoso”. Ou seja, a usuária pode considerar o trabalho do profissional como um “favor” por se dar em um ambiente público, logo esta deve aceitar os desvios de tratamento como sendo inerentes ao serviço cheio de limitações. 38 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa se propôs a investigar a ocorrência de atos discriminatórios percebidos por puérperas durante a assistência ao trabalho de parto e parto no Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré. Essa abordagem possibilitou-nos compreender que a relação entre os diferentes tratamentos discriminatórios e as características sociodemográficas consideradas para fins do estudo. Verificou-se nos achados da pesquisa características sociais como fatores predisponentes nas situações de discriminação percebida, porém não foi possível apontar as diferenças de tratamento de acordo com cada aspecto social analisado, uma vez que as características sociais das participantes que referiram os tratamentos discriminatórios mostraram-se similares às demais puérperas entrevistadas. Constatou-se que os atos discriminatórios não foram uma constante a uma determinada característica socioeconômica, mas sim a casos que podem ser denominados aleatórios por conduta individual do profissional provedor do serviço. Os aspectos assistenciais percebidos como discriminatórios apresentaram na forma de: atrasos no atendimento, negligências no cuidado durante internação, falta de consentimento informado e comunicação ineficaz, tratamentos rudes e/ou ignorantes. Entre as limitações do estudo destacam-se a redução do tempo disponibilizado para coleta de dados, em decorrência da pandemia da Covid-19. Acredita-se que a limitação de datas possa ter causado interferência na homogeneidade das características as das participantes. E ainda a abordagem realizada as entrevistadas, uma vez que se trata de um tema envolto de paradigmas e até mesmo incompreensões, de forma que percepção discriminatória se torna, por vezes, uma ação de difícil expressão. Acredita-se que o presente estudo possa contribuir para a comunidade científica servindo de referência para próximos trabalhos e promovendo reflexões e discussões a respeito do tema para que este não seja ignorado. Por fim, consideramos que resultados obtidos neste estudo não esgotam o tema, uma vez que o possui muitas outras vertentes que necessitam de análises, dando abertura a pesquisas futuras que instiguem e utilizem metodologias distintas a fim de garantir o aprofundamento no tema. 39 REFERÊNCIAS ACKER, Justina Inês Brunetto Verruck et al. As parteiras e o cuidado com o nascimento. Revista Brasileira Enfermagem – REBEn, v. 59, n. 5, p. 647-651, set. 2006. AGUIAR J. M. et al. Violência institucional, autoridade médica e poder nas maternidades sob a ótica dos profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2013. AGUIAR, J. M.; D’OLIVEIRA, A.F.L. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 2010. AMARAL E. et al. A population-based surveillance study on severe acute maternal morbidity (near-miss) and adverse perinatal outcomes in Campinas, Brazil: the Vigimoma Project. BMC Pregnancy Childbirth, 2011. ANDRADE P. et al. Fatores associados à violência obstétrica na assistência ao parto vaginal em uma maternidade de alta complexidade em Recife, Pernambuco. Rev. Bras. Saúde Matern. Infantil, Recife, 16 (1): 29-37 jan. / mar.,2016. AYRES, Lilian Fernandes Arial et al. A representação cultural de um “parto natural”: