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PRISÃO PREVENTIVA Conceito: A prisão preventiva é uma espécie de prisão cautelar de natureza processual, consistente na medida restritiva de liberdade, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a ser decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial – art. 311 CPP. Não há mais a possibilidade do juiz decretar de ofício a prisão preventiva, nem na própria ação penal. Este tipo de prisão é o mais eficiente modo de encarceramento durante a persecução penal. A prisão preventiva é uma forma de prisão provisória, razão pela qual essa medida só é aplicada em último caso, pois se trata de uma medida excepcional. O instituto da prisão preventiva está previsto no artigo 311 a 316 do Código do Processo Penal. Essa modalidade de prisão cautelar gera muita polêmica, uma vez que segundo Marisa Bueno e Rogério Maia está ocorrendo uma “mercantilização” dessa prisão processual. Vejamos: Por fim, para Marisa Bueno e Rogério Maia, o atual uso desgovernado do instituto da prisão preventiva é uma das diferentes formas com que se manifesta a crise de legitimidade do sistema penal. O que chamou de mercantilização do sistema punitivo e, por sua vez, significa a medida coercitiva como notícia da mídia (BUENO E MAIA, Apud, CAZABONNET, PRISÃO PREVENTIVA, p. 15). Em outras palavras, os autores afirmam que tem ocorrido uma banalização da prisão preventiva, que apenas é noticiada pela mídia como medida coercitiva. INICIATIVA E OCASIÃO DA DECRETAÇÃO A prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, em razão de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou mediante representação da autoridade policial. A prisão preventiva poderá ser imposta: a) a qualquer momento da fase de investigação ou do processo, de modo autônomo e independente (arts. 311, 312 e 313, CPP); b) como conversão da prisão em flagrante, quando presentes umas das situações de urgência (art. 312, CPP) e insuficientes ou inadequadas outras medidas cautelares (art. 310, II e art. 319, CPP); c) em substituição à medida cautelar eventualmente descumprida (art. 282, § 4º e art. 319, CPP). Por força desse cenário, surgem 3 situações diversas em relação a prisão preventiva: 1) ela será autônoma, podendo ser decretada autonomamente, independentemente de qualquer outra providência cautelar anterior; 2) ela será subsidiária, a ser decretada em razão do descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta; 3) ela será convertida, na hipótese de conversão da prisão em flagrante em preventiva quando presentes os requisitos legais e não forem suficientes outras medidas cautelares diversas da prisão. QUANDO ELA SERÁ ADMITIDA? A prisão preventiva pode ser decretada, segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal, nos casos de: ❑ CRIMES DOLOSOS – punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; ❑ SE TIVER SIDO CONDENADO POR OUTRO CRIME DOLOSO, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 CP; ❑ SE O CRIME ENVOLVER VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, CRIANÇA, ADOLESCENTE, IDOSO, ENFERMO OU PESSOA COM DEFICIÊNCIA, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; ❑ QUANDO HOUVER DÚVIDA SOBRE A IDENTIDADE CIVIL DA PESSOA - A prisão preventiva pode ser decretada, segundo o artigo 313 do Código de Processo Penal, nos casos de: PRESSUPOSTOS E REQUISITOS PARA A DECRETAÇÃO: Para a decretação da preventiva são necessários dois pressupostos: o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. O fumus comissi delicti está presente no artigo 312 do Código de Processo Penal, o qual se subdivide em dois requisitos a serem verificados pelo julgador: prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. O primeiro pressuposto exige prova da existência do crime, não sendo lícito, portanto, a decretação da prisão preventiva quando houver dúvidas quanto à prática delituosa. A fim de cumprir essa condição deve-se avaliar a materialidade do injusto penal, analisando os vestígios deixados pelo crime, procurando, assim, comprovar com a máxima veracidade a existência do fato delituoso tipificado na legislação penal. Inadmissível é a imposição de medida quando houver meras suspeitas ou presunções quanto à ocorrência do fato criminoso, pois se não há certeza da prática delituosa, desproporcional é a sua adoção. A falta de um dos elementos caracterizadores da conduta criminosa veda a cominação da prisão preventiva, assim sendo qualquer circunstância excludente da antijuricidade e tipicidade impede a sua