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PRIMEIROS PASSOS DA CONSTRUÇÃO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA

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PRIMEIROS PASSOS DA CONSTRUÇÃO DO DIREITO DE 
RESISTÊNCIA 
 
O código de Hamurabi, quase dois mil anos antes de Cristo, trazia 
materializado em suas disposições o direito de rebelião como punição ao governante que, 
em exercício dos seus poderes, desrespeita as leis da nação. O documento rogava aos 
deuses que, nesses casos, os líderes fossem agraciados com uma revolta da qual não 
conseguiriam abafar. Nascido na Mesopotâmia, esse é considerado um dos primeiros 
textos legislativos da história da humanidade e foi talhado em pedra, não em papiro. 
(atualmente, há entendimento historiográfico de que a pedra talhada seria, na verdade, um 
conjunto de sentenças proferidas e não propriamente um embrião de um código de leis). 
 
Igualmente no Oriente, Confúcio, em suas reflexões sobre tirania, também 
concebia que o homem teria esse direito, embora não tenha usado o termo “Direito de 
resistência” explicitamente. Ainda no Oriente, pode-se encontrar os escritos de Mêncio, 
filosofo chinês depois de Confúcio. Sustenta Arthur Machado Paupério, que foi com esse 
arcabouço teórico oriundo da antiguidade que o direito de resistência tem seus primeiros 
desenvolvimentos: 
 
Já Humurabi, cerca de dois mil anos antes de Cristo, no código que guarda o 
seu nome e que é seguramente o mais antigo documento legislativo de que se 
tem memória, previra a rebelião como o castigo ao mau governante, que não 
respeitasse os mandamentos e as leis.Em tais casos, suplica que as divindades 
o condenem a uma rebelião que não consiga dominar. Igualmente Confúcio 
vislumbrava, sem dúvida, a possibilidade de resistência quando proclamara: 
“O mandato do céu, que outorga soberania a um homem,não a confere para 
sempre. O que significa que praticando o bem e a justiça, ganhamos aquela, e 
que ao praticar o mal ou a injustiça a perdemos”. E Mêncio, no mundo Oriental 
ainda, fora mais explícito que Confúcio. “O Sufrágio do povo contitui-o 
príncipe ; seu abandono redu-lo a simples particular, a simples elemento 
privado, submetido ao mesmo castigo dos demais”1 
 
Prosseguindo, no conjunto de Cidades- Estado, que hoje chamamos de Grécia 
Antiga, destaca-se a Democracia Anteniense e sua lei do Ostracismo, que consistia em 
banir um membro da sociedade com uma punição por seus atos. Arthur Machado 
Paupério analisa que o instituto cedo abateu o domínio dos Psistrátidas, descendentes de 
Psistrato, tirano de Atenas.2 Sobre o Instituto do Ostracismo, brilhantemente expõe 
 
1 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,p. 28. 
2Ibdem,p. 29. 
Antony E. Raubitschek, esclarecendo que tal lei foi criada por Clístenes com o intuito de 
evitar regimes tirânios em Atenas: 
 
The date of the enactment of the law of ostracism is know from a fragment of 
Androtion who said Hipparchus, a relative of Pisistratus, was the first to be 
ostracized, and that the law of ostracism was then at first enacted on account 
of the (public) suspicion towards the followers of psistratus who had 
established his tyranny through being a popular leader and military 
commander. Aristotle (constitution of Athens 22) repeated, almost word by 
word, this account, adding that the law was the work of Cleisthenes who had 
Hipparchus in mind when he introduced Ostracism. (…) The law of Ostracism 
was instituted by Cleisthenes in order to remove man like Hipparchus and 
Megacles (Aristotle, 22.6) and removed they were”.3 
 
Não obstante o Ostracismo, talvez o mais icônico simbolo de resistência 
esteja na obra mais famosa de Sofocles “Antigona”, na qual trava-se um debate entre a 
personagem principal, Antígona, e o rei Creonte sobre Direito Natural. Existiriam, 
segundo a protagonista, leis naturais que mesmo a autoridade do soberano não poderia 
suplantar com suas leis positivadas. É um documento que levanta debates sobre a 
resistência, a obediência e a limitação dos poderes do líder da nação, que não poderia ir 
contra a as leis mais sagradas da natureza: 
 
Sófocles, dentro da poesia grega, também relembrou na mais famosa de suas 
peças, Antigona, que há certas leis não escritas superiores a todas as outras e 
pelas quais não é vedado infringir as demais,quando com elas colidem. No 
diálogo preliminar travado entre Ismênia e Antígona, simbolos, 
respectivamente,da obediência e da resistência, ou melhor, da tirania e da 
razão, coloca-se, diante de uma da outra a iniquidade de Creonte e a justiça 
eterna. A lei, odiosa, impede a sepultura de Polinices mas o direito natural, na 
sua elevado acepção de respeito à morte, vence a batalha. Inssurecta, Antígona 
põe por terra a inércia obediente de Ismênia. Suplicando perdão aos mortos, 
obedece esta aos que detêm o poder. Aquela, porém, prefere ficar com as 
ordens mais altas dos deuses, inacessíveis à maldade humana.4 
 
Entranto, não logou grande desenvolvimentos na Grécia Antiga a teoria da 
resistência, nem mesmo nos escritos de Platão em “A república” ou de Aristóteles na 
“Politica”. Quem dá uma explicação para esse fato é Arthur Machado Paupério em sua 
obra “Teria Democrática da Resistência”: 
 
Em virtude, porém, de a Tirania se ter tornado fato habitual, decorrente da 
situação peculiar do poder militarizado, não logrou a teoria da resistência 
 
3 RAUBITSCHEK, Antony E., the Origin of Ostracism, American Journal of Archaeology, vol. 55, nº 3, 
editado pelo Archaeological Institute of America, 1951, exemplar disponível em: 
http://www.jstor.org/stable/500970. p. 221 e 223. 
4 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,p. 28. 
http://www.jstor.org/stable/500970
qualquer desenvolvimento na Grécia. Nem os livros VIII e IX da República de 
Platão, nem os livros V e VII, cap. I, §4º, da política, de Aristoteles, que tratam 
do assunto,deram posição de relevo à resistência, enquadrando a tirania no 
problema da corrupção dos governos.5 
 
Na época do Império Romano tem-se expoente doutrinário no campo da 
teoria da resistência com Cícero em sua “República”, porém de modo implícito, expondo 
que a corrupção poderia ser causa de anulação total do Estado.6 É Possível afirmar que 
somente na Idade Média a teoria da resistência ganhou relevo, porém, sob a tutela da 
autoridade do poder da igreja, a qual possuia o monopolio da deposição dos governantes 
e, portanto, seria a única legitimada para livrar a população do dever de lealdade que 
tinham para com o tirano.7 
 
Também trazendo considerações históricas, e levantando um ponto de 
controvérsia, Nelson Nery atribui as raízes históricas do direito de resistência não ao 
código mesopotâmico, mas as centra na Idade Média sob o prima de dois importantes 
institutos que regiam as relações sociais da época: Um deles a respeito da relação entre 
os senhores feudais e o outro a respeito da relação entre Igreja e Estado. Este ditava que 
a soberania deveria se orientar pelos ditames da doutrina catolica (que tinha o poder de 
legitimar ou deslegitimar as ações dos soberanos no exercício de seu poder) e aquele 
estabelecia o dever de fidelidade germânico. Sobre esses intitutos, Nery expõe: 
 
As raízes históricas do direito de resistência encontram-se em dois institutos 
da Idade Média. O primeiro regulava as relações entre senhores feudais, o 
dever de fidelidade germânico,que obrigava o vassalo ao susserano, mas se 
este violasse os limites da obrigação do outro, aquele tinha o direito de opor 
resistência. O outro determinava que os soberanos se deviam orientar pelos 
fundamentos do Cristianismo, estabelecidos pela igreja, sob pena de terem a 
desobediêcia justificada.8 
 
Segue estabelecendo que autores como Santo Tomás de Aquino, Etienne de 
la Boétie colaborarambastante com a teoria do direito de resistência, mas que foi apenas 
com o advento das doutrinas contratualistas, tais como a de Locke, que a teoria da 
resistência amadureceu, com a ideia de um acordo bilateral de vontades.9 
 
 
5Ibdem ,p. 29. 
6 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997, p. 31. 
7 Ibdem, p. 31. 
8 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição (revista e ampliada), Rio de 
Janeiro, Editora Forense, 2000, p.9. 
9 Ibdem, p. 9. 
Arthur Machado Paupério, além de citar também Étienne de la Boétie e seu 
“Discurso da Servidão Voluntária” (1576) e antes de Locke em “Segudo Tratado sobre 
o Governo” (1690), apresenta nomes como Francisco Hotman e a “Franco Gallia” 
(1573), Philippe Du Plessis-Mornay e a “Vindiciae contra Tyrannos” (1579) e a Obra 
“De Rege et Rege Institutione” do jesuita João de Mariana (1599). 
 
