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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MICROBIOLOGIA E PARASITOLOGIA CURSO DE MEDICINA Arthur Ribeiro Segatto ERUCISMO E HIMENOPTERISMO: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Santa Maria, RS 2021 Arthur Ribeiro Segatto ERUCISMO E HIMENOPTERISMO: REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Revisão bibliográfica apresentada como requisito parcial para obtenção de aprovação na subárea de Parasitologia Médica da disciplina de Microbiologia e Parasitologia Médica, no Curso de Medicina, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS). Orientador: Prof. Dr. Daniel Roulim Stainki Santa Maria, RS 2020 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 4 2. DESENVOLVIMENTO........................................................................................... 6 2.1. ERUCISMO....................................................................................................... 6 2.1.1. Aspectos ecológicos, biológicos e comportamentais que podem influenciar nos acidentes............................................................................... 6 2.1.2. Estudo dos Acidentes..................................................................................... 7 2.1.2.1. Agentes Agressores.................................................................................... 7 2.1.2.2. Classificação e Apresentação Clínica.......................................................... 9 2.1.2.3. Diagnóstico................................................................................................ 11 2.1.2.4. Conduta Terapêutica................................................................................. 12 2.1.2.5. Prognóstico................................................................................................ 14 2.1.3. Profilaxia dos Acidentes............................................................................... 14 2.1.4. Importância Médica....................................................................................... 14 2.2. HIMENOPTERISMO....................................................................................... 14 2.2.1. Aspectos ecológicos, biológicos e comportamentais que podem influenciar nos acidentes............................................................................. 15 2.2.2. Estudo dos Acidentes................................................................................... 16 2.2.2.1. Agentes Agressores.................................................................................. 16 2.2.2.2. Classificação e Apresentação Clínica........................................................ 19 2.2.2.3. Diagnóstico................................................................................................ 22 2.2.2.4. Conduta Terapêutica................................................................................. 22 2.2.3. Profilaxia dos Acidentes............................................................................... 24 2.2.4. Importância Médica....................................................................................... 25 3. CONCLUSÃO...................................................................................................... 25 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 27 4 1. INTRODUÇÃO A ordem Lepidoptera possui mais de 100 mil espécies de insetos distribuídos pelo planeta e conhecidos na forma adulta como borboletas ou mariposas. As formas adultas raramente causam problemas ao homem (lepidopterismo), com exceção a alguns surtos epidêmicos de dermatite. Os acidentes com as formas larvais do inseto (lagartas, taturanas) são denominados erucismo (CIMERMAN e CIMERMAN, 2003). O erucismo (de origem latina, eruca = larva/lagarta) é um acidente causado pelo contato de cerdas de lagartas com a pele, cujas três principais manifestações clínicas são as dermatológicas, as hemorrágicas e as osteoarticulares (MINISTÉRIO DA SAÚDE; CIMERMAN e CIMERMAN, 2010, 2003). Trata-se de um acidente extremamente comum em todo o Brasil, resultando, em geral, em curso agudo e evolução benigna (com exceção os acidentes com Lonomia sp.) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). As principais famílias de lepidópteros causadoras de acidentes, na sua forma larval, são Megalopygidae, Saturniidae e Arctiidae. Dados das regiões Sul e Sudeste indicam que existe uma sazonalidade na ocorrência desses acidentes, que se expressam mais nos meses quentes e chuvosos (novembro a abril), coincidindo com o desenvolvimento da fase larvária das mariposas. Os acidentes por Lonomia são descritos predominantemente na região Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), menos frequentemente, no Pará e Amapá; casos isolados em outros estados têm sido registrados (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas, Goiás). Os trabalhadores rurais são os principais atingidos, embora o grupo etário pediátrico seja o mais acometido, com ligeiro predomínio do sexo masculino. Já os casos graves e óbitos têm sido registrados em idosos com patologias prévias (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, 2010). Além disso, a pararamose ou reumatismo dos seringueiros é uma forma de erucismo que ocorre em seringais cultivados causada pela larva da mariposa Premolis semirufa, vulgarmente chamada pararama. Os acidentes com a pararama, até o presente, parecem restritos à