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Direito Penal Aplicado II - Aula 9 - Crimes contra a pessoa infanticido e aborto

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Direito Penal Aplicado II
Aula 9: Crimes contra a pessoa – Parte 2
Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
O infanticídio é um crime próprio, pois só pode ser cometido pela mãe contra o próprio filho. A mãe deve estar sob estado puerperal, o qual se define pelo período pós-parto ocorrido entre a expulsão da placenta e a volta do organismo da mãe para o estado anterior à gravidez.
Ocorre que, neste período, a mãe pode ter o seu quadro psíquico alterado, gerando, em alguns casos, até depressão. Esta alteração psicológica pode ser simples, mas também pode ser profunda a ponto da mãe agredir/matar a criança. Esta hipótese é chamada de infanticídio e, portanto, tem um tratamento específico dentro do Código Penal.
Com base, um questionamento:
A mulher sob estado puerperal que matar o filho mais velho responde por infanticídio?
Conforme comentado na aula anterior, o homicídio vem no Código Penal sob diferentes roupagens. O infanticídio e o aborto são dois exemplos, pois nada mais são do que homicídios cometidos em circunstâncias especiais (matar um recém-nascido sob estado puerperal e matar um feto).
Portanto, fora dessas circunstâncias especiais, a conduta, em geral, sairá dos seus respectivos tipos e se enquadrarão no homicídio. E esse é o caso da pergunta acima. Tendo em vista que o infanticídio somente ocorre em relação ao filho recém-nascido, se a mãe matar o filho mais velho, ainda que sob estado puerperal, ela responderá por homicídio.
No entanto, se o estado puerperal for profundo a ponto de gerar uma doença mental na mulher e, consequentemente, ela não tiver total discernimento no momento do crime, incidirá a hipótese do art. 26 do Código Penal. Exclui-se, assim, a culpabilidade e a mãe não responderá por crime algum. Para tal conclusão, que é uma hipótese rara, é fundamental uma perícia na agente, de maneira a subsidiar a decisão do juiz sobre a culpabilidade ou não da mãe.
A amiga ajuda a mãe. Está em estado puerperal, a matar o filho. Por qual crime a amiga responderá: homicídio ou infanticídio?
Na pergunta acima, a mãe preenche os requisitos do crime de infanticídio e por este responderá. A amiga, contudo, não é mãe e nem está sob estado puerperal. Neste caso, para solucionar o problema, lançamos mão de um dispositivo da parte geral do Código Penal: Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Como se observa, a condição de mãe e de estado puerperal são circunstâncias de caráter pessoal da mãe que configuram elementares do crime de infanticídio.
Desse modo, pela aplicação do art. 30 (na sua parte final), tais circunstâncias se comunicarão à amiga e, portanto, ela preencherá os requisitos do infanticídio, respondendo por este crime e não por homicídio. Obviamente, a amiga deverá saber que a outra é mãe e está sob estado puerperal, pois, do contrário, responderá por homicídio.
Crime de Aborto 
O aborto consiste na interrupção da gravidez com a consequente morte do feto, havendo ou não sua expulsão. Veja que, se houver iniciado o parto, a hipótese não será de aborto. O feto, para o Direito Penal, somente começa a existir a partir do momento em que o óvulo fecundado entra no útero (14 dias após a fecundação).
Por isso, as pílulas anticoncepcionais e a “pílula do dia seguinte” não ensejam a prática de aborto para fins penais. Obviamente, há uma questão moral e religiosa que possui outra interpretação sobre o início da vida. Contudo, embora tais métodos possam ser violações morais e religiosas, sob o ponto de vista penal, configuram fatos atípicos.
O aborto em si não é crime. Crime é provocar o aborto! Dessa forma, o chamado aborto natural é um fato irrelevante para o Direito Penal.
Tipos penais relativos ao aborto:
· Autoaborto – Art. 124 do CP, primeira parte;
· Aborto consentido – Art 124 do CP, segunda parte;
· Aborto sem o consentimento da gestante – Art. 125;
· Aborto qualificado – Art. 127;
· Aborto legal – 128.
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento 
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:  (Vide ADPF 54)
Pena - detenção, de um a três anos.
Neste primeiro tipo de aborto, previsto no art. 124 do CP, temos um crime de mão própria; ou seja, só pode ser cometido pela gestante. Se alguém eventualmente ajudá-la, essa pessoa responderá como partícipe, mas não como coautor.
Entretanto, tenha em mente o fato que há duas situações neste tipo penal.
Nesse caso, observe que essa pessoa (um médico, por exemplo) não será partícipe. O partícipe somente ocorre na primeira situação. Para a segunda situação, há um tipo específico para isso: Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante. Cuidado com estas situações específicas!
No artigo 124, vimos o caso em que a gestante deseja abortar e o faz por si própria com o auxílio de terceiros.
