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Parecer Junqueira - estipulação em favor de 3s

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CLÁUSULA CRUZADA DE NÃO INDENIZAR (CROSS-WAIVER OF
LIABILITY), OU CLÁUSULA DE NÃO INDENIZAR COM EFICÁCIA PARA
AMBOS OS CONTRATANTES - RENÚNCIA AO DIREITO DE INDENIZAÇÃO -
PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO - ESTIPULAÇÃO EM FAVOR DE
TERCEIRO
Revista dos Tribunais | vol. 769/1999 | p. 103 - 109 | Nov / 1999
Doutrinas Essenciais de Direito Civil | vol. 4 | p. 561 - 569 | Out / 2010
Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 4 | p. 25 - 34 | Jun / 2011
DTR\1999\514
Antonio Junqueira de Azevedo
Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Área do Direito: Civil; Comercial/Empresarial
Sumário:
1 - Consulta-nos a Agência Espacial Brasileira sobre a validade de um tipo de cláusula
contratual, habitualmente existente nos instrumentos de cooperação bilateral, em que a
Nasa é parte, denominada, no direito americano, de cross-waiver of liability.
Fundamentalmente, cada contratante, segundo essa cláusula, dispensa o outro de
indenização por danos resultantes da atividade comum. A consulente informa que tem
interesse científico e tecnológico em assinar acordos de cooperação com a NASA, nos
quais a citada cláusula seria inserida, mas gostaria de ter certeza sobre sua legalidade,
perante o ordenamento positivo brasileiro.
2 - Esclarece, ainda, a consulente que o art. XI do Acordo-Quadro firmado entre o
Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América,
em 1.º.03.1996, sobre cooperação nos usos pacíficos do Espaço Exterior, dispõe: "No
interesse de fomentar a participação na exploração, investimento e atividades científicas,
as Partes Contratantes, por si mesmas ou por intermédio de suas agências executoras
principais, comprometem-se a estabelecer, como parte dos Ajustes Complementares,
um sistema próprio de assunção de responsabilidade por suas respectivas perdas e
danos. As Partes Contratantes assegurarão, de maneira compatível com suas respectivas
legislações nacionais, que as contratantes, subcontratantes e entidades participantes a
elas associadas tomem parte neste sistema de responsabilidade" (art. XI do
Acordo-Quadro firmado na data acima referida).
3 - Entre a Nasa e a consulente, que, nos termos do Acordo-Quadro, é a "agência
executora principal" brasileira, estão em curso conversações, com a finalidade de
concretizar o que ficou estipulado no artigo supratranscrito; os textos dos ajustes
complementares incluiriam, portanto, a cláusula do cross-waiver of liability. A título de
exemplo, essa cláusula estaria, num dos convênios, assim redigida: "b.1 - Cada Parte
aceita a dispensa recíproca de responsabilidade jurídica, segundo a qual cada Parte
renuncia a qualquer demanda contra qualquer das entidades ou pessoas listadas em
b.1.i até b.1.iii desta seção, baseada em dados originados de Operações Espaciais
Protegidas. Esta dispensa recíproca deverá ser aplicada unicamente no caso em que a
pessoa, entidade ou bem causador do dano esteja envolvido com as Operações Espaciais
Protegidas e a pessoa, entidade ou bem prejudicado tenha sido danificado em
decorrência de seu envolvimento com as Operações Espacias Protegidas. A dispensa
recíproca deverá ser aplicada a quaisquer demandas por dano, qualquer que seja o
CLÁUSULA CRUZADA DE NÃO INDENIZAR
(CROSS-WAIVER OF LIABILITY), OU CLÁUSULA DE NÃO
INDENIZAR COM EFICÁCIA PARA AMBOS OS
CONTRATANTES - RENÚNCIA AO DIREITO DE
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Ana Flávia Cordeiro
Caso da NASA
fundamento legal para tais demandas, incluindo, mas sem se restringir a esses
fundamentos os delitos de natureza civil e os culposos (inclusive os praticados por
negligência em qualquer grau ou espécie) e o contrato, apresentadas contra:
i. a outra Parte;
ii. uma entidade associada à outra Parte; ou
iii. os empregados de qualquer das entidades identificadas em b.1.i e b.1.ii desta seção.