Amazônia, mais particularmente aos seringais cultivados no estado do Pará, ocorrendo durante todo o ano, com discreta redução nos meses de novembro a janeiro, época menos favorável à extração do látex. As 5 vítimas, em quase sua totalidade, são homens que se acidentam durante o trabalho de coleta da seiva das seringueiras (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Já os insetos da ordem Hymenoptera, por sua vez, ferroam em defesa própria ou para dominar sua presa. Seus venenos contêm uma grande variedade de aminas, peptídeos e enzimas que causam reações locais e sistêmicas. Pertencem à ordem Hymenoptera os únicos insetos que possuem ferrões verdadeiros, existindo três famílias de importância médica: Apidae (abelhas e mamangavas), Vespidae (vespa amarela, vespão e marimbondo ou caba) e Formicidae (formigas) (JAMESON; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, 2001). Embora o efeito tóxico de várias ferroadas possa ser fatal para humanos, quase todas as mortes ocorridas nos Estados Unidos por ferroadas de himenópteros resultam de reações alérgicas. A incidência dos acidentes por himenópteros é desconhecida, porém a hipersensibilidade provocada por picada de insetos tem sido estimada, na literatura médica, em valores de 0,4% a 10%, preferencialmente em adultos e nos indivíduos profissionalmente expostos. Os relatos de acidentes graves e de mortes pela picada de abelhas africanizadas são consequência da maior agressividade dessa espécie (ataques maciços) e não das diferenças de composição de seu veneno (JAMESON; MARTINS e RAPOSO; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, 2010, 2001). A distribuição geográfica dos principais himenópteros de importância médica no país deve-se à sua introdução no Brasil. As abelhas de origem alemã (Apis mellifera mellifera) foram introduzidas em 1839, enquanto as italianas (Apis mellifera ligustica), introduzidas em 1870, foram levadas principalmente ao sul do Brasil. Já em 1956, foram introduzidas as abelhas africanas (Apis mellifera scutellata), as quais, em conjunto com seus híbridos com as abelhas europeias, são responsáveis pela formação das chamadas abelhas africanizadas que, hoje, dominam toda a América do Sul, a América Central e parte da América do Norte (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Os acidentes por vespas, por sua vez, devem-se a algumas famílias de vespídeos,como Synoeca cyanea (marimbondo-tatu), e de pompilídeos, como Pepsis fabricius (marimbondo-cavalo), encontrados em todo o território nacional. Já as espécies de formigas de interesse médico mais comuns são a Solenopsis invicta, a 6 formiga lava-pés vermelha, originária das regiões Centro-Oeste e Sudeste (particularmente o Pantanal Mato-Grossense) e responsável pelo quadro pustuloso clássico do acidente; e a Solenopsis richteri, a formiga lava-pés preta, originária do Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. ERUCISMO 2.1.1. Aspectos ecológicos, biológicos e comportamentais que podem influenciar nos acidentes O ciclo biológico dos lepidópteros apresenta quatro fases distintas: ovo, larva, pupa e adultos. Em Lonomia sp. observaram-se os seguintes períodos: a) Ovo - 30 dias de período embrionário; b) Larva - encontrada nos troncos das árvores, alimentando-se de folhas, esta etapa dura 59 dias; c) Pupa - permanece em dormência no solo por períodos de 45 dias; d) Adulto - vive cerca de 15 dias. Após o acasalamento ocorre a oviposição. As lagartas alimentam-se de folhas, principalmente de árvores e arbustos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Suas propriedades urticantes ocorrem pela presença de pelos ocos em cujo interior se encontra líquido urticante secretado por células situadas na base do mesmo (células tricógenas). Quando a cerda penetra a pele e se quebra, o líquido exerce sua ação irritante (CARDOSO e HADDAD JUNIOR, 2005). Todavia, não há uma toxina única. Em geral, as toxinas de todas as espécies são constituídas de proteínas termolábeis. Algumas espécies possuem enzimas proteolíticas, e outras ativam o plasminogênio e têm atividade semelhante à da tripsina e quimiotripsina. Pesquisas demonstraram a presença de histamina na secreção de alguns gêneros, enquanto trabalhos recentes demonstraram uma serina estearase semelhante à calicreína nas cerdas, que ativariam a sequência das cininas (CARDOSO e HADDAD JUNIOR, 2005). Algumas frações do veneno do gênero Lonomia sp. foram isoladas, tais como fosfolipase, substância caseinolítica e ativadora de complemento, mas não se 7 conhecendo exatamente o seu papel no envenenamento humano. Verificou-se hipofibrinogenemia atribuída a uma atividade fibrinolítica intensa e persistente, associada a uma ação pró-coagulante moderada. A ação do veneno parece também estar associada à diminuição dos níveis de fator XIII, responsável pela estabilização da fibrina e controle da fibrinólise. Não se observou alteração nas plaquetas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 2.1.2. Estudo dos Acidentes 2.1.2.1. Agentes Agressores As principais famílias de lepidópteros causadoras de erucismo são: (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, 2010) a) Família Megalopygidae: popularmente conhecidos por sauí, lagarta-de- fogo, chapéu-armado, taturana-gatinho, taturana-de-flanela; os megalopigídeos são insetos que apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, pontiagudas e que contêm as glândulas basais de veneno; e outras, de