decretação. Importante gizar que, havendo excludentes penais, deve o magistrado abster-se de decretar a prisão cautelar, pois sua existência tem condão de enfraquecer a própria essência do crime, tornando sua adoção desproporcional. Além do pressuposto delineado, o fumus commissi delicti exige a presença de indícios suficientes de autoria. O legislador buscando evitar interpretações errôneas quanto ao conceito de indícios no artigo 239 do Código de Processo Penal dispõe que: “Considera-se indícios a circunstância provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Luiz Antônio Câmara, sobre o assunto, assim se manifesta: “Provada a materialidade do delito, não satisfazem à lei meras suspeitas de que este ou aquele indivíduo tenha sido o autor da infração. É certo que não se exige prova absoluta de que tenha o delito sido praticado por aquele cuja prisão se quer ver decretada ou se decreta. Todavia, devem todos os elementos colhidos do processo investigatório ou instrutório convergir para a demonstração de que a provável autoria de ilícito pode, com tranqüilidade, ser atribuída ao acusado.” Nessa diapasão, não é admitido a decretação da prisão provisória com base em simples suspeitas ou presunções, devendo existir fortes indícios suscetíveis de assinalar o imputado como provável autor do crime, cuja prova produzida no inquérito arcará com esse ônus. É oportuno frisar que apesar da exigência de indícios sólidos quanto a autoria, não é necessária prova plena da culpa. Diante do explanado observa-se que o fumus comissi delicti deve ser verificado preliminarmente pelo julgador quando eleger a custódia preventiva como medida necessária. Além do pressuposto acima apresentado, a imposição da prisão preventiva exige a presença de outro, o periculum in mora, consubstanciado na: ordem pública; ordem econômica; conveniência da instrução criminal; para assegurar a aplicação da lei penal. Como é sabido, a restrição à liberdade é utilizada como medida de caráter excepcional, logo o constituinte subordinou as modalidades de prisão provisória ao princípio da legalidade, sendo vedado o recolhimento do acusado ao cárcere preventivo sob justificativa diversa da tipificada em lei. ➔ Ordem Pública O Código de Processo Penal foi construído com o escopo de restringir a margem de atuação do juiz, uma vez que sua interpretação deve estar vinculada a lei, cabendo ao julgador reconhecer no caso concreto a tipicidade legal, e após tal verificação, aplicar a tutela cautelar, se permitida, a sua adoção. É de competência do Poder Judiciário verificar no caso concreto a presença dos requisitos autorizadores da medida constritiva, e aplicá-los se a necessidade exigir. A legislação limita a atuação do magistrado no que tange ao encarceramento provisório delimitando sua atuação. A propósito, ressalta Luiz Antônio Camâra: “É verdade que tal discricionariedade não é potestativa, não deixando de existir. É vinculada, cabendo ao juiz apenas averiguar se os fatos e as circunstâncias que os antecederam e seguiram,em estreita combinação com a posição subjetiva do acusado, encaminham para a decretação da custódia ou, distintamente, no sentido de pô-lo em liberdade onerada (provisório) ou não. O exercício feito pelo magistrado é discricionário porque foge a qualquer espécie de presunção legal absoluta ou relativa que imponha a cautela, operando em limites estreitos, mas não deixando de ter operatividade.” O legislador ao prever a ordem pública como pressuposto cautelar deixou de conceituar o vocábulo restritivamente, ampliando demasiadamente o seu significado, possibilitando ao julgador o uso descomedido da discricionariedade na sua identificação, infringindo, assim, os preceitos traçados pela Constituição Federal na defesa à liberdade. A formulação de pressuposto, como inserta no art. 312 do Código de Processo Penal, é perigoso para a liberdade dos indivíduos. Formulado em termos tão genéricos, deixa ao juiz uma margem exagerada de apreciação. Assim, é extremamente fácil retirar a liberdade dos cidadãos, sob o pretexto de que se o faz para garantir a ordem pública. A carência de exatidão na conceituação do preceito, bem como a amplitude de seu significado, tende a ocasionar prejuízos ao réu, vez que possibilita ao magistrado restringir sua liberdade sempre que lhe for conveniente, colocando, assim, o imputado diante do arbítrio Estatal. Através desse vocábulo, o legislador alargou as hipóteses de cárcere preventivo, depositando nas mãos do magistrado amplo poder discricionário, abrangendo todas