Santo Thomás de Aquino 
 
No intuito de seguir uma ordem cronologica de autores, far-se-á, 
primeiramente, uma exposição do pensamento de Santo Tomás de Aquino e de sua 
doutrina da resistência, ainda no período medieval, se baseando principalmente em sua 
obra “summa theologica” (escrita entre 1265 e 1273, mas publicada somente em 1485). 
 
Para entender a Doutrina Tomista, primeiro faz-se necessária esclarecer o 
conceito de lei natural. Santo Tomás de Aquino, teorizando sobre as leis, divide-a em 
classificações diferentes: Primeiramente, a Lei Eterna e a Lei Natural e, logo após, a lei 
Divina positiva e a Lei Humana Positiva. Entretanto, antes de entender a Lei Eterna, é 
necessário ter em mente o que Santo Tomás dizia sobre a eternidade do mundo em sua 
obra. 
 
Primeiramente, Deus seria eterno e o mundo não seria eterno e não poderia 
ter sido criado por si próprio, mas poderia ser demonstrado que ele foi criado por Deus e 
sabe-se que ele foi criado no tempo, porque a revelação assim estabelece. Desse modo, 
estabelecendo as premissas de que: i) Deus é eterno; ii) O mundo não é eterno, ele foi 
criado no tempo e sabe-se disso por conta da revelação e; iii) Sabe-se que Deus foi quem 
criou o mundo. Sobre os conceitos de etenidade e de tempo em Santo Tomás de Aquino, 
Carlos Nougué, Membro do Angelicum – Instituto Brasileiro de Filosofia e de Estudos 
Tomistas, expõe brilhantemente em uma de suas conferências: 
 
Mas o fato é que Deus é a própria imutabilidade, é a própria permanência 
do ser. Se o tempo é um número segundo o antes e o depois, e esse antes e 
depois não tem relação só com esse movimento local, mas com as 
mudanças substanciais: geração, opção, envelhecimento, sabedoria, tudo 
muda. As nossas opiniões mudam. Hoje eu acho isso, amanhã eu acho aquilo, 
tudo está em movimento. Ora, em Deus não há isso, tudo nele é simultâneo, 
então o tempo não pode ser a medida de Deus, e portanto não pode o tempo 
ser uma numeração de algo que na verdade não tem duração. A numeração só 
se refere a essa duração em relação a um antes e um depois, logo a 
eternidade é a medida de Deus. Assim como o tempo é a medida das coisas 
que se movimentam ou mudam, assim é a eternidade, é a medida da 
permanência simultânea, total e completa no ser que tem a sua própria 
posse, que tem a posse de si mesmo sem alteração nenhuma. Se pudéssemos 
aprofundar isso, nós chegaríamos à conclusão de que as coisas só mudam, nós 
só existimos enquanto entes mutáveis, enquanto entes em movimento, em 
mudança, porque há algo que é imutável. Só pode haver coisas relativas, nós 
somos relativos, nós não somos absolutos, nós morremos, como poderíamos 
ser absolutos? As coisas materiais se corrompem.10 
 
Logo, a Lei eterna nada mais seria do que aquela lei, que desde toda 
eternidade e através da divina providência, rege o mundo e todas as coisas no mundo que 
serão criadas no tempo. Seguindo em sua doutrina, a lei natural seria diferente da lei 
eterna. Em suas digressões, entende o autor que Deus não poderia legislar sobre os rios 
da mesma forma que legisla sobre o homem. A lei natural é, portanto, a parte da lei eterna 
dirigida ao homem ou a parte da lei eterna que rege o ser racional. É, em última instância, 
o reflexo legislativo para o homem da lei eterna (Mais específica que a lei eterna). 
 
O conceito de natureza em São Tomás de Aquino, é a razão de certa arte 
divina, intrinseca aos entes, que os faz mover-se por si próprios aos seus fins. Portanto, 
haveria algo inscrito por Deus nos seres que faria com que eles se movessem por si mesmo 
aos seus próprios fins (Deus não governaria o mundo como um mestre de marionetes). 
 
O homem deve ser regido pela sua própria natureza, que é uma natureza com 
vontade e inteligencia, dois fatores que faltariam aos animais, que seriam guiados 
unicamente pelo instinto. A forma de Deus legislar sobre os homens deve ser amoldada 
a própria natureza humana de ser: Com inteligencia e vontade (manifestação livre da 
escolha), segundo a retórica Tomista. 
 
Tal lei natural, que Deus criou para os homens, pode ser descoberta pela 
própria racionalidade humana. A própria lei natural o indivíduo consegue captar. O 
humano consegue captar, com seus próprios instrumentos, a lei que deve reger ele 
próprio. Sobre o conceito de natureza e a tipologia das lei em Santo Tomás de Aquino, 
Régis Franco Casarin, expõe: 
 
 
10 NOUGUÉ, Carlos Tempo e Eternidade em Santo Tomás de Aquino, Conferência proferida na Semana 
Acadêmica Tempo e Eternidade na Idade Média, evento organizado pelo Instituto Sapientia de Filosofia 
(Seminário Bom Pastor, Francisco Beltrão, PR) no dia 12 de maio de 2010. 
É de destacar o papel de primazia que o aquinate dá a razão. A lei não é única, 
existem quatro tipos de lei: Eterna, Natural, Humana ou positiva e Divina. 
Entendamos o que cada uma significa. Lei eterna é o “desígnio do governo do 
mundo que existe em Deus como monarca do universo” e como a inteligência 
divina não concebe nada no tempo, mas seu conceito é eterno, por isso esse 
tipo de lei deve ser chamada de eterna. Em outras palavras, é lei que desde a 
eternidade Deus fez para governar ,reger, dirigir o mundo que Ele vai criar no 
tempo, ou seja, ela tem por instrumento a divina providência, que é modo dessa 
lei se manifestar no mundo. Nada do que acontece no mundo, deixa de ter por 
causa Deus mesmo. Não há nada no universo que escape ao governo de Deus, 
por tanto que escape a lei eterna.Este governo do mundo não se dá de igual 
modo em todos os seres criados, por ex. um passarinho não é regido do mesmo 
modo que uma pedra é regida e nem como regerá ao homem. O governo do 
mundo se faz através da natureza de cada ser, no qual se entende por natureza 
a razão de certa arte divina intrínseca aos entes que os fez mover-se por si 
mesmos ao seu próprio fim, ou seja, o princípio de ação de cada ser rumo ao 
próprio fim. Por tanto, dentro dessa lei eterna há algo direcionado mais 
especificamente ao ser humano, ao modo particular de ser do ser humano e 
aqui entra a lei natural, que nada mais é que “a participação da lei eterna da 
criatura racional”, ou seja, a lei natural é o instrumento do governo divino sobre 
o ser humano. Esta participação, por tanto, se dá ao modo humano de ser, 
segundo a sua própria natureza: animal racional, dotado de inteligência e 
vontade ( livre arbítrio); ao contrário dos outros animais, por isso se pode dizer 
também que a Lei natural é o reflexo legislativo para o homem da lei eterna. O 
criador nos fez capazes de captar por nós mesmos, pelos nossos prórios 
instrumentos, ou seja, através da nossa razão (prática), por que é voltada a ação, 
a lei que é nossa, a lei natural (...) O que cabe destacar aqui é que chegamos à 
lei natural através da razão, por isso a lei natural é uma lei racional, voltadaexclusivamente ao homem.11 
 
Pois bem, a lei Divina positivo é aquela lei que Deus, intervindo diretamente 
na história da humanidade, promulga. Pode-se citar, a título de exemplo, o caso do 
Decálogo, que Deus confiou a Moisés. Por fim, a Lei humana positiva é a ordenação 
humana racional para o bem comum, emanda das autoridades competentes presentes entre 
os homens. Esse lei humana será tanto mais a ordenação racional para o bem comum, 
quanto mais se espelhar na lei natural que rege a natureza humana. A lei natural é que 
definiria o justo e o injusto.12 Sobre a doutrina das leis em Santo Tomás de Aquino, 
Victor Emanuel Vilela Barbuy sintetiza: 
 
