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POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER Olhares e experiências na perspectiva do direito social MARCO PAULO STIGGER MAURO MYSKIW Organizadores POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER Olhares e experiências na perspectiva do direito social Ijuí 2019 Coleção Educação Física 2019, Editora Unijuí Rua do Comércio, 3000, Bairro Universitário 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil Fones: (0__55) 3332-0217 E-mail: editora@unijui.edu.br Http://www.editoraunijui.com.br Editor: Fernando Jaime González Capa: Eska Design – Ethel Kawa e Tiemy Saito Revisão e editoração: Fernando Piccinini Schmitt Responsabilidade Gráfica e Administrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí P769 Políticas públicas de esporte e lazer: olhares e experiências na perspectiva do direito social / organizadores Marco Paulo Stigger, Mauro Myskiw. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2019. – 232 p. – (Coleção educação física). Formato impresso e digital. ISBN 978-85-419-0285-4 (impresso) ISBN 978-85-419-0286-1 (digital) 1. Políticas públicas. 2. Esporte. 3. Direito social. 4. Educação. 5. Lazer. 6. Formação de professores. I. Stigger, Marco Paulo. II. Myskiw, Mauro. III. Título. IV. Série. CDU: 796:36 Bibliotecário Responsável: Eunice Passos Flores Schwaste CRB 10/2276 FICHA TÉCNICA República Federativa do Brasil Jair Messias Bolsonaro Presidente Ministério da Cidadania Osmar Terra Ministro Secretaria Especial de Esporte Décio dos Santos Brasil Secretário Especial Secretaria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social – SNELIS Washington Stecanela Cerqueira Secretário Nacional Chefia de Gabinete Sidney Cavalcante de Oliveira Departamento de Desenvolvimento e Acompanhamento de Políticas e Programas Intersetoriais – DEDAP Angelo Roger Aroldo de França Costa Diretor Coordenação–Geral de Lazer e Inclusão Social – CGLIS Clemente Mieznikowski Coordenador–Geral Departamento de Gestão de Programas de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social – DEGEP Clair Tomé Kuhn Diretor Coordenação–Geral de Análise de Propostas – CGAP Joseane Salmito de Araujo Sitônio Coordenador–Geral Coordenação–Geral de Acompanhamento da Execução – CGAE Maria Susana Gois de Araújo Coordenador–Geral A coleção Educação Física é um projeto editorial da Editora Uni- juí, vinculado a um conselho editorial interinstitucional, que visa dar publicidade a pesquisas que buscam um constante aprofundamento da compreensão teórica desta área que vem constituindo sua reflexão conceitual, bem como os trabalhos que garantam uma maior aproxima- ção entre a pesquisa acadêmica e os profissionais que encontram-se nos espaços de intervenção. Promover este movimento é sem dúvida o maior desafio desta coleção. Conselho Editorial Carmen Lucia Soares – Unicamp Mauro Betti – Unesp/Bauru Tarcisio Mauro Vago – UFMG Amauri Bassoli de Oliveira – UEM Giovani De Lorenzi Pires – UFSC Valter Bracht – Ufes Nelson Carvalho Marcellino – Unicamp Paulo Evaldo Fensterseifer – Unijuí Vicente Molina Neto – UFRGS Elenor Kunz – UFSC Victor Andrade de Melo – UFRJ Silvana Vilodre Goellner – UFRGS Comitê de Redação Paulo Evaldo Fensterseifer Fernando Jaime González Maria Simone Vione Schwengber Leopoldo Schonardie Filho C O LE ÇÃO Sumário Prefácio / 11 Apresentação / 17 Marco Paulo Stigger Mauro Myskiw Parte 1 – Direito social e processos políticos Investimentos e desinvestimentos nas políticas públicas de esporte e lazer em Porto Alegre: da criação da sme até a sua extinção / 23 Marco Paulo Stigger Luis Felipe Silveira Bruna Brogni da Silva Paloma Müller de Souza Sheroll Bernardi Meira Thiago Milan da Silva Mauro Myskiw A extinção da SME de Porto Alegre: discursos e enquadramentos do esporte, recreação e lazer na agenda do governo / 49 Mauro Myskiw Denise Fick Alves Mauro Castro Ignácio Vitória Leite da Veiga Luis Felipe Silveira Walter Reyes Boehl Marco Paulo Stigger Direito ao esporte e lazer na análise das políticas públicas de Santa Maria/RS / 81 João Francisco Magno Ribas Matheus Francisco Saldanha Filho Joseane Alba Mônica Possebon As memórias da gestão pública de esporte e lazer na cidade de Pelotas/RS / 101 Rose Meri Santos da Silva Carlos Eduardo Pereira Garcia Marcos Bersch da Cruz Parte 2 – Direito social, emancipação e apropriação A prática de skate no cotidiano da cidade de Osório/RS: uma etnografia multissituada / 121 Cinara Rick Leandro Forell Aprendizagens e emancipações dos direitos sociais do esporte e lazer: um estudo exploratório do PEI e das participações de jovens nos JERGS / 135 Augusto Dias Dotto Ednaldo da Silva Pereira Filho Direitos de esporte e lazer nas experiências sociais das juventudes de São Leopoldo/RS / 155 Claiton Rodrigo Nunes Ednaldo da Silva Pereira Filho Khrysalis Pires de Castro Parte 3 – Direito social, educação e formação O esporte educacional sob o olhar dos gestores municipais do/no litoral norte gaúcho / 177 Vanessa Kudla Nogueira Cinara Rick Fabiana Gazzotti Mayboroda Leandro Forell Esporte e lazer e a formação de