b.2 Além disso, cada Parte estenderá a dispensa recíproca de responsabilidade,
conforme estabelecido no parágrafo b.1 desta seção, às entidades a elas associadas,
requerendo das mesmas, através de contrato ou por outro meio, que concordem em
renunciar a todas as demandas contra as entidades ou pessoas identificadas em b.1.i até
b.1.iii desta seção".
4 - A indagação fundamental da consulta é a de saber se a cláusula do cross-waiver,
exemplificada no item anterior, conflita com a legislação brasileira ou se, ao contrário,
tem validade. A mesma questão se propõe, naturalmente, para eventuais acordos a
serem assinados com outros países. Passamos a responder.
5 - A leitura da cláusula transcrita como exemplo no item 3 acima revela claramente que
estamos diante de texto contratual traduzido. São duas culturas jurídicas (legal cultures)
que se defrontam: a americana e a romano-germânica, na qual nos inserimos. Para nós,
a redação americana é excessivamente analítica e sem técnica - aparentemente, há
"desordem", mas, como costuma dizer ilustre professor da Faculdade de Direito da USP,
Goffredo Telles Jr., "a desordem é a ordem que não conhecemos". Na verdade, estamos
diante de linguagens diferentes, de tal forma que, feita a simples tradução da citada
cláusula, é preciso, ainda, vertê-la em termos jurídicos nacionais; somente depois disso,
ou com isso, é que, então, poder-se-á dizer da validade do que nela se contém.
6 - Ora, o teor da cláusula transcrita revela que há, em seu texto, segundo o nosso
direito, pelo menos quatro figuras jurídicas distintas: a) exoneração da responsabilidade
por uma possível indenização por danos - cláusula de não indenizar -, objeto principal da
consulta; b) renúncia, justificada, a um eventual direito de indenização; c) promessa de
fato de terceiro; d) estipulação em favor de terceiro.
7 - Antes de, analiticamente, examinarmos essas quatro figuras, verificando seu exato
alcance, convém salientar que, na cláusula, objeto da consulta, as vantagens e
desvantagens são recíprocas. Segue-se daí que um dos princípios fundamentais do atual
direito dos contratos - o princípio do equilíbrio contratual, regido pela regra geral da
boa-fé objetiva - está respeitado. Nos dias que correm, seguindo o duplo movimento de
globalização e controle social (= não estatal) das relações contratuais, são consideradas
abusivas as cláusulas que colocam uma das partes em desvantagem exagerada em
relação à outra, quer atribuindo a esta direitos, negados à primeira, quer, inversamente,
criando obrigações, para um contratante, que não existem para o outro. Em síntese:
uma das mais fortes tendências do direito contratual atual, no sistema
romano-germânico, é a de não admitir desequilíbrio injustificado entre os direitos e
obrigações atribuídos às partes; a autonomia da vontade deve ser harmonizada com a
solidariedade social. Ora, in casu, antes mesmo de se tratar de aspectos de direito
público e antes mesmo de se passar ao exame dos direitos e obrigações do ponto de
vista do direito privado, é importante frisar, numa visão formal, mas ao nível dos
princípios, que a reciprocidade faz com que, aqui, cada direito, de cada uma das partes,
encontre sua causa de atribuição no direito inverso da parte contrária. A mesma
justificação se dá com as obrigações. A reciprocidade, portanto, impede a existência de
qualquer defeito de contrariedade à boa-fé objetiva e dá a causa justificadora da
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Ana Flávia Cordeiro
não admitir desequilíbrio injustificado
atribuição dos direitos e obrigações.
8 - Dito isso, passamos à análise da questão, em suas quatro figuras - o que será feito,
como foi pedido, antes sob o ângulo da teoria geral do direito do que do direito público.