aquelas finalidades a segregação que não se ajustam às exigências de natureza cautelar, constituindo formas de restrição da liberdade, à título de defesa social. A ordem pública, é o estado de tranquilidade e paz social da comunidade, possibilitando o pleno desenvolvimento das relações sociais e econômicas da vida cotidiana, cujo estado de serenidade é afetado pela prática reiterada de delitos, essa tranquilidade pode ser ameaçada pelo réu, especialmente quando está cometendo uma série de crimes, ou quando age por meio de quadrilhas, que causam insegurança a população. No mesmo sentido, ensina Paulo Rangel: “Por ordem pública, deve-se entender a paz e a tranquilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais.” Tal definição de ordem pública autoriza a reclusão provisória quando verificada a existência de provas da personalidade voltada para a prática delituosa do imputado. Nessa perspectiva, explica Mirabetti: “Para garantir a ordem pública, visará o magistrado ao decretar a prisão preventiva evitar que com a medida o delinquente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida.” Vale salientar que, a gravidade abstrata do delito por si só não autoriza a restrição preventiva da liberdade, já que a CF/88 ao prever o princípio da presunção da inocência abrangeu todos os imputados pela prática delituosa, sem distingui-los pela natureza do crime atribuído, logo é necessário ao magistrado constatar no caso concreto, indicativos capazes de demonstrar a periculosidade do imputado, e consequentemente a probabilidade de reincidência. Os Tribunais Superiores em repetidas decisões vêm entendendo que a ordem pública como pressuposto para a decretação da preventiva, visa resguardar o meio social da prática reiterada de condutas criminosas perpetradas pelo acusado, pautando sempre essa averiguação em demonstrativos concretos. Diante dessa indeterminação conceitual é de grande importância a regulamentação desse vocábulo pelo legislador, restringindo, assim, a atuação do juiz. Enquanto isso não acontece, a prisão preventiva com fundamento na ordem pública deve ter como parâmetro a gravidade in concreto do crime, revelada pelo modus operandi, e a propensão à reiteração delituosa constituem fundamentos idôneos à determinação da custódia cautelar para a garantia da ordem pública. IMPORTANTE: GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO NÃO PODE SERVIR DE BASE PARA DECRETAR PREVENTIVA. CLAMOR SOCIAL TAMBÉM NÃO. ➔ Ordem Econômica Com a edição da Lei n° 8.884/94 a ordem econômica foi incluída como pressuposto para a decretação da prisão preventiva, o que veio a alterar a redação do artigo 312 do Código de Processo Penal. Ordem econômica defini-se como aquele conjunto de princípios estabelecidos na Constituição Federal, e que tem por objetivo fixar os parâmetros da atividade econômica, coordenando a atuação dos diversos sujeitos que põe em prática aquela mesma atividade. Assim, a ordem econômica consiste em um aglomerado de normas criadas pelo Estado com objetivo de limitar a atuação dos detentores dos meios de produção e do poder na exploração de sua atividade econômica. Tendo em vista o objeto da ordem econômica, muitos autores criticam a adoção da prisão preventiva com o findo de resguardá-la, uma vez que o encarceramento provisório só deve ser utilizado como ultima ratio, sob pena de infringir o princípio da presunção da inocência. Como é sabido a prisão preventiva é uma espécie de cautelar, devendo ser utilizado somente em situações excepcionais, visando resguardar o processo de eventuais danos provocados pela liberdade do acusado. A expressão ordem econômica não guarda nenhuma relação com o processo criminal, assim, não deveria ser utilizada como embasamento para a restrição da liberdade preventiva do imputado. A sua inclusão como fundamento para a decretação da prisão preventiva buscou repreender e impingir medo aos detentores do capital que vierem a perpetrar crimes de alta periculosidade ao mercado financeiro. Apesar da figura do acusado não representar risco a integridade física dos membros da sociedade como acontece ao se decretar a custódia preventiva com base na ordem pública, os efeitos do cometimento de delitos econômicos, muitas vezes é tão prejudicial à coletividade quanto a criminalidade violenta, e é por isso que o legislador buscou desestimular a prática dessa espécie de injusto penal. Além disso, buscou-se mostrar a população que os poderosos, detentores do capital econômico, também são penalizados. Sobre a cominação da prisão