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1 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO SER HUMANO 1 Sumário FACUMINAS .................................................................................................. 2 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO ........................................................................ 3 UNIDADE 2 – TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .............. 5 As gerações dos direitos fundamentais ................................................. 10 Fundamentos filosófico-jurídicos ............................................................ 14 UNIDADE 3 – EVOLUÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS – FUNDAMENTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS ...................................................... 16 UNIDADE 4 – DIGNIDADE E TRABALHO NA FILOSOFIA DO DIREITO ... 19 UNIDADE 5 – INTRODUÇÃO AO DIREITO SOCIAL .................................. 25 Características dos Direitos Fundamentais Sociais .............................. 30 a) Historicidade ................................................................................... 31 b) Normatividade potencializada ....................................................... 31 c) Irrevogabilidade .............................................................................. 32 d) Aplicação direta e imediata ............................................................ 33 e) Vinculação dos poderes públicos .................................................. 35 f) Exigibilidade/dimensão subjetiva e objetiva ................................. 36 UNIDADE 6 – AS FUNÇÕES E AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................... 37 Direitos à prestação jurídica ................................................................... 41 Direitos a prestações materiais ............................................................... 41 Direitos fundamentais de participação ................................................... 44 Dimensões dos Direitos Fundamentais ................................................. 44 UNIDADE 7 – TRATADOS DECORRENTES DA CF/88 ............................. 47 UNIDADE 8 – NOÇÕES DE SOCIOLOGIA DO TRABALHO E OS VALORES SOCIAIS ................................................................................................................. 51 UNIDADE 9 – FILOSOFIA E PENSAMENTO JURÍDICO NA ATUALIDADE ........ 55 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 59 REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES ........................................................ 59 2 FACUMINAS A história do Instituto FACUMINAS, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a FACUMINAS, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A FACUMINAS tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO Ao lado do Direito Previdenciário ou Seguridade Social, o Direito do Trabalho corresponde à dimensão social mais significativa dos Direitos Humanos. É por meio desses ramos jurídicos que os Direitos Humanos ganham maior espaço de evolução, ultrapassando as fronteiras originais, vinculadas basicamente à dimensão da liberdade e intangibilidade física e psíquica da pessoa humana. O universo social, econômico e cultural dos Direitos Humanos passa, de modo lógico e necessário, pelo ramo jurídico trabalhista, à medida que este regula a principal modalidade de inserção dos indivíduos no sistema socioeconômico capitalista, cumprindo o papel de lhes assegurar um patamar civilizado de direitos e garantias jurídicas, que, regra geral, por sua própria força e/ou habilidade isoladas, não alcançariam. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural, o que se faz, de maneira geral, considerando o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego, normatizado pelo Direito do Trabalho (DELGADO, 2017). Com este pensamento que reflete as relações existentes e permanentes entre o Direito do Trabalho e Direitos Humanos iniciamos as reflexões que subsidiarão a apostila em tela. Uma vez que os direitos fundamentais são criados em um contexto histórico, quando colocados na Constituição se tornam direitos fundamentais. Eles não prescrevem, são permanentes; não podem ser renunciados de maneira alguma; são invioláveis, ou seja, se desrespeitados provocam responsabilização civil, penal ou administrativa. A universalidade é outra característica: são dirigidos a todo ser humano independente de sua raça, credo, nacionalidade ou convicção política. Para sua efetividade, evidentemente 4 que o poder público deve atuar em prol de sua garantia, usando, se necessário, meios coercitivos. A proposta nesta apostila passa por lançar subsídios que levem a estimular as reflexões em torno dos direitos do ser humano para que viva em sua plenitude, satisfeito, realizado, para que consiga viver com dignidade, respeitando o próximo e a si mesmo. 5 UNIDADE 2 – TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O primeiro passo para estudarmos os Direitos Fundamentais incide necessariamente na definição de seu conceito e esclarecimento de confusões que se fazem entre direitos fundamentais, positivados, elevados ao plano internacional e direitos humanos, uma vez que vários autores fundem essa terminologia, sustentando a sua sinonímia. Grosso modo, os direitos do homem são os direitos naturais, intrínsecos ao homem e reconhecidos em documentos internacionais, já os direitos fundamentais tem a marca da positivação, isto é, é um direito reconhecido pelo sistema. UADI LAMÊGO BULOS (s.d. Apud ABREU, 2010) afirma que os direitos humanos além de fundamentais são inatos, absolutos, invioláveis, intransferíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, porque participam de um contexto histórico, perfeitamente delimitado. Não surgiram à margem da história, porém, em decorrência dela, ou melhor, em decorrência dos reclamos da igualdade, fraternidade e liberdade entre os homens. Homens não no sentido de sexo masculino, mas no sentido de pessoas humanas. Os direitos fundamentais do homem, nascem, morrem e extinguem-se. Não são obra da natureza, mas das necessidades humanas, ampliando-se ou limitando-se a depender do influxo do fato social cambiante. De acordo com a Constituição Federal, quando dos direitos e garantias fundamentais, ela traz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e garante aos brasileiros a inviolabilidade do direito à propriedade. A expressão “direitos fundamentais” é empregada principalmente pelos autores alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que dedicava o capítuloinicial aos Grundrechte, ou seja, exatamente direitos fundamentais (TORRES, 2006). 6 Até a Emenda Constitucional n° 1/1969, o Brasil adotava a expressão “direitos individuais”, conforme se infere do seu artigo 153 (Capítulo IV – Dos Direitos e Garantias Individuais), como sinônimo da moderna denominação de “direitos fundamentais”. Naquela época vingava a influência dos albores do liberalismo, e a sua visão eminentemente individualista, que não distinguia as liberdades coletivas e não conhecia a definição de pessoa. RICARDO LUIS LORENZETTI (1998, p. 151) afirma que a expressão “direitos fundamentais” é a mais apropriada porque não exclui outros sujeitos que não sejam o homem e também porque se refere àqueles direitos que são fundantes do ordenamento jurídico e evita uma generalização prejudicial. INGO WOLFGANG SARLET (2015a) apresenta um traço de distinção, ainda que de cunho predominantemente didático, entre as expressões “direitos do homem”, “direitos humanos” e “direitos fundamentais”, sendo a primeira de cunho jusnaturalista, ainda não positivados; a segunda relacionado à positivação no direito internacional; e, a terceira, como direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado. Segundo o doutrinador PÉREZ-LUÑO (1998 Apud BELLINHO, 2010), os direitos fundamentais e os direitos humanos não se diferem apenas pelas suas abrangências geográficas, mas também pelo grau de concretização positiva que possuem, ou seja, pelo grau de concretização normativa. Os direitos fundamentais estão duplamente positivados, pois atuam no âmbito interno e no âmbito externo, possuindo maior grau de concretização positiva, enquanto que os direitos humanos estão positivados apenas no âmbito externo, caracterizando um menor grau de concretização positiva. FÁBIO FREITAS MINARDI (2008) afirma que o direito fundamental decorre de um processo legislativo interno de um determinado país, que eleva à positivação, sendo então um direito outorgado e/ou reconhecido. Já os direitos humanos possuem caráter supralegal, desvinculados a qualquer legislação escrita ou tratado internacional, pois preexiste a eles. 7 SIDNEY GUERRA (2007, p. 265) explica que a partir da Declaração dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948, confirmou-se a ideia de que os direitos humanos extrapolam o domínio reservado dos Estados, invalidando o recurso abusivo ao conceito de soberania para encobrir violações, ou seja, os direitos humanos não mais matéria exclusiva das jurisdições nacionais. Assim sendo, a positivação dos direitos humanos, dando origem aos direitos fundamentais, é a nítida amostra da consciência de um determinado povo de que certos direitos do homem são de tal relevância