Começando pela exoneração prévia de uma possível indenização por danos, cumpre
dizer que estamos diante de cláusula de não indenizar, também chamada, por alguns
juristas, de "cláusula de irresponsabilidade" (expressão, a nosso ver, imprópria,porque
a liberação, contratualmente obtida, é da indenização, não havendo, propriamente,
admissão de irresponsabilidade; no mesmo sentido, desenvolvidamente, Sergio Cavalieri
Filho, Programa de responsabilidade civil, 1. ed., 2.ª tiragem, São Paulo : Malheiros,
1996, n. 111, p. 336). Essa cláusula, que, no fundo, se constitui numa transação sobre
os riscos, ora é válida, ora é nula, dependendo de alguns requisitos e circunstâncias
(veja-se o item seguinte). Dela devem ser consideradas distintas as cláusulas
limitativas, em que a indenização não é eliminada mas, de alguma forma, diminuída,
como, por exemplo, se, para esta, é fixado um valor máximo, ou se é encurtado o prazo
para propositura de ação. A cláusula em exame, tendo em vista a previsão de que a
exoneração da indenização, para cada uma das partes, é somente para "o caso em que a
pessoa, entidade ou bem causador do dano esteja envolvido com as Operações Espaciais
Protegidas", poderia ser qualificada como limitativa; entretanto, apesar disso, a verdade
é que, nas condições previstas, havendo o dano, o pacto de non petendo é, nela, total,
de tal forma que a indagação, própria da cláusula de não indenizar, sobre se é válida, ou
não, de fato, se propõe.
9 - São nulas as cláusulas de não indenizar que: a) exonerem o agente, em caso de
dolo; b) vão diretamente contra norma cogente, às vezes dita de ordem pública; c)
isentem de indenização o contratante, em caso de inadimplemento da obrigação
principal; e d) interessem diretamente à vida e à integridade física das pessoas naturais.
São quatro situações diferentes. Admitir a validade das primeiras seria dar uma
autorização para delinqüir; a nulidade das segundas resulta dos incs. II e V do art. 145
do CC brasileiro; dar eficácia às cláusulas da terceira hipótese tornaria o contrato um
negócio jurídico abusivo, eis que a cláusula faria com que o contratante, por ela
beneficiado, somente cumprisse sua principal obrigação, se quisesse (haveria
desrespeito à proibição das condições puramente potestativas - art. 115, in fine, do CC
brasileiro); a nulidade das últimas, finalmente, a nosso ver, resulta da Constituição da
República (LGL\1988\3), porque tais cláusulas ferem o princípio maior do Estado
brasileiro, a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, c/c o art. 5.º, caput, ambos da
Constituição da República (LGL\1988\3)).
10 - De forma semelhante: "[É lícita a cláusula que] não ofende a nenhum princípio de
ordem pública e a obrigação afastada pela cláusula não é da essência do contrato. São
cláusulas ilícitas: a de transferência de obrigações essenciais do contratante, as que
exonerem de responsabilidade pelo dolo ou culpa grave e, em geral, todas as que
interessem à proteção da vida, da integridade física e da saúde do contratante" (Aguiar
Dias, citando Pontes de Miranda, Da responsabilidade civil, 5. ed. Rio de Janeiro :
Forense, 1973, n. 216, v. II, p. 289).