preventiva com fundamento na ordem pública, relata Fernando Tourinho Filho: “Sua finalidade ao que tudo indica, repousa na satisfação que se pretende dar, com forte dose de demagogia, à grande maioria da população carente, sempre ávida de querer fazer cair quem quer que seja em nível superior. Se a providencia tem como objetivo perseguir a ganância, o lucro fácil, a safadeza de industriais e comerciantes desonestos, que estabeleçam sanções em relação a pessoa jurídica: fechamento por determinado prazo, aumento desse prazo nas recidivas, impossibilidade de, durante certo tempo, fazer empréstimos em quaisquer estabelecimentos de crédito etc. Essa a medida certa. Para o ganancioso, para o industrial, ou comerciante que só tem em vista o lucro, para esses Shylocks da vida, meter-lhe a mão no bolso é pior que prisão.” No mesmo sentido ensina, Eugenio Pacelli: “Parece-nos, contudo, que a magnitude da lesão não seria amenizada nem diminuídos os seus efeitos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco é contra a ordem econômica mais adequada é o sequestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. Parece-nos que é dessa maneira que se poderia melhor tutelar a ordem financeira, em que há sempre perdas econômicas generalizadas.” É visível que tal inserçãovisa a punição antecipada do acusado, visando desestimular a pratica desse tipo de crime, algo inadmissível no sistema jurídico brasileiro. ➔ Conveniência da Instrução Criminal O processo penal é o instrumento colocado à disposição do Estado para o exercício do ius puniendi. Busca-se a reconstrução fática do crime exteriorizado com o escopo de possibilitar ao julgador o conhecimento dos fatos necessários para a formação de convicção, viabilizando seu pronunciamento definitivo. O arcabouço probatório produzido no processo judicial advém da instrução criminal. Buscando resguardar essa fase, o legislador inseriu a conveniência da instrução criminal como fundamento para a decretação da prisão preventiva. Assim essa custódia excepcional deverá ser decretada sempre que a liberdade do acusado se dirigir a contaminar as provas a serem produzidas no processo. Busca-se coibir o exercício de condutas destinadas a comprometer o regular desenvolvimento do processo, confirmando o caráter instrumental e cautelar dessa medida na tutela do processo. A invocação da conveniência da instrução criminal para a decretação da prisão preventiva deverá ser observada sempre que estiver o indiciado ou acusado intimidando, ameaçando, ou afugentando testemunhas que possam contra ele depor; se estiver subornando afrontando perito, ameaçando a vítima ou parente desta, fazendo desaparecer provas, ou aliciando testemunhas. Quando a liberdade do acusado colocar em risco a colheita de provas pela possibilidade efetiva de destruição intencional dos vestígios; ocultação de objetos relacionados com o crime, tal poderá ser também causa do decreto prisional. Cresce de relevo, destacar, que para o encarceramento preventivo com fundamento na conveniência da instrução criminal é necessário a existência de fatos capazes de comprovar a interferência do imputado na colheita das provas, prejudicando- a. Deve o juiz demonstrar concretamente a probabilidade de dano a instrução. Terminada a fase de produção de provas, deverá o acusado ser libertado, pois o fundamento que embasou a prisão se extinguiu. Para que se afira a conveniência da prisão do réu para a instrução processual, torna-se necessário que nos autos existam provas concretas de que este esteja tumultuando a produção probatória. Simples alegações de que o réu está desaparecendo com as provas do crime, aliciando testemunhas, etc., não autoriza a decretação da prisão, se não houver provas concretas desses fatos nos autos. Portanto, é inadmissível a restrição à liberdade com embasamento em simples suposições, devendo pautar-se em circunstâncias concretas. Diante do explanado, observa-se a natureza cautelar desse requisito no amparo ao processo. ➔ Garantia de Aplicação da Lei Penal O processo penal é instaurado pelo Estado para apurar a ocorrência do injusto penal, legitimando o exercício do seu poder de punir, contudo é sabido que essa análise se alastra no tempo, e de nada adiantaria a existência de um processo garantidor do contraditório, entre outras garantias inerentes ao devido processo legal, se com o seu término, o Estado tivesse frustrada sua intenção de sancionar o infrator. Assim, o perigo de fuga do indiciado ou acusado justifica a imposição da cautela, evitando que se torne