cerdas mais longas, coloridas e inofensivas. Nesta família possuem destaque os gêneros Podalia sp. e Megalopyge sp.; Figura 1 – Lagarta de mariposa do gênero Podalia sp. Fonte: (HOSKINS, 2021) 8 b) Família Saturniidae: também conhecidas por taturana, orugas ou rugas (no sul do Brasil) e beijus-de-tapuru-de-seringueira (no norte do Brasil). As lagartas de saturnídeos apresentam “espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto arbóreo, com glândulas de veneno nos ápices. Apresentam tonalidades esverdeadas, exibindo no dorso e laterais, manchas e listras, características de gêneros e espécies. Muitas vezes mimetizam as plantas que habitam. Nesta família se incluem as lagartas do gênero Lonomia sp, causadoras de síndrome hemorrágica, bem como as dos gêneros Automeris sp., Hylesia sp. e Dirphia sp.; Figura 2 – Lagarta do gênero Lonomia, espécie Lonomia obliqua. Fonte: (MEDEIROS, TORRES e TROSTER, 2014, p. 446) c) Família Arctiidae: nela se incluem as lagartas Premolis semirufa, causadoras da pararamose (Figura 3). 9 Figura 3 – Lagarta da espécie Premolis semirufa Fonte: Domínio público 2.1.2.2. Classificação e Apresentação Clínica As manifestações clínicas são predominantemente do tipo dermatológico, dependendo da intensidade e extensão do contato. Inicialmente, há dor local intensa, edema, eritema e prurido local eventual, podendo ser acompanhado também por lesões puntiformes no local de contato com as cerdas. Existe enfartamento ganglionar regional característico e doloroso. Nas primeiras 24 horas, a lesão pode evoluir com vesiculação e, mais raramente, com formação de bolhas e necrose na área do contato. Os sintomas normalmente regridem sem maiores complicações (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). As manifestações hemorrágicas, causadas principalmente pelas lagartas do gênero Lonomia sp., quando em contato com a pele humana, produzem queimaduras à semelhança de qualquer outra taturana. Manifestações gerais e inespecíficas podem surgir mais tardiamente, tais como: cefaleia holocraniana, mal-estar geral, náuseas e vômitos, ansiedade, mialgias e, em menor frequência, dores abdominais, hipotermia, hipotensão. Após um período que pode variar de uma até 48 horas, instala-se um quadro de discrasia sanguínea, acompanhado ou não de manifestações 10 hemorrágicas que costumam aparecer oito a 72 horas após o contato. Equimoses podem ser encontradas podendo chegar a sufusões hemorrágicas extensas, hematomas de aparecimento espontâneo ou provocados por trauma ou em lesões cicatrizadas, hemorragias de cavidades mucosas (gengivorragia, epistaxe, hematêmese, enterorragia), hematúria macroscópica, sangramentos em feridas recentes, hemorragias intra-articulares, abdominais (intra e extraperitoniais), pulmonares, glandulares (tireoide, glândulas salivares) e hemorragia intraparenquimatosa cerebral. Existe consumo de fatores de coagulação e a insuficiência renal aguda aparece como complicação dos fenômenos hemorrágicos (CIMERMAN e CIMERMAN; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, 2001). Figura 4 – Acidente precoce da mão de uma criança que manipulou uma lagarta Fonte: (CARDOSO e HADDAD JUNIOR, 2005) As manifestações osteoarticulares ocorrem principalmente nos seringueiros da região Amazônica que entram em contato com as lagartas do gênero Premolis. A reação cutânea inicial é semelhante à das outras espécies de lagartas (dor, prurido e eritema), podendo perdurar por horas ou poucos dias, regredindo no curso de uma semana, na maioria dos casos. Entretanto, a exposição subsequente e continuada acaba por levar o paciente a uma artrite crônica deformante, incorrendo em uma limitação transitória dos movimentos articulares dos dedos comprometidos, com incapacitação funcional temporária na maioria dos acidentados. Nesse limitado grupo de indivíduos, ao edema crônico segue-se fibrose periarticular que imobiliza 11 progressivamente a articulação atingida, levando ao quadro final de anquilose, com deformações que simulam a artrite reumatoide (CIMERMAN e CIMERMAN; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, 2001). Figura 5 – Mão de um paciente com pararamose Fonte: Domínio público 2.1.2.3. Diagnóstico O diagnóstico médico é feito com base nas manifestações clínicas. O diagnóstico de envenenamento por Lonomia é feito através da identificação do agente ou pela presença de quadro hemorrágico e/ou alteração da coagulação sanguínea, em paciente com história prévia de contato com lagartas. O diagnóstico diferencial com as dermatites urticantes provocadas por outros lepidópteros deve ser feito pela história clínica, identificação do agente e presença de distúrbios hemostáticos. Na 12 ausência de síndrome hemorrágica, a observação médica deve ser mantida por 24 horas, para o diagnóstico final, considerando a possibilidadede tratar-se de contato com outro lepidóptero ou acidente com Lonomia sem repercussão sistêmica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, 2001). O diagnóstico também pode ser realizado laboratorialmente. Cerca de 50% dos pacientes acidentados por Lonomia apresentam distúrbio na coagulação sanguínea, com ou sem sangramentos. O tempo de coagulação auxilia no diagnóstico de acidente por Lonomia e deve ser realizado para orientar a soroterapia nos casos em que não há manifestações hemorrágicas evidentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). O exame histopatológico das lesões também pode auxiliar