11 - Ora, a examinada cláusula de não indenizar não se subsume em nenhuma das
quatro situações de nulidade, como passamos a demonstrar. A propósito do dolo, Ana
Prata ( Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, Coimbra :
Almedina, 1985, p. 288), dissertando sobre o direito português - nesse passo,
absolutamente idêntico ao nosso e ao das demais nações romano-germânicas -,
escreve: "O que é inadmissível não é incumprir, mas sim fazê-lo dolosamente: o que a
ordem jurídica tutela prioritariamente é uma certa forma de conduta e fá-lo punindo
todas aquelas que lhe são desconformes. O devedor não pode, pois, reservar-se o direito
de actuar dolosamente. E o credor não pode, por seu lado, prescindir de um instrumento
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de sanção, que não se destina a salvaguardar o seu interesse, mas o interesse social da
repressão e prevenção de condutas intencionais ilícitas". Pedindo desculpas pela
autocitação, também já escrevemos, em idêntica linha de pensamento (relatório sobre o
direito brasileiro, para os Travaux de l'Association Henri Capitant, sobre a boa-fé - "La
bonne foi", Paris : Litec, 1992, t. XLIII, p. 83): "La conclusion que l'on peut tirer des
paragraphes précédents c'est que la responsabilité extracontractuelle pour dol est
inamovible, car la clause de non indemnisation n'autorise pas la pratique de l'acte illicite,
mais cette même responsabilité peut être éliminée le cas échéant de l'acte coupable"
(grifo nosso).
12 - Portanto, a cláusula de não indenizar não inclui, entre nós, a exoneração de
responsabilidade, quando houver dolo - cumprindo acrescentar que a culpa grave é
equiparada ao dolo. Ora, no caso da consulta, o próprio ajuste complementar, em outra
disposição minuciosa, toma o cuidado de prever, contratualmente, o que, para nós, é
disposição do sistema, isto é, a nulidade na hipótese de dolo. Veja-se "iii", abaixo, na
cláusula "b.4":
"b.4 - Não obstante os demais dispositivos desta seção, essa dispensa recíproca de
responsabilidade não será aplicada a:
i. demandas entre uma Parte e entidade a ela associada ou entre entidades associadas a
uma das Partes entre si;
ii. demandas apresentadas por pessoa física, seu patrimônio, seus herdeiros, ou
representantes por ferimento ou morte de tal pessoa física, exceto se um dos
representantes for uma das Partes;
iii. demandas por dano causado por ação indevida, praticada deliberadamente;
iv. demandas versando sobre propriedade intelectual;
v. demandas derivadas de contratos entre as Partes, baseadas nas cláusulas contratuais
expressas deste Memorando de Entendimento; ou
vi. demandas por dano com base no fato de as Partes ou as entidades associadas terem
deixado de estabelecer entre si a dispensa de responsabilidade".
Logo, por força de "iii" supra, o teor da cláusula em exame coincide plenamente com o
que, sobre o ponto (dolo e culpa grave), é admitido no direito brasileiro. Por outro lado,
nada há, no direito brasileiro, que impeça exoneração de indenização por atos culposos.
13 - Passando à segunda hipótese de nulidade, cabe dizer que a cláusula de não
indenizar, de modo geral, não encontra expressa proibição legal. As cláusulas
exonerativas - e, às vezes, até mesmo as limitativas - somente encontram vedação em
leis especiais; o fato é excepcional; ocorre, por exemplo, no Código de Defesa do
Consumidor, cujo art. 51, I, por causa da "vulnerabilidade do consumidor" (art. 4.º, I, do
CDC (LGL\1990\40)), dispõe: "São nulas de pleno de direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem,
exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza
de produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de
consumo entre fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser
limitada, em situações justificáveis". Essa disposição comprova a contrario sensu a
normal validade da cláusula de não indenizar. No caso examinado, não há nenhuma lei
especial que a proíba, logo, ela é válida.
14 - Também não é o caso - terceira hipótese - da nulidade resultante de exoneração
por inadimplemento da obrigação contratual principal. A cláusula de não indenizar é, no
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ajuste complementar em estudo, cláusula acessória, eis que as obrigações principais são
completamente outras. A título de comparação, percebe-se que não há, aqui,
semelhança com o contrato de transporte, que, este sim, inclui, na obrigação principal, a
incolumidade do bem ou do passageiro, justificando a Súm. 161, do STF: "Em caso de
transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar".