ilusória a condenação proferida no processo principal. Nesses casos a credibilidade do Estado é afetada, pois o acusado pela prática delituosa além de subverter a ordem na sociedade, utiliza-se de meios para impedir a aplicação da lei penal. Buscando evitar a fuga do réu antes do término do processo, o legislador inseriu como um dos pressupostos cautelares, a garantia de aplicação da lei penal. Nessa diapasão, quando houver razões plausíveis, fundamentadas em circunstâncias concretas, capazes de demonstrar o intuito de subtração do imputado à lei penal, deve o juiz restringir-lhe a liberdade. Dessa forma, a custódia preventiva não pode em hipótese alguma ser decretada com suporte em meras especulações e presunções abstratas. Neste particular, observa Eugênio Paccelli: “A prisão cautelar para assegurar a aplicação da lei penal contempla as hipóteses em que haja risco real de fuga do acusado, e assim, risco de não aplicabilidade da lei na hipótese de decisão condenatória. É bem de ver, porém, que semelhante modalidade de prisão há de se fundar em dados concretos da realidade, não podendo revelar-se fruto de meras especulações teóricas dos agentes públicos, como ocorre com a simples alegação de riqueza.” Podemos citar os seguintes exemplos que justificariam a aplicação da prisão preventiva: não ser o indiciado nativo do distrito onde ocorreu o crime, havendo elementos concretos de que ele poderá evadir-se, estando o mesmo se desfazendo injustificadamente de seus bens de raiz, como também se estiver pretendendo mudar-se para local incerto, não sabido ou distante. Em suma, é de relevante importância para o processo penal a utilização da prisão preventiva como meio de assegurar a aplicação de sanção penal ao Estado, desde que pautada em elementos concretos. ➔ PRAZO DE DURAÇÃO: No caso da prisão preventiva não há lei que fixe o prazo de sua duração. Nem mesmo a recente Lei n.° 12.403/2011, que regulou diversos dispositivos relativos a prisão processual, não trouxe um prazo concreto para essa modalidade de prisão. Até pouco tempo os tribunais superiores brasileiros adotavam em alguns dos seus julgados o prazo de 81 (oitenta e um) dias como limite para a segregação cautelar, sendo este prazo originado da própria construção jurisprudencial, firmada ao longo dos anos utilizando-se de limites de tempo pré-estabelecidos para a prática de certos atos processuais. O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, sobre o posicionamento do prazo máximo de duração da prisão preventiva já decidiram respectivamente: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GARANTIA DE ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. DECRETO CONSTRITIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. (...) 3. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. 4. A demora no término da instrução probatória pode ser atribuída, entre outras causas, ao comportamento do acusado, inclusive, em razão de sua fuga do distrito da culpa, bem como em razão da complexidade dos fatos a serem apurados, compreendendo duas tentativas de homicídio em conexão com dois crimes de receptação e pluralidade de réus. Ordem denegada, em conformidade com parecer ministerial. (STJ. 5º Turma. HC nº 59736. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 07/08/2007) (Grifou- se.) HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO, FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO, DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER, FORMAÇÃO DE QUADRILHA ARMADA. PRISÃO PREVENTIVA EM 25.10.2006. FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO JUSTIFICADO. COMPLEXIDADE DO FEITO. MANOBRAS PROTELATÓRIAS POR PARTE DA DEFESA. PLURALIDADE DE RÉUS (5 PESSOAS). PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. 3. O período de 81 dias, fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, não deve ser entendido como prazo peremptório, eis que subsiste apenas como referencial para verificação do excesso, de sorte que sua superação não implica necessariamente um constrangimento ilegal, podendo ser excedido com base em um juízo de razoabilidade. (STJ.5ª Turma. HC nº 117958/BA - HABEAS CORPUS nº 2008/0222737-2. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 10/02/2009) (Grifou-se.) HABEAS CORPUS. FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓDIA CAUTELAR LASTREADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL (CPP, ART. 312). EXCESSO DE PRAZO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM INDEFERIDA. (...) 