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TCC - A Literatura como mecanismo de transformação social e sua relação com o Tropicalismo Musical - corrigido

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A Literatura como mecanismo de transformação social e sua relação com o Tropicalismo Musical
Rosilene Gomes Custódio  
Marcia Pereira da Veiga Bucheb
RESUMO
O presente estudo realiza uma análise da Literatura como um agente de transformação social através do Tropicalismo Musical, entendendo que este movimento foi responsável por uma das maiores rupturas musicais e literárias já feitas na história o Brasil. Portanto, a presente investigação tem por objetivo conceituar historicamente o movimento Tropicalista, entender os mecanismos utilizados para a transformação social e conceitualização das mudanças que ficaram como herança após esse período. Para tanto, foram utilizadas referências baseadas em livros e periódicos que respaldaram adequadamente a fundamentação do tema proposto. Este estudo é uma revisão de literatura de caráter qualitativo. O que se conclui é que a Tropicália, através de todas as suas singularidades, foi um marco histórico, literário e social na história do Brasil.
Palavras-Chave: Literatura; Transformação Social; Tropicalismo Musical.
1 INTRODUÇÃO
Não é de hoje que se sabe que o período do regime militar no Brasil (1964 - 1985) foi um dos mais sombrios da história do país. Não é novidade, também, que a censura, além da tortura, foi uma das práticas mais evidentes dessa época, causando sérias consequências às mais variadas esferas da vida humana (REZENDE, 2013). Uma das áreas que foi afetada significativamente por esse período e suas respectivas imposições foi a Literatura.
Houve vários artistas que lutaram, de diferentes formas, contra quaisquer tipos de censura, tendo que mudar a forma como produziam suas obras, a fim de passarem a mensagem desejada adiante sem serem tachados como contrários ao regime, já que esta posição oferecia grande risco ao próprio autor e às pessoas próximas a ele. Sendo assim, é compreensível que as produções dessa época tenham um caráter ambíguo, onde cada autor deixa nas entrelinhas o sentido que quer transpassar, sem ser literal ao fazer na hora de consolidar cada produção artística. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
O Tropicalismo se caracteriza por ser um movimento que emergiu em meio a esse período de regime militar e que, além disso, inovou em vários aspectos da arte brasileira, mesclando diferentes influências artísticas e inovando radicalmente no modo como se produzia música, artes plásticas, cinema e teatro. Este movimento teve forte interferência durante a época vigente tendo como característica essencial as produções subliminares que levavam o público a associar ideias e, enfim, compreender o sentido que as produções traziam. No presente estudo, será dada ênfase às produções musicais deste período.
É importante escrever sobre essa temática à medida que se nota uma baixa quantidade de produções literárias a respeito desse período da Literatura Brasileira, sendo pouco enaltecida a forma como os autores dessa época superaram a censura e continuaram a produzir letras de músicas e poemas durante essa fase tão turbulenta. O enfoque central, portanto, é a análise dos mecanismos utilizados pelos autores para as suas respectivas produções. Além da transformação que a sociedade como um todo sofreu em virtude da persistência de cada um deles em continuar a criação de obras que levavam valores e mensagens adiante, mesmo quando sofriam o risco de serem censurados. Para mais, a questão central que norteia o presente estudo visa revelar a forma que a literatura, sutilmente descaracterizada e se manifestando através da música, foi um instrumento de transformação social no país inteiro.
Para a produção dessa revisão de literatura, foram utilizados como referenciais teóricos alguns artigos, livros e as próprias produções da época, de modo a deixar a análise mais rica. Ademais, a revisão foi elaborada nos moldes de uma pesquisa qualitativa.
Os objetivos, portanto, são: apresentar alguns aspectos históricos do movimento tropicalista e identificar os personagens responsáveis por esse movimento, identificar determinados mecanismos utilizados pelos autores das obras e analisar de que forma a sociedade como um todo foi afetada pelas produções musicais - e por que não literárias - desse período.