o diagnóstico. Os aspectos histopatológicos da dermatite induzida ou natural consistem em espongiose, degeneração hidrópica, edema da derme superior e infiltrado linfoplasmocitário (CARDOSO e HADDAD JUNIOR, 2005). Figura 6 – Exame histopatológico de área cutânea após contato com lagarta Fonte: (CARDOSO e HADDAD JUNIOR, 2005) 2.1.2.4. Conduta Terapêutica Para o quadro local, o tratamento é sintomático, e este inclui: lavagem da região com água fria, uso de compressas frias ou geladas, analgésicos, infiltração local com 13 anestésico do tipo lidocaína 2%, elevação do membro acometido e uso de corticosteroides tópicos e anti-histamínico oral. O quadro local apresenta boa evolução, regredindo no máximo em dois a três dias sem maiores complicações ou sequelas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, 2001). Nos acidentes com manifestações hemorrágicas, o paciente deve ser mantido em repouso, evitando-se traumas mecânicos. Agentes antifibrinolíticos também têm sido utilizados, como o ácido épsilon-aminocapróico (Ipsilon, ampola de 1g e 4g) e a aprotinina (Trasylol), utilizada na Venezuela, porém não disponível no nosso meio. A correção da anemia deve ser instituída por meio da administração de concentrado de hemácias. Sangue total ou plasma fresco são contra-indicados, pois podem acentuar o quadro de coagulação intravascular (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O soro antilonômico deve ser administrado de acordo com a intensidade e gravidade das manifestações hemorrágicas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010): Tabela 1 – Número de ampolas de soro antilonômico de acordo com a gravidade do acidente Acidente Soro Gravidade Nº de ampolas Lonômico Antilonômico (SALon) Leve: quadro local apenas, sem sangramento ou distúrbio na coagulação – Moderado: quadro local presente ou não, presença de distúrbio na coagulação, sangramento em pele e/ou mucosas 5 Grave: independente do quadro local, presença de sangramento em vísceras ou complicações com risco de morte ao paciente 10 Fonte: (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010, p.73) Por causa da possibilidade de se tratar de acidente hemorrágico por Lonomia sp, todo o paciente que não trouxer a lagarta para identificação deve ser orientado para retorno, no caso de apresentar sangramentos até 48 horas após o contato. A alta pode ser dada após a remissão do quadro local, com exceção dos acidentes por 14 Lonomia, nos quais o paciente deve ser hospitalizado até a normalização dos parâmetros clínicos e laboratoriais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, 2010). As manifestações osteoarticulares do erucismo, pelo contato com a pararama, não possuem conduta terapêutica específica. No pós-contato imediato o tratamento segue o descrito para dermatite por contato com larvas urticantes, mas as formas crônicas, com artropatia, deverão ter acompanhamento especializado (CIMERMAN e CIMERMAN; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, 2001). 2.1.2.5. Prognóstico Tornam o prognóstico mais reservado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001): Acidentes com elevado número de lagartas e contato intenso com as larvas; Acidentes em idosos; Patologias prévias do tipo hipertensão arterial e úlcera péptica, entre outras, e traumatismos mecânicos pós-contato. 2.1.3. Profilaxia dos Acidentes Ao coletar frutas no pomar, realizar atividades de jardinagem ou em qualquer outra em ambientes silvestres, observar bem o local, troncos, folhas, gravetos antes de manuseá-los, fazendo sempre o uso de luvas para evitar o acidente. A incidência maior de acidentes deve-se ao desmatamento, queimadas, extermínio de predadores naturais, loteamentos sem planejamento e sem avaliação do impacto ecológico que isto acarreta, obrigando a procura destas espécies por outros ambientes para sobreviver, onde se dá o contato com o homem (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). 2.1.4. Importância Médica Os acidentes por erucismo são de importância médica quando tendem a apresentar complicações. O contato com lagartas do gênero Lonomia sp. pode desencadear síndrome hemorrágica que, nos últimos anos, vem adquirindo 15 significativa importância médica em virtude da gravidade e da expansão dos casos, principalmente na região Sul. O mecanismo pelo qual a toxina da Lonomia sp. induz à síndrome hemorrágica ainda não está esclarecido. Sua principal complicação é a insuficiência renal aguda (até 5% dos casos), sendo mais frequente em pacientes acima de 45 anos e naqueles com sangramento intenso (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 2.2. HIMENOPTERISMO 2.2.1. Aspectos ecológicos, biológicos e comportamentais que podem influenciar nos acidentes Os venenos das diversas espécies de himenópteros são diferentes em termos bioquímicos e imunológicos. Os efeitos tóxicos diretos são mediados por misturas de substâncias de baixo peso molecular, como serotonina, histamina, acetilcolina e várias cininas (JAMESON, 2020). As toxinas polipeptídicas contidas no veneno das abelhas melíferas (A. mellifera) incluem: a melitina, que lesiona as membranas celulares; a proteína desgranuladora dos mastócitos, que provoca liberação de histamina; a neurotoxina apamina; o composto anti-inflamatório adolapina; e as enzimas contidas hialuronidase e fosfolipases, contidas na peçonha. A hialuronidase promove a difusão do veneno pelos tecidos por meio da hidrólise do ácido hialurônico, afetando as junções celulares. A fosfolipase A2, o principal alérgeno, e a melitina são agentes bloqueadores neuromusculares responsáveis por provocar paralisia respiratória, com poderosa ação destrutiva sobre membranas biológicas (como as hemácias, produzindo hemólise) e representam aproximadamente 75% dos constituintes químicos do veneno. Juntas, as fosfolipases e a hialuronidase são os principais compostos responsáveis pelos casos de reação anafilática ao veneno das abelhas. Ainda, a apamina representa cerca de 2% do veneno total e se comporta como neurotoxina de ação motora, enquanto o cardiopeptídeo, não tóxico, tem ação semelhante às drogas ß adrenérgicas e demonstra propriedades antiarrítmicas (JAMESON; MINISTÉRIO DA SAÚDE; BLANCO e MELO, 2020, 2001, 2014). 