A Lei Eterna, cuja existência é demonstrada pelo Doutor Comum na 
Suma Teológica, nada mais é que a razão da divina sabedoria enquanto 
rege o Universo, dirigindo todos os atos e movimentos. A Lei Natural, por 
seu turno, é a participação da Lei Eterna na criatura racional. Isto porque, 
consoante preleciona o Aquinate, “entre todas as criaturas, a racional está 
sujeita à Divina Providência de modo mais excelente”, posto que participa ela 
própria da Providência, provendo a si e às demais. (...)Quanto à Lei Divina 
Positiva, é aquela que o próprio Deus promulga por meio de uma 
intervenção direta na História. É o caso do Decálogo, que Deus confiou a 
 
11 CASARIN, Régis Franco O Probabilismo na Scholastica Colonialis Segundo Diego de Avedaño 
Dissertação de mestrado/ Pós-graduação em filosofia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos- 
UNISINOS, São leopoldo, 2012, pp. 29/30. 
12 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição, Editora Forense, pp.10/11 
Moisés, e da Lei do Evangelho, ou Lei de Cristo. (...)Já a Lei Humana 
Positiva não é senão, como restou dito, a ordenação da razão para o Bem 
Comum, promulgada pela autoridade competente. Isto porque, segundo 
preleciona o Angélico Doutor, “assim como a razão especulativa, de princípios 
indemonstráveis e evidentes tira as conclusões das diversas ciências, cujo 
conhecimento não existe em nós naturalmente”, sendo, porém, descobertos por 
obra da razão; assim também, “dos preceitos da lei natural, como de princípios 
gerais e indemonstráveis, necessariamente a razão humana há de proceder a 
certas disposições mais particulares”. E tais disposições, descobertas pela 
razão humana, observadas as demais condições pertencentes à essência da Lei, 
denominam-se leis humanas.13 
 
De todo modo, Santo Tomás, a luz do pensamento aristotélico, reconhece o 
homem como animal social e político e expõe que os governos são criados para manter a 
paz entre eles e evitar desordem. Em outras palavras seria um ente que teria uma força 
suficiente para a manutenção da ordem naquela sociedade.14 
 
Poderia-se resistir à este governo? A doutrina Tomista reconhecia o direito de 
resistência em certas ocasiões. Dizia que a injustiça do poder poderia prover tanto de sua 
aquisição, como de seu uso. 
 
Quanto ao modo de aquisição do poder tem-se duas situação de quando o 
poder seria considerado ilegitimo: A aquisição por defeito da pessoa (sendo ela 
considerada indigna para governar) e o defeito do modo em si de obtenção daquele poder. 
Um exemplo deste último caso é o poder adquirido por violência ou por qualquer meio 
ilícito. Nesse segundo caso, estará o povo diante de um governo usurpado, que não 
escolheu.15 
 
Quanto ao uso do poder também estabelece duas situações de quando o poder 
poderia ser aferido legitimo ou ilegitimo: Quando esse uso desrespeitasse a própria 
ordenação do poder, ou seja, sua disposição fático-organizacional na sociedade e quando 
esse uso fosse além das suas competencias institucionalizadas.16 
 
 
13 BARBUY,Victor Emanuel Vilela, Aspectos do Direito na Obra de Santo Tomás de Aquino, R. Fac. Dir. 
Univ. São Paulo v. 106/107 p. 644 – 646, jan./dez. 2011/2012. 
14 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição (revista e ampliada), Rio de 
Janeiro, Editora Forense, 2000, pp.10/11. 
15 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,p. 53-55. 
16Ibdem ,p. 54/55. 
De modo absoluto, segundo Tomás de Aquino, todo o poder emana de deus, 
porém, quando o poder foi mal adquirido ou seu uso sofreu abusos, esse poder, 
relativamente, não decorre de deus. Seriam classificados como os dois tipos poderes 
injustos à luz da teoria Tomista. 
 
Logo, se o governante tiranico estivesse exercendo um governo somente para 
benefício próprio e não para o bem comum, torna-se, por isso, injusto. Nessa linha de 
pesamento a mudança desse governo não poderia se considerada Sedição, mas sedição 
seria a do Tirano que adquiriu mal o poder ou dele abusou. Arthur Machado Paupério 
expõe de maneira didatica tais aspectos do pensamento de Santo Tomás de Aquino: 
De qualquer forma, todavia, Santo Tomás, nos comentários às sentenças, aduz 
importantes resevas à doutrina de que a obediência é devida sempre aos 
poderes constituidos, mesmo quando injustos e tirânicos. Segundo o Angélico, 
três elementos há a considerar em qualquer poder: 1º) a essência mesma do 
poder, ou seja, a relação entre o superior e o inferior; 2ª) a aquisição desse 
poder; 3º) o uso. De modo absoluto todo poder provém de Deus, mas 
relativamente nem sempre: 1º) Se o modo de aquisição não foi justo; 2º) se o 
uso se transformou em abuso. Dessa forma, dois poderes injustos podem 
existir: o mal adquirido e o abusivo. Sendo o governo Tirânico ordenado para 
o bem do governante e não para o bem comum, como cumpre sê-lo, torna-se, 
por isso mesmo, injusto.Nesse caso, a mudança dessa espécie de governo não 
pode constituir, em sua essência, sedição. Sedição é, antes, a do tirano, que 
adquiriu mal o poder ou dele abusou.17 
 
Santo Tomás de Aquino priorizava, em suas obras, o bem comum, de modo 
que o estado deveria ser forte o bastante para manter o bem comum. Toda a Doutrina 
Tomista da Resistência a Tirania está na importância que dá ao governante manter o bem 
comum da sociedade e sua falta de zelo para com esse elemento justificaria a resistência. 
Proteger o bem comum para Santo Tomás de Aquino seria salvaguardar a ordem social 
conforme as exigências da natureza humana. Portanto, para o autor, o bem comum estaria 
ligado a lei natural que regeria toda a natureza humana e seria emanada por Deus. Arthur 
Machado Paupério expõe, novamente, com didática impecável, tal aspecto: 
 
Agindo assim a autoridade pública , faz obra justíssima, pois o governo 
tirânico, não estando ordenado para o bem comum e sim para o bem do 
governante, torna-se, por si próprio, injusto. E o bem comum é para Santo 
Tomás a medida e o limite do chamado direito de resistência. Para que se 
possa resistir aos governantes , é preciso que esses signifiquem um perigo 
para o bem comum. Este, porém, não corporifica apenas justiça mas 
também,mais ainda talvez, ordem. O que procura Santo Tomás 
salvaguardar, sobretudo, é o bem comum, ou melhor, o que procura 
proteger é a ordem social conforme as exigências da natureza humana. 
Quanto, portanto, se permite a resistência à opressão,tem-se em vista 
 
17 Ibdem, p. 56/57. 
unicamente o bem da comunidade. Tal teoria não tem, por conseguinte, 
qualquer aspecto subversivo.18 
 
Não obstante tal doutrina, o autor chega a fazer ponderações e escrever que o 
vício do governo, em certas circunstâncias, não teria força para macula-lo para sempre e 
que melhor seria suportar uma tirania branda do que se sublevar contra essa e arriscar 
expor a comunidade como um todo à um mal ainda pior. Mesmo quando injustos e 
tiranicos, a obediência seria devida.19 
 
Cumpre ressaltar, que Santo Tomás de Aquino estregou a autoridadepública 
o dever de proceder contra a tirania presente no governo e não admitia a iniciativa privada 
isolada contra o tirano.20 É a doutrina do primado da ordem estabelecida, de cunho 
eminentemente conservador. Sobre isso, novamente, Arthur Machado Paupério: 
 
Dessa forma, pode ser a doutrina tomista considerada como a doutrina do 
primado da ordem. Preso a esse primado, Santo Tomás, como diz Bordeau, 
nega às concepções de uma ordem social melhor o direito de se opor pela 
violência ao poder constituido, em nome de uma invocada superioridade 
teórica. Introduz-se assim, na prática política, uma presunção favorável à 
ordem estabelecida, fundada tão só no fato de sua própria existência. Em vez, 
desse modo, de favorecer a revolução, a Doutrina tomista é de fundo 
conservador. Apoiada sobre as virtudes da ordem, transforma-se-lhe na última 
garantia. 21 
 
Desse forma, a teoria da resistência de Santo Tomás de Aquino, um dos 
grandes jusnaturalistas medievais (ou teológico), se apoia na noção de bem comum da 
comunidade que tem, em seu plano de fundo, ligação com aspectos religiosos (tal como 
o conceito de justo e injusto ser ligado a lei natural que deve reger a natureza 
humana) e de manutenção do status quo em detrimento da busca de uma ordem social 
mais benéfica aos indivíduos. É, repita-se, por isso, de cunho conservador. 
 