professores no município de Santa Maria/RS / 191 João Francisco Magno Ribas Matheus Francisco Saldanha Filho Natália de Borba Nunes Vivianne Costa Koltermann Joseane Alba Mônica Possebon Histórias e memórias dos Jogos Escolares de Pelotas/RS, o JEPEL / 213 Rose Meri Santos da Silva Carlos Eduardo Pereira Garcia Marcos Bersch da Cruz Autores / 229 11 Prefácio O convite para prefaciar essa obra foi aceito com um misto de orgulho e apreensão. Orgulho por receber esse presente – e desafio – de pessoas que, além de nutrir uma boa amizade, admiro pela seriedade do trabalho e reconheço como referências na produção de conhecimento dentro da nossa área. A apreensão, que acompanha essa satisfação, decorre da preocupação em atender a confiança em mim depositada e, ao mesmo tempo, produzir um texto introdutório que esteja à altura das pessoas e estudos que compõem esse livro. No entanto, como afirmou Luther King Jr., “são nos momentos de controvérsia e desafio que percebemos a verdadeira medida de um homem”. Para além da esfera pessoal, é notório que vivemos um tempo desafiador e conflituoso para aqueles que defendem os direitos sociais e que, concomitantemente, almejam garanti-los qualificando a política e gestão pública. Tais objetivos, vinculados mais especificamente ao esporte e lazer do Estado do Rio Grande do Sul, conformam horizontes dentro do escopo de atuação da Rede CEDES-RS. E nesse compromisso me alinho aos pesquisadores da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS-Litoral Norte), da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel), do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria (CEFD/UFSM) e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Ao observar que esse grupo de pesquisadores elegeram as políticas públicas de esporte e lazer no Rio Grande Do Sul a partir de uma pers- pectiva do direito social, rapidamente me faço a seguinte indagação: O que significa pensar o esporte e lazer como direitos sociais em nosso tempo 12 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger histórico? Para arriscar uma resposta, convido a uma rápida digressão ao passado, acreditando que ela ilumine o presente e ajude a prospectar o futuro. Segundo Potyara A. P. Pereira (2009),1 autora citada em textos dessa obra, os direitos sociais devem ser alvos prioritários das políticas sociais, uma vez que se orientam pelo princípio da igualdade. Na cronologia dos direitos, proposta por T. H. Marshall (1967),2 os direitos sociais teriam se consolidado apenas no século XX, após os direitos civis e políticos. Entretanto, pensar o elemento universal e consubstanciá-loem direitos é uma tarefa que nos remete à filosofia das Luzes, à Revolução Norte- Americana e, posteriormente, à França e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que consignou: “os homens nascem e permanecem livres e iguais em direito”. Mais recentemente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, reafirmou, em seus princípios fundamentais, a universalidade e indissociabilidade dos Direitos Humanos, bem como a igualdade, sem exceção, entre os homens. Todavia, conforme alerta Coutinho (2005),3 os direitos não são processos naturais, mas sim fenômenos sociais e resultan- tes da própria história. A desestruturação do Estado social comprometeu o imperativo democrático e a perspectiva de pensar coletivamente que tipo de humanidade e sociedade gostaríamos de construir. Ademais, não obstante a tentativa das Nações Unidas em dar a seus princípios um conteúdo em direito e não puramente moral, após mais de setenta anos, chegamos a um contexto no qual os direitos humanos são hostilizados. No caso brasileiro, essa hostilidade é verbalizada por atores políticos que ocupam o Estado e deveriam se encarregar de salvaguardá-los. As mudanças societárias conformaram uma realidade desafiadora na qual a crise estrutural da sociabilidade vigente, conquanto pareça distante de nosso objeto mais específico, apresenta ramificações sociais e econômicas, com repercussões no plano ideopolítico. As desigualdades, a corrupção, o desemprego e a estagnação econômica, que penitenciam 1 PEREIRA, P. A. P. Discussões conceituais sobre política social como política pública e direito de cidadania. In: BOSCHETTI, I. et al. (Orgs.). Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 87-108. 2 MARSHALL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. 3 COUTINHO, C. N. Notas sobre cidadania e modernidade. Revista Ágora, Vitória, Ano 2, n. 3, dez. 2005. 