16 A composição do veneno das vespas é ainda pouco conhecida. Constitui-se também de mistura de substâncias com propriedades toxicas e alergênicas, podendo, da mesma forma que o veneno das abelhas, causar acidentes e hipersensibilizar vítimas. Entretanto, embora ambos os venenos contenham hialuronidase, fosfatase ácida e fosfolipase, a melitina e a fosfolipase A2 (toxinas mais potentes do veneno) só estão presentes em venenos de abelhas (HATEM, MACEDO e FILHO, 2013). Por outro lado, o veneno da formiga lava-pés (gênero Solenopsis) é produzido em uma glândula conectada ao ferrão e é cerca de 90% constituído de alcaloides oleosos, onde a fração mais importante é a Solenopsin A, cujo efeito é citotóxico. Menos de 10% têm constituição proteica, com pouco efeito local, mas capaz de provocar reações alérgicas em determinados indivíduos. A morte celular provocada pelo veneno promove diapedese de neutrófilos no ponto de ferroada (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 2.2.2. Estudo dos Acidentes 2.2.2.1. Agentes Agressores Dentre os himenópteros de importância médica, a ordem Hymenoptera se divide em duas subordens: Symphyta, onde predominam as espécies fitófagas e os adultos apresentamabdome aderente ao tórax, e Apocrita onde a maioria das espécies é entomófaga e os adultos apresentam o abdome separado do tórax por uma forte constrição (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). A subordem Apocrita, por sua vez, se divide em Terebrantia, que possui ovipositor, e Aculeata com acúleo ou ferrão, cujo número de espécies conhecidas é de aproximadamente 50 mil, das quais 10 a 15 mil são formigas (superfamília Formicoidea), 10 mil de abelhas (superfamília Apoidea) e 20 a 25 mil de vespas (superfamílias Bethyloidea, Scalioidea, Pompiloidea, Sphecoidea e Vespoidea). O ferrão dos Aculeata divide-se em duas partes: uma estrutura muscular e quitinosa, responsável pela introdução do ferrão e do veneno, e outra glandular, que secreta e armazena o veneno e pode apresentar muitas variações. Os Aculeata podem ainda ser divididos em dois grupos: espécies que apresentam autotomia (auto amputação) ou seja, que perdem o ferrão quando ferroam, pois injetam maior quantidade de 17 veneno mas perdem o aparelho de ferroar e parte das estruturas do abdome; e que não apresentam autotomia, podendo utilizar o aparelho de ferroar várias vezes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). As abelhas possuem pelos ramificados ou plumosos, principalmente na região da cabeça e tórax, e os outros himenópteros possuem pelos simples. O ferrão da abelha comum (Apis mellifera) é singular por ser farpado. Em geral, uma pessoa sofre apenas uma ferroada de uma abelha ou vespa social, porém, as abelhas africanizadas, que respondem agressivamente a intrusões mínimas, contêm uma picada com menos peçonha, mas as vítimas tendem a ser mais picadas e, portanto, a receber um volume bem maior do veneno (MINISTÉRIO DA SAÚDE; JAMESON, 2001, 2020). Figura 7 – Abelha comum (Apis mellifera) Fonte: (OREGON, 2021) As vespas diferem das abelhas principalmente por apresentarem o abdome mais afilado e entre o tórax e o abdome uma estrutura relativamente alongada, chamada pedicelo (a sua “cintura”). Formam um grupo extremamente diverso, com ampla distribuição ao redor do mundo. As verdadeiramente sociais pertencem à família Vespidae, divididas nas subfamílias Stenogastrinae, Vespinae e Polistinae, que possuem distribuição em regiões de clima temperado do hemisfério norte. No Brasil, são todas pertencentes à subfamília Polistinae; os polistíneos são vespas grandes, muito comuns, de coloração avermelhada, às vezes com manchas amareladas ou negras, comumente chamados de “marimbondos-caboclos”, e só 18 atacam quando molestados. O “caboclo verdadeiro” é o Polistes canadensis, chamado de “cabapiranga” no Norte do Brasil, e sua subespécie, Polistes canadensis cavapyta, é conhecida no sul do país por “cavapitã”, “caba-vespa” e “pitan-vermelha”. Já as temidas “caçunungas” (Agelaia vicina) são vespas de porte pequeno (cerca de 1 cm de comprimento), coloração escura, com algumas faixas amareladas na cabeça, no tórax e no abdome, e são extremamente agressivas, atacando à simples aproximação. Ainda, as “camoatins” (Polybia occidentalis scutellaris) atacam quando os ninhos são esbarrados ou danificados; e outras espécies, como a “enxuí” (gênero Protopolybia), só atacam quando tocadas ou se ocorre grande proximidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE; FOCACCIA, 2001, 2015). Figura 8 – Vespa do gênero Polistes (Polistes canadensis) Fonte: (DUARTE, 2021) Já as formigas, insetos sociais pertencentes à superfamília