 Nota-se, também que o autor defendia à resistência passiva e “na hipótese, 
porém de o governo contrariar as leis divinas e humanas, já é lícita a resistência 
defensiva, que pode mesmo chegar até a resistência agressiva”.22 
 
 
18 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,pp. 58. 
19Ibdem, p. 54/55. 
20 Ibdem ,p. 57. 
21Ibdem, p. 60. 
22 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997, p. 55. 
É possível dizer que a doutrina Tomista constituiu-se em verdadeira prática 
política medieval e influenciou sem precedentes toda a cristandade até os dias atuais.23 
Porém, avançando no tempo, a doutrina da resistência sofeu duro golpe durante a 
chamada reforma protestante no século XVI e XVII (1517- 1648), sendo levantada a 
bandeira da obediência total ao poder do Estado pela maioria dos autores, como bem 
aponta Paupério em sua obra: 
 
Ao aparecer a Reforma, porém, modificou-se o panorama sensivelmente pois 
todos os reformadores timbravam em não atacar o poder político estabelcido. 
Lutero, Zwinglio ou Calvino jamais pensaram em pregar a resistência contra 
os príncipes. Lutero não entrevia sequer a possibilidade de concretizar sua 
reforma senão com o auxilio do poder civil. Por isso, com relação à resistência, 
não chega a admiti-la mesmo nos casos mais excepcionais, quando em jogo a 
defesa de uma causa justa. 24 
 
Étienne de la Boétie e seu “Discurso da Servidão Voluntária” (1576), 
Francisco Hotman e a “Franco Gallia” (1573), “Du Droit des Magistrats”, de Théodore 
de Bèze (1574), Philippe Du Plessis-Mornay e a “Vindiciae contra Tyrannos” (1579) e a 
Obra “De Rege et Rege Institutione” do jesuita João de Mariana (1599) certamente são 
um suspiro para o direito de resistência nessa época da história da Europa. São os 
chamados Monarcômacos. 
 
A expressão monarcômacos significa aqueles que lutam contra a tirania e, 
mais especificamente no caso dos autores aqui expostos, a monarquia absolutista. Um 
grupo de majoritariamente protestantes que tomaram para si a missão de criticar 
duramente o absolutismo monarquico e traçar diretrizes para que a resistência do povo 
fosse a regra e não a exceção.25 
 
Tais teorias, muito antes de Rosseau e de locke, propunham uma limitação 
necessária o poder do governante, sendo anti-absolutistas, ao mesmo tempo que 
entregaram nas mãos do povo as raízes da soberania da nação, justificando a resistência 
tanto no direito natural, como em teorias contratualistas bem fundamentadas. Porém, com 
 
23 Ibdem,p.53. 
24Ibdem, p. 64. 
25 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.13. 
fortíssimo apelo religioso, especialmente huguenote, traço marcante da literatura política 
da época.26 
 
 Tais escritos surgiram no contexto das guerras religiosas, mais 
especificamente depois do massacre da Saint-Barthélemy em 1572 (século XVI), na 
França. Antes desse episódio, verdadeiro estopim dos escritos monarcômacos, não se via 
na literatura obras que atacassem diretamente a figura do monarca.27 
 
Três autores se destacam nesse período: Franco-Gallia (1573), de François 
Hotman, Vindiciae contra Tyrannos (1579), de Philippe Du Plessis-Mornay e Du Droit 
des Magistrats, de Théodore de Bèze.28 
 
Franco Gallia 
 
Franco- Gallia foi escrita por Hotman e contribuiu para fazer avançar a 
literatura anti-absolutista. O autor utiliza de relatos históricos, narrando a história 
constitucionalista francesa29, partindo sua análise da situação da Gallia nos primórdios de 
sua história para dai buscar justificativas para a limitação do poder do governante. Cunha 
sua teoria baseada essencialmente no caráter soberano da assembleia dos Estados e na sua 
defesa à monarquia eletiva.30 
 
Tal assembleia era também chamada de assembleia dos três Estados e era 
constituída de um representante da Monarquia, um da Aristocracia e um do povo 
soberano. Percebe –se então que o povo seria representado e que a Aristocracia estaria 
presente primordialmente para servir de “contrapeso” entre os dois outros lados. A 
Assembleia tinha as maiores responsabilidades do reino, tais como a eleição e a deposição 
do rei.31 
 
 
26 Ibdem, p.14. 
27 Ibdem, p.17. 
28 Ibdem, p.16. 
29 PAUPÉRIO, Arthur Machado Teoria Democrática da Resistência, 3ª edição revista, Forense 
Universitária, Rio de Janeiro, 1997, p.73. 
30 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.38. 
31 Ibdem,p.42. 
A assembleia detinha, em Franco – Gallia, a soberania que pertencia ao povo, 
que participava das decisões mais importantes do País ( decisões desde a eleição do rei a 
retirar o rei do exercício do poder). Com tal participação mais aflorada deste ente político 
na Assembleia dos três Estados e pelo fato dela ser incumbida de tomar as mais 
importantes decisões do reino, Franco- Gallia faz uma defesa da limitação do poder do 
rei nas decisões do reino, sendo ela a forma de combate contra a tirania dos reis, que não 
mais encontrariam seu poder sem amarras.32 
 
Vê-se, portanto, que a assembleia não era um orgão deliberativo qualquer, 
mas ela seria a ponte que separaria o povo da tirania de um governante que extrapola-se 
seus poderes. Ela era a espada e escudo do povo que, por meio dos seus representantes, 
conseguiriam varrer a tirania do governo e fazer valer a soberania popular. Em outras 
palavras, pode-se dizer que “Somente na atuação segura da Assembléia dos Três Estados 
estaria uma proteção contra a tirania, atuação esta que era como uma ‘corrente’ a 
manter o poder público no cumprimento da justiça.”33 Diferente de seus sucessores 
“Hotman não apelava diretamente ao direito de resistência ou defesa armada”.34 
 
Du Droit des Magistrat 
 
Du Droit des Magistrat é uma obra produzida por Théodore de Bèze e foi 
inspirado em um curso ministrado pelo próprio autor em Genebra no qual são discutidas 
dez questões que abrangiramtemas ligados a resistência e a tirania.35 
 
O autor partiu de ideias já presentes na literatura, tais como a finalidade 
secular e espiritual do Estado, os magistrados como representantes do povo, a vocação a 
resistência a tirania, entre outras. O que marca a originalidade de sua obra é a confluência 
destes institutos e a eles o autor acrescenta a ideia de contrato. Logo,pode-se dizer que 
Bèze cunhou uma teoria contratualista para justificar sua doutrina de combate a tirania e 
a necessidade de limitação do poder do governante36 
 
32 Ibdem,p.53. 
33 Ibdem,p.57. 
34 Ibdem,p.71. 
35Ibdem,p.75. 
36 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.85. 
 
O que faria os magistrados cumprirem seu dever para com o povo ? Esse 
ponto chave da teoria política de Bèze ele vai responder fazendo uma analogia com o 
contrato, pois existiriam traços contratuais na relação entre Magistrados e povo ao longo 
da história. Partindo, então, da noção de contrato, escreve que existiriam dois contratos 
em que toda a estrutura política se assentava: Um contrato seria conjuntamente firmado 
entre Povo e rei com Deus e o segundo contrato seria firmado entre o povo e o rei. Nessa 
segunda aliança, o rei deveria jurar aceitar certas condições e ser aceito pelo povo, tal 
como um verdadeiro contrato37 
 
No bojo desses dois contratos, a teoria de Bèze conta com a presença dos 
magistrados, que teriam o papel de representantes vocacionados e escolhidos por deus 
para atuar na defesa constante dos interesses do povo, sendo o mais alto magistrado o rei, 
que é apoiado em seu cargo pelos magistrados inferiores, representantes diretos do povo 
e garantes do contrato firmado entre o povo e o rei.38 
 
Ambos os tipos de magistrado deveriam prestar “votos”, sendo os do rei de 
manter as condições que aceitou para reinar e dos magistrados inferirores de zelar pela 
boa manutenção das leis fundamentais do reino. Seria esses “votos” ou “aceites” que 
fariam com que esses indivíduos tivessem a autoridade ampliada na sociedade e 
guardassem porção da autoridade do Estado.39 
 