13 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências à maior parte da população, engendram terreno fértil à emergência de dirigentes prontos a semear o divisionismo e o discurso de ódio, com consequências explosivas de demonstração latente na atualidade. Acompanha essa narrativa odiosa a caça e procura por culpados, que devem ser capturados, expostos e severamente castigados, sendo esse ritual transmitido à população de forma espetacularizada pelos meios de comunicação e redes sociais. Quando essa busca fracassa e não resulta em personagens singulares, há sempre um ente pronto para receber a responsabilidade e sobre o qual podemos descarregar nossas frustrações – refiro-me ao Estado. O receituário para remediar esse ente “adoecido” passa por uma visão minimalista que busca reduzi-lo ao máximo, com- prometendo diretamente a oferta de políticas públicas e, por conseguinte, a garantia dos direitos. A recente extinção da Secretaria Municipal de Esporte de Porto Alegre é uma expressão pontual e palpável da hegemonia desta perspectiva. Juntamente com o Estado, ocupa o lugar de culpado o grupo social que não se adequa ao espírito empreendedor de nosso tempo, pautado na lógica instrumental e pela visão meritocrática do self-made man. Para os desacordos com essa racionalidade, há uma concepção de justiça social apartada do campo dos direitos, mas seccionada em ações focalizadas que os ajude a recuperar seu potencial produtivo, pois, como analisa Moyn (2018),4 “ninguém está autorizado a afundar”. Essa visão utilitarista do mundo também permeia o esporte e o lazer. Proni (2011)5 infirma a presença de um esporte pós-moderno, pois compreende que as características do mundo esportivo contemporâneo (mercantilização e espetacularização) são reflexos do desequilíbrio causado pelas promessas da modernidade, com a pujança do mercantilismo e o utilitarismo sobre o humanismo. Nesse contexto de ataque às liberdades e ao Estado, pensar o sig- nificado da natureza dos direitos em qualquer área social é um enorme desafio. Considerando que em nosso país nem mesmo necessidades básicas e direitos fundamentais são plenamente atendidos, emerge uma nova questão: Como garantir o esporte lazer como direito sociais em cenário 4 MOYN, S. Not Enough: Human Rights in an Unequal World. Massachusetts: Harvard University Press, 2018. 5 PRONI, M. W. Proposições para o estudo do esporte contemporâneo. Journal of ALESDE, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 166-182, setembro 2011. 14 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger tão adverso? Certamente, essa é uma indagação que hoje mobiliza um amplo conjunto da sociedade e compõe o pano de fundo de produções científicas semelhantes às contidas nesta obra. A Rede CEDES – Centros de Desenvolvimento de Esporte Recreativo e de Lazer –, criada em 2003 como a ação programática do Ministério do Esporte, inspirou-se na compreensão do papel estatal na efetivação do direito ao esporte e lazer e, ao mesmo tempo, no reconhe- cimento da necessidade de construção de uma base teórica para quali- ficação da formulação e gestão de políticas públicas. Desde sua criação, a Rede CEDES passou por diferentes momentos com mudanças de gestão, organização e concepção, incluindo a possibilidade de extinção. No entanto, a Chamada Pública nº 01/2015 implantou os Centros de Desenvolvimento de Pesquisas em Políticas de Esporte e Lazer da Rede CEDES (CDPPELs), reunindo 73 Instituições de Ensino Superior (IES), sendo 16 da Região Norte, 24 do Nordeste, 9 do Sudeste, 11 do Centro Oeste e 13 da Região Sul. A ampliação da Rede CEDES teve como objetivo geral “promover o desenvolvimento de atividades acadêmico-científicas, fundamentadas nas Humanidades e articuladas em níveis local, estadual, regional, nacional, internacional e, também, territorial”. Ao mesmo tempo, apresentou em seus objetivos específicos a qualificação das políticas públicas de esporte e lazer, seja no desenvolvimento de pesquisas, seja nas contribuições à formação e o assessoramento de pessoas e instituições, seja no auxílio à formulação e os debates sobre ordenamento legal. Tais objetivos são contemplados pelos grupos de pesquisa e pelos textos que compõem este livro, respeitadas as distintas epistemologias que os animam e alimentam, expressão da pluralidade importante ao campo acadêmico-científico. Pensar o direito social e os processos políticos que envolvem as polí- ticas de esporte e lazer locais – para além dos desafios de nossa sociabi- lidade, já sumarizados nessa introdução – requer levar em consideração os elementos mais específicos desse setor da gestão pública. A história dessas políticas e seus processos de continuidade e descontinuidade (investimento e desinvestimento) são obstáculos à consubstanciação da perspectiva de direito e de uma política de Estado. Ademais, no caso do esporte, mudanças ideológicas e políticas no plano governamental, por vezes, são incapazes de alterar a orientação deste setor, mantendo a hegemonia do esporte de performance e sua valori- 15 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências zação pelo potencial político e econômico agregado. Como subsidiária a essa concepção majoritária, promove-se ações focalizadas de cunho assistencial que tratam a prática esportiva e de lazer como atenuadores das mazelas sociais e estratégias de combate às drogas e violência urbana. Essa perspectiva orienta alterações na estrutura administrativa do esporte e na concepção de programas e projetos nas dimensões do esporte edu- cacional e de participação. Mais recentemente, registra-se a incorporação da pasta ministerial do esporte ao Ministério da Cidadania e, no plano local, a constituição