Formicoidea, compreendem inúmeras operárias e guerreiras (não capazes de reprodução) e rainhas e machos alados que determinarão o aparecimento de novas colônias. De interesse médico são as formigas da subfamília Myrmicinae, como as formigas-de- fogo ou lava-pés (gênero Solenopsis) e as formigas saúvas (gênero Atta). As formigas-de-fogo tornam-se agressivas e atacam em grande número se o formigueiro for perturbado, fixando suas mandíbulas na pele e ferroando repetidamente (10-12 vezes) em torno desse eixo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 19 Figura 9 – Formigas da espécie Atta cephalotes; as grandes são rainhas (extrema direita, forma alada) Fonte: Domínio público 2.2.2.2. Classificação e Apresentação Clínica As picadas não complicadas de himenópteros causam dor imediata, uma reação de placa urticada e eritema, além de edema local, todos os quais costumam regredir em algumas horas. Picadas múltiplas podem causar vômitos, diarreia, edema generalizado, dispneia, hipotensão e colapso circulatório não anafilático. No entanto, as reações ocorrem de acordo com o local e o número de ferroadas, as características e o passado alérgico do indivíduo atingido. A morte (não alérgica) diretamente causada pelos efeitos da peçonha ocorreu apenas em casos de picadas por várias centenas de abelhas melíferas. As ferroadas em língua ou boca podem causar edema potencialmente fatal das vias aéreas superiores (JAMESON; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, 2001). As manifestações clínicas desencadeadas pela picada de abelhas podem ser: local (ocorre com uma ou poucas ferroadas, com efeitos restritos ao local ou área), tóxica sistêmica (resultado de muitas ferroadas) e anafilática (própria do sistema imunológico de indivíduos sensíveis) (MINISTÉRIO DA SAÚDE; BLANCO e MELO, 2001, 2014): 20 a) Manifestações Locais: após uma ou múltiplas ferroadas; incorre em dor aguda local, que tende a desaparecer espontaneamente em minutos, deixando vermelhidão, prurido e edema por horas ou dias. Deve alertar para um possível estado de sensibilidade e exacerbação de resposta às picadas subsequentes. b) Manifestações Regionais: são de início lento. Além do eritema e prurido, o edema flogístico evolui para enduração local que aumenta de tamanho nas primeiras 24-48 horas, diminuindo gradativamente nos dias subsequentes. Podem ser tão exuberantes a ponto de limitarem a mobilidade do membro. Menos de 10% dos indivíduos que experimentaram grandes reações localizadas apresentarão a seguir reações sistêmicas. c) Manifestações Sistêmicas: são as manifestações clássicas de anafilaxia, com sintomas de início rápido (2-3 minutos após a picada). Além das reações locais, podem estar presentes sintomas gerais como cefaleia, vertigens e calafrios, agitação psicomotora, sensação de opressão torácica, entre outros, e sintomas localizados em aparelhos e sistemas, como: 1) tegumentares: prurido generalizado, eritema, urticária e angioedema; 2) respiratórias: rinite, edema de laringe e árvore respiratória, trazendo como consequência dispneia, rouquidão, estridor e respiração asmatiforme. Pode haver broncoespasmo; 3) digestivas: prurido no palato ou na faringe, edema dos lábios, língua, úvula e epiglote, disfagia, náuseas, cólicas abdominais ou pélvicas, vômitos e diarreia; 4) cardiocirculatórias: hipotensão, manifestando-se por tontura ou insuficiência postural até colapso vascular total. Podem ocorrer palpitações e arritmias cardíacas e, quando há lesões preexistentes (arteriosclerose), infartos isquêmicos no coração ou cérebro. d) Reações Alérgicas Tardias: podem ocorrer vários dias após a(s) picada(s) e se manifestarem pela presença de artralgias, febre e encefalite, quadro semelhante à doença do soro. e) Manifestações Tóxicas: ocorre em ataques múltiplos de abelhas (enxames); desenvolve-se um quadro tóxico generalizado denominado de Síndrome de Envenenamento. Além das manifestações já descritas, há dados indicativos de hemólise intravascular e rabdomiólise, podendo 21 ocorrer também alterações neurológicas como torpor e coma, hipotensão arterial, oligúria/anúria e insuficiência renal aguda. Figura 10 - Paciente picado por aproximadamente 800 abelhas. Evolução para óbito 60 horas após o acidente Fonte: (FOCACCIA, 2015) Os principais alérgenos presentes no veneno das vespas apresentam reações cruzadas com os das abelhas e também produzem fenômenos de hipersensibilidade, com efeitos locais e sistêmicossemelhantes aos das abelhas, porém menos intensos. No caso das formigas, imediatamente após a picada, ocorre a formação de uma pápula urticariforme de 0,5 a 1,0 cm no local, com dor que cede com o tempo. Cerca de 24 horas após, a pápula dá lugar a uma pústula estéril, que é reabsorvida em sete a dez dias. Acidentes múltiplos são comuns em crianças, alcoólatras e pessoas incapacitadas. Além disso, pode haver infecção secundária das lesões, causada pelo rompimento da pústula pelo ato de coçar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 22 No entanto, ocorre anafilaxia em menos de 2% das vítimas. Especificamente, a reação local dolorosa que surge após a picada de formigas ceifeiras (espécies de Pogonomyrmex) costuma se estender aos linfonodos e pode causar anafilaxia. Já a formiga tocandira ou formiga-bala (Paraponera clavata), pode causar dor pulsante e excruciante, com duração de 24 horas após a picada, pois injeta uma neurotoxina paralisante potente, a poneratoxina (JAMESON, 2020). 