A autoridade de um magistrado é concedida por deus mas deve ser ratificada 
pelo povo como critério de legitimidade, portanto, Deus escolheria a linhagem, mas 
estaria a cargo do povo escolher o indíviduo que deveria ser rei.40 
 
A função dos magistrados é, precipuamente, agir contra a tirania para 
defender os interesses do povo, sendo que quando um magistrado quebra as leis e, por 
 
37 Ibdem,p.87. 
38 Ibdem,p.89. 
39 Ibdem,p.87. 
40 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.84. 
conseguinte, o contrato, é considerado tirano, o povo tem a prerrogativa de julga-lo. Uma 
síntese da análise contratual de Bèze pode ser encontrada na seguinte passagem: 
Alguns princípios se sobressaem nessa análise contratual de Bèze: primeiro, 
um magistrado que viola a ordem e se torna um tirano, quebra o contrato e está 
sujeito ao julgamento do povo; segundo, os magistrados (superior e inferiores) 
são oriundos do povo e a este representam; e terceiro, os representantes do 
povo (magistrados inferiores) são garantes do contrato e por isso podem 
resolver os conflitos oriundos do não cumprimento do contrato. Com base 
nesses três princípios deduz-se que os direitos de um magistrado soberano não 
são jamais categóricos, mas relativos e condicionais. Por outro lado, os direitos 
do povo são inalienáveis e não prescrevem.41 
 
Nesse ponto, tem-se um série de quatro questionamentos de como funcionaria 
a resistêcia numa sociedade organizada desta maneira. O autor apresente quatro tipo de 
situação: i) Um pessoa privada contra um magistrado inferior; ii) Um magistrado inferior 
contra um magistrado inferior; iii) Um magistrado inferior frente ao magistrado supremo; 
iv) Uma pessoa privada contra o magistrado supremo.42 
 
No primeiro caso o cidadão irá aos seus superiores hierarquicos, apelando à 
justiça. O segundo caso, ainda que mais complexo que o primeiro, descobrirá uma saída 
contra a tirania e opressão com a mesma solução de se recorrer ao seu superior 
hierarquico, neste caso, o magistrado supremo. O terceiro e quarto casos são mais 
complicados e para saber o que fazer nesses casos é preciso expor quais tipos de tirano 
existiriam para o autor.43 
 
Existiriam os tiranos que tomaram o poder, chamados de tiranos de origem e 
aqueles que ganharam legitimamente o poder, mas que agora agem de forma injusta e 
contrária as cláusulas do contrato, chamados de tiranos por exercício. Contra os primeiros 
qualquer cidadão poderia ir contra o tirano, sendo particular ou magistrado e, no segundo, 
somente o magistrado, mas não em todos os casos.44 
 
No primeiro caso de tirano por conquista, a resistência devia se dar nos 
estágios iniciais e tal indivíduo poderia ser considerado um inimigo público e, como tal, 
 
41 Ibdem,p.88. 
42 Ibdem,p.91. 
43 Ibdem,p.91-92. 
44 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.91-92. 
haveria resistência pública. Nessa situação, mesmo que a ação dos magistrados falhe, até 
um indivíduo poderia ir contra o opressor conquistador para salvaguardar seu pais, 
utilizando-se da vocação extraordinária que lhe foi concedida por Deus, podendo, como 
último recurso, pegar em armas para tanto.45 Lembrando que Bèze também estabelece 
que o tirano conquistador pode conseguir sua legitimidade posteriormente se ratificado 
seu reino for pelo povo.46 
 
Quanto ao tirano por exercício, o particular sozinho não poderia ir contra ele, 
devendo os magistrados inferiores tomar para si a tarefa de defender o povo, com armas 
se preciso fosse, e conter a tirania, até a convocação dos Estados Gerais. Aqui, portanto, 
há semelhança com Hotman, que também apresenta a Assembleia dos Estados Gerais 
como elemento importante no combate à tirania.47 
 
Nessa situação de tirano por exercício, o papel dos magistrados seria mais 
defensivo, enquanto a ofensiva mais contundente seria protagonizada pela Assembleia 
dos Estados Gerais.48 
 
Entretanto, tal apelo a força das armas seria necessário para “romper de 
maneira significativa com a teoria da resistência passiva”.49 Ruptura que Mornay e as 
Vindiciae vão continuar e levar a um grau que fará justiça ao desejo hungenote. 
 
O diferencial da teoria de Bèze também foi seu apelo ao direito natural 
aplicado a sua teoria contratual. A lei natural teria conteúdo principiológico e estaria 
presente e permearia o coração de todos os homens, mesmo que corruptos e nunca pararia 
de envolver as relações humanas, sendo, inclusive, guia e apoio para a lei civil.50 
 
Com isso, não somente a constituição seria baseada na lei natural como a 
teoria contratual que cria, de modo que o autor estabelece que nenhum indivíduo 
consciente escolheria estar na tutela de um governante sem lhe estabelecer certas 
 
45 Ibdem,p.92-93. 
46 Ibdem,p.92-95. 
47 Ibdem p.92-95. 
48 Ibdem,p.95. 
49 Ibdem, p.154. 
50 Ibdem,p.111. 
condições de exercício do poder e se não ocorresse tal estabelecimento de condições, isto 
seria contrário a lei natural e não teria validade.51 
 
Sua proposição deonipresença da lei natural em todas as relações humanas 
fez com que o combate a tirania também fosse baseado nesta mesma lei, que, em última 
instância, se voltaria a Deus, que está presente em toda a sua obra.52 
 
Como se pôde demonstrar, A obra de Bèze contribuiu ainda mais para a 
literatura pós massacre de Saint-Barthélemy e será seguida da obra mais completa e 
abrangente sobre o tema apenas aguns anos depois. Sobre a imporantância de sua obra, 
novamente valiosa lição de Frank Viana Carvalho: 
Teremos no Du Droit des Magistrats uma confirmação e ampliação das 
propostas monarcômacas. Hotman em seus argumentos havia enfatizado a 
soberania do povo, seu direito de representação e a limitação do poder real (os 
dois últimos pela ação dos Estados Gerais). Bèze acrescentará a estes a ênfase 
à obediência condicional, a rejeição da tirania, o direito de resistência armada 
(hierárquica através dos magistrados ‘vocacionados’), e a relação contratual 
com base no direito natural.53 
 
Mornay e as Vindiciae 
 
Vindiciae Contra Tyrannnos é a obra atribuída a Philippe Du Plessis-Mornay 
e uma das obras mais icônicas de seu período histórico. A obra, como ocorreu com as 
outras analisadas, toma para si o dever de analisar quatro questões fundamentais que 
permeavam as construções teoricas daquela época: i) Se os súditos estão obrigados ou 
destinados a obedecer um principe que determina ordens e regras contra a lei de Deus; ii) 
Se seria licito resistir ao principe que contraria a lei de Deus, quem poderia resisitir e em 
qual extensão; iii) Se seria possível resistir a um princípe que estaria levando a sociedade 
a ruina, qual a extensão dessa resistencia, com qual direito isso seria permitido e quem 
seria legitimado para tanto e iv) Se poderia haver licitamente interferências externas de 
outros princípes em assistência aos suditos que estariam sofrendo perseguições.54 
 
51 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.111-112. 
52 Ibdem,p.111-112. 
53 Ibdem,p.112. 
54 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.114. 
 