da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social e Esporte em Porto Alegre. Sob uma ótica distinta, relacionar o direito social, emancipação e apropriação do esporte e lazer entusiasma pensar as potencialidades desses fenômenos socioculturais na constituição dos sujeitos emancipa- dos e, consequente, transformaçãodesta sociabilidade. A priorização ao esporte educacional, prevista em texto constitucional, e a composição de uma política de esporte e lazer voltada à promoção da saúde, seriam alterações suficientes para favorecer uma perspectiva de educação integral e a formação para a cidadania? Sem idealizações, essa reflexão não tem respostas simples ou monocausais, porém estudos sobre as experiências sociais e a apropriação de práticas corporais são subsídios necessários para respondê-la. Abreu (2008)6 afirma que a cidadania moderna não pode ser pensada separada das condições existenciais e que, portanto, a análise da cidadania deve se referenciar “na materialidade e nas subjetividades his- toricamente constituídas”. Contudo, mesmo que o culto ao utilitarismo, ao mercantilismo e ao espírito empreendedor conformem a religião de nosso tempo, não me parece que isso exclua definitivamente a possibi- lidade do esporte e o lazer como tempos e espaços de novas formas de relação com o mundo e com o outro, sendo tais manifestações parte de um projeto de melhorias das condições de vida. A possibilidade acima tem interface com a relação entre o direito social, educação e formação no âmbito das políticas públicas de esporte e lazer. Mudanças na compreensão e abordagem destes fenômenos re- clamam uma formação (inicial e continuada) ampliada, que aborde os 6 ABREU, H. Para além dos direitos: cidadania e hegemonia no mundo moderno. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. 16 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger conhecimentos da área nas ciências sociais, humanas e biológicas. Além de uma capacitação em serviço que instrumentalize os atores envolvidos na compreensão das nuances e adversidades da gestão pública, especialmente na garantia do acesso ao esporte e lazer como direitos sociais. Possivelmente, o melhor exemplo das contradições e desafios da política esportiva brasileira esteja sintetizado nos Jogos Escolares. Essa política que possui uma longa trajetória histórica foi impulsionada nos últimos anos nos estados e municípios do país. Esse estímulo tem rela- ção com a configuração das políticas esportivas de âmbito federal e sua ênfase na realização de grandes eventos esportivos. Ao mesmo tempo, esses jogos se deparam com um conjunto de conflitos que habitam as fronteiras entre o esporte educacional e de alto rendimento, que interpõe a problemática do esporte como um meio/instrumento educativo ou como um fim da política de educação. O escritor português José Saramago disse certa vez: “O que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca, e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto”. Já Eduardo Galeando, parafraseando o cineasta Fernando Birri, afirmou que a utopia está no horizonte e que, por mais que ela se afaste, seu sentido está em nos colocar em movi- mento. Portanto, ainda que o esporte e lazer sejam coisas tão próximas, pois fazem parte de nossa atuação profissional e produção intelectual, a materialização desses em direito é uma utopia que precisamos – juntos – continuar caminhando muito para alcançar. Parabéns aos autores dessa obra por darem mais um passo nessa longa caminhada! Brasília, 2 de março de 2019. Pedro Athayde Doutor em Política Social e professor na Universidade de Brasília 17 Apresentação Marco Paulo Stigger Mauro Myskiw Este livro é resultado de uma política pública com 15 anos de existência, direcionada para a produção e socialização de conhecimen- tos sobre esporte e lazer no Brasil, tendo como base a articulação com as Ciências Sociais e Humanas e como orientador central a garantia de direitos sociais. Nos referimos, especificamente, à Rede CEDES, um Programa criado em 2003 no âmbito do Ministério do Esporte, Governo Federal, coordenado, desde 2011, pela Secretaria Nacional de Esporte, Lazer e Inclusão Social. Em 2015, como ação programática, foram sele- cionadas 27 propostas de estruturação e desenvolvimento dos Centros de Pesquisa em Políticas Públicas de Esporte e Lazer, essas sediadas em cada uma das Unidades da Federação. A proposta de Centro da Rede CEDES do Rio Grande do Sul (Rede CEDES-RS) passou a ser implementada sob a coordenação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em conjun- to com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). As ações, no âmbito dessas instituições, foram desenvolvidas por membros dos seguintes Grupos de Pesquisas: Grupo de Estudos Socioculturais em Educação Física (UFRGS); Grupo de Estudos em Práticas Corporais (UERGS); Grupo Educação Física: Educação, Saúde e Escola (UFPel); Grupo de Estudos Praxiológicos(UFSM); e Grupo de Estudos OTIUM: Esporte, Saúde e Qualidade de Vida (Unisinos). Compreendendo o engajamento de oito professores/pesquisadores que coordenaram um