2 DESENVOLVIMENTO
2. 1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO MOVIMENTO TROPICALISTA
O movimento Tropicalista, denominado dessa forma, teve seu início no ano de 1968 através de ações inovadoras, especialmente no cenário musical, trazidas por Caetano Veloso e Gilberto Gil a partir dos Festivais de Música Popular Brasileira da TV Record. Este movimento representou uma ruptura com os modelos de arte até então aplicados pela indústria cultural brasileira. Por conseguinte, a Tropicália pode ser identificada como o movimento que trouxe aspectos positivos em meio ao caos instaurado pelo golpe militar de 1964. Isto é, em meio à censura e aos mais variados empecilhos impostos pelo governo em questão, foram realizadas produções que atravessavam qualquer tipo de baliza dentro das produções culturais e se estabeleciam como verdadeiros marcos da cultura no âmbito nacional. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
A Tropicália, em seu sentido mais amplo, visou descentralizar o modo como a arte era vista, dando maior autonomia às produções genuinamente brasileiras através das livres associações, da utilização de elementos eletrônicos e encenações, misturando-os até perderem a identidade e, a partir de então, criticando os mais variados gêneros de arte que estavam em cena, os quais apenas uma pequena parcela da população tinha acesso. Foi um movimento pautado na crítica, tanto em relação à própria arte quanto ao sistema da época. (FAVARETTO, 2000)
Há quem diga que o movimento Tropicalista foi um marco da história brasileira do ponto de vista da crítica cultural, tendo parte do seu “legado” baseada na criticidade. Além disso, é lembrado, também, pela inovação implantada na estética e no comportamento artístico, no sentido de que esse movimento trouxe atualização, avanço e progresso na arte como um todo, massificando, literalmente, o acesso aos diversos tipos de manifestações artísticas. (CAMPOS, 2005)
A ambivalência do movimento, baseada nas obras de grandes artistas, como Caetano Veloso e Hélio Oiticica, é nítida. Quer dizer, por um lado há uma afirmação de que o Brasil não superou, historicamente, os acontecimentos passados - escravidão, exploração da colônia, era Vargas - provocando certa desconfiança no público em geral em relação aos discursos nacionalistas vigentes à época, consolidando o país como um perfeito absurdo contraditório, desatualizado e pouco reversível. Por outro lado, através da combinação dos diversos elementos artísticos, tanto da cultura local quanto externos e está, a Tropicália enuncia contradições do
então atual panorama da política e da arte de maneira detalhada, criticando e buscando transformar todos os paradigmas que se tinha nessas duas áreas. (FERREIRA, 1972 apud NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
Com o ganho da mídia e de outros apoiadores fora do cenário musical, o movimento Tropicalista se consolidou cada vez mais como uma forma cultural, onde o cerne de sua atuação residia na inovação frente aos antigos padrões de se fazer arte e na independência em relação à bilateralidade política que já existia na época. Isto é, o movimento sofreu críticas tanto vindas da esquerda nacionalista, quanto da direita. Sendo, respectivamente, tanto por não apoiar propriamente os valores defendidos e os moldes como se fazia arte quanto por criticar em alto grau o nacionalismo idealizado. (ANNA, 2013; NETO, 1982)
Em relação ao cenário musical como um todo, a Tropicália rompe com as tendências que emergiam da Bossa Nova, dando um novo modo de se pensar e fazer música. Dentro disso, fica cada vez mais intensa a disputa pelo mercado e as críticas por parte da vanguarda que, por sua vez, foi pisoteada pelo novo estilo musical que invadia os festivais e ganhava atenção do público. (CAMPOS, 2005)
Em suma, o movimento traduz com excelência o papel da música na sociedade brasileira, dando a ideia de ser algo evolutivo,inevitável e estritamente tangível ao movimento da arte. Além disso, se caracteriza por modernizar o que era conservado, engajar a resistência à padronização da política e da cultura, e, por fim, gerar novas identidades, notoriamente moldáveis e subjetivas. (FAVARETTO, 2000)
2.2 OS PRINCIPAIS PERSONAGENS DO MOVIMENTO 
 
Os principais personagens do tropicalismo foram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia (todos baianos), Os Mutantes, Torquato Neto, Tom Zé, Jorge Mautner, Jorge Ben e Rogério Duprat. Dentre os lançamentos em vinil, os discos tropicalistas que mais sucesso fizeram na época foram “Louvação” (de Gilberto Gil, em 1967), além de “Tropicália ou Panis et Circenses” (diversos artistas), “Os Mutantes”, “Caetano Veloso” e “A Banda Tropicalista do Duprat” (com arranjos e regência do maestro Rogério Duprat), todos lançados em 1968.  Entre as músicas tropicalistas mais tocadas nas paradas de sucesso do momento constam: “Tropicália”, “Alegria, alegria” (composições de Caetano Veloso que apareceram em 1968), “Panis et Circenses”, também dele em parceria com Gilberto Gil (1968) e ainda, em 1969, “Atrás do trio elétrico” (de Caetano Veloso), “Cadê Teresa? ” (de Jorge Ben) e “Aquele abraço” (de Gilberto Gil). Eles foram peças fundamentais para inovações das músicas das décadas seguintes se propagando o fazer artístico. 
2.2.3 Gilberto Gil
Nascido na Bahia, no ano de 1942, estudou música desde muito cedo e sempre manteve um contato próximo com as diferentes vertentes da música brasileira. Na adolescência, após ingressar no curso de Administração, começou a perseguir a carreira musical. (FUKS, 2019)
Conheceu, em 1964, Caetano Veloso, um dos mais importantes pilares do movimento Tropicalista ao seu lado. Além de Veloso, Gal Costa, Vinicius de Moraes, e Chico Buarque. (FUKS, 2019)
Já em 1967, compôs e apresentou, junto à banda “Os Mutantes”, a música “Domingo no Parque” no Festival da Canção que acontecia na TV Record, ficando em segundo lugar.(FUKS, 2019)
Gilberto Gil foi exilado na Inglaterra, em 1969, por ser considerado alguém que não estava em conformidade com os valores e preceitos que o regime militar impunha.(FUKS, 2019)
2.2.4 Caetano Veloso
Outro importante personagem, ao lado de Gilberto Gil, na luta pela libertação do regime militar. Nasceu no sertão baiano em 1942 e logo se mudou para o Rio de Janeiro. (FUKS, 2019)
O marco Tropicalista de Caetano Veloso, resumidamente, se dá pela apresentação deste no 3º Festival da Canção da TV Record, o mesmo que Gilberto Gil apresentou “Domingo no Parque”. Porém, Caetano ficou com a quarta colocação naquela edição, apresentando a música Alegria, Alegria. Esta canção foi apresentada pela primeira vez com um arranjo que tangia muito ao Rock and Roll - o que deixou os mais conservadores da época completamente incomodados. (FUKS, 2019)
Caetano também foi exilado em 1969, mas na França, pelos mesmos motivos do exílio de Gil. (FUKS, 2019)
2.2.5 Torquato Neto
Um dos mais talentosos da geração, mas que, precocemente, colocou um fim na própria vida. Nasceu em 1944, no Piauí e na adolescência foi estudar em Salvador. Foi aí que conheceu os outros integrantes do movimento que, da mesma forma que ele, também queriam trazer novos elementos à música brasileira e lutavam, de alguma forma, contra as forças nocivas do regime militar. (FUKS, 2019)
Detentor de várias habilidades e, por consequência, várias ocupações, atuou como jornalista, compositor e escritor, sendo responsável por várias composições que engajaram o movimento Tropicalista. Torquato Neto faleceu em 1972. (FUKS, 2019)
2.3 UMA ANÁLISE DOS MECANISMOS UTILIZADOS PELOS AUTORES DA ÉPOCA 
	Os artistas defensores do tropicalismo em especial os músicos usavam roupas em excesso e bem coloridas, cabelos longos e bem extravagantes. Eles se envolviam no meio artista com poetas, compositores e cineastas. As letras das músicas não faziam manifestações de forma tradicional, mas tons de deboche. Era uma forma de protestar e chocar quem quer que os ouvisse, na época era difícil expressar suas opiniões sem sofrer censura do governo. A música se tornou o meio de expressão sem direito de serem reprimidos ou calados.