que o seu desrespeito inviabilizaria a sua própria existência do Estado. Aliás, ninguém mais nega, hoje, que a vigência de direitos humanos independe do seu reconhecimento constitucional, ou seja, de sua consagração no direito positivo estatal como direitos fundamentais (COMPARATO, 2015). No Brasil, os direitos fundamentais estão preconizados no Título II da CRFB/88, sendo que o constituinte considerou ilegítima qualquer proposta tendente a aboli-los, artigo 60, § 4º, IV da Constituição (as chamadas cláusulas pétreas) (MINARDI, 2008). Os direitos fundamentais se aplicam tanto às pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas. Na primeira situação são titulares: a) brasileiros natos; b) brasileiros naturalizados; c) estrangeiros residentes no Brasil; d) estrangeiros em trânsito pelo território nacional; e) qualquer pessoa que seja alcançada pela lei brasileira (pelo ordenamento jurídico brasileiro). É preciso, porém, fazer uma ressalva: existem determinados direitos fundamentais cuja titularidade é restringida pelo próprio Poder Constituinte. Por exemplo: 1º. existem direitos que se direcionam apenas a quem esteja pelo menos em trânsito pelo território nacional (garantias contra a prisão arbitrária); 2º. outros direcionam-se apenas aos brasileiros, sejam natos ou naturalizados (direito à nacionalidade, direitos políticos); e, 8 3º. outros são destinados apenas aos brasileiros natos (direito à não extradição, direito de ocupar determinados cargos públicos). Pode-se dizer que existe, então, uma verdadeira gradação na ordem enumerada anteriormente: os brasileiros natos possuem mais direitos que os brasileiros naturalizados que possuem mais direitos que os estrangeiros residentes, etc. (CAVALCANTE FILHO, 2010). Os direitos fundamentais também se aplicam às pessoas jurídicas (inclusive as de Direito Público), desde que sejam compatíveis com a natureza delas. Assim, por exemplo, pessoas jurídicas têm direito ao devido processo legal, mas não à liberdade de locomoção, ou à integridade física. A doutrina reluta em atribuir às pessoas jurídicas (empresas, associações, etc.) direito à vida; com razão, prefere-se falar em “direito à existência”. Todavia, em concursos públicos, o CESPE/UnB (ver STJ/Técnico Judiciário / Área Administrativa/2004) já deu como correta questão que afirmava terem as pessoas jurídicas direito à vida. Por outro lado, é pacífico que pessoas jurídicas não possuem direito à liberdade de locomoção. Justamente por isso é que em favor delas não se pode impetrar habeas corpus (pois esse é um remédio constitucional que protege apenas a liberdade de locomoção: art. 5º, LXVIII) (CAVALCANTE FILHO, 2010). Nesse sentido, STF, HC 92.921/BA, 1ª Turma, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 25.09.2008. A ementa do acórdão dá a entender que o HC teria sido concedido, mas a leitura do inteiro teor revela: A Turma, preliminarmente, por maioria de votos, deliberou quanto a exclusão da pessoa jurídica do presente habeas corpus, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente; vencido o Ministro Ricardo Lewandowski, Relator. 9 A jurisprudência considera que as pessoas jurídicas (empresas, associações, partidos políticos, etc.) podem pleitear indenização por danos morais: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (STJ, Súmula nº 227). Segundo entendemos, as pessoas jurídicas podem também ser vítimas de crimes contra a honra, exceto injúria. Com efeito, calúnia e difamação atingem a honra objetiva (como a pessoa é vista pelos outros), o que é compatível com a situação das pessoas jurídicas. Apenas a injúria, que atinge a honra subjetiva (a autoimagem da pessoa) é impossível de ser perpetrada contra pessoa de existência meramente jurídica. Todavia, essa não é a posição dos tribunais. O STJ considera que as pessoas jurídicas não podem ser consideradas sujeito passivo de nenhum crime contra a honra. Já no STF há um precedente segundo o qual a pessoa jurídica “pode ser vítima de difamação, mas não de injúria e calúnia”5. É de se relevar, ainda, que mesmo as pessoas jurídicas de direito público podem ser titulares de direitos fundamentais. Tal afirmação não deixa de ser peculiar: se os direitos fundamentais surgiram para defender o cidadão contra o Estado, como justificar que uma pessoa jurídica de direito público (isto é, integrante do próprio Estado) possa ter direitos fundamentais? JOÃO TRINDADE CAVALCANTE FILHO (2010) explica de maneira bem simples: com o agigantamento da Administração Pública, os órgãos e entidades passaram a atuar de forma autônoma uns dos outros, o que pode ensejar conflitos de interesses, quando surge a necessidade de garantir direitos básicos. Vide o exemplo de um órgão que impetre mandado de segurança em defesa das próprias prerrogativas. Em resumo, podemos dizer que as pessoas jurídicas (inclusive as de direito público) são titulares dos direitos fundamentais compatíveis com a sua natureza. 10 As gerações dos direitos fundamentais Os Direitos Fundamentais visam assegurar a todosuma existência digna, livre e igual, criando condições à plena realização das potencialidades do ser humano (BIANCO, 2006). Se tomarmos emprestadas as palavras de Alexandre de Moraes (2013), temos como definição que os Direitos Fundamentais são um conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. Por serem indispensáveis à existência das pessoas, possuem as seguintes características, as quais já foram citadas na introdução: são intransferíveis e inegociáveis, portanto inalienáveis; não deixam de ser exigíveis em razão do não uso, portanto, são imprescritíveis; nenhum ser humano pode abrir mão da existência desses direitos, ou seja, são irrenunciáveis; devem ser respeitados e reconhecidos no mundo todo, o que representa a sua universalidade e, por fim, não são absolutos, podem ser limitados sempre que houver uma hipótese de colisão de direitos fundamentais que significa a sua limitabilidade. É importante salientar que esses direitos são variáveis, modificando-se ao longo da história de acordo com as necessidades e interesses do homem. Essa transformação é explicada com base na teoria das gerações de direitos fundamentais, criada a partir do lema revolucionário francês (liberdade, igualdade, fraternidade) (BIANCO, 2006). Segundo JOÃO TRINDADE CAVALCANTE FILHO (2010), trata-se de uma classificação que leva em conta a cronologia em que os direitos foram paulatinamente conquistados pela humanidade e a natureza de que se revestem. Importante ressaltar que uma geração não substitui a outra, antes se acrescenta a ela, por isso a doutrina prefere a denominação “dimensões”. 11 a) Os direitos da primeira geração ou primeira dimensão inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII (individuais ou negativos): seriam os Direitos da Liberdade, liberdades estas religiosas, políticas, civis clássicas como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade formal (perante a lei), as liberdades de expressão coletiva, etc. São os primeiros direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos. Os direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico, sendo, portanto, os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado, ou seja, limitam a ação do Estado. Foram os primeiros a ser conquistados pela humanidade e se relacionam à luta pela liberdade e segurança diante do Estado. Por isso, caracterizam-se por conterem uma proibição ao Estado de abuso do poder: o Estado NÃO PODE desrespeitar a liberdade de religião, nem a vida etc. Trata- se de impor ao Estado obrigações de não fazer. São direitos relacionados às pessoas, individualmente. Ex.: propriedade, igualdade formal (perante a lei), liberdade de crença, de manifestação de pensamento, direito à vida etc. b) Segunda geração ou segunda dimensão (sociais, econômicos e culturais, direitos positivos): seriam os Direitos da Igualdade e social, no qual estão à proteção do trabalho contra o desemprego, direito à educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, etc. Essa geraçã dominou o século XX, são os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos. São direitos objetivos, pois conduzem os indivíduos sem condições de ascender aos conteúdos dos direitos através de mecanismos e da intervenção do Estado. Pedem a igualdade material, através da intervenção positiva do Estado, para sua concretização. Vinculam-se às chamadas “liberdades positivas”, exigindo uma conduta positiva do Estado, pela busca do bem- estar social (MORAES, 2013; BONAVIDES, 2016). São direitos sociais os de segunda geração, assim entendidos os direitos de grupos sociais menos favorecidos, e que impõem ao Estado uma obrigação de fazer, de prestar (direitos positivos, como saúde, educação, moradia, segurança pública e, agora, com a EC nº 64/10, também a alimentação). 12 Baseiam-se na noção de igualdade material (= redução de desigualdades), no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas (educação, saúde) para exercê-la. Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial, quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria. c) Terceira geração ou terceira dimensão (difusos e coletivos) que foram desenvolvidos no século XX: seriam os Direitos da Fraternidade, no qual está o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, progresso, etc. Essa geração é dotada de um alto teor de humanismo e universalidade, pois não se destinavam somente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento. Refletiam sobre os temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade (BONAVIDES, 2016). São direitos transindividuais, isto é, direitos que são de várias pessoas, mas não pertencem a ninguém isoladamente. Transcendem o indivíduo isoladamente considerado. São também conhecidos como direitos metaindividuais (estão além do indivíduo) ou supraindividuais (estão acima do indivíduo isoladamente considerado). Os chamados direitos de terceira geração têm origem na revolução técnico- científica (terceira revolução industrial), a revolução dos meios de comunicação e de transportes, que tornaram a humanidade conectada em valores compartilhados. A humanidade passou a perceber que, na sociedade de massa, há determinados direitos que pertencem a grupos de pessoas, grupos esses, às vezes, absolutamente indeterminados. Os direitos difusos são direitos de todos, mas que não pertencem a ninguém isoladamente. São de grupos cuja titularidade é absolutamente indeterminada. Ex.: direitos dos consumidores contra a propaganda abusiva (atinge a todos, mesmo que não tenham uma ligação jurídica uns com os outros). Já os direitos coletivos em sentido estrito são direitos de grupos determinados, que não pertencem a nenhum membro isoladamente, mas ao grupo como todo. Ex.: direito da classe dos advogados de participar dos 13 tribunais por meio do “quinto constitucional” (art. 94 da CF): trata-se de um direito de uma classe determinada (advogados), que não pertence a nenhum advogado específico, mas ao grupo (CAVALCANTE FILHO, 2010, p. 13). d) Quarta geração ou quarta dimensão, que surgiu dentro da última década por causa do avançado grau de desenvolvimento tecnológico: seriam os Direitos da Responsabilidade, tais como a promoção e manutenção da paz, à democracia, à informação, à autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética, direitos difusos, direito ao pluralismo, etc. A globalização política na esfera da normatividade jurídica foi quem introduziu os direitos desta quarta geração, que correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. Está ligada a pesquisa genética, com a necessidade de impor um controle na manipulação do genótipo dos seres, especialmente o homem. JOÃO TRINDADE CAVALCANTE FILHO (2010) pondera que há autores que se referem a essa categoria, mas ainda não há consenso na doutrina sobre qual o conteúdo desse tipo de direitos. Há quem diga tratarem-se dos direitos de engenharia genética (é a posição de Norberto Bobbio), enquanto outros os referem à luta pela participação democrática (corrente defendida por Paulo Bonavides). Segundo FERNANDA SILVA BIANCO (2006), essa quarta geração de direitos foi criada pelo professor Paulo Bonavides, para quem pode ser traduzida como o resultado da globalização dos direitos fundamentais de forma a torná-los universaisno campo institucional. Enquadram-se aqui o direito à informação, ao pluralismo e à democracia direta. As três gerações que exprimem os ideais de Liberdade (direitos individuais e políticos), Igualdade (direitos sociais, econômicos e culturais) e Fraternidade (direitos da solidariedade internacional), compõem atualmente os Direitos Fundamentais. Na atualidade, os Direitos Fundamentais são reconhecidos mundialmente, por meio de pactos, tratados, declarações e outros instrumentos de caráter internacional. Esses Direitos fundamentais nascem com o indivíduo. E por essa razão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), diz que os direitos são proclamados, ou seja, eles preexistem a todas 14 as instituições políticas e sociais, não podendo ser retirados ou restringidos pelas instituições governamentais, que por outro lado devem proteger tais direitos de qualquer ofensa (SILVA, 2006). Fundamentos filosófico-jurídicos É preciso estudar quais os fundamentos dos direitos fundamentais, ou seja, quais os princípios jurídicos básicos que justificam logicamente a existência dos direitos fundamentais. Podemos apontar, basicamente, dois princípios que servem de esteio lógico à Idea de direitos fundamentais: o Estado de Direito e a dignidade humana. Quanto à dignidade humana, trata-se de um princípio aberto, ou seja, muito resumidamente ele trata de reconhecer a todos os seres humanos, pelo simples fato de serem humanos, alguns direitos básicos – justamente os direitos fundamentais. Embora não se trate de unanimidade, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais “nascem” da dignidade humana. Dessa forma, haveria um tronco comum do qual derivam todos os direitos fundamentais. Essa é a posição da maioria da doutrina brasileira (é o caso, por exemplo, de Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Gustavo Gonet Branco, Paulo Bonavides e Dirley da Cunha Jr.). Há que se registrar, porém, a crítica de José Joaquim Gomes Canotilho, para quem reduzir o fundamento dos direitos fundamentais à dignidade humana é restringir suas possibilidades de conteúdo (CAVALCANTE FILHO, 2010). É certo que o conceito de dignidade humana é aberto, isto é, não admite um único conceito concreto e específico. Vários filósofos já tentaram defini-la, nem sempre com sucesso. O conceito de Estado de Direito (CF, art. 1º, caput) pode ser entendido, em poucas palavras, como o Estado de poderes limitados, por oposição ao chamado Estado Absoluto (em que o poder do soberano era ilimitado). 15 Direito abrange três características: a) submissão (dos governantes e dos cidadãos) ao império da lei; b) separação de poderes; c) garantia dos direitos fundamentais (SILVA, 2006, p. 113). É certo que, hoje, fala-se mais em submissão à Constituição, antes mesmo da submissão à lei, com o que ganha corpo o conceito de Estado Constitucional de Direito. Mesmo assim, logo se vê que o conceito de Estado de Direito traz como consequência lógica a existência (e garantia) dos direitos fundamentais. É por isso mesmo que JOSÉ AFONSO DA SILVA (2016) assevera que a concepção liberal do Estado de Direito servirá de apoio aos direitos do homem, convertendo súditos em cidadãos livres. 16 UNIDADE 3 – EVOLUÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS – FUNDAMENTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS Segundo INGRID ZANELLA ANDRADE CAMPOS (2008), os direitos humanos nasceram da necessidade dos cidadãos em serem titulares de certos direitos em relação a seu Estado soberano e, posteriormente, em relação à sociedade internacional. Desenvolveram-se sempre com as necessidades impostas pelos indivíduos em determinadas épocas com o intuito de resguardar a dignidade humana, concebida como fundamento dos direitos humanos. Existe uma gama de autores, como Fábio Konder Comparato, João Baptista Herkenhoff, dentre outros defensores de que o fato de não existirem freios ao Poder, não quer dizer que não existiram as ideias, que sustentam que os direitos fundamentais perfazem um longo caminho histórico, tendo posições que acreditam ser de meados de 2000 a.C., as primeiras manifestações, no direito da Babilônia, outras posições os reconhecem na Grécia Antiga e na Roma Republicana. Estas opiniões carecem de fundamentos históricos. INGO WOLFGANG SARLET (2015) entende como pacífico que os direitos fundamentais não surgiram na antiguidade, porém é notória a influência do mundo antigo nos direitos fundamentais por meio da religião e da filosofia, que colaboraram na concepção jusnaturalista de que o ser humano, pelo simples fato de existir, já é detentor de direitos fundamentais; esta fase costuma ser denominada pela doutrina como “pré-história” dos direitos fundamentais. O Código de Hamurabi, primeiro que se tem notícias, defendia a vida e o direito de propriedade, e contemplava a honra, a dignidade, a família e a supremacia das leis em relação aos governantes. Esse código contém dispositivos que continuam aceitos até hoje, tais como a Teoria da Imprevisão, que se fundava no princípio de talião: olho por olho, dente por dente. Depois deste primeiro código, instituições sociais (religião e a democracia) contribuíram para humanizar os sistemas legais (SILVA, 2006). Karl Loewenstein (s.d apud CAVALCANTE FILHO, 2010) considera que a 17 primeira Constituição teria surgido ainda na sociedade hebraica, com a instituição da “Lei de Deus” (Torah). O autor alemão aponta que, já naquele Estado Teocrático, a “Lei de Deus” limitava o poder dos governantes (chamados, naquela época, de “Juízes”). Igual posição é entendida por ANDRÉ RAMOS TAVARES (2016) ao inferir que: na antiguidade, os hebreus já possuíam um Estado teocrático limitado pela Torah. Os Juízes (como eram chamados os governantes) tinham que seguir as disposições da Torah (Lei de Deus). É nesse sentido que o autor alemão vê, nesse caso, um prelúdio do Constitucionalismo. Na Grécia, já se fazia a distinção entre as normas fundamentais da sociedade (nomoi) e as meras regras (psefismata). Naquela civilização, a modificação de psefismata poderia ser feita de forma mais simples do que a alteração das normas fundamentais (nomos). Guardadas as devidas proporções, seriam institutos parecidos com a lei ordinária e as emendas constitucionais, atualmente. Também podemos citar, na Antiguidade, a Lei das XII Tábuas, aprovada em Roma, assegurando direitos conquistados pelos plebeus, fixados em leis escritas. Pérez Luño (1995 apud SARLET, 2015a) chama de antecedentes dos direitos fundamentais, os documentos que, de alguma forma, colaboraram para a elaboração das primeiras ideias dos direitos humanos presentes nas declarações do século XVIII, talvez o principal documento a ser referenciado seja a Magna Charta Libertatum, assinada na Inglaterra, em 1215, pelo Rei João Sem-Terra. Cabe ressaltar que esse pacto não passou de mero referencial para as futuras elaborações dos direitos humanos, pois, neste pacto, apenas os nobres receberam prerrogativas, deixando a população em segundo plano, ou seja, na verdade, foi um documento imposto ao Rei pelos barões feudais ingleses. 