grupo de vinte e um estudantes de graduação ou pós-graduação, o Centro da Rede CEDES-RS esteve orientado para o desafio de produzir conhecimentos sobre as práticas e políticas que fazem com que esporte e lazer sejam garantidos como direitos sociais e, para 18 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger tanto, sejam democratizados universalmente. Em torno disso, o objetivo do Centro compreendeu a constituição de um Centro de Estudos, de Investigações e de Formação no campo da política e da gestão pública do esporte e do lazer no Estado do Rio Grande do Sul, este orientado para o conjunto de agentes sociais e de entidades engajados no planejamento, na implementação e na avalição de planos, programas e projetos que se pautam pelos propósitos de educação, de lazer e de inclusão social, tendo em vista a melhor compreensão e qualificação da intervenção. Para atender a esse objetivo geral, foram estabelecidas linhas de ação, dentre as quais a estruturação de espaços de produção e divulgação de conhecimentos, isso mediante estudos, de investigações e publicações sobre políticas públicas e práticas de gestão do esporte e do lazer, aber- tos à participação de agentes do campo acadêmico, do campo político/ burocrático, como também de membros ‘da comunidade’. É no interior dessa linha que se localiza o presente livro, uma coletânea de textos que procura retratar olhares e experiências na perspectiva do direito social sobre as políticas públicas de esporte e lazer do Rio Grande do Sul. Nos referimos aos olhares e experiências desenvolvidos/vivenciados pelos pesquisado- res e estudantes nos grupos de estudos em suas instituições de ensino, cada um deles procurando produzir conhecimentos relevantes para suas realidades/regiões. Nesse contexto, cada um dos grupos foi instigado, desde o início, a desenvolver suas investigações tendo como eixo norteador o direito social ao esporte e ao lazer, o que ocorreu na interface com processos políticos, emancipação e apropriação, educação e formação. São essas interfaces que estruturam esta coletânea em 3 partes, as quais, somadas, têm a expectativa de ampliar o conhecimento e a compreensão sobre as políticas públicas do Rio Grande do Sul. A primeira parte, intitulada “Direitos sociais em processos po- líticos”, enfoca olhares e experiências sobre políticas públicas/sociais vinculadas ao esporte e ao lazer, tendo em vista a noção de processos políticos. Tais processos, nas pesquisas que foram realizadas e estão aqui descritas, abordam questões como o desinvestimento e a precarização, os discursos e enquadramentos nas arenas públicas de disputas, as carac- terísticas de elaboração e de implementação de políticas e memórias dos gestores públicos, suas vinculações partidárias, os setores responsáveis na administração municipal. Foi tomando essas questões como objetos de 19 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências estudos que as investigações puderam trazer elementos bastante signi- ficativos para a compreensão da política pública/social em municípios do Rio Grande do Sul.A segunda parte, que recebe o título de “Direitos sociais, emanci- pação e apropriação”, contempla elementos que reforçam o fato de que esporte e lazer são direitos sociais porque, nas suas experiências, não sem conflitos e tensões, os coletivos (aqui em destaque a juventude) desen- volvem suas visões de mundo, se entendem como cidadãos, produzem maneiras inacabadas de se perceberem para além de sujeitos individuais. É aí que os trabalhos dialogam com a experiência de emancipação, mas também o fazem em articulação com apropriação cultural, no sentido de que as vivências esportivas de lazer denotam produções culturais nos interstícios do poder instituído/hegemônico. Para trazer e sustentar es- sas reflexões, os estudos constantes no livro abordam usos esportivos da cidade, os projetos sociais esportivos na vida, as experiências sociais de acessos, aprendizagens e práticas esportivas em relação a condicionantes sociais, culturais e econômicos. Por fim, a terceira parte, intitulada “Direitos sociais, educação e formação”, mostra olhares e experiências a respeito da compreensão e da caracterização sobre como esporte e lazer perpassam (ao mesmo tempo em que estão perpassados) pelas condições de trabalho na educação e na formação para a intervenção no contexto das políticas públicas – na forma de programas e ações. Os itinerários de pesquisas e de análises descritos nessa parte da obra destacam a compreensão de gestores mu- nicipais, no emaranhado dos interesses locais/regionais, sobre o esporte educacional como objeto de política, assim como abordam as condições de trabalho e de formação continuada dos professores que lutam, no cotidiano municipal, para garantir o acesso público e gratuito. E, para dar materialidade a esses itinerários, são produzidas memórias de uma política municipal de esporte escolar que já dura 18 anos. Embora as pesquisas que resultam na produção deste livro tenham sido realizadas no contexto dos grupos em distintas instituições de ensino superior, vale sublinhar que