5. Quanto à alegação de excesso de prazo, constata-se a existência de elementos que sinalizam para a complexidade da causa (elevado número de crimes e de acusados). Em princípio, desde que devidamente fundamentada e atendido o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais de caráter complexo. (STF. 2ª Turma. HC nº 89090. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgado em 21.11.2006) (Grifou-se) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE DO RÉU. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. INEXISTÊNCIA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM DENEGADA. (...) 6. Entendo que a prisão cautelar do paciente, ainda que c om prazo superior a 81 dias, pode se justificar com base no parâmetro da razoabilidade, em se tratando de instruções criminais de caráter complexo (HC 89.090/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, Sessão de 21.11.2006, DJ de 05.10.2007), como parece ocorrer na hipótese. (STF. 2ª Turma. HC n.º 97983/SP. Relator: Ministra Hellen Gracie. Julgado em 02/06/2009) (Grifou- se.) Como analisado, ambos os tribunais utilizavam o prazo de 81 (oitenta e um) dias como norteador para fixar um limite a segregação cautelar, apesar de entenderem ser passível a sua dilação. Desta forma, se faz necessário e curioso entender a origem desse prazo. O prazo de 81 (oitenta e um) dias, como já explanado, é fruto da construção jurisprudencial e doutrinária. Os defensores deste utilizam a soma de prazos legais referentes ao início até o fim da instrução processual do indivíduo preso. Para explicar de forma didática este prazo passa-se a observar o quadro abaixo, o qual por si só já se torna auto-explicativo, como segue: Acontece que a maior parte desses artigos já foram substituídos por novas redações, onde estipulam prazos distintos aos apresentados. Contudo, face a complexidade com a qual as ações penais foram se revestindo, este entendimento dos 81 dias acabou sendo superado, e passou-se a enfrentar o problema através da aplicação do princípio da razoabilidade, critério este que sopesa fatores tais como a própria complexidade da causa, número de réus, necessidade de precatórias, número de crimes praticados, citações por edital, etc, o que enseja uma realidade onde a prisão cautelar dura muito mais do que os então 81 dias anteriormente tomados como marco fronteiriço, não sendo incomum examinar decisões onde dois, três ou mais não são ditas como prisões preventivas excessivas. Perante o STJ, a matéria relacionada ao excesso de prazo mereceu ser respaldada por três oportunidades, através de 03 súmulas: 21, 52 e 64. VER MATERIAL COMPLEMENTAR POSTADO NO RM A RESPEITO. O Constituinte brasileiro consignou como princípio da razoável duração do processo como princípio fundamental, cláusula pétrea que não pode ser abolida ou mitigada. Apesar da ideia de razoabilidade da duração do processo ter sido “constitucionalizada” com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, desde a década de 50, o direito internacional garante a razoável duração do processo. A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais estabelece que: Art. 5º (...) 3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea “c”, do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. No mesmo sentido é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, no seu art. 9º, n.3, aprovado pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 226/1991: 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. Foi nesse contexto que foi introduzido o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal: ratificar os tratados internacionais e de forma cogente, garantir um tratamento digno ao preso: de se ver processado em tempo razoável. O problema é que no caso das prisão preventiva estabelecida no artigo 312 e seguintes do Código de Processo Penal não se estabeleceu qual seria o prazo razoável da prisão, de certa forma, fica-se ao arbítrio judicial dizer o que seria razoável duração do processo. Manter os réus presos de forma irrazoável é um tratamento degradante e desumano, vez que ainda são considerados inocentes pelo princípio da presunção de inocência. Dessa forma, percebe-se que o excesso na condução do processo é ofensivo à diversos direitos fundamentais constitucionais e que a prisão cautelar não pode suprimi- los. Cabe dizer, ainda, que a opção do legislador ordinário por não indicar limite temporal para o processo penal não significa que não exista prazo razoável, apenas dificulta a definição desse espaço de tempo, vez que dependerá da discricionariedade do