Para a primeira questão a resposta é negativa, sendo a resistência advinda dela 
uma resistência passiva. Isso porque, com base nas escrituras e na própria doutrina Cristã, 
teria que obedecer a Deus completa e absolutamente e sendo claro que a autoridade do 
Rei duraria somente se ele seguisse as leis de Deus. O texto das Vindiciae explica esse 
ponto com clareza.55 
 
Ainda nesta toada, estabelece o autor das Vindiciae que Deus seria o Senhor 
e o Rei seria seu vassalo, tendo seu poder limitado e restristo e somente legitimo se 
respeita-se as leis de Deus. Ao rei só era devido obediência na medida em que seu reinado 
fosse condizente com os mandamentos divinos.56 
 
A teoria de Mornay, a semelhança de seu antecessor, também é uma teoria 
contratualista que estabelece duas espécies de contrato. Um contrato seria firmado entre 
Deus, o rei e o povo e o segundo entre o povo e o rei. A primeira aliança teria cunho 
religioso, sendo Deus obedecido como “senhor do feudo” e o rei como “vassalo”, ficando 
o povo liberado do dever de obediência a esse rei se ele violar as leis de Deus.57 
 
A teoria expõe que os dois contratos envolvem-se num eixo único de 
obrigações mútuas entre o povo e rei para com Deus e do rei para com o povo, sendo o 
primeiro contrato, como visto, de cunho religioso e o segundo de cunho civil.58 
Entretanto, embora as questões do dois contratos sejam colocadas de modo separado, não 
se pode dizer que eles estejam totalmente dissociados. Em verdade, não há como tecer 
uma separação profunda entre o primeiro e o segundo contrato, tendo a obra em questão 
a indissociável interligação desses dois planos, formando um conjunto harmonico e 
coerente, como bem analisa Frank Viana: 
 
A despeito de haverem distinções entre questões civis e religiosas, não se pode, 
contudo, estabelecer uma separação mais profunda entre o primeiro e segundo 
contratos mencionados nas Vindiciae. No contexto da obra, o plano religioso e 
 
55 BRUTUS, Stephanus Junius. (MORNAY, Phillipe Du Plessis). Vindiciae contra Tyrannos. Edimburg, 
1579, p.1-2 Apud. Ibdem, p.121. 
56 Ibdem,p.124. 
57 Ibdem,p.129. 
58 Ibdem,p.131. 
o político estão mesclados de forma indissociável, constituindo isso uma de 
suas peculiaridades mais marcantes.”59 
 
O primeiro contrato tem cunho religioso. Deus escolheria o rei que seria 
confirmado pela assembleia do povo, na presença tanto dos oficiais, como do próprio 
povo. Isso queria mostrar que o rei deveria receber as confirmações tanto de Deus, como 
do povo e que, nesse contrato, o rei estaria em hierarquia pelo menos igual ao povo para 
que este consentimento fizesse sentido, já que é evidente que Deus está acima do rei.60 
Anote-se, desde logo, que o povo seria superior ao rei.61 
 
O segundo contrato, como ventilado acima, seria de cunho político e civil, de 
caráter temporal, no qual as obrigações do rei para com o povo e vice- versa seriam 
estabelecidas. O rei seria obrigado a cumprir essa parte do contrato por ter sido, não 
somente estabelecido por Deus, mas também, como visto, estabelecido pelo próprio povo 
e, em caráter aditivo, seria obrigado a cumprir esse acordo por que assim escolheu fazê-
lo. O povo e o rei seriam partes solidárias num obrigação em comum com Deus (o erro 
de uma das partes acarretaria também o sofrimento da outra) firmando o primeiro 
contrato. O povo seria parte e garante do primeiro contrato.62 
 
Neste sentido, podemos citar a lição de Arthur Machado Paupério: 
 
“Desse contrato solidário entre Deus de um lado e o povo e o rei de outro, 
decorre naturalmente o direito de resistência. O povo contratou com Deus, 
constituindo-se parte e garante do contrato firmado com o rei. Se o contrato se 
viola, o povo se torna livre com relação ao rei, mas nunca com relação a Deus, 
que deve ser defendido contra o rei. Tais princípios, baseados no direito civil, 
é de insistir-se, levam-nos, sem dúvida, ao chamado direito de insurreição.”63 
 
 
Em Vindiciae, portanto, nenhum rei escaparia o crivo do povo, nem mesmo o 
que aparentou chegar a seu posto por via sucessória64. O povo sempre daria seu aval e, 
 
59 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.134-135. 
60 Ibdem,p.131. 
61 Ibdem,p.166. 
62 Ibdem,p.134. 
63 PAUPÉRIO, Arthur Machado Teoria Democrática da Resistência, 3ª edição revista, Forense 
Universitária, Rio de Janeiro, 1997, p.76. 
64 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.137. 
portanto, pode-se dizer que o autor das Vindiciae é certeiro: “todos os reis foram 
totalmente eleitos desde o início. Aqueles que hoje parecem chegar ao reino por sucessão 
devem primeiro ser constituídos pelo povo.”65 
 
Além disso, a teoria da representação e, portanto, dos magistrados com 
representantes do povo, tem um enorme peso em sua teoria da resistêciaa tirania e como 
essa resistencia na prática seria exercida, mostrando que o rei não reinaria sozinho. Além 
disso, sua visão do proposito do poder do rei não poderia ser outra: O rei não só 
dependeria do povo, mas também vive para servi-lo.66 
 
Cabe ressaltar que o autor trabalha muito com a ideia de direito 
natural durante toda a sua obra, sendo evidente que a lei de Deus deve ser observada em 
todas as instâncias. Estabelece as Vindiciae que: 
 
“Em primeiro lugar, é claro que os homens são livres por natureza, intolerantes 
com a servidão, e nasceram mais para comandar do que para obedecer. Não 
teriam eleito de boa vontade o comando do outro e renunciariam à lei, como 
que de suas próprias naturezas, a fim de sustentar a lei de outro – exceto devido 
a uma grande vantagem.”67 
 
A escolha do rei seria um processo natural se o povo visse grande vantagem 
no ato, a busca pela segurança na liderança de uma pessoa se mostraria um caminho 
natural quando não fosse mais possível a preservação pessoal pelos meios até então 
empregados e o ato do juramento também estaria de acordo com a lei natural.68 
 
O Direito Natural ensinaria a proteger a vida e a liberdade contra a força e 
injustiça e haveria na natureza um apelo constante a reciprocidade, que seria aplicada em 
vários aspectos do contrato, especialmente na hora de seu cumprimento.69 
 
 
65BRUTUS, Stephanus Junius. (MORNAY, Phillipe Du Plessis). Vindiciae contra Tyrannos. Edimburg, 
1579, p.1-2 Apud. Ibdem, p.138. 
66 Ibdem, p.145. 
67BRUTUS, Stephanus Junius. (MORNAY, Phillipe Du Plessis). Vindiciae contra Tyrannos. Edimburg, 
1579, p.107 Apud. Ibdem, p.148. 
68 Ibdem, p.148. 
69 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.148. 
 As leis que se seguiriam ao estabelecimento do contrato poderiam ter cunho 
civil, mas aquelas leis que dão origem ao contrato são frutos da lei da natureza ou da 
divindade. O aspecto da reciprocidade dita que, na medida em que o rei cumpre o pacto, 
o povo lhe deve obediência, mas se desvirtua e quebra o pacto nada mais natural do que 
a resitência ao tirano.70 
 
Complementando esta idéia, Lucas Duarte da Silva escreve em sua 
dissertação: 
 
A obediência ao rei é limitada temporalmente e condicional, ou seja, está 
condicionada ao cumprimento dos deveres impostos pelo governante. Aquele 
que, no exercício do poder, deixa de cumprir sua função de proteger o bem 
comum e a religião na sociedade e passa a agir de forma contrária aos 
preceitos da lei natural e divina, torna-se um tirano. Assim, é legítimo aos 
súditos resistir a ele e aos seus comandos, depondo-o do seu posto.71 
 
A lei da natureza faria com que fosse um atitude anti-natural não se levantar 
contra o déspota e assim é que Mornay estabelece a resistência na sua teoria, verdadeira 
prerrogativa natural do povo que se vê numa posição de parte lesada no âmbito contratual 
que deu origem aquela sociedade.72 
 
Por derradeiro, cabe a indagação: Que maneiras existiriam a disposição do 
povo para resistir quando a um tirano no poder ? Em resumo, poderia se dizer que 
existiriam dois procedimentos: i) Verificar que tipo de tirano se esta lidando; ii) Qual dos 
contratos foi quebrado, como se verá abaixo. 
 