Saindo da perspectiva estritamente histórica e caminhando para uma análise propriamente literária, é relevante que sejam compreendidos os mecanismos e a forma como os músicos do movimento Tropicalista atuaram para a consolidação das citadas críticas aos padrões vigentes à época. Críticas, essas, que em grande parte recaíram sobre o cenário político, sendo um símbolo de resistência. A seguir, portanto, estão dispostas algumas das obras famosas do movimento, seguidas de uma análise explicativa de alguns trechos específicos:
2.3.1 Alegria, Alegria - Caetano Veloso, 1967: 
Caminhando contra o vento/ Sem lenço e sem documento/ No Sol de quase dezembro/ Eu vou/ O Sol se reparte em crimes/ Espaçonaves, guerrilhas/ Em cardinales bonitas/ Eu vou/ Em caras de presidentes/ Em grandes beijos de amor/ Em dentes, pernas, bandeiras/ Bomba e Brigitte Bardot/ O Sol nas bancas de revista/ Me enche de alegria e preguiça/ Quem lê tanta notícia?/ Eu vou/ Por entre fotos e nomes/ Os olhos cheios de cores/ O peito cheio de amores vãos/ Eu vou/ Por que não? Por que não?/ Ela pensa em casamento/ E eu nunca mais fui à escola/ Sem lenço e sem documento/ Eu vou/ Eu tomo uma Coca-Cola/ Ela pensa em casamento/ E uma canção me consola/ Eu vou/ Por entre fotos e nomes/ Sem livros e sem fuzil/ Sem fome, sem telefone/ No coração do Brasil/ Ela nem sabe, até pensei/ Em cantar na televisão/ O Sol é tão bonito/ Eu vou/ Sem lenço, sem documento/ Nada no bolso ou nas mãos/ Eu quero seguir vivendo, amor/ Eu vou/ Por que não? Por que não?/ Por que não? Por que não?/ Por que não? Por que não? (VELOSO, 1697)
 
A letra, por si só, é um tributo à liberdade, em meio a um período que imperava a censura e o controle de ideias, mas tudo feito de forma sutil. No trecho “Caminhando contra o vento/ Sem lenço e sem documento/ No sol de quase dezembro/ Eu vou” (VELOSO, 1967) a ideia, nas entrelinhas, que o compositor quis passar foi a que ele estava a andar no sentido contrário, contra os padrões do momento. Além disso, nesse mesmo trecho, a ausência de documento, além da liberdade, demonstra o quanto o compositor se sentia distante daquela realidade e da sociedade em questão que estava inserido, pois a documentação pessoal é a comprovação de que se é parte de um grande corpo, de uma massa, de um mesmo grupo. (GUERRA, 2019)
No trecho “O sol se reparte em crimes/ Espaçonaves, guerrilhas/ Em cardinales bonitas / Eu vou/ Em caras de presidentes/ Em grandes beijos de amor/ Em dentes, pernas, bandeiras / Bomba e Brigitte Bardot” (VELOSO, 1967) o compositor faz jus a uma grande característica do movimento Tropicalista: a adesão da cultura estrangeira e a incorporação de componentes estrangeiros à cultura local. (FUKS, 2017)
A parte da letra que fala sobre “O Sol nas bancas de revista/ Me enche de alegria e preguiça/ Quem lê tanta notícia? / Eu vou” (VELOSO, 1967) pode possuir duas interpretações: a primeira é de que o eu-lírico diz não ter nem vontade de ler as notícias de forma mais aprofundada, se limitando apenas às manchetes quando está passando pelas bancas. A outra interpretação tange à alienação da sociedade como um todo, onde ninguém se preocupa em ler as notícias com maior engajamento e senso crítico. (FUKS, 2017) Por outra perspectiva, a ideia dessa estrofe é a de que o eu-lírico, apesar de não se identificar com vários presidentes, não luta de maneira ativa contra o regime, mas em contrapartida permanece caminhando. (GUERRA, 2019)
Em seguida, a letra fala sobre “Por entre fotos e nomes/ Os olhos cheios de cores/ O peito cheio de amores vãos/ Eu vou/ Por que não? Por que não?” (VELOSO, 1967), onde é feita uma referência à grande quantidade de informações que as pessoas eram submetidas na época, numa realidade que derrama questões e as pessoas nem sempre sabem lidar com o grande fluxo. (FUKS, 2017)
Na estrofe subsequente, surge“Ela pensa em casamento/ E eu nunca mais fui à escola/ Sem lenço e sem documento/ Eu vou/ Eu tomo uma Coca-Cola/ Ela pensa em casamento/ E uma canção me consola/ Eu vou”(VELOSO, 1967). A interpretação, dessa vez, é a de que o artista reitera sua liberdade, justamente por ir contra preceitos engessados daquela época, que eram: estímulo para a adesão ao ensino - nesse caso, a escola - e a forte cultura do casamento. Num segundo momento, o compositor, da mesma forma que fizera anteriormente dentro da letra, traz à tona um elemento que tange ao estrangeiro, isto é, ao internacional. (GUERRA, 2019)
Em seguida, a letra traz “Por entre fotos e nomes/ Sem livros e sem fuzil/ Sem fome, sem telefone/ No coração do Brasil” (VELOSO, 1967), dando a ideia de que da mesma forma que ele exerce sua liberdade, ele não tem pretensões para a realização de um combate armado. Isso, naquela época, soava como uma afronta ao regime que, com todo o engajamento, dava ênfase à luta armada e ao uso da força. A ida de Caetano contra essa ideia é um caminhar no sentido contrário, descaracterizando-o ainda mais do modo como o país, através de um sistema, insistia em conduzir as coisas. (GUERRA, 2019)