 Aborto provocado por terceiro 
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
No art. 125, não há muito a ser comentado. Simplesmente, é a hipótese em que alguém provoca o aborto sem que a gestante assim deseje. E isso pode ocorrer constrangendo a gestante a fazer o aborto ou mesmo ministrando um remédio abortivo sem que ela saiba.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:  (Vide ADPF 54)
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
O art. 126 vem complementar a hipótese do art. 124, conforme explicado anteriormente. Cabe fazer um comentário específico com relação ao parágrafo único. Aqui, o legislador fez uma distinção determinando a aplicação da pena do art. 125 (aborto sem o consentimento da gestante) quando a vítima for menor de 14 anos ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Veja que as hipóteses mencionadas são equivalentes ao não consentimento, pois, em todas elas, de alguma forma, a gestante não possui o discernimento necessário para julgar a situação.
Daí a aplicação da pena do artigo anterior (que é sem o consentimento da gestante). O legislador considerou que uma pessoa menor que 14 anos é presumidamente incapaz de fazer um julgamento maduro sobre uma situação de aborto (mas o agente deve saber da idade) e, da mesma forma, a utilização da fraude vicia a decisão da gestante (utilização de um exame médico falsificado dizendo que o feto é anencefálico).
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Neste art. 127, o legislador prevê uma majorante (tecnicamente, não é qualificadora como mencionado no Código) para os casos de lesão corporal grave ou morte decorrentes do procedimento abortivo.
Em ambos os casos, a lesão corporal grave ou a morte devem ser resultado de culpa do agente que provoca o aborto. Do contrário, se havia dolo em matar ou lesionar, o agente responderá por aborto e homicídio/lesão corporal. Por último, importante destacar que é apenas punível pelo art. 127 a lesão corporal grave (em consequência, as lesões leves estão fora).
Aborto necessário
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:  (Vide ADPF 54)
I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
No art. 1281 temos as hipóteses legais de aborto. Duas situações em que o aborto pode ser feito, não sendo considerado crime. Veja que em ambos os casos, o abortodeve ser praticado por médico. Contudo, na hipótese do inciso I, se for realizado por uma parteira, ela estará amparada pelo art. 23, I (estado de necessidade) e não pelo art. 128, I. Agora, na hipótese do inciso II, ensejará crime. Cuidado com este detalhe.
 A hipótese do inciso I é chamada de aborto necessário. Aqui, trata-se de uma verdadeira excludente de ilicitude prevista na parte especial do Código Penal, pois opta-se pela vida da gestante em prejuízo da vida do feto. Mesmo que não houvesse essa previsão, tal situação ensejaria a aplicação do art. 23, I: Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade. O consentimento da gestante é dispensado neste caso, podendo o médico, diante da situação de perigo, proceder conforme as regras da medicina e salvar a vida da mãe. 
A hipótese do inciso II é chamada de aborto humanitário. Entendeu o legislador que, quando fruto de estupro, é autorizado o procedimento abortivo, considerando que a mulher não deve ser obrigada a gerir ou mesmo criar um filho fruto de uma situação tão traumática e dolorosa para ela. 
Nesse caso, veja que o consentimento da gestante é um requisito, não ficando ao arbítrio do médico. A situação de estupro não precisa ser comprovada por um inquérito, investigação ou processo. Contudo, o médico deve se certificar (por meio de um laudo, por exemplo) de que a gravidez decorreu de um estupro.
O aborto anencefálico é permitido? 
Atualmente, sim. O feto anencefálico é aquele tem má formação do tubo neural, caracterizando a ausência parcial ou total do encéfalo e da calota craniana. Tendo em vista que a possibilidade de vida após o parto é praticamente nula, entendeu o STF por meio da ADPF 54 que é possível o aborto neste caso, ficando, contudo, a critério da gestante a decisão.
O aborto eugênico é permitido? 
O aborto eugênico é a interrupção da gravidez quando o feto possui graves defeitos genéticos (não se trata de anencefálico). No Brasil, apesar do aborto anencefálico ser permitido, entende-se que o aborto eugênico ainda constitui crime, já que a probabilidade de vida é alta, embora a qualidade de vida seja bastante prejudicada em razão dos defeitos genéticos.
Das Lesões Corporais
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - Perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - Aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para o trabalho;
II - Enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;
IV - Deformidade permanente;
V - Aborto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
Lesão corporal seguida de morte
§ 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quís o resultado, nem assumiu o risco de produzí-lo:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
Diminuição de pena
§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Substituição da pena
§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:
I - Se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior;
II - Se as lesões são recíprocas.
Lesão corporal culposa
§ 6° Se a lesão é culposa: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de dois meses a um ano.
Aumento de pena
§ 7o  Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código.        (Redação dada pela Lei nº 12.720, de 2012)
§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.(Redação dada pela Lei nº 8.069, de 1990)
Violência Doméstica    (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)
§ 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)
§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços.  (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)

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