18 Já Carl Schmitt (1928Apud CAVALCANTE FILHO, 2010) defende que Magna Charta não pode ser considerada a primeira Constituição, pois não era direcionada para todos, mas apenas para a elite formada por barões feudais. Dessa forma, a primeira Constituição propriamente dita seria o Bill of Rights (Inglaterra, 1688/1689), que previa direitos para todos os cidadãos, e não apenas uma classe deles. Assim, em pleno século XVIII, que se pode encontrar a primeira aparição de reais direitos fundamentais, apesar do dissídio levantado INGO WOLFGANG SARLET (2015a) diante da “paternidade” dos direitos fundamentais, que seria disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínea, de 1776, a ConstituiçãoAmericana de 1787 (primeira constituição escrita) e a Declaração Francesa, de 1789, estas declarações seriam os primeiros documentos a representar os direitos fundamentais. Já para PAULO BONAVIDES (2016), é neste sentido que a Revolução Francesa, fixando direitos civis e políticos para que gradativamente fossem alcançados os princípios universais do lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, fora a grande precursora dos direitos fundamentais caracterizados através da posição de resistência ou de oposição frente ao Estado. Para HAMILTON PESSOTA NICOLAO (2010), não tem sustentação defender a existência de direitos fundamentais antes mesmo da existência de um estado social. Percebe-se que apenas com a promulgação das declarações, pode- se identificar a presença do que seria o início dos direitos fundamentais. JOÃO TRINDADE CAVALCANTE FILHO (2010) também entende que há várias correntes que divergem, sobre quando teria se manifestado pela primeira vez a limitação do poder do Estado por meio de uma Constituição ou de algo a ela assemelhado. Atualmente, o movimento constitucionalista passou a lutar por vários outros objetivos (democracia efetiva, desenvolvimento econômico e ambiental, etc.). Mas, mesmo assim, não perdeu de vista a defesa dos direitos fundamentais, que continua sendo uma de suas matérias básicas. 19 UNIDADE 4 – DIGNIDADE E TRABALHO NA FILOSOFIA DO DIREITO A dignidade do trabalho humano é um direito fundamental de segunda dimensão, positivado na Constituição Federal de 1988, ou seja, elemento integrador do projeto constitucional brasileiro como uma norma-princípio fundamentada pelo valor dignidade humana, que representa uma conquista histórica da humanidade (COLNAGO, 2007). Nesse mister, a sua concretização é de fundamental importância para o ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista que a sua recusa constitui grave violação ao projeto constitucional brasileiro. Portanto, a sua concretização deve ser feita com absoluta prevalência sobre as demais normas que regulamentam a relação jurídico-laboral, tendo em vista que o princípio da dignidade do trabalho humano é fundamentado pelo valor: dignidade humana – tutela do respeito à integridade humana nas suas mais diversas e complexas dimensões –, o que propiciará um maior acesso à justiça, em seu sentido integral, ou seja, sinônimo de justiça social (LEITE, 2016), o que demonstra um caráter mais consentâneo com os direitos fundamentais e com o escopo jurídico, político e social do processo. Optamos neste momento por deixar a filosofia nos envolver por completo para que consigamos chegar ao cerne da questão da dignidade humana e suas relações com o trabalho. Se tomarmos emprestado de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA (2004) o significado lato para filosofia, veremos que é um estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade, no sentido de apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade capaz de abranger todas as outras, o Ser (ora ‘realidade suprema’, ora ‘causa primeira’, ora ‘fim último’, ora ‘absoluto’, ‘espírito’, ‘matéria’, etc.), quer pela definição do instrumento capaz de apreender a realidade, o pensamento (as respostas às perguntas: que é a razão? o conhecimento? a consciência? a reflexão? que é explicar? provar? que é uma causa? um 20 fundamento? uma lei? um princípio? etc.), tornando-se o homem tema inevitável de consideração. No entendimento de ELISEU RAPHAEL VENTURI (2011), do qual trazemos a quase totalidade de seu artigo intitulado “Dignidade da pessoa humana,antropologia filosófica e direito positivo”, o significado imediato do termo dignidade (merecimento, valor, nobreza, respeito por si mesmo, amor próprio, decência) aponta sentidos que a palavra dignidade comporta na linguagem comum, e ajuda a se ter uma imagem muito desfocada dos objetos reais em relações humanas e sociais a que se refere e qualifica. A mais precisa definição da dignidade e sua contextualização nos campos do saber é um árduo trabalho, e ética e direito, principalmente, são convocados para esta missão de tornar palpável um conceito tão vibrante, rico e necessário. Dignidade nesse campo é um conceito que envolve valor, apreço, reconhecimento; que aparentemente implica juízo de merecimento a partir de uma conjuntura de situações, e que termina em um reconhecimento universal; mas, mais importante do que isso, um marco civilizatório, uma passagem e irreversível assentamento de mentalidade (VENTURI, 2011). Como estamos no campo do direito, este enquanto ciência e instituição tem o poder de conferir as dimensões de identificação e tutela desta característica humana, que mais do que um qualificativo, consolidou-se enquanto elemento ôntico indeclinável. Tanto assim que, como magistralmente INGO WOLFGANG SARLET (2015b) entende que “o objeto dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais representa um casamento feliz – mas nem por isto imune a crises e tensões”. Do estudo da argumentação empregada pelo autor avulta-se o objetivo reflexivo-filosófico da perquirição do assunto e que culmina nos recortes do direito positivo. Da natureza do problema, pois, tem-se que a antropologia filosófica, tão bem investigada por autores como Bernard Groethyusen (s.d pud PENNA, 2004) e JULÍAN MARÍAS (1971; 1975), apresenta-se enquanto campo de pensamento 21 pertinente para se ver alguns caminhos e significados da experiência humana e, então, formular pontos de contato com a teoria jurídica, donde se pode formular visão de mundo que contribua para a consecução dos fins do ordenamento jurídico enquanto instância protetiva. A antropologia filosófica representa abordagem teórica em que o homem é objeto de um estudo, mas não de um estudo etnográfico ou de uma sociedade especificamente considerada em seus fundamentos e relações, nem tampouco sob o ponto de vista das ciências humanas ou sociais (VENTURI, 2011). Trata-se de um corpo difuso de conhecimentos dispersos nas especulações filosóficas e que, assim, coadunam explicações, inferências e possibilidades cognitivas e interpretativas da vida e da existência humanas. Pode-se afirmar que a antropologia filosófica fornece cenário, ambiente, clima de pré-compreensão favorável ao complexo conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana, e é tendo em vista esta utilidade teórica, da qual podem advir facilidades compreensivas, que se firma a hipótese central da pertinência à cognição jurídica das relações humanas. Progressivamente, portanto, adentra-se aos meandros do direito positivo. Na obra de INGO WOLFGANG SARLET “Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais” (2015b), observamos esta pertinência temática e metodológica quando ele demonstra larga discussão a partir do clássico filósofo alemão Max Scheler, dentre outros. Com forte premissa da antropologia filosófica, o jurista brasileiro estabiliza o conteúdo e o significado da noção de dignidade da pessoa humana tanto no desenrolar do pensamento ocidental quanto em seus delineamentos propriamente jurídico-constitucionais, assim como verifica as características da dignidade da pessoa humana enquanto norma (nas modalidades de princípio e de valor) fundamental no ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, traça pontos de contato dos direitos fundamentais com a dignidade da pessoa humana. Dessa leitura, pode-se estender a discussão para visualizar o quanto a “dignidade da pessoa humana” tem sido conceito aplaudido e atacado; noção a que se tem apegado desmedidamente ou cujo potencial se tem esvaído pela 22 descrença de uma fixação de seu conteúdo mais especializado; locução que se tem barateado de boa ou de má-fé no cotidiano comunicativo (VENTURI, 2011). O erro em se condenar aprioristicamente o princípio, e, ademais, o estado a que anima,de