2.2.2.3. Diagnóstico O diagnóstico, em ambos os casos, é basicamente clínico. A identificação do acidente, na maior parte dos casos, é fácil, já que a dor se torna palpável e o inseto em geral é visualizado pelo paciente. O local da picada de abelha é rapidamente identificado pelo ferrão preso na pele da vítima, mas o mesmo não ocorre com picadas de vespas, as quais, ao contrário das abelhas, não deixam o ferrão no local da picada. Além disso, vítimas de enxame às vezes chegam a pronto-atendimento com abelhas nas narinas, bocas, ouvidos e cabelos. A área da picada de abelha apresenta ainda uma zona central clara, onde normalmente é encontrado o ferrão, circundado por um halo avermelhado, que facilita o diagnóstico. No entanto, clinicamente, as manifestações de anafilaxia secundária relacionada à picada de insetos são indistinguíveis de reações anafiláticas por outras causas (HATEM, MACEDO e FILHO, 2013). Outrossim, não há exames específicos para o diagnóstico, mas exame de urina tipo I e hemograma completo podem ser os iniciais nos quadros sistêmicos. A gravidade dos pacientes deverá orientar os exames complementares, como, por exemplo, a determinação dos níveis séricos de enzimas de origem muscular e as dosagens de hemoglobina, haptoglobina sérica e bilirrubinas, nos pacientes com centenas de picadas, com síndrome de envenenamento grave (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 2.2.2.4. Conduta Terapêutica Nos acidentes causados por enxame de abelhas, a retirada dos ferrões da pele deve ser feita tão logo possível por raspagem (com lâmina de bisturi, a unha ou a 23 borda de um cartão de crédito) ou pinçamento, desde que seja de maneira rápida. O local deve ser lavado e desinfetado e, em seguida, deve-se aplicar bolsa de gelo ou torniquetes, em casos mais graves, para retardar a disseminação do veneno. Pacientes vítimas de enxames devem ser mantidos em Unidades de Terapia Intensiva, em razão da alta mortalidade observada (MINISTÉRIO DA SAÚDE; JAMESON; HATEM, MACEDO e FILHO, 2001, 2020, 2013). Quando necessária, a analgesia poderá ser feita pela Dipirona, via parenteral - 1 (uma) ampola (500 mg) em adultos e até 10 mg/kg peso - dose em crianças. A dor e o edema no local da picada podem ser amenizados por meio da aplicação de compressas frias, bem como a elevação da área atingida e a administração de anti- histamínicos orais e loção de calamina tópica também ajudam a aliviar os sintomas. (MINISTÉRIO DA SAÚDE; BLANCO e MELO; JAMESON, 2001, 2014, 2020). As reações anafiláticas a veneno de abelha ou vespa pode ser uma emergência potencialmente fatal que exige ações imediatas. O tratamento de escolha para as reações anafiláticas é a administração subcutânea de solução aquosa de adrenalina 1:1000, iniciando-se com a dose de 0,5 ml, repetida duas vezes em intervalos de 10 minutos para adultos, se necessário. Nas crianças, usa-se inicialmente 0,01 ml/kg/dose, podendo ser repetida duas a três vezes, com intervalos de 20 a 30 minutos, desde que não haja aumento exagerado da frequência cardíaca. O paciente deve ser transferido para uma emergência hospitalar onde se possa administrar com segurança o tratamento para choque profundo, se necessário, e devem ser mantidos em observação por 24 horas para detecção de anafilaxia recorrente, insuficiência renal ou coagulopatia (JAMESON; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, 2001). Os glicocorticoides e anti-histamínicos não controlam as reações graves (urticária gigante, edema de glote, broncoespasmo e choque), mas podem reduzir a duração e intensidade dessas manifestações. São indicados rotineiramente para uso intravenoso (IV) o succinato sódico de hidrocortisona, na dose de 500 mg a 1000 mg ou succinato sódico de metilprednisolona, na dose de 50 mg, podendo ser repetidos a cada 12 horas, em adultos, e 4 mg/kg de peso de hidrocortisona a cada seis horas nas crianças (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Para o alívio de reações alérgicas tegumentares, indica-se uso tópico de corticoides e uso de anti-histamínicos. Ainda, manifestações respiratórias 24 asmatiformes, causadas por broncoespasmo podem ser controladas com oxigênio nasal, inalações e broncodilatadores tipo β2 adrenérgico (fenoterol ou salbutamol) ou com o uso de aminofilina por via IV, na dose de 3 a 5 mg/kg/dose, em intervalos de seis horas, numa infusão entre 5 a 15 minutos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Ademais, as medidas gerais de suporte incluem manutenção das condições do equilíbrio ácido-básico e assistência respiratória, se necessário. Ainda, deve-se vigiar o balanço hidroeletrolítico e a diurese, mantendo volume de 30 a 40 ml/hora no adulto e 1 a 2 ml/kg/hora na criança, inclusive usando diuréticos, quando preciso (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O tratamento do acidente por Solenopsis sp. (lava-pés) deve ser feito pelo uso imediato de compressas frias locais, seguido da aplicação de corticoides tópicos. A analgesia pode ser feita com paracetamol e há sempre a indicação do uso de anti- histamínicos por via oral. As pústulas devem ser lavadas e cobertas com bandagem e pomada contendo antibiótico para prevenção de infecção bacteriana. Acidentes maciços ou complicações alérgicas têm indicação do uso de prednisona, 30 mg, por via oral, diminuindo-se 5 mg a cada três dias, após a melhora das lesões. Anafilaxia ou reações respiratórias do tipo asmático são emergências que devem ser tratadas prontamente tais como nos acidentes por abelhas e vespas. Acidentes por Paraponera clavata (tocandira) podem ser tratados de forma semelhante (MINISTÉRIO DA SAÚDE; JAMESON, 2001, 2020). 