elas foram concebidas e amadurecidas coleti- vamente, através de reuniões periódicas dos membros. Por isso, também como maneira de destacar a relevância desse trabalho coletivo, menciona- mos todas as pessoas envolvidas. Como pesquisadores-coordenadores esti- veram engajados os professores Ednaldo Pereira Filho (UNISINOS), João 20 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger Francisco Magno Ribas (UFSM), Leandro Forell (UERGS), Marco Paulo Stigger (UFRGS), Matheus Francisco Saldanha Filho (UFSM), Mauro Myskiw (UFRGS), Raquel da Silveira (UFRGS) e Rose Meri Santos da Silva (UFPEL). Os estudantes de iniciação científica que participaram do Centro foram: Arthur SantarianoTrojahn (UFRGS), Bruna Brogni da Silva (UFRGS), Carlos Eduardo Pereira Garcia (UFPEL), Cinara Rick (UERGS), Claiton Rodrigo Nunes (UNISINOS), DainanLanes de Souza (UFSM), Denise Fick Alves (UFRGS), Joseane Alba (UFSM), Khrysalis Pires de Castro (UNISINOS), Marcos Bersch da Cruz (UFPEL), Mauro Castro Ignácio (UFRGS), Natália de Borba Nunes (UFSM), Paloma Müller de Souza (UFRGS), Sheroll Bernardi Meira (UFRGS), Thiago Milan da Silva (UFRGS), Vanessa Kudla Nogueira (UERGS), Vitoria Leite da Veiga (UFRGS) e Vivianne Costa Koltermann (UFSM). Tivemos também colaboradores externos que estiveram envolvidos – esses foram os alunos de Programas de Pós-Graduação das suas respectivas universi- dades: Cristiano Neves da Rosa (UFRGS); Luis Felipe Silveira; (UFRGS) e Monica Possebon (UFSM). Mais do que indicar a dimensão do trabalho coletivo na produção de conhecimentos sobre gestão e políticas públicas de esporte e lazer, essa lista de nomes é importante para evidenciar como o Centro da Rede CEDES do Rio Grande do Sul se fortaleceu como espaço de formação acadêmica e política dos professores e dos estudantes. Nesse sentido, além dos olhares investigativos, os trabalhos que compõem esta coletânea retraduzem experiências de formação orientadas para os direitos sociais, o que entendemos ser um resultado não menos relevante. Daí é que surge o título dessa obra: olhares e experiências. Parte 1 Direito social e processos políticos 23 Investimentos e desinvestimentos nas políticas públicas de esporte e lazer em Porto Alegre: da criação da SME até a sua extinção Marco Paulo Stigger Luis Felipe Silveira Bruna Brogni da Silva Paloma Müller de Souza Sheroll Bernardi Meira Thiago Milan da Silva Mauro Myskiw INTRODUÇÃO/PROBLEMATIZAÇÃO Esse trabalho trata do tema “direitos sociais”, especificamente do direito social ao esporte e ao lazer, e da forma como – historicamente – ele tem recebido atenção de sucessivos governos que, em diferentes momentos, conduziram as políticas públicas da cidade de Porto Alegre. A concepção de direitos sociais aqui referida advém dos direitos expli- citados na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU,1 os quais, desde 1948, foram reconhecidos e incorporados às constituições de inúmeras nações do planeta, em especial no mundo ocidental. No Brasil, essa concepção foi incorporada apenas na Constituição de 1988, sendo referência para a nossa história recente (Telles, 1999). Dentre outros direitos, foi na Constituição de 1988 que os direitos sociais ao esporte e ao lazer adentraram na agenda das políticas pú- blicas de diferentes esferas governamentais, sendo também motivo de reivindicações por parte das populações. Nesse texto trataremos, em particular, das políticas públicas de esporte e lazer de Porto Alegre, as 1 Ver, em detalhe, em Telles (1999). 24 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger quais têm origem em tempos anteriores à Constituição de 1988 e que, por conta disso, vêm alimentando uma tradição que tem estimulado muitos estudos acadêmicos sobre o tema. Uma análise da produção acadêmica da Educação Física brasileira acerca das políticas públicas voltadas ao esporte e ao lazer que são desen- volvidas no Brasil levam a identificar um conjunto bastante significativo de estudos relativos às políticas municipais que vêm sendo realizadas em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. Os motivos para ser dada atenção a essa cidade em particular podem ser muitos, mas dois merecerão o nosso destaque nesse momento. Uma primeira razão se relaciona a aspectos históricos da cidade, essa que proporciona “serviços de lazer”talvez há mais tempo, se comparada com outras experiências existentes no território brasileiro: com início já desde 1926, se não for considerada a política voltada ao lazer “mais an- tiga”do Brasil, quiçá seja aquela que adquiriu muita notoriedade, tendo em vista a sua “relativa continuidade”já há mais de 90 anos.2 Outro possível motivo para a evidência destinada a Porto Alegre no que tange às políticas de esporte e lazer pode ser vinculada ao seu “sucesso”, esse considerado em especial a partir da década de 90, quando a Frente Popular – por 16 anos – conduziu a administração da cidade. Atrevemo-nos a dizer que se trata de uma política “de sucesso” porque, conforme identificado em grande parte das pesquisas acadêmicas já rea- lizadas, além da posição dos servidores que atuam no setor há muitos anos, naquele período Porto Alegre ampliou e democratizou,3 de maneira bastante significativa, os serviços destinados à população da cidade, no que se refere ao direito social no âmbito do lazer e do esporte. Vale também considerar que, se fosse desenvolvida uma aná- lise histórica sobre esse longo período de serviços voltados ao lazer e ao esporte, certamente se chegaria à constatação de que, nesses 90 anos,muitos acontecimentos ocorreram e uma diversidade de ações 2 Arriscamo-nos a afirmar que Porto Alegre tem uma política “de lazer”que poderia ser consi- derada uma política “de Estado”, já que existe há mais de 90 anos, tendo sido mantida apesar das mudanças nas diferentes gestões municipais. 