Segundo o autor das Vindiciae, existiriam dois tipo de tirano: o tirano por 
título, que é aquele que usurpou o poder e o tirano por exercício, que ganhou o poder 
legitimamente mas que agora reina em benefício próprio e não do povo. Contra o primeiro 
tirano a regra é clara: Pode-se ir contra ele até o particular, pois este rei nunca foi fruto de 
um contrato, ele seria, em essência, outro particular e sobre ele o direito natural e o civil 
 
70 Ibdem,p.149. 
71 SILVA, Lucas Duarte da. O direito de resistência e o tiranicídio no pensamento político de juan de 
mariana: contextualização, apresentação e a justificação do direito de resistência tese apresentada 
como requisito para a obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós- Graduação em Filosofia da Escola 
de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017, p.58. 
72 CARVALHO, Frank Viana, Op. Cit., p. 150. 
permitiriam esse levante. Portanto, a resistência poderia partir de todos contra o tirano 
por título, não importando qual contrato violasse.73 
 
A resistência contra o tirano por exercício é dividida em duas partes: Se ele 
quebra o primeiro contrato ou se ele quebra o segundo contrato. Se ele quebra o primeiro 
contrato, a resistência não poderá se operar por algum particular, mas sim pelos 
magistrados, representantes do povo. Excepcionalmente, poderia um particular, nesse 
caso, resistir, se dotado de vocação especial.74 
 
Na última hipótese, tratando-se de um tirano por exercício (ou pela prática) 
que quebrou a segunda aliança, este somente poderá encontrar a resistência perante os 
magistrados, representantes do povo e seus protetores. Nesse último caso, não haveria a 
possibilidade de um particular se levantar contra o governante. O autor diz que 
excepcionalmente poderia surgir uma particular com “aptidão extraordinária”, porém 
Mornay temia que este virasse outro tirano75 e o autor “está sendo claro no ‘como’ 
combater os tiranos: com a resistência pelas armas.76 
 
Por derradeiro, encontrou-se na pesquisa divergências sobre quem teria sido 
o autor das Vindiciae. Isso porque Frank Viana a atribuiu a Philippe Du Plessis-Mornay, 
ao passo que Arhur Machado Paupério, em seu livro “Teoria Democrática da Resistência” 
atribui essa obra à Humberto Languet.77 Para este trabalho será usado o nome de Mornay 
para melhor uniformização. 
 
Étienne de la Boétie 
 
Fala-se nessa época também de Étienne de la Boétie, que escreveu sua obra 
“Discurso da Servidão Voluntária”, tendo ela sido completamente publicada um pouco 
 
73 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.152. 
74 Ibdem,p.156-162. 
75 Ibdem,p.156-162. 
76 Ibdem, p.154. 
77 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,p. 74 
antes das vindiciae. Dirá Frank Viana que “o livro de Boétie fazia parte da coletânea de 
Simon Goulart, bastante conhecida dos huguenotes e autores monarcômacos”78. 
 
Este escrito tem o grande mérito de criar, não explicitamente uma teoria da 
resistência, embora a fomente, mas uma teoria explícita sobre a tirania. Propõe analisar 
como um tirano consegue estabelecer seu depotismo sobre o povo e porque o tirano 
precisa da ajuda do povo para se perpetuar como tal. Sua principal tese é demonstrar que, 
sem a tolerâcia dos oprimidos, o tirano não conseguiria oprimir. Sobre isso, Nelson Nery 
também sintetiza com maestria: 
La Boétie afirmava que a servidão era voluntária porque um só, o tirano, não 
podia oprimir sem a tolerância dos oprimidos. O apoio à tirania vinda dos 
próprios homens que, encantados com a figura do monarca, forneciam a 
energia que esse transformava em força e violência. A submissão passiva 
levava a monarquia absoluta. 79 
 
Tal pensamento é cristalino no seguinte trecho da obra de Boétie: 
 
Por enquanto, gostaria somente de entender como tantos homens, tantos 
burgos, tantas cidades e tantas nações suportam às vezes um tirano só, que não 
tem mais poder que o que lhe dão, que só podem prejudicá-los enquanto 
quiserem suportá-lo. E que só pode fazer-lhesmal se eles preferirem tolerá-lo 
a contradizê-lo. Coisa realmente admirável, porém tão comum,que deve causar 
mais lástima que espanto, ver um milhão de homens servir miseravelmente e 
dobrar a cabeça sob o jugo, não que sejam obrigados a isso por um força que 
se imponha, mas por que ficam fascinados e por assim dizer enfeitiçados 
somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem 
amar, pois é desumano e cruel com todos.80 
 
Primeiramente, o governante utilizaria-se da força para garantir a sua 
supremacia e, posteriormente, se apoiaria em outro elemento: A educação. Pela educação 
o modo de vida da população seria cada vez mais reputado como natural, como uma forma 
de manter o status quo e evitar sublevações. A força seria utilizada contra as primeiras 
gerações vivendo na tirania e, posteriormente, a educação cumpriria o papel de apaziguar 
os indivíduos e criar uma verdadeira cultura de submissão. A respeito dessa idéia, Étienne 
de la Boétie escreve: 
 
É verdade que no início serve-se obrigado e vencido pela força. Mas os que 
vêm depois servem sem relutância e fazem voluntariamente o que seus 
antepassados fizeram por imposição. Os homens nascidos sob o jugo, depois 
alimentados e educados na servidão, sem olhar mais à frente, contentam-se 
 
78 CARVALHO, Frank Viana, Op. Cit., p.154. 
79 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição (revista e ampliada), Rio de 
Janeiro, Editora Forense, 2000, pp.12/13. 
80 BOÉTIE, Étienne de la Discurso da Servidão Voluntária 2ª edição tradução: Casemiro Linarth, coleção 
A obra-prima de cada autor, São Paulo, Editora Martin Claret, 2009, pp. 32. 
em viver como nasceram e não pensam que têm outros bens e outros direitos a 
não ser os que encontraram. Chegam finalmente a persuadir-se de que a 
condição de seu nascimento é a natural. 81 
 
Tornariam-se homens covardes, sem qualquer valor, em última instância, 
homens adestrados como animais. Diferentemente de um homem livre, os submissos não 
possuem o mesmo entusiasmo, ânimo e fervor em executar as tarefas que lhes são 
designadas e as fazem apenas como se estivessem cumprindo uma obrigação. Com a 
ausência da liberdade, o homem perderia todo o seu valor. Sobre isso, o autor expõe: 
 
É certo, por conseguinte, que com a liberdade se perde imediatamente qualquer 
valor. As pessoas submissas não têm brio nem entusiasmo no combate. 
Caminham em direção ao perigo como que arrastadas e sem ânimo, como se 
cumprissem uma obrigação. Não sentem ferver em seu coraçãoo ardor da 
liberdade, que faz desprezar o perigo e dá vontadede ganhar com uma bela 
morte a honra e glória entre os companheiros. Os homens livres, ao contrário, 
disputam a preferência em lutar pelo bem comum, porque associam a ele seu 
interrese particular (...) Mas os homens submissos, desprovidos de coragem 
guerreira, perdem também a vivacidade em todas as outras coisas, têm o 
coração tão fraco e mole que não são capazes de qualquer grande ação. Os 
tiranos sabem muito bem disso. Por isso, fazem o possível para torná-los ainda 
mais fracos e covardes.82 
 
Quanto ao estimulo aos prazeres, utilizam-se deles como uma forma de 
entorpecer os súditos que ficam habituados a servir seu governante de forma totalmente 
passiva. O autor dá o exemplo do Imperador romano Nero, que promovia os mais diversos 
jogos e banquetes para controlar as massas do povo e elevar a sua obediência. Métodos 
de estimulo aos prazeres como espetáculos, teatro e, até mesmo as lutas de gladiadores, 
eram recorrentes e serviam ao papel de elevar a submissão da nação. Tal pensamente 
pode-se ser inferido da seguinte passagem da obra do autor: 
 
O teatro, os jogos, as farsas, os espetáculos, os gladiadores, os animais ferozes, 
as medalhas, os quadros e outras drogas semelhantes eram para os povos 
antigos a isca da servidão, o preço de sua liberdade, os instrumentos da 
tirania.Os tiranos antigos empregavam esses meios, essas práticas, esses 
atrativos para entorpecer seus súditos sob o jugo. Assim os povos, 
embrutecidos achando belos esses passatempos, entretidos por um prazer vão 
que passava rapidamente diante de seus olhos, acostumavam-se a servir tão 
ingenuamente, e até pior, quanto as criancinhas que aprendem a ler vendo as 
imagens brilhantes dos livros coloridos.83 
 
 
81 Ibdem, p. 44/45. 
82 BOÉTIE, Étienne de la Discurso da Servidão Voluntária 2ª edição tradução: Casemiro Linarth, coleção 
A obra-prima de cada autor, São Paulo, Editora Martin Claret, 2009, p.53/54. 
83Ibdem, p. 56/57. 
 Os discursos sobre o bem comum e o interesse geral também não foram 
esquecidos pelos tiranos de Roma. Estabelece o autor que, para além destes elementos, o 
mais importante era a colaboração e suporte que recebia o tirano dos próprios homens. 
 