15 - Resta, pois, examinar a última hipótese, de possívelnulidade da cláusula de não
indenizar - a relativa a danos pessoais (morte e lesões à integridade física). Ora, esse
ponto, que seria interessante desenvolver, tendo em vista a "constitucionalização" do
personalismo ético do direito civil, levar-nos-ia a um excesso de exposição, eis que,
também nesse passo, o que, para nós, é direito objetivo, norma legal, no convênio
redigido à americana, está expresso (v. no item 12 supra o "b.4.ii"); trata-se da ressalva
relativa à pessoa física que sofra morte ou ferimento (os acréscimos minuciosamente
analíticos, relativos a herdeiros e representantes, no mesmo "b.4.ii", em nada alteram a
questão). De tudo, portanto, uma primeira conclusão se impõe: "É válida a estipulação,
cruzada, de não indenizar, cross-waiver of liability, tal e qual prevista no convênio que
serviu de modelo para exame".
16 - A mesma cláusula contém ainda uma renúncia à indenização, uma renúncia prévia,
que se constitui, como é evidente, no lado negativo da cláusula de não indenizar. Nada
haveria a acrescentar não fosse o fato de que a renúncia, em tese, podendo se fazer, no
direito privado, por declaração imotivada de vontade, levanta, para o jurista, a questão
denominada relevância dos motivos, tanto mais importante quanto, aqui, a renunciante
é agência espacial, executora de programa governamental, estando, portanto, no campo
do direito público, em que sempre se exige motivação. A verdade, porém, é que, na
cláusula em exame, a renúncia está devidamente motivada ou, como se diz,
tecnicamente, em direito privado, a renúncia tem causa. Há causa, nos dois sentidos em
que esta palavra é habitualmente empregada: há causa de atribuição (causa
obligationis) - isto é, a causa da renúncia de uma parte, beneficiando a outra, é a
renúncia desta -; e há causa do negócio (causa negotii) isto é, há, como finalidade, o
interesse científico e tecnológico que justifica o acordo como um todo (cf. Torquato
Castro, Da causa no contrato, Recife, Impresa Universitária, 1966, passim). Portanto,
outra vez, nada a objetar contra a validade da cláusula, permitindo que se passe
imediatamente aos dois últimos pontos.
17 - Há promessa de fato de terceiro - falando à moda dos filósofos tomistas -, na
segunda parte da segunda parte da cláusula transcrita no item 3, quando se estipula
sobre renúncia a ser obtida de outras pessoas ou entidades, verbis: "Além disso, cada
Parte estenderá a dispensa recíproca de responsabilidade, conforme estabelecido no
parágrafo b.1 desta seção, às entidades a ela associadas requerendo das mesmas,
através de contrato ou por outro meio, que concordem em renunciar a todas as
demandas contra as entidades ou pessoas identificadas em b.1.i até b.1.iii desta seção"
(grifo nosso). O direito brasileiro, há muito tempo, não abriga as mesmas dúvidas de
seus congêneres, sobre a promessa de alguém por fato de outrem. O Código Civil
(LGL\2002\400), nas "Disposições Gerais" dos "Efeitos das Obrigações", depois de
determinar a transmissão do vínculo obrigacional aos herdeiros (art. 928), admite
amplamente a promessa de fato de terceiro; dispõe ele, com clareza, no art. 929:
"Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando
este o não executar".
18 - A obrigação por fato de outrem é, na verdade, como se depreende do art. 929, uma
espécie de garantia que o promitente faz à outra parte, ou uma "fiança", como diz Clóvis
Beviláqua, cujo comentário ao citado artigo passamos a transcrever: "O pensamento
nele contido é o mesmo das Inst. 3, 19, § 3.º: Si quis alium daturum facturumve quid
spoponderit, non obligabitur... Quod si effecturum se ut Titius daret, spoponderit,
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obligatur. Realmente ninguém pode obrigar outrem a cumprir aquilo que não prometeu,
pessoalmente, se não recebeu a promessa de quem se achava autorizado a fazê-la,
como no caso do mandato. Mas é lícito comprometer-se alguém a obter ato ou fato de
outrem. Essa promessa, em sua essência, é uma obrigação de fazer, que, não sendo
executada, resolve-se em perdas e danos. E, sob o ponto de vista da relação jurídica
especial, que prepara, é uma fiança. Aquele que promete fato a terceiro é um fiador, que
assegura a prestação prometida. É possível prometer a execução de uma obrigação
futura ou já existente, a celebração de um contrato, a realização de uma obra, o
pagamento de uma soma de dinheiro".