3 Utilizamos a noção de democratização, aqui, tendo em vista que durante as gestões da Frente Popular, além de se estabelecer o aumento doacesso, houve o processo de descentralização das ações (Santos, 2003), bem como o fomento da participação popular na gestão das políticas (Forell, 2014). 25 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências foi efetivada, mesmo com diferentes perspectivas e expectativas gover- namentais. Não seria de se estranhar se nessa análise histórica ficasse evidente que – atravessada por relações de poder – essa trajetória não ocorreu de forma linear, mas sempre a partir de uma pauta relativa às diferentes lógicas de gestão da cidade, essas vinculadas aos diferentes momentos pelos quais Porto Alegre passou.4 Mas do nosso ponto de vista, dentre os fatos que ocorreram nesses “momentos”, para além da criação do primeiro Jardim de Recreio da cidade em 1926 e a institucionalização do Serviço de Recreação Pública (SRP) em 1950 (SRP), dois acontecimentos se mostraram particular- mente significativos, tendo em vista expressarem posições relevantes “e díspares”advindas de iniciativas da administração municipal. Estamos nos referindo à criação da Secretaria Municipal de Esportes, Recreação e Lazer (SME), em 1993, e a sua posterior extinção, em 2017. Essas ocorrências vieram à tona quando das disputas durante o processo que culminou com a extinção da SME, fato que aconteceu, como registramos acima, em 2017. Foi nesse momento que (re)surgiram5 argumentos “a favor”e “contra”6 a manutenção ou a extinção da SME, os quais realimentaram e atualizaram o debate no entorno do tema do acesso ao lazer e ao esporte e a sua inclusão entre outros direitos sociais. No que se refere à criação da SME, importa lembrar que ela ocorreu em 1993, durante a gestão da Frente Popular, uma coligação de partidos “de esquerda”que – com início em 1989 e final em 2004 – governou a cidade de Porto Alegre por 16 anos ininterruptos. Esse período, con- siderado bastante relevante no que se refere ao acesso ao esporte e ao lazer em âmbito municipal, ficou marcado por um processo de gestão 4 Uma análise com base em Norbert Elias (várias obras) poderia ajudar a compreender as diversas configurações que, em diferentes momentos/governos, constituíram as dinâmicas sociais que impactaram nas políticas de esporte e lazer na cidade de Porto Alegre. Porém, tendo em vista os limites desse texto, esse empreendimento não poderá ser realizado. 5 Nesse texto, um dos nossos focos está na extinção da SME. Quando dizemos que “(re)surgiram argumentos ‘a favor’ e ‘contra’ a manutenção e/ou a extinção da SME” o fazemos para chamar atenção ao fato de que também houve disputas durante o processo que culminou com a criação da SME, isso em 1993. 6 Esses são argumentos que circularam no debate que se evidenciou durante o processo de disputa que ocorreu em 2017, quando, por iniciativa governamental, a SME foi extinta. Esse debate está desenvolvido no texto “Extinção da Secretaria Municipal Esporte, Lazer e Recreação (SME) de Porto Alegre: quando o serviço se sobrepõe ao direito”, publicado nessa obra (MYSKIW et al., 2019). 26 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger que incentivava a participação popular na administração da cidade em geral, o que repercutiu nessa área específica. Essa posição estava expressa na Carta de Princípios,7 que servia de base para o desenvolvimento das atividades do setor, a qual, em diversos pontos, explicitava a perspectiva de “Incentivar e criar canais para a Participação Popular na definição de programas, eventos, cursos, etc. sobre lazer e esporte” (Princípios, 1989). Por conta dessa perspectiva de gestão, que, entre outras práticas par- ticipativas, fomentava a criação de associações comunitárias e outras formas de participação da população na gestão das políticas do esporte e do lazer no município – algo “novo”no âmbito das políticas públicas desenvolvidas no Brasil, nessas áreas de atuação governamental –não foram poucos os estudos acadêmicos8 realizados sobre esse período (Amaral, 2003; Santos, 2003; Schaff, 2010; Stigger, 1992); também há uma diversidade de artigos em periódicos e capítulos de livros que tratam da temática e dessa época que estão publicados, em especial em periódicos da área de Educação Física (Gutterres; Rodrigues, 1996; Marcellino, 2011; Rodrigues, 2001; Stigger, 