espírito e de disposição para apreender e compreender o mundo e o outro, é o de se prescindir de profunda conquista civilizacional que, se não teve, por ora, o poder de tudo mudar e adequar aos seus mais nobres pressupostos, ao menos (o que já parece suficiente para sua valoração positiva) apresenta imenso potencial para adequar condutas, procedimentos e trocas sociais em face de seu complexo finalístico e protetivo (VENTURI, 2011). O reconhecimento, a defesa e a séria adesão ao “princípio da dignidade da pessoa humana” em muito têm a contribuir com o desenho da realidade por meio dos eixos ínsitos ao parâmetro, eis que a locução comporta uma série de significados coerentes entre si enquanto percepção de mundo: pressupostos cognitivos e disposição de atitudes. ELISEU RAPHAEL VENTURI (2011) analisa e reflete de maneira bem clara e suave que cada pessoa que se desenvolve e, ao longo da existência própria escreve sua vida, não começa com um destino predeterminado. Nenhum homem nasce esmiuçado em manual e, por isso mesmo, é homem. As pessoas não têm um conceito claro de si mesmas, não são um texto encerrado e definitivo e, nem por isso, perdem a crença em suas vidas. E nem por isso os conteúdos de suas definições são arbitrários ou inválidos por não apresentarem uma clareza instantânea. Os laços mais profundos de tradição social, de constituição da personalidade, de domínio linguístico, permitem às pessoas a identificação de indícios dos conteúdos que lhes são coerentes, acessíveis, realizáveis. Além dessas diretrizes, o caminho se perfaz com surpresas, com acasos, com entrechoques típicos dos sistemas complexos. Mesmo assim, as pessoas não perdem a fé, a crença, e a disposição para suas vidas – na maior parte das vezes; aliás, esse lapso de incerteza pode servir mesmo como motivação, como expectativa, como sabor da vida. 23 O mesmo raciocínio vale para a dignidade da pessoa humana. Se o seu conteúdo não é abarcável em um conceito reproduzível em duas ou três linhas, se o seu uso semântico pode ser apontado como instável, se quiser discorrer sobre as maravilhas e as atrocidades cometidas sob o seu pálio de forma linguística aberta; fato é que – se as palavras podem assumir imensa polissemia, e as locuções ainda mais, quando qualificadas – nem por isso se necessitará dispensar a forma, eis que ela só tem sido um instrumento de muitos usos. O trabalho de contemporaneizar essa grande forma da “dignidade da pessoa humana”, apontando-a para as necessidades e demandas de hoje, os pleitos sociais e tudo aquilo que exige do direito um posicionamento e uma ação; tudo isso tem a ganhar por meio do respeito pela expressão como guia e rumo de uma busca incessante por quais os significados que se podem encaixar e entender de modo relacional na expressão (donde o campo magnético da dignidade alinha as limalhas dos instrumentos jurídicos de mais alto status ético) (VENTURI, 2011). As conquistas e resultados do trabalho da historiografia, as experiências sociais e pessoais, as obras de arte, os preceitos jurídicos, todo o trabalho transdisciplinar voltado às manifestações multiculturais humanas podem apontar os anseios e os sentidos das experiências humanas. E se a via positiva acima proposta não for suficiente, o recurso à negativa poderá ser fonte útil de questionamentos. Despir-se das máscaras sociais recebidas e das conquistadas, livrar-se do verniz das relações sociais e das expectativas e desejo de status e encarar-se enquanto ser humano “nu no mundo” podem ajudar a vislumbrar o que poderia ser a “dignidade” justamente pelo seu mais imediato contrário de “indignidade”, de falta, de ausência, de vácuo material. A despeito dessa tentativa de imaginação de privações — a qual a imaginação é débil para alcançar — ainda assim, nesse exercício, subsistirá, no fundo, a consciência de que ao fim se “voltará para casa”; suspender esta consciência por um instante pode dar a dimensão do drama (VENTURI, 2011). 24 Embora o questionamento que se queira desvendar seja como o direito pode, deve e é capaz de solucionar a dor e sofrimento cotidianos e que passa pela necessidade de superação do individualismo humano exacerbado não é fácil! A miséria humana está à nossa frente, em qualquer esquina por onde passamos, ela nos envergonha sim, mesmo que cada um só reflita sobre ela na sua solidão, mas felizmente existe a esperança de que o Direito e seus operadores, orientados pela Constituição, possam reduzir seus danos. O apego social, da sociedade civil, acompanhado do apreço dos operadores à axiologia constitucional e à internalização da ponderação dos bens constitucionais, avolumados pelos preceitos da supraconstitucionalidade na proteção dos direitos humanos, como meio de acesso ao problema do homem que redunda nas relações jurídicas, são meios necessários para se contemporizar e contemporaneizar tantas situações de perplexidade, oriundas das violações dos mais basilares princípios e direitos (MAZZUOLI; GOMES, 2010). Como diz PETER HÄRBELE (2003), a proteção e respeitabilidade do indivíduo, não fazem parte somente da tutela do ordenamento jurídico dos Estados Nacionais, como também de uma tutela mais ampla, a cosmopolita, ou seja, de todo ordenamento jurídico mundial, manifestado nas normas de direito internacional. 25 UNIDADE 5 – INTRODUÇÃO AO DIREITO SOCIAL É no contexto da Revolução Industrial que podemos dizer, nascem os direitos sociais, uma vez que as transformações desse período, muito além de trazerem benefícios econômicos, sacrificou os trabalhadores que já se encontravam à margem da sociedade. Eles precisavam ser positivados e como conta PAULO BONAVIDES (2016), [....] eles passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram sua eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre resgatáveis por exiguidade, carência ou limitação essencial de recursos. Os direitos sociais foram descritos e positivados internacionalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, corroborando com isso, para a efetivação do Estado Democrático de Direito, onde o Estado não defende e nem assegura apenas o direito de poucos. A sua representatividade se dá pela maioria, é a vontade do povo que se faz soberana. Foi a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que “o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto mais alto do século XX. Trata-se de um documento de convergência e ao mesmo passo de uma síntese” (BONAVIDES, 2016). O reconhecimento da fundamentalidade dos direitos sociais é de importância essencial na sua consolidação, pois a aplicação das características peculiares aos direitos fundamentais proporciona um aumento efetivo de seu grau de exigibilidade. Deve-se deixar de lado, o posicionamento doutrinário que aplica a nomenclatura “direitos sociais fundamentais”, ou seja, restando a fundamentalidade a uma parte dos referidos direitos, pois, o correto é considerar a utilização da seguinte nomenclatura: “direitos fundamentais sociais”, já que esses direitos são reconhecidamente espécies de direitos fundamentais (MACEDO; SILVA, 2009). Isto posto, como todo direito fundamental, os direitos sociais na sua concretização devem ter como parâmetro os princípios da proporcionalidade e 26 da razoabilidade. Deve ser maximizado o mínimo existencial, como forma de garantir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando ao cidadão a prestação essencial para a exaltação da justiça social, buscando diminuir a desigualdade entre os indivíduos. E em relação à reserva do possível, não poderá o Estado sob a alegação de insuficiência de verba, se eximir sempre da realização das suas atividades, em especial, da efetivação dosdireitos sociais, inclusive, os de natureza prestacional. Caberá ao Poder Público, provar que inexiste orçamento para o cumprimento do seu dever (ARAÚJO, 2009). Os direitos sociais, normas que buscam a afirmação da igualdade material, representam uma garantia do equilíbrio social com o respeito à prestação de condições materiais necessárias para o perfeito cumprimento e concretização da dignidade da pessoa humana. Privar o cidadão de seus direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição é retirar-lhes a dignidade, excluindo assim, por conseguinte, sua condição de ser humano (MACEDO; SILVA, 2009). Após essa fase inicial de reconhecimento desses direitos, que falamos na introdução da unidade, se fez necessária a sua positivação, como forma de alcançar força e possibilitar sua exigibilidade perante o ente estatal. E essa foi a tendência durante o século XX. As normas que definem os direitos sociais foram primeiramente previstas nas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar, de 1919, que, por representarem uma verdadeira revolução no campo dos direitos humanos, tornaram-se verdadeiros marcos na positivação desses direitos (MEIRELES, 2008). A Declaração Universal, já aprovada pelos franceses, ganha status internacional, com sua aprovação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, o que para NORBERTO BOBBIO (2004, p. 50) foi “a única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso geral acerca de sua validade”. 