Por último, ao falar “Ela nem sabe, até pensei/ Em cantar na televisão/ O Sol é tão bonito/ Eu vou/ Sem lenço, sem documento/ Nada no bolso ou nas mãos/ Eu quero seguir vivendo, amor/ Eu vou” (VELOSO, 1967), é possível interpretar que o compositor fecha a letra dando o sentido mais amplo que ela vem tendo ao longo das estrofes, que é: a luta literal contra o regime militar é algo desgastante, então é preferível que se siga vivendo em liberdade, sobrevivendo apesar dos pesares. (GUERRA, 2019)
2.3.2 Aquele abraço - Gilberto Gil, 1971
O Rio de Janeiro continua lindo/ O Rio de Janeiro continua sendo/ / Rio de Janeiro, fevereiro e março/ Alô, alô, Realengo/ Aquele abraço!/ Alô torcida do Flamengo/ Aquele abraço/ Chacrinha continua/ Balançando a pança/ E buzinando a moça/ E comandando a massa/ E continua dando/ As ordens no terreiro/ Alô, alô, seu Chacrinha/ Velho guerreiro/ Alô, alô, Terezinha/ Rio de Janeiro/ Alô, alô, seu Chacrinha/ Velho palhaço/ Alô, alô, Terezinha/ Aquele abraço!/ Alô, moça da favela/ Aquele abraço!/ Todo mundo da Portela/ Aquele abraço!/ Todo mês de fevereiro/ Aquele passo!/ Alô Banda de Ipanema/ Aquele abraço!/ Meu caminho pelo mundo/ Eu mesmo traço/ A Bahia já me deu/ Régua e compasso/ Quem sabe de mim sou eu/ Aquele abraço!/ Pra você que me esqueceu/ Aquele abraço!/ Alô Rio de Janeiro/ Aquele abraço!/ Todo o povo brasileiro/ Aquele abraço! (GIL, 1971)
A letra cita diversos aspectos culturais massificados, como o subúrbio, programas de TV, times populares e, com tudo isso, carrega uma carga de otimismo. A história dessa construção literária é diferente, pois ela foi lançada após Gilberto Gil ter ficado preso justamente na cidade do Rio de Janeiro, não passando de uma ironia. O otimismo surge porque o autor recém tinha sido libertado da prisão quando a lançou. (FUKS, 2017)
Panis et circenses - Caetano Veloso e Gilberto Gil, 1968:
Eu quis cantar/ Minha canção iluminada de Sol/ Soltei os panos sobre os mastros no ar/ Soltei os tigres e os leões nos quintais/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer/ Mandei fazer/ De puro aço luminoso um punhal/ Para matar o meu amor e matei/ Às cinco horas na avenida central/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer/ Mandei plantar/ Folhas de sonho no jardim do solar/ As folhas sabem procurar pelo Sol/ E as raízes procurar, procurar/ Mas as pessoas na sala de jantar/ Essas pessoas na sala de jantar/ São as pessoas da sala de jantar/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer (VELOSO & GIL, 1968)
O título desta obra leva o nome, em francês, da “Política do Pão e Circo”, fazendo referência à prática do império romano que usava o entretenimento e a comida como formas de desviar a atenção da sociedade das diversas condutas corruptas e imorais do próprio governo. A crítica dos compositores, nesse sentido, se faz numa referência a um grupo de pessoas que, sentadas em uma sala de jantar, e acreditando serem elas uma elite fútil, são completamente alienadas e desatentas ao panorama da política brasileira na época. (FUKS, 2017)
2.3.4 Geléia Geral - Torquato Neto e Gilberto Gil, 1968:
Um poeta desfolha a bandeira/ E a manhã tropical se inicia/ Resplendente, cadente, fagueira/ Num calor girassol com alegria/ Na geléia geral brasileira/ Que o jornal do Brasil anuncia/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ "A alegria é a prova dos nove"/ E a tristeza é teu Porto Seguro/ Minha terra é onde o Sol é mais limpo/ Em Mangueira é onde o Samba é mais puro/ Tumbadora na selva-selvagem/ Pindorama, país do futuro/ Ê bunba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bunba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/  É a mesma dança na sala/ No Canecão, na TV/ E quem não dança não fala/ Assiste a tudo e se cala/ Não vê no meio da sala/ As relíquias do Brasil/ Doce mulata malvada/ Um LP de Sinatra/ Maracujá, mês de abril/ Santo barroco baiano/ Super poder de paisano/ Formiplac e céu de anil/ Três destaques da Portela/ Carne seca na janela/ Alguém que chora por mim/ Um carnaval de verdade/ Hospitaleira amizade/ Brutalidade, jardim/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ Ê bumba iê iê bo/ Ano que vem, mês que fo/ Ê bumba iê iê i/ É a mesma dança, meu boi/ Plurialva, contente e brejeira/ Miss linda Brasil diz: "Bom Dia"/ E outra moça também, Carolina/ Da janela examina a folia/ Salve o lindo pendão dos seus olhos/ E a saúde que o olhar irradia/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ Um poeta desfolha a bandeira/ E eu me sinto melhor colorido/ Pego um jato, viajo, arrebento/ Com o roteiro do sexto sentido/ Faz do morro, pilão de concreto/ Tropicália, bananas ao vento/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ Ê bumba iê iê boi/ Ano que vem, mês que foi/ Ê bumba iê iê iê/ É a mesma dança, meu boi/ É a mesma dança, meu boi/ É a mesma dança, meu boi (NETO & GIL, 1984)
É uma das canções mais emblemáticas da Tropicália, falando de toda a mistura de elementos que o movimento trazia e louvando a heterogeneidade artística. É uma obra que mistura elementos do rock e do baião e faz inúmeras menções a outras obras da cultura tipicamente brasileira, por exemplo a Canção do Exílio. “Geleia Geral” tece elogios à cultura brasileira e, simultaneamente, aborda a repressão que o país vivia em meio à ditadura militar.
2.4 A FORMA COMO A SOCIEDADE FOI AFETADA PELO MOVIMENTO TROPICALISTA E AS TRANSFORMAÇÕES QUE FORAM GERADAS