O poder seguiria uma estrutura quase piramidal, não sendo somente o tirano 
a comandar sozinho a nação, posto que abaixo do tirano teriam alguns poucos que 
obtiveram sua confiança e, abaixo destes, muito mais e, abaixo destes, ainda mais, até 
chegar a milhões de indivíduos que estariam ligados a tirania e dela se utilizariam para 
satisfazer seus prazeres e perpetuar suas maldades, estimulando ainda mais a 
desigualdade entre os homens e perpetuando a submissão. Sobre isso, o autor escreve: 
 
Isso sempre acontece porque cinco ou seis obtiveram a confiança do tirano e 
se aproximaram dele por conta própria, ou foram chamados por ele para serem 
cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, favorecedores 
de suas libidinagens e beneficiários de suas rapinas. Esses seis dominam tão 
bem seu chefe que ele se torna mau para a sociedade, não só com suas próprias 
maldades, mas também com as deles. Esses seis, tem seiscentos a sua 
disposição, e fazem com esses seiscentos o que os seis fizeram com o tirano. 
Esses seiscentos têm sob suas ordens seis mil, que elevaram em dignidade. 
Fazem dar a eles o governo das províncias ou a administração do dinheiro 
público a fim de tê-los na mão por sua avidez ou crueldade, para que as 
exerçam oportunamente e façam tanto mal que não possam manter-se senão 
sob sua sombra nem se isentar das leis e das punições senão graças à proteção. 
É enorme a fileira daqueles que os seguem. E quem quiser destrinçar os fios 
dessa meada verá que, não são seis mil, mas cem mil e milhões estão ligados 
ao tirano por essa corda (...). 84 
 
Por tanto, o poder do tirano, para o autor, seria composto por esses quatro 
pilares: Primeiramente a força, depois a educação somada com estimulo aos prazeres e o 
apoio dos próprios homens daquela sociedade. Para sua tese, o que acabaria com a tirania 
seria o conhecimento, que possibilitaria, por sua vez, as amizades entre os homens que 
despertaria unidade entre eles na recusa da subjulgação. Portanto, Boétie oferece um 
caminho para acabar com a tirania. Nelson Nery sintetiza o pensamento deste autor de 
maneira magistral: 
 
O poder dos soberanos resultava da servidão voluntária, ou seja, dos homens 
obedecerem passivamente às leis do Estado. A ação dos governantes era 
sempre injusta, porque fazia com que fosse subtraída a vontade dos indivíduos 
e, assim, a dignidade humana. Os homens só voltariam a ser livres quando, 
através da aquisição do conhecimento, compreendessem que a amizade entre 
 
84 BOÉTIE, Étienne de la Discurso da Servidão Voluntária 2ª edição tradução: Casemiro Linarth, coleção 
A obra-prima de cada autor, São Paulo, Editora Martin Claret, 2009, p. 64. 
eles poderia forjar a unidade capaz de levá-los a resistir e, desta maneira, findar 
a servidão voluntária. 85 
 
De um modo geral, pode-se notar que a teoria não se dirigiria as massas da 
população, que estariam totalmente embriagadas com a submissãoe teriam esquecido da 
própria noção de liberdade a muito tempo. 
 
Tal desconforto para com a tirania partiria da aquisição de conhecimento das 
pessoas mais letradas, que certamente ficariam incomodadas pela submissão e desejariam 
reconquistar a liberdade. Somente poucas pessoas, ou seja, a união de poucos homens, 
poderiam livrar a nação da tirania e recuperar a liberdade. Tal análise é feito por Nelson 
Nery: 
 
O autor não se dirige a “população”, que na seu ignorância há muito perdera a 
verdadeira noção de liberdade, mas àqueles capazes de terem um 
conhecimento nítido do processo político. Os homens letrados não podiam se 
sentir bem com a submissão e, assim, através da amizade, podiam almejar a 
serem livres novamente.86 
 
Coroando sua doutrina como uma teoria sobre a tirania, dirá o autor que 
existem certos tipos de tirano que podem surgir nas sociedades. O primeiro deles seria o 
tirano que conquistaria o poder por meio do voto da própria população, o tirano que 
conquistaria o poder pela ajuda das armas e aqueles que subiriam ao poder por sucessão 
hereditária. Assim dirá o autor: 
“Há três espécies de tiranos. Refiro-me aos maus príncipes. Chegam uns ao 
poder por eleição do povo, outros por força das armas, outros sucedendo aos 
da sua raça. Os que chegam ao poder pelo direito da guerra portam-se como 
quem pisa terra conquistada. Os que nascem reis, as mais das vezes, não são 
melhores; nascidos e criados no sangue da tirania, tratam os povos em quem 
mandam como se fossem seus servos hereditários; e, consoante a compleição 
a que são mais atreitos, avaros ou pródigos, assim fazem do reino o que fazem 
com outra herança qualquer. Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser 
mais suportável; e sê-lo-ia a meu ver, se, desde o momento em que se vê 
colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidisse 
ocupá-los para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para 
transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa 
tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em 
crueldade os outros tiranos” 
 
 
85 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição (revista e ampliada), Rio de 
Janeiro, Editora Forense, 2000, p.15. 
86 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª edição (revista e ampliada), Rio de 
Janeiro, Editora Forense, 2000, p. 15. 
Por fim,tem-se a doutrina de João de Mariana, para quem admitiria o 
tiranicídio e, inclusive, a possibilidade de um particular tirar a vida do tirano. Porém deixa 
claro, que somente poderá fazer isso por determinação da autoridade da república.87 
Estabelecerá que o que “é importante assinalar é que ao tiranicida não cabe agir por 
autoridade própria mas sempre pela autoridade da república, para se não tornar 
criminoso ou traidor comum”.88 
 
Dirá Frank Viana que tais ensinamentos Monarcômacos andam juntos em 
uma direção, ou seja, “tornar claro e fundamentar nos huguenotes a idéia do direito à 
resistência ativa. É claro que os líderes do movimento sabiam dos riscos e por isso 
salientavam o caráter constitucional, limitado e essencialmente defensivo de seu apelo 
às armas.”89 
 
Esses são os principais autores monarcômacos, porém muitos outros 
surgiram, alguns inclusive católicos. Seriam três grades grupos de escritos 
Monarcômacos, protagonizando dois grupos protestantes e um católico, sendo o grupo 
dos Hungenotes franceses o mais comentado. Somente para se ter uma ideia, vale 
transcrever a lição de Frank Viana sobre o tema: 
 
Em realidade há três grupos maiores de escritos monarcômacos, sendo que dois 
são protestantes e um é católico.Cronologicamente, o primeiro grupo é 
formado pelos calvinistas britânicos, e embora não desfrutem entre os eruditos 
do mesmo destaque dos franceses, são os precursores da teoria da resistência 
radical. Seus principais representantes são: A short Treatise of Politic Power 
(1556), de John Ponet; How Superior Powers Ought to be Obeyed (1558), de 
Christopher Goodman; Summary of the Proposed Second Blast (1558), de John 
Knox e De Jure Regni Apud Scotos (1578), de George Buchanan. O segundo 
grupo, formado pelos huguenotes franceses, é o mais citado e comentado pelos 
estudiosos das questões políticas do século XVI. Nele estão as obras mais 
representativas de todo o grupo dos monarcômacos com suas teses 
constitucionalistas, contratualistas e uma abordagem da resistência fundada no 
direito positivo e no direito natural: La défense civile et militaire des innocents 
et de l'Église de Christ (1563), de Luís de Condé; Franco-Gallia (1573), de 
François Hotman; Reveille-Matin (1573), de Eusebe de Philadelphe 
(pseudônimo); Du Droit des Magistrats (1574), de Théodore de Bèze; Le 
Politicien (1574); Paroles Politiques (1574), anônimos, e Vindiciae contra 
Tyrannos (1579), de Philippe Du Plessis-Mornay. O terceiro grupo é formado 
pelos tratados católicos, que retomam as teses abordadas pelos grupos 
 
87 PAUPÉRIO, Arthur machado Teoria Democratica da Resistência. 3ª edição revista, Rio de Janeiro, 
Editora Forense Universitária, 1997,p. 131-137. 
88 Ibdem, p. 137. 
89 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.27-28. 
anteriores e adicionam o poder papal para aprovar ou depor o soberano. Esse 
grupo apresenta as seguintes obras de peso, cujos destaques ficam para 
Mariana e Suarez: De justa Henrici III abdicatione (1589), de Jean Boucher; 
De justa reipublicae Christianae in reges impios et haereticos authoritate 
(1592), de Guillaume Rose (William Rainolds); De rege et Regis Institutione 
(1600), de Juan de Mariana e Tractatus de legibus ac deo legislatore (1603), 
de Francisco Suarez.90 
 
 
90 CARVALHO, Frank Viana O pensamento político monarcômaco: da limitação do poder real ao 
contratualismo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p.22-23.

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