27 Além disso, esses direitos foram disciplinados em uma norma específica: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, documento adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966. O Pacto apresenta um rol extenso de direitos, indo além da Declaração Universal. O referido diploma internacional foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992. Um ponto de bastante importância a ser destacado é a forma como foi criado o referido Pacto Internacional. Conforme discorrido pela doutrina especializada, a ideia original seria a criação de um único pacto internacional que tratasse tanto dos Direitos Civis e Políticos (direitos de primeira dimensão) como dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (direitos de segunda dimensão). Mas em relação a essa ideia original houve grande divergência entre os países signatários. De um lado, a União Soviética e os países a ela alinhados, defendiam a criação de um único pacto, mas que contemplasse os direitos sociais e de outro, os EUA e seus aliados, que defendiam a criação de dois pactos com o argumento de que os direitos civis e políticos eram de aplicação imediata e os direitos econômicos, sociais e culturais eram programáticos e se aplicariam progressivamente e, portanto, os primeiros (direitos civis e políticos) podiam ser obrigatórios e se exigir dos países e os segundos (direitos econômicos, sociais e culturais) não poderiam ter um controle tão rígido. Inclusive, os EUA defendiam que, para os direitos civis e políticos deveria ser criado logo um organismo de fiscalização, quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais, estes seriam realizados paulatinamente através de cooperações internacionais (BARBOSA, 2003). Por fim, a formulação original (um único pacto internacional) foi impedida, criando-se assim dois diplomas distintos: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. GEORGE MARMELSTEIN (2014) define o conteúdo dos direitos sociais dizendo que estes 28 [...] impõem diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício de liberdade. Em contraposição aos direitos de primeira dimensão que dependem, em regra, do não agir estatal, o reconhecimento dos direitos de segunda dimensão – especificamente os sociais – tem um grau de complexidade elevado quanto a sua efetivação, pois, necessitam basicamente da atuação positiva do Poder Público. É nesse sentido, que JOSÉ AFONSO DA SILVA (2016) aduz que: [...] os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. Pode-se perceber que o conteúdo das normas definidoras de direitos sociais privilegia a igualdade material, ao considerá-la condição essencial para o exercício pleno de outros direitos. PAULO BONAVIDES (2016) reforça essa ideia afirmando que os direitos sociais “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”. Analisando a dicotomia existente entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, GILMAR FERREIRA MENDES e PAULO GUSTAVO GONET GOMES (2016) enfatizam que: [...] diversamente dos abstratos direitos de primeira geração, os direitos ditos sociais são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualdades, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade. Como todo direito fundamental, os direitos sociais possuem um conteúdo essencial de direitos inerentes à dignidade da pessoa humana (fundamentalidade material), tendo-a como núcleo básico. São 29 indubitavelmente meios para a proteção e a efetivação concreta do princípio da dignidade da pessoa humana. Esses direitos possuem o objetivo de impor diretrizes, deveres e tarefas a serem realizadas pelo Estado, no intuito de possibilitar aos seres humanos uma melhor qualidade de vida e um nível razoável de dignidade como pressuposto do próprio exercício da liberdade. Pode-se considerá-los como pressupostos dos direitos fundamentais, pois eles andam estreitamente associados a um conjunto de condições materiais necessárias para o perfeito exercício de outros direitos. INGO WOLFGANG SARLET (2015a) salienta que a nota distintiva destes direitos é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de Celso Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social”. Não se cuida mais, portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado. Os direitos sociais constituem condições imprescindíveis para o efetivo exercício de qualquer outro direito fundamental. Essas normas jurídicas estabelecem pressupostos necessários para a integralidade do exercício de outros direitos, mostrando-se como normas basilares ao Estado Democrático de Direito. Representam, pois, pressupostos para o exercício pleno dos direitos de liberdade, tendo em vista que, possibilitam a criação de condições materiais para a obtenção da igualdade real (material), proporcionando assim a concretização do exercício efetivo da liberdade (SILVA, 2006). A igualdade meramente formal, de caráter puramente negativo, tem o condão de gerar diversos tipos de desigualdades, pois a mesma não sopesa nem diferencia situações diferentes que precisam ser equilibradas, ou seja, não leva em consideração as distinções existentes entre os seus destinatários. Igualdade material deve ser compreendida como aquela que prioriza o tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, e quando 30 preciso, fundamentadamente, realiza as diferenciações necessárias para contrabalancear situações desequilibradas (MACEDO; SILVA,2009). O Brasil acompanhou a tendência mundial em relação ao prestígio reservado aos direitos fundamentais após a Segunda Guerra. A Constituição Federal de 1988 simboliza essa novidade, desde o seu preâmbulo o texto constitucional traz que, a finalidade desta República é a instituição do Estado Democrático de Direito. São elencados também, os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (arts. 1º ao 4º) e os direitos e garantias fundamentais (arts. 5º ao 17). Deve-se ressaltar que grande parte dos direitos sociais positivados em nossa Constituição está previsto no art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. No texto constitucional brasileiro, ainda é previsto um título específico que trata da Ordem Social (Título VIII), onde estão elencados, por exemplo, os direitos sociais relativos à saúde, previdência social, assistência social, educação entre outros. Características dos Direitos Fundamentais Sociais Macedo e Silva (2009) bem nos lembram que os direitos fundamentais padecem de características específicas, peculiaridades de tais direitos que lhe são associadas com mais frequência, como forma de demonstrar que as mesmas agregadas aos direitos sociais representariam um aumento superlativo da sua proteção e eficácia. Como exemplos de características típicas dos direitos fundamentais, podemos citar: historicidade, normatividade potencializada; irrevogabilidade (cláusula pétrea); aplicação direta e imediata; vinculação dos poderes públicos e exigibilidade/dimensão subjetiva e objetiva. 31 a) Historicidade Inicialmente vê-se que os direitos fundamentais não têm seu conteúdo predeterminado a todo tempo e em todo lugar, visto que, a sua definição será determinada de acordo com o momento pelo qual a sociedade destinatária encontra- se. Dessa forma, podemos afirmar que o conteúdo dos direitos fundamentais somente faz sentido num determinado contexto histórico, que o definirá (MACEDO; SILVA, 2009). O caráter da historicidade, ainda, explica que os direitos possam ser proclamados em certa época, desaparecendo em outras, ou que se modifiquem no tempo. Revela-se, desse modo, a índole evolutiva dos direitos fundamentais. Essa evolução é impulsionada pelas lutas em defesa de novas liberdades em face de poderes antigos – já que os direitos fundamentais costumam ir-se afirmando gradualmente – em face das novas feições assumidas pelo poder (MENDES; BRANCO, 2016). Ainda sobre essa característica, JOSE AFONSO DA SILVA (2016) ressalta que, “nascem, modificam-se e desaparecem. Eles aparecem com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se, com o decorrer dos tempos”. Em relação à dimensão prática da historicidade temos uma ilustração de interesse prático do aspecto da historicidade dos direitos fundamentais, dada pela evolução que se observa no direito a não receber pena de caráter perpétuo. [...] Esse direito, que antes de 1998 se circunscrevia à esfera das reprimendas penais, passou a ser também a ser aplicável a outras espécies de sanções. Em fins de 1998, o STF, confirmando o acórdão do STJ, estendeu a garantia ao âmbito das sanções administrativas (MENDES; BRANCO, 2016). b) Normatividade potencializada Os direitos fundamentais possuem uma efetiva força jurídica e não apenas moral, simbólica ou política. São normas jurídicas diferenciadas, visto que apresentam um poder normativo potencializado. E a força jurídica é tida como potencializada por se tratar de norma de hierarquia superior, tanto por ter 32 status de norma constitucional quanto pela sua importância axiológica (conteúdo material do direito). Para GEORGE MARMELSTEIN (2014), o reconhecimento da força normativa potencializada dos direitos fundamentais ocasiona algumas mudanças de paradigma na aplicação do direito, por exemplo: i) aceitação da possibilidade de concretização judicial de direitos fundamentais, independentemente de integração normativa formal por parte do Poder Legislativo, como consequência do aumento da força normativa da Constituição, da aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais e do reconhecimento