As mudanças causadas pelo Tropicalismo impactaram no modo como as pessoas vivenciavam e enxergavam a realidade como um todo, afetando os mais diversos âmbitos da vida humana. A Tropicália, para além de um movimento que interferiu diretamente nos moldes das produções literárias, teve impactos na luta de classes que impera até hoje no Brasil. Isto é, junto à maior arma da ditadura, a televisão, que, por si só, se tornou um instrumento de manipulação de massas, a Tropicália democratizou, de alguma forma, o acesso à arte. Para além disso, juntou direita e esquerda num mesmo “pacote” e expandiu a compreensão política, cultural e artística para um outro nível, então muito maior: internacional. (ALAMBERT, 2012)
Além da ampliação da visão política e cultural, a Tropicália colocou em foco outros diversos, e necessários, debates a respeito da vida humana. Nesse sentido, as minorias, formadas pelos gays, negros, libertários sexuais, feministas et cetera ganharam corpo nas discussões. (ALEMBERT, 2012)
Claro, é inegável que se perceba a forma como o movimento Tropicalista, à medida que evoluiu e expandiu a arte, também a comercializou, tirando o povo da posição única de apreciador,para, também, alguém que pode consumir produções artísticas. (ALAMBERT, 2012)
A Tropicalismo globalizou todas as formas as manifestações artísticas, trazendo aspectos internacionais para dentro do país e levando para fora o modo como se fazia cultura aqui. Ou seja, a globalização, tão necessária ao movimento e presente desde seu cerne era uma via de mão dupla que compreendia as duas esferas: tanto a interna quanto a externa ao Brasil. (ALAMBERT, 2012)
O Tropicalismo se tornou uma ideologia cultural que extrapolou as fronteiras do Brasil e marcou o mundo inteiro através da crítica à vida cômoda da burguesia e da contestação aos valores pressupostos pela esquerda. Além do mais, apoiou a indústria cultural e a fez virar realidade, de modo que todas as formas de manifestação artísticas adentraram nesse mercado. (ALAMBERT, 2012)
O movimento Tropicalista, acima de qualquer coisa, elevou o modo como as pessoas usufruíam da arte propriamente dita, fazendo com que a massa, que antes tampouco tinha acesso aos meios artísticos, viesse a dialogar com essa forma de expressão humana de maneira mais ativa, observando as mudanças, a ruptura com os modelos prévios e a ideia de desenvolvimento liquefeito que o Tropicalismo derramou sobre a época vigente. Além disso, as consequências positivas que cada uma daquelas tentativas de impor um “novo mecanismo de produção artística” também teve efeito sobre o próprio governo - de uma maneira negativa, obviamente. Porém foi a persistência de cada um dos compositores e, hoje, personagens marcantes da literatura brasileira, que superou, com um alto preço, a resistência do estado. (BRITO, 2018)
O movimento transformou as pessoas à medida que as levou a tomarem consciência da liberdade criativa que imperava nos novos artistas que estavam por vir e que, surpreendentemente, sendo fiéis à sua proposta inicial, tomaram a cena da arte com tamanha voracidade. Claro, em meio ao autoritarismo que recobria toda e qualquer manifestação ideológica, a Tropicália também extraiu elementos da própria massa para mesclá-los juntos às inspirações que eram externas ao país na época. A consequência maior disso é a identificação de uma nação carente de mudanças com um novo padrão estético de construir conceitos. Ou seja, o reconhecimento, em meio a tantos novos conceitos que surgiam, de que um novo panorama artístico surgia. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
Dentro do exposto, a sociedade como um todo percebera, mesmo que sem querer ou posteriormente, que a Tropicália instaurou um processo de constante caminhar na cultura Brasileira.  Isto  é,  fazendo  com  que  essa,  em  si  mesma,
alicerçada no que já havia sido feito e buscando incessantemente novas maneiras de incrementar os modos de produzir arte - com elementos externos aos nacionais ou não - transformasse o modo como as pessoas pensavam e planejavam a própria realidade. Nesse sentido, as consequências da Tropicália foram muito além do campo cultural, reverberando em mudanças psicossociais que causavam extremo barulho dentro dos engessados padrões de realidade ao qual o Brasil estava exposto com o regime militar. (PONTES, 2019)
É fundamental que se compreenda, ao analisar as consequências sociais que a literatura tem, que o os antigos espectadores, agora membros mais ativos e participativos do cenário artístico, tiveram suas consciências alinhadas à de quem produzia arte. Isto é, estavam mais conectados com os artistas à medida que essa ponte entre um e outro era feita através de sentimentos e emoções positivas, de uma maneira mais prazerosa e que inevitavelmente dava uma ideia de progresso. Por ser assim, foi deixada de lado a melancolia para a adesão a um modo mais “carnavalesco”, por assim dizer, de se conectar pessoas, com sons, timbres e letras um pouco mais positivas. Nesse sentido, entendendo essa composição do movimento, é compreensível o impacto que ele teve em todas as esferas sociais. (ALAMBERT, 2012)