19 - Válida a promessa de fato de outrem, cujo alcance, pois, é que, se o fato alheio não
for obtido, o promitente arcará com a sanção de perdas e danos - ou, acrescentamos,
com a sanção prevista no contrato, eis que há espaço para a autonomia da vontade.
Cumpre dizer, finalmente, que também a quarta figura, estipulação em favor de terceiro,
é válida no nosso direito. A questão, aqui, se assemelha à de uma representação sem
procuração e está prevista na primeira parte da primeira parte da cláusula examinada,
quando se determina que cada contratante estende a renúncia de demanda às pessoas e
entidades associadas à contra parte. Os arts. 1.098, 1.099 e 1.100 do CC, em capítulo
próprio, tratam do assunto; o que mais interessa é o primeiro deles, que permite, quer
ao estipulante, quer ao terceiro, exigir o que está no contrato: "O que estipula em favor
de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em
favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia,
sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante o não inovar
nos termos do art. 1.100".
20 - Os autores italianos discutem qual o interesse do estipulante em obter, para
outrem, vantagem jurídica, concluindo, a final, que nem sempre o fato se dá donandi
causa (cf. Franco Girino, Studi in tema de stipolazione a favore di terzi, Milano : Giuffrè,
1965, todo o primeiro capítulo, p. 7 a 90). Com efeito, muitas vezes, como, aliás, no
caso em exame, o interesse é comum entre o estipulante e o terceiro, justificando
amplamente a disposição legal de nosso Código, que dá legitimação quer à parte quer ao
terceiro, para exigir a obrigação. Além disso, cumpre dizer que não se trata, no caso, do
mero dever de proteção ao terceiro, criado pela regra da boa-fé objetiva, mas sim de
obrigação contratual assumida a favor de terceiro, havendo, pois, plus em relação ao
mero dever; há obrigação, com a conseqüência de que as pessoas e entidades
associadas podem exigir seu cumprimento, tal e qual a própria parte que estipulou em
benefício delas. Como diz Pontes de Miranda, "se foi caracterizada a estipulação a favor
de terceiro, não se pode pensar em contrato com eficácia protetiva para terceiro, há
plus". E mais adiante: "Se nasce pretensão à prestação, ou foi a lei que introduziu na
relação jurídica o terceiro, ou houve, simultaneamente à conclusão do contrato, ou
posteriormente, estipulação a favor de terceiro" (Pontes de Miranda, Tratado de direito
privado, 2. ed., Rio de Janeiro : Borsoi, 1959, v. 26, § 3.165). A conseqüência,
repetimos, quanto à estipulação em favor de terceiro, é que, no caso, assinado o ajuste
complementar, se houver ação de indenização contra as pessoas e entidades associadas
("b.1.ii" e "b.1.iii"), podem elas servir-se diretamente da cláusula examinada.
21 - Diante de todo o exposto, concluimos, pois, afirmando que, em nossa opinião, a
cláusula cross-waiver of liability, quer no seu aspecto principal de cláusula de não
indenizar, quer em seus aspectos secundários, de renúncia, promessa por fato de
outrem e estipulação em favor de terceiro, nada apresenta de contrário ao direito
brasileiro; é cláusula que pode ser assinada tanto pela consulente, em instrumento de
cooperação com a Nasa, dos Estados Unidos da América, quanto pelo Governo da
República Federativa do Brasil em eventual acordo com outros países. É o nosso parecer.
CLÁUSULA CRUZADA DE NÃO INDENIZAR(CROSS-WAIVER OF LIABILITY), OU CLÁUSULA DE NÃO
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Ana Flávia Cordeiro
Pontes de miranda
Ana Flávia Cordeiro
promessa de fato de terceiro é uma fiança

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