da importância do Judiciário na função de guardião dos valores constitucionais; ii) redimensionamento da fonte de direitos subjetivos das leis para os direitos fundamentais (“não são os direitos fundamentais que devem girar em torno das leis, mas as leis que devem girar em torno dos direitos fundamentais”), já que o conteúdo das normas constitucionais não pode ficar restrito à vontade parlamentar, e toda a interpretação legal deverá se guiar pelos mandamentos traçados na Constituição; iii) reformulação da doutrina da separação entre os poderes, em face da “solução de compromisso” que todos agentes devem assumir na concretização dos direitos fundamentais, reconhecendo-se um papel mais atuante do Judiciário na efetivação das normas constitucionais, através da jurisdição constitucional. Percebe-se então que, a normatização potencializada aplicada aos direitos fundamentais sociais, representa um importante instrumento de exaltação e concretização dos mesmos. c) Irrevogabilidade A característica da irrevogabilidade está diretamente ligada à ideia de se considerar os direitos fundamentais como cláusulas pétreas, ou seja, normas jurídicas que não podem ser objeto de alterações tendentes a serem eliminadas. A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 60, § 4º, inc. IV, que não podem ser objeto de deliberação as propostas de emenda constitucional tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. Desse 33 modo, o constituinte originário ao estabelecer os direitos fundamentais como cláusula pétrea (visto que, os mesmos encontram-se no título reservado aos direitos e garantias individuais) pretendeu criar uma barreira de proteção, de tal forma que nem mesmo por emenda à Constituição poderia revogar um determinado direito fundamental (MACEDO; SILVA, 2009). As cláusulas pétreas, portanto, além de assegurarem a imutabilidade de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essência inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pétrea já é enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela (MENDES; BRANCO, 2016. O significado último das cláusulas de imutabilidade está em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe somente para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro. A característica da imutabilidade dos direitos fundamentais sociais representa uma maior segurança para a efetividade e integralidade dos mesmos, pois o seu caráter de ser inalterável possibilidade uma liberdade para praticá-lo sem receio de ter o seu exercício comprometido (MACEDO; SILVA, 2009). d) Aplicação direta e imediata O art. 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988, determina que: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. A cláusula da aplicação imediata é a consagração expressa do princípio da máxima efetividade, que é inerente a todas as normas constitucionais, especialmente as definidoras de direitos fundamentais. Ela é o reconhecimento formal por parte do constituinte de que os direitos fundamentais têm uma força jurídica especial e potencializada (MACEDO; SILVA, 2009). 34 Apesar de o dispositivo ter caráter principiológico, tal norma deverá ser interpretadade acordo com a necessidade do caso concreto, lembrando que, deve ser respeitado em primazia os interesses do cidadão, dessa forma, o agente ou o legislador deverá atuar de maneira tal que assegure a força normativa do dispositivo constitucional, sendo guiado pelos princípios norteadores do texto da Constituição. Com isso, não deve ser afastada a eficácia do disposto no artigo, posto que, é essencial para a concretização dos direitos fundamentais a plena aplicabilidade do que dispõe a redação do § 1º do art. 5º. Como determina INGO WOLFGANG SARLET (2015a), as normas tidas como programáticas, são “uma espécie de mandado de otimização (ou maximização), isto é, estabelecendo aos órgãos estatais a tarefa de reconhecerem a maior eficácia possível aos direitos fundamentais”. Prosseguindo no seu raciocínio: Percebe-se, desde logo, que o postulado da aplicabilidade imediata não poderá resolver-se, a exemplo do que ocorre com as regras jurídicas (e nisto reside uma de suas diferenças essenciais relativamente às normas- princípio), de acordo com a lógica do tudo ou nada, razão pela qual o seu alcance (isto é, o quantum em aplicabilidade e eficácia) dependerá do exame da hipótese em concreto, isto é, da norma de direito fundamental em pauta (SARLET, 2015a). Pode-se entender que os juízes podem e devem aplicar diretamente as normas constitucionais para resolver os casos sob a sua apreciação. Não sendo necessário que o legislador discipline um direito já estabelecido constitucionalmente para só assim, ele ser aplicável. Atribuir aplicação direta e imediata aos direitos fundamentais sociais representa um grande passo para a concretização dos mesmos. Mas persiste o entendimento que essa característica não pode ser aplicada sempre a todo direito fundamental. Há normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis. Carecem da interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. As normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social, usualmente, têm a sua plena eficácia 35 condicionada a uma complementação pelo legislador (MENDES; BRANCO, 2016). Para ANA CRISTINA COSTA MEIRELES (2008, p. 236), [...] as normas de direitos sociais fundamentais – programáticas ou não – têm, sim, aplicação direta e imediata na forma preconizada pelo § 1º do art. 5º da Constituição Federal, gerando diversas posições jurídicas para os administrados. Conforme assevera o artigo transcrito anteriormente, tal obrigação independerá de normas posteriores de regulamentação. Se o direito somente pudesse ser efetivado quando o legislador regulamentasse o seu exercício, ocorreria uma verdadeira inversão de autoridade, na qual o poder constituído teria mais poderes do que o próprio poder constituinte (MARMELSTEIN, 2014). e) Vinculação dos poderes públicos O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição tem como consequência torná-los e de limitação dos poderes constituídos. As normas constitucionais consagradoras dos direitos fundamentais sociais implicam em uma verdadeira imposição constitucional, legitimando-se as transformações sociais e econômicas com finalidade de efetivação desses direitos. A vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais significa mais do que uma mera característica programática e dispensável, pois sua finalidade está em justamente limitar e ordenar a atuação dos poderes públicos para que tenha como objetivo o respeito e a concretização dos direitos fundamentais (MACEDO; SILVA, 2009). Sobre a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais: A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos– dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário –, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. Nenhum desses poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior. Os atos dos poderes 36 constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem (MENDES; BRANCO, 2016). f) Exigibilidade/dimensão subjetiva e objetiva Os direitos fundamentais, por serem normas jurídicas dotadas de normatividade potencializada e com um alto teor de juridicidade, já que possuem status constitucional, são direitos exigíveis, ou seja, podem ter sua aplicação forçada, através do Poder Judiciário, mesmo na ausência de regulamentação por parte do Poder Legislativo. A exigibilidade de um direito fundamental é decorrente da sua força normativa potencializada e de sua aplicação direta e imediata. A exigibilidade de um direito fundamental está ligada à ideia da existência de uma dimensão subjetiva desse direito, ou seja, a possibilidade de emanação de direitos subjetivos exigíveis e justificáveis. Sobre a característica da exigibilidade dos direitos fundamentais, GEORGE MARMELSTEIN (2014) diz que: Os direitos fundamentais, por serem normas jurídicas, são direitos exigíveis e justiciáveis, ou seja, podem ter sua aplicação forçada através do Poder Judiciário. É o que os constitucionalistas chamam de “dimensão subjetiva”, expressão que simboliza a possibilidade de os direitos fundamentais gerarem pretensões subjetivas para os seus titulares, reivindicáveis na via judicial. Assim, caso o Poder Público deixe de cumprir com os deveres de respeito, proteção e promoção a que está obrigado, poderá ser compelido a fazê-lo forçadamente por força de um processo judicial. Como decorrência da justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais, surge o chamado princípio da inafastabilidade da tutela judicial. De fato, sem Poder Judiciário não há direitos fundamentais. Sobre a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais sociais, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO (2001) assevera que resulta da consagração constitucional desses direitos como direitos fundamentais dos cidadãos e não apenas como direito objetivo expressos através de normas programáticas ou imposições constitucionais (direitos originários de prestações); da radiação 37 subjetiva de direitos através da criação por lei de prestações, instituições e garantias necessárias à concretização dos direitos constitucionalmente reconhecidos [...] que justificam o direito de judicialmente ser reclamada a manutenção do nível