Outro fator que notoriamente contribuiu para o sucesso do movimento foi a ligação que os diferentes modos de arte tinham entre si. Isso dava mais uniformidade à mudança, maior consistência na hora de se criar uma identidade, e maior poder às intenções primárias da Tropicália. Por exemplo, quando Caetano Veloso colocou o nome de uma de suas obras com o mesmo nome de uma obra de Hélio Oiticica: Tropicália. O público gosta desse tipo de interação e dá valor à sintonia e multidisciplinaridade que determinado movimento apresenta, sendo valorosas as diferentes formas de estímulos que giram em torno de um mesmo porquê. No caso em questão, é uma interação entre as artes plásticas (visual) e a música (auditiva). Diferentes faces e modos de experiência atingem um público maior. (PONTES, 2019)
É importante que se destaque que a Tropicália não rompeu apenas com a política, mas, de maneira mais aprofundada, dividiu com veemência o modo como a música caminhava. As pessoas, ouvintes e apreciadores dos mais variados gêneros da música brasileira foram confrontados com essa ruptura: a Bossa Nova, até então, tinha um padrão instaurado de produção, a Tropicália, com uma parafernália toda nova chega e desmonta completamente aquele modo de produção, derramando o novo jeito e a nova cara da música popular brasileira. Esse impacto cultural mexe com o público à medida que o seduz e o transforma em alguém que agora consome a arte em suas mais diversas maneiras de expressão. Fica nítida a agressividade e o compromisso do movimento em de fato quebrar o padrão. (BRITO, 2018)
Outro fator que conquistou o público e fez com que, de certa forma, os personagens principais da Tropicália tivessem sucesso no que propunham, além da adesão de guitarras à Bossa Nova e da música Brega junto a esse mesmo estilo, foi a postura com maior atitude que os Tropicalistas simplesmente impuseram ao se apresentarem. Isto é, a vitalidade, entusiasmo e ânimo nas apresentações fazia jus à mudança externa aos palcos que vinha acontecendo. Por esse motivo, a identificação de todos os consumidores daquele tipo de arte, através da conexão ligada a emoções positivas, tomava cada vez mais força e consagrava mais do que nunca aqueles verdadeiros revolucionários da música e, porque não, da literatura brasileira. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
Entendendo que o movimento Tropicalista aproveitou alguns “ganchos” da época para lançar a si mesmo, é válido ressaltar dois pontos: um que a Tropicália já via o Brasil afetado pelo golpe de 64 e dando sinais de que estava em transe em relação a alguns aspectos sociais. Outro que a morosidade da Bossa Nova em relação ao panorama em questão não causava transformação e impacto social. Isto é, percebendo a falta de aptidão da Bossa Nova e a oportunidade de lançar novas tendências, de uma vez por todas, em um cenário que, dependendo do ponto de vista, estava propício a isso, a Tropicália, sem escrúpulos, impôs seu modo de produzir e chocou, como já citado, a todas as esferas possíveis às quais ela mantinha algum tipo de contato. (BRITO, 2018)
Caetano Veloso e Gilberto Gil, aqui adotados como os grandes movimentadores da Tropicália, souberam ler com sabedoria todas as mazelas e carências que o brasil como um todo vinha enfrentando, e, categoricamente, lançaram o movimento para um povo que estava em formação, carente de novas ideias, trabalhos, personagens e artes. A música “Haiti”, desses mesmos compositores traduz com alta intensidade o momento que o país atravessava e as oportunidades que, em meio a tantos pontos negativos, surgiram. Cabe a análise de uma maneira mais ampla, buscando identificar e, para além disso, entender a perspectiva que vem sendo construída a respeito da construção e consolidação do movimento (PONTES, 2019):
Quando você for convidado pra subir no adro/Da fundação casa de Jorge Amado/ Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/ Dando porrada na nuca de malandros pretos/ De ladrões mulatos e outros quase brancos/ Tratados como pretos/ Só pra mostrar aos outros quase pretos/ (E são quase todos pretos)/ E aos quase brancos pobres comopretos/ Como é que pretos, pobres e mulatos/ E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados/ E não importa se os olhos do mundo inteiro/ Possam estar por um momento voltados para o largo/ Onde os escravos eram castigados/ E hoje um batuque um batuque/ Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária/ Em dia de parada/ E a grandeza épica de um povo em formação/ Nos atrai, nos deslumbra e estimula/ Não importa nada:/ Nem o traço do sobrado/ Nem a lente do fantástico,/ Nem o disco de Paul Simon/ Ninguém, ninguém é cidadão/ Se você for a festa do pelô, e se você não for/ Pense no Haiti, reze pelo Haiti/ / Haiti é aqui/ O Haiti não é aqui/ E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado/ Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer/ Plano de educação que pareça fácil/ Que pareça fácil e rápido/ E vá representar uma ameaça de democratização/ Do ensino do primeiro grau/ E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital/ E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto/ E nenhum no marginal/ E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual/ Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco/ Brilhante de lixo do Leblon/ E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo/ Diante da chacina/ 111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos/ Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres/ E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos/ E quando você for dar uma volta no Caribe/ E quando for trepar sem camisinha/ E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba/ Pense no Haiti, reze pelo Haiti/ O Haiti é aqui/ O Haiti não é aqui (VELOSO & GIL, 1993)