julgador. Nessa situação, a Corte Europeia de Direitos Humanos, segundo Lopes Jr. Definiu três critérios para a fixação do que seria prazo razoável: a) complexidade do caso; b) atividade processual do interessado e c) conduta das autoridades judiciárias. No Habeas Corpus 118.034/DF do Excelso Supremo Tribunal Federal julgou que: Não configurado o alegado excesso de prazo, até porque a melhor compreensão do princípio constitucional aponta para processo sem dilações indevidas, em que a demora na tramitação do feito há de guardar proporcionalidade com a complexidade do delito nele veiculado e as diligências e os meios de prova indispensáveis a seu deslinde. (STF - RHC: 118034 DF, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 03/12/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 19-02-2014 PUBLIC 20- 02-2014) Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar, considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. (BRASIL, 2008, s. P.). Assim, a jurisprudência do SupremoTribunal Federal é no sentido de que o excesso de prazo deve ser analisado à luz dos três critérios postos, especialmente a complexidade do caso (quando envolve quadrilhas internacionais ou nacionais, por exemplo) e se o excesso de prazo foi ocasionado pelo próprio imputado. Tais critérios de aferição da razoável duração do processo visam garantir abusos, tanto do Estado-Juiz quanto do Réu. Não seria racional uma tese de defesa por excesso de prazo quando a próprio réu é causador da demora, menos racional ainda imputar ao Réu as mazelas da falta de condições estruturais do Poder Judiciário em julgar os processos em tempo hábil. Nesse mesmo sentido, em crimes que envolvam grande quantidade de acusados, não seria razoável que a mera soma dos prazos implique em excesso de prazo, sabendo que mesmo com todo o aparato judicial alocado em determinado caso, não é possível fazer toda a instrução processual e julgamento em menos de 81 (oitenta e um dias). Urge salientar, que a aplicação do princípio da proporcionalidade para ponderar os princípios da “razoável duração do processo” e “vedação da proteção deficiente” (garantismo positivo) é alvo de críticas. Lopes Jr. (2011) acentua que embutido no princípio da razoável duração do processo está o direito a vida, liberdade e dignidade da pessoa humana, devendo prevalecer sobre qualquer outro princípio no que tange a duração do processo penal. Feita tal ressalva, forçoso concluir que apesar de não haver prazo para prisão preventiva, ao tempo que o legislador preferiu não numerar prazos para a prisão cautelar dita, os critérios apresentados devem orientar a atuação do magistrado para definir o que seria a razoável duração do processo, sob pena de ter que colocar o réu em liberdade já que haveria no excesso de prazo nítido constrangimento ilegal. Parece claro que a decretação da prisão preventiva e seus efeitos devem ser revistos pelo legislador, bem como pelos órgãos jurisdicionais, com o objetivo de tornar esta uma ferramenta para auxiliar em casos peculiares do processo penal e não como uma arma para antecipar o efeito pretendido pela acusação numa ação penal de forma arbitrária. ➔ Recursos No entendimento de Guilherme de Souza NUCCI, contra a decisão judicial, decretando a preventiva, cabe a impetração de habeas corpus. A negativa em decretá-la, quando requerida pelo Ministério Público ou pelo querelante autoriza o ingresso de recurso em sentido estrito previsto no art. 581, V, CPP. Da decisão que revogar a preventiva, cabe recurso em sentido estrito. ➔ Revogação O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar que falta motivo para que subsista, conforme artigo 316 do CPP. Uma vez que inexistem os pressupostos e requisitos trazidos pelo artigo 312 do CPP não há que se falar em manutenção da prisão preventiva e por isso deve ser revogada e o réu tem que ser colocado em liberdade. O pedido de revogação da prisão preventiva sempre será ao Juiz que a decretou. OBS: Como advogado, lembre-se sempre: primeiro faz o pedido de revogação da prisão preventiva perante o Juiz que a decretou, com documentos que demonstrem que o sujeito não preenche os requisitos do artigo 312 CPP (declaração de trabalho licito, endereço fixo, demonstração de que possui família constituída, demonstração de que é pessoa de bem com fotos, declarações e outros documentos). Se tal pedido for indeferido, faz o Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça do Estado competente, buscando a liberdade do sujeito. Entrar direito com o HC é queimar um cartuxo!