de realização e de se proibir qualquer tentativa de retrocesso social. Conforme posicionamento doutrinário, a exigibilidade judicial dos direitos econômicos sociais, como decorrência da sua dimensão subjetiva, estaria restrita pela questão do mínimo existencial e à reserva do possível. Em relação às dimensões dos direitos fundamentais, GEORGE MARMELSTEIN (2014) ressalta que: A doutrina constitucional tem reconhecido que os direitos fundamentais possuem dupla dimensão: a subjetiva e a objetiva. De um lado, os direitos fundamentais, na sua dimensão subjetiva, funcionariam como fonte de direitos subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua realização através do Poder Judiciário. De outro lado, na sua dimensão objetiva, esses direitos funcionariam como um “sistema de valores” capaz de legitimar todo o ordenamento, exigindo que toda a interpretação jurídica leve em consideração a força axiológica que deles decorre. Mais adiante veremos essas dimensões em detalhes. UNIDADE 6 – AS FUNÇÕES E AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A multiplicidade de funções dos Direitos Fundamentais leva a que a sua própria estrutura não seja unívoca e propicie algumas classificações úteis para a compreensão do conteúdo e da eficácia de cada um deles. Uma sistematização clássica é a dos quatro status (Jellinek), bem como a que classifica os Direitos Fundamentais em direitos de defesa e direitos à prestação. Sob outro ângulo, no estudo das funções dos DireitosFundamentais devem ser analisadas suas dimensões subjetiva e objetiva. A teoria dos quatro status proposta por Jellinek é trabalhada por alguns estudiosos como LUIZ ANTONIO ARAÚJO DE SOUZA (2006) e EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO (2009) 38 Na teoria dos quatro status, há uma pressuposição de que o indivíduo pode encontrar-se de quatro modos, diante do Estado, disso derivando direitos e deveres diferenciados. O status subjectionis ou status passivo, revela a posição de subordinação, onde o indivíduo se obriga em face do Estado, tendo esta competência para vincular comportamentos por meio de mandamentos e proibições (ARAÚJO, 2009). O status passivo é a posição de subordinação aos poderes públicos, caracterizando-se como detentor de deveres para com o Estado, tendo competência para vincular o indivíduo, através de mandamentos e proibições (SOUZA, 2006). Ocorre o status negativo quando o ter personalidade exige o desfrute de um espaço de liberdade com relação às ingerências do Poder Público. O homem deve gozar de algum âmbito de ação desvencilhado do império do Estado, posto que a autoridade é exercida sobre homens livres (ARAÚJO, 2009). [...] faz-se necessário que o Estado não se intrometa na autodeterminação do indivíduo (SOUZA, 2006). Verifica-se o status civitatis no direito de exigir do Estado uma atuação positiva, preordenada à realização de uma prestação. Aqui, o indivíduo se vê com a capacidade de pretender que o Estado atue em seu favor (ARAÚJO, 2009; SOUZA, 2006). Por fim, no status ativo, o indivíduo desfruta de competência para influir sobre a formação da vontade do Estado (ex.: voto), como nos direitos políticos. Tomando como base a teoria dos quatro status, depuram-se os três grupos de Direitos Fundamentais mais destacados, quais sejam, os direitos de defesa (direitos de liberdade), os direitos a prestações (direitos cívicos) e os direitos de participação (observe que o status subjectionis identifica deveres do indivíduo). Segundo EUGÊNIO ROSA DE ARAÚJO (2009), os direitos de defesa caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não interferência, de não intromissão no espaço de autodeterminação do indivíduo. 39 Tais direitos objetivam a limitação da ação do Estado, evitam sua ingerência sobre os bens protegidos (ex.: liberdade, propriedade, etc.) e fundamentam eventual pretensão de reparo pelas agressões consumadas. Em nosso ordenamento constitucional os direitos de defesa estão em grande parte contidos no art. 5º da Constituição, a saber: inciso II (legalidade), inciso III (proibição de tortura), inciso IV (liberdade de manifestação do pensamento), inciso VI (liberdade de culto), inciso IX (liberdade de expressão artística), inciso X (proteção da intimidade), inciso XII (proteção ao sigilo das comunicações), inciso XIII (liberdade de profissão), inciso XV (liberdade de locomoção), inciso XVII (liberdade de associação) e inciso XLVII, b (proibição de penas de caráter perpétuo). Ressalte-se que há quem entenda que o direito à igualdade impróprias – coloca-se entre os direitos de normas de competência negativa para o Estado; Dentre os desdobramentos da função de defesa dos direitos fundamentais, podemos citar: a vedação de interferência do Estado no âmbito de liberdades dos indivíduos o Estado não pode embaraçar o exercício de liberdade do indivíduo, material ou juridicamente; é vedada ao Estado a criação de censura prévia para manifestações artísticas; de igual forma, o impedimento à formação de religiões; há proibição da instituição de requisitos exagerados para o exercício de uma profissão. Os direitos de defesa também protegem os bens jurídicos contra ações do Estado. Em vista do direito à vida, o Estado não pode assumir comportamentos que afetem a existência do ser humano. Em face do direito de privacidade, o Estado não pode divulgar certos dados pessoais dos seus cidadãos. O direito de defesa, nesse passo, ganha forma de direito à não afetação dos bens protegidos. O aspecto de defesa dos direitos fundamentais pode ainda se expressar pela pretensão de que não sejam suprimidas certas posições jurídicas. Aqui o 40 direito fundamental assume conteúdo preordenado a que o Estado não derrogue determinados preceitos. O Direito Fundamental produz um efeito inibidor a que o Estado elimine posições jurídicas concretas, como, por exemplo, no caso em que se extinga o direito de propriedade de quem adquiriu certo bem segundo o ordenamento em vigor. O direito de defesa também poderá atuar como proibição a que o Estado suprima posições jurídicas em abstrato, como a possibilidade de transmitir a propriedade de determinados bens. O direito de reunião, por exemplo, implica no direito de não se reunir – veja- se que o art. 5º, XX, deixa expresso que ninguém é obrigado a se associar ou manter-se associado. No contexto dos direitos de defesa, a liberdade contém uma nota específica: o traço típico da liberdade é a disponibilidade de alternativa de comportamento, a possibilidade de escolher uma conduta. O direito à vida não é uma liberdade, posto que seu titular não tem o direito de viver ou morrer. Ele tem natureza defensiva contra o Estado. No caso da liberdade de profissão a própria escolha da carreira ou ofício fica assegurada (ARAÚJO, 2009). Enquanto os direitos de abstenção visam assegurar o status quo do indivíduo, os direitos à prestação exigem que o Estado atue para corrigir desigualdades, moldando o futuro da sociedade. Tais direitos à prestação partem da premissa de que o Estado deve agir para libertar os indivíduos das necessidades básicas e figuram entre os direitos de promoção. São direitos que se realizam por intermédio do Estado e surgem da necessidade de se estabelecer uma igualdade efetiva, solidária e fraterna entre todos os membros da comunidade. Se os direitos de defesa asseguram liberdades, os direitos à prestação asseguram o desfrute das condições materiais para o exercício dessas liberdades (obrigações de fazer ou de dar). Neste caso, a ação do Estado imposta pelo direito à prestação, pode referir- se tanto a uma prestação material, quanto a uma prestação jurídica. 41 Direitos à prestação jurídica Existem direitos fundamentais cujo objeto se esgota na satisfação, pelo Estado, de uma prestação de natureza jurídica. O objeto do direito será a normação (regulamentação) pelo Estado do bem jurídico protegido como direito fundamental. Essa prestação jurídica pode consistir na emissão de normas jurídicas penais ou de normas de organização e de procedimento. A Constituição, por vezes, estabelece diretamente ao Estado a obrigação de legislar para coibir práticas atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI), o racismo (art. 52, XLII) ou a tortura e o terrorismo (art. 5º, XLIII). Para além disso, há Direitos Fundamentais que dependem, essencialmente, de normas infraconstitucionais para ganhar pleno sentido. Há direitos que se condicionam a outras normas que definirão o modo do seu exercício e até mesmo o alcance do seu significado. Existem, portanto, direitos fundamentais que necessitam de criação por via de lei de estruturas organizacionais (ex.: Defensoria Pública), para que se tornem efetivos. Tais direitos podem reivindicar a adoção de medidas normativas que permitam aos indivíduos o desfrute efetivo da organização e a participação nos procedimentos estabelecidos (ARAÚJO, 2009). Direitos a prestações materiais Os direitos à prestação material são tidos como os direitos sociais por excelência – concebidos para atenuar desigualdades de fato na sociedade e para ensejar que a libertação das necessidades aproveite ao gozo da liberdade efetiva por um maior número de indivíduos. O seu objeto consiste numa utilidade concreta (bem ou serviço) (SOUZA, 2006). São
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