Como exposto, as raízes do Tropicalismo, para além de elementos internacionalizados, também resgata em grande parte a cultura que já abastecia o Brasil até aquele momento, não em específico as manifestações artísticas que apareciam concomitantemente ao movimento, mas a outros conceitos igualmente importantes que, mesmo sutilmente, a Tropicália resgatou: a importância do povo indígena que compunha a cultura brasileira mas há tempos não ganhava ênfase na cena artística central do país e as raízes africanas, que com forte influência no modo como se consolidaram várias religiões genuinamente brasileiras, não tinham, da mesma forma, a devida atenção por parte dos músicos, escritores e artistas plásticos da época. É o caso de “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, que tanto mistura elementos de outras ciências - cinema, através dos cortes e da dramaticidade empregada - quanto faz menção de elementos da cultura africana (ALAMBERT, 2012):
No birimbal/ O rei da brincadeira (ê, José)/ O rei da confusão (ê, João)/ Um trabalhava na feira (ê, José)/ Outro na construção (ê, João)/ A semana passada, no fim da semana/ João resolveu não brigar/ No domingo de tarde saiu apressado/ E não foi pra Ribeira jogar capoeira/ Não foi pra lá, pra Ribeira, foi namorar/ O José como sempre no fim da semana/ Guardou a barraca e sumiu/ Foi fazer no domingo um passeio no parque/ Lá perto da Boca do Rio/ Foi no parque que ele avistou Juliana/ Foi que ele viu/ Foi que ele viu Juliana na roda com João/ Uma rosa e um sorvete na mão/ Juliana seu sonho, uma ilusão/ Juliana e o amigo João/ O espinho da rosa feriu Zé/ E o sorvete gelou seu coração/ O sorvete e a rosa (ô, José)/ A rosa e o sorvete (ô, José)/ Foi dançando no peito (ô, José)/ Do José brincalhão (ô, José)/ O sorvete e a rosa (ô, José)/ A rosa e o sorvete (ô, José)/ Oi, girando na mente (ô, José)/ Do José brincalhão (ô, José)/ Juliana girando (oi, girando)/ Oi, na roda gigante (oi, girando)/ Oi, na roda gigante (oi, girando)/ O amigo João (João)/ O sorvete é morango (é vermelho)/ Oi girando e a rosa (é vermelha)/ Oi, girando, girando (é vermelha)/ Oi, girando, girando.../ Olha a faca! (olha a faca!)/ Olha o sangue na mão (ê, José)/ Juliana no chão (ê, José)/ Outro corpo caído (ê, José)/ Seu amigo João (ê, José)/ Amanhã não tem feira (ê, José)/ Não tem mais construção (ê, João)/ Não tem mais brincadeira (ê, José)/ Não tem mais confusão (ê, João) (GIL, 1968)
O que vale ser destacado, nesse momento, indo em direção ao cerne da veia literária do movimento, é a capacidade de sobreposição de elementos que caracteriza em grande parte os Tropicalistas. Isto é, dotados de conhecimentos de várias áreas diferentes, conhecedores de tendências atuais à época e obstinados a romper com todo o contexto sócio-político ao qual estavam submetidos, eram capazes de criar obras descaracterizadas, sem dizer literalmente - claro, em função da pressão que exercia o regime - o que pretendiam, mas fazendo as pessoas absorverem as mensagens de maneira mais sutil, até de maneira inconsciente. Plantar elementos do estrangeiro na cultura brasileira não era uma tarefa fácil, ainda mais com o forte nacionalismo que imperava, mas até isso foi feito. (BRITO, 2018)
Uma das formas que o Tropicalismo arranjou para se consolidar e lançar, de fato, o movimento foi a participação no programa “Cassino do Chacrinha” que, por si só, já demonstrava ser uma atração tipicamente diferente, com indicativos de mudança e transformação. Nesse sentido, os valores já “tropicais” que esse já tinha foram unidos ao valor revolucionário que o movimento Tropicalista implicara. Isto é, foi a união do útil e do agradável em uma única, concisa e efetiva forma de vender a ideologia por trás do movimento através de uma ferramenta que possuía relevância e impacto a nível nacional, tornando cada vez mais “cotidianas” as mudanças que a Tropicália trazia e que outrora eram vistas com maus olhos. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
O trabalho que Geraldo Vandré e Chico Buarque faziam há algum tempo, visando combater a repressão da ditadura era, quase que estritamente, realizado ao nível da palavra. Isto é, através de letras e críticas elaboradas no campo gráfico, que, a partir de então, buscavam se estender ao comportamento. A Tropicália, no seu modo de “intervir” contra os preceitos do regime, trouxe uma espécie de “extensão da crítica”, extrapolando os limites e indo, de forma diretiva, ao comportamento. Ou seja, para além de criticar de maneira sutil a forma como a política era conduzida, toda a “rebeldia” implantada nos comportamentos dos Tropicalistas já era pensada e articulada em favor dos objetivos do movimento. O movimento tinha características implícitas e explícitas atuando em conjunto.