2.2.3. Profilaxia dos Acidentes Dentre os métodos de prevenção de acidentes com abelhas encontram-se a remoção das colônias de abelhas situadas em lugares públicos ou residências (efetuada por profissionais treinados e equipados, preferencialmente à noite ou ao entardecer), a não aproximação de colmeias de abelhas africanizadas Apis mellifera sem vestuário e equipamento adequados (macacão, luvas, máscara, botas, fumigador, etc.) e o caminhar e correr fora da rota de voo das abelhas. Barulhos (como sons de motores de aparelho de jardinagem), perfumes fortes, desodorantes, o próprio suor do corpo e cores escuras (principalmente preta e azul-marinho) desencadeiam o comportamento agressivo e, consequentemente, o ataque de abelhas, devendo, portanto, serem evitados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020). 25 Outrossim, a imunoterapia profilática pode reduzir o risco de reações potencialmente fatais a ferroadas de abelhas e vespas. Injeções repetidas de veneno purificado resultam em resposta de anticorpos IgG bloqueadores do veneno e reduzem a incidência de anafilaxia recidivante. Em casos de pacientes vítimas de reações graves ou anafiláticas, secundárias à picada de insetos, pode-se a dessensibilização, realizada por serviços especializados em alergia, é altamente efetiva (90-98%) naprevenção de anafilaxia subsequente em pacientes de risco. O mesmo ocorre com as formigas: há extratos preparados a partir do corpo inteiro das formigas-de-fogo para testes cutâneos e imunoterapia que parecem reduzir a incidência de reações anafiláticas (JAMESON; HATEM, MACEDO e FILHO, 2020; 2013). 2.2.4. Importância Médica A importância médica dos acidentes por himenópteros decorrem das complicações causadas pela ação do veneno no paciente. As reações de hipersensibilidade podem ser desencadeadas por uma única picada e levar o acidentado à morte, em virtude de edema de glote ou choque anafilático. Na Síndrome de Envenenamento, descrita em pacientes que geralmente sofreram mais de 500 picadas, distúrbios graves hidroeletrolíticos e do equilíbrio ácido-básico, anemia aguda pela hemólise, depressão respiratória e insuficiência renal aguda são as complicações mais frequentemente relatadas. Além disso, infecções secundárias são comuns, podendo ocorrer abscessos, celulites e erisipela (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 3. CONCLUSÃO Os seres humanos possuem um histórico de acidentes com lagartas de lepidópteros e himenópteros muito anterior à documentação dos mesmos. Fora as espécies de interesse médico, a maioria desses acidentes não exercem risco imediato além do desconforto das reações inflamatórias e lesões cutâneas iniciais, possuindo um eventual regresso de sintomas num período curto. Essas condições, por sua vez, 26 dificultam a pesquisa, bem como o mapeamento epidemiológico das diferentes espécies que mais resultam em acidentes (SOUSA e LIMA, 2018). Observa-se também que um grande avanço ocorreu com o desenvolvimento de um soro hiperimune específico para neutralizar efetivamente o veneno de Lonomia sp., diminuindo assim a probabilidade do desenvolvimento de suas complicações hemorrágicas e, consequentemente, reduzindo a ocorrência de óbitos relacionados ao atraso ou falha no diagnóstico. No entanto, existem ainda documentações sobre agravos sintomáticos associadas à outras espécies que não são tão estudadas quanto esta, o que, por sua vez, evidencia a falha na priorização de acidentes por animais peçonhentos em geral por programas de saúde pública, o que compromete a execução de medidas preventivas conforme a necessidade. Este, infelizmente, ainda é um entre muitos outros problemas de saúde negligenciados no Brasil e no mundo (CAOVILLA; SOUSA e LIMA, 2007, 2018). Igualmente, a imunoterapia profilática, capaz de reduzir o risco de reações potencialmente fatais a ferroadas de abelhas e vespas, mostra-se um importante aliado na profilaxia dos acidentes graves com complicações. Estatísticas americanas documentam aproximadamente 40 óbitos por ano devido à anafilaxia por picada de insetos; na Europa, estima-se que esse número esteja em torno de 100. Todavia, novamente o Brasil carece de estudos epidemiológicos dessa ordem, ainda que se acredite que, pelas características geográficas e climáticas, essas reações sejam frequentes no país (FOCACCIA, 2015). Apesar disto, clinicamente destaca-se a importância da anamnese e do exame físico cuidadosos do paciente para um correto estabelecimento do diagnóstico e do tratamento. A análise e a descrição efetiva dos sintomas, bem como o reconhecimento da espécie é essencial para a obtenção de um bom diagnóstico e acompanhamento efetivo diante das diferentes necessidades que cada acometimento provoca, incluindo desde o tratamento dos sintomas iniciais a quaisquer possíveis complicações que eventualmente possam ocorrer, de modo a impedir maiores danos aos pacientes (ESPINDULA, 2009). 27 REFERÊNCIAS BLANCO, Benito S.; MELO, Marília M. Apidismo. In: FUNDAÇÃO DE ESTUDO E PESQUISA EM MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA – FEPMVZ. Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia, n. 75: Animais Peçonhentos. 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