Outro fator extremamente inteligente, o qual pode surgir como uma percepção muito positiva do Tropicalismo, é a ideia de que todo repertório e as estruturas arcaicas que provinham da Bossa Nova e dos Vanguardistas podia ser atrelado a novas formas de produção artística. Ou seja, quando se fala em ruptura e explosão da Tropicália, deve-se levar em conta que as raízes musicais dos principais personagens estavam alicerçadas em formas mais antigas de se fazer música. A ruptura, nesse contexto, não vem no sentido de ir contra ao que se tem, mas na implementação de novos fatores nas ideias já existentes, na criação de novos panoramas que contemplam tanto ideias novas quanto o papel fundamental que a música tinha naquele determinado contexto. (BRITO, 2018)
A repressão e a censura, obviamente, frente a tanto engajamento da população jovem em relação à Tropicália, tomaram conta de muitas formas de expressão. A população teve que ver seus mais novos ídolos serem completamente censurados e presos. O impacto social que essas questões trazem é imensurável, pois retrata uma clara intenção do governo de regular e aprisionar o modo como as pessoas pensavam, agiam e viviam. Nesse sentido, a Tropicália, como instrumento de crítica e combate ao controle, tinha cumprido sua parte e desempenhado com vigor o seu papel social de movimento contra a repressão, a favor da libertação, do conhecimento e da independência. É nessas horas que fica claro o poder da literatura em suas formas mais variadas de expressão. (PONTES, 2019)
É importante destacar que a distorção, durante muito tempo, foi uma das ferramentas que o regime utilizoupara a aprisionar e torturar os personagens socialmente relevantes que contra ela atuavam. Inclusive foi dessa forma que a ditadura intensificou as formas de perseguir Caetano Veloso e Gilberto Gil, resultando, primeiramente, na prisão e, num segundo momento, no exílio de ambos. As armas da ditadura não eram alimentadas somente à pólvora, mas a engano, massificação de ideias, controle social, combate a ideologias libertadoras, repressão, censura e tortura. É por esse motivo que de destaca a postura contrária dos Tropicalistas que estavam em face a esse sistema, enaltecendo cada um de seus feitos. (ALAMBERT, 2012)
A busca do Tropicalismo, em si mesmo, como já discutida, é a reação e contradição ao regime militar de uma maneira não agressiva, mas até contrária, enaltecendo a saúde, o poder e a capacidade que o ser humano tem em transformar a realidade a que está submetido. O que se pode dizer, então, é que a Tropicália impunha um “pessimismo alegre”, onde se olhava para o que tinha de mais escuro dentro do cenário brasileiro de uma forma mais positiva, expondo as contradições do sistema, mas sem a constante melancolia que as outras formas de crítica social possuíam. As pessoas, para além da música, também eram transformadas e moldadas por essa forma de enxergar a realidade. (NAPOLITANO & VILLAÇA, 1998)
A população brasileira viu os Tropicalistas atuarem sem violência e utilizarem da ambiguidade como uma forma de expressão. Quer dizer, a Tropicália, em seu sentido Literário, não se trata de criticar diretamente a ideia do regime, mas da construção de obras que claramente não estavam em conformidade com o que a ditadura defendia. Os valores de liberdade e justiça eram escancarados, de maneira e transformar a mais íntima esfera da sociedade brasileira. (PONTES, 2019)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se conclui, após toda a revisão, é que a Tropicália, com todas as suas singularidades e ímpetos de mudança, foi extremamente sutil no modo de escrever e verbalizar os valores que a moviam. Isto é, diferente de uma luta armada, o Tropicalismo estimulou as transformações sociais que causou de uma forma saudável, embora igualmente perigosa aos responsáveis por essas mudanças.
A Tropicália, como movimento genuinamente literário, promoveu uma revitalização das estruturas sociais, uma ativação da força jovem na sociedade brasileira e, mais do que tudo, uma provocação do ativismo que havia em cada indivíduo que se defrontava com a censura. Este era o ponto central do movimento: a reação às formas opressivas de controle, promovendo a liberdade, independência e autonomia dos indivíduos.
Por último, e não menos importante, deve-se dar valor ao senso de liquidez a que a sociedade como um todo foi submetida após o movimento Tropicalista, o qual implementou a ideia de que tudo é transformável, fazendo com que toda uma sociedade percebesse que a arte e a literatura não estão submetidas ao controle e à opressão. Além disso, os Tropicalistas deixaram a herança de que é possível, sim, de se combater quaisquer formas de censura, opressão e controle quando se tem pessoas que sabem transferir, de maneira implícita, o que se quer dizer. A guerra e a luta armada sempre foram consequências de conflitos, mas a arte e a escrita são a solução, são as coisas pelas quais se vale a pena viver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
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