1996). Em que pese o fato de nesses estudos estarem também apontadas críticas e limites acerca da gestão municipal daquele período, os traba- lhos – de forma praticamente unânime – acabam por oferecer um olhar “positivo”no que se refere às políticas de esporte e lazer realizadas naquele momento histórico. Não é difícil considerar que, efetivamente, naquele período houve um grande avanço no atendimento da população em termos de acesso ao esporte e ao lazer, esses vistos como direitos sociais. Isso pode ser argumentado a partir do fato de, naquela época, ter sido aumentado de forma significativa o número de locais (praças e parques) onde o trabalho – da SERP9 e após SME – era realizado, o que vai ser mostrado a seguir. Em parte, isso talvez tenha ocorrido pelo aumento das demandas do setor, pois, naquele período, foi desenvolvido um esforço no sentido da conscientização da população na direção da compreensão de que os 7 Carta de Princípios desenvolvida no I Encontro Nacional de Administrações Petistas Ligadas ao Esporte e Lazer (plenária do dia 08 dez. 1989). 8 Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado. 9 Em 1989, quando a Frente Popular assumiu a Prefeitura de Porto Alegre, o setor responsável pelas Políticas Públicas de Esporte e de Lazer era a Supervisão de Esportes e Recreação Pública (SERP), vinculada à Secretaria Municipal de Educação (SMED). 27 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências seus interesses relativos ao lazer e ao esporte também deveriam ser iden- tificados como direitos sociais. Essa ideia era defendida pelos gestores da “antiga”Supervisão de Esporte e Recreação Pública (SERP), mesmo reconhecendo que havia, por parte das comunidades, outras demandas usualmente estabelecidas como mais importantes/legítimas, como saúde, educação, saneamento, etc.10 Mas apesar da “positividade”atribuída àquela política pública em particular, em especial no que se refere ao “aumento do status”11 conferido ao esporte e ao lazer com a criação da SME, deve ser reconhecido que a partir dali os investimentos governamentais não foram tão significativos como esperavam os idealizadores da Secretaria. Fazemos essa afirmação considerando que, apesar do aumento das demandas, os recursos que eram destinados à “antiga” SERP praticamente não avançaram a partir da criação da Secretaria Municipal de Esporte, Recreação e Lazer (SME). No que se refere ao corpo de professores necessários para a manu- tenção de um setor que estava em crescimento, surgiu a necessidade da sua ampliação para atender a população nas novas Unidades, algo que não aconteceu com a mesma proporção que as demandas apareciam. De forma semelhante, evidenciou-se a diminuição do investimento nos profissionais “de apoio”12 ao serviço oferecido pela Secretaria, o que era identificado tanto em relação aos servidores “da SME” que atuavam nas Unidades Recreativas quanto no que se refere aos funcionários de outros setores da Prefeitura, que ofereciam “apoio”às atividades vinculadas ao esporte e ao lazer. 10 O movimento dos trabalhadores da área para a busca de direitos sociais também é referido por Wolff (2015). A autora nos explica que as políticas de saúde, no que tange à descentra- lização, ao atendimento integral e à participação da comunidade, foram uma conquista dos movimentos dos trabalhadores da área da saúde, por meio de um processo que teve suas bases na 1ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1941. 11 Essa afirmação busca reforçar o “lugar”politicamente mais avançado que o esporte e o lazer passaram a ocupar no contexto governamental. Sobre isso, nos nossos contatos com professo- res e gestores municipais escutamos recorrentemente posições como a seguinte: “opessoal do esporte – que antes dialogava com os secretários – passou a falar direto com o Prefeito”; “O Secretário de Esportes tinha o mesmo voto que o Secretário da Saúde, da Administração”. 12 Nos referimos, como profissionais “de apoio”,aos trabalhadores que não atuam como professo- res, aos trabalhadores responsáveis pela manutenção, limpeza e organização dos equipamentos esportivos e que atuam nos bastidores de eventos e atividades organizados pela SME. 28 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger Apesar do serviço voltado ao esporte e ao lazer ter-se mantido de forma ainda bastante consolidada, esses aspectos foram, aos poucos,fra- gilizando o setor durante diferentes administrações que governaram a cidade, inclusive durante o período de governo da própria Frente Popular. Mais recentemente, durante o governo liderado pelo prefeito Nelson Marchezan Junior,13 pautado por uma administração do tipo “geren- cialista” e de caráter tecnocrático de gestão, foram feitos movimentos políticos no sentido da “diminuição do Estado”, o que culminou – dentre outras ações – com a extinção da Secretaria de Esportes. Em que pese ser esse um fato recente, é difícil discordar de quem considera–no que se refere ao acesso ao esporte e ao lazer – que essa decisão implica na “perda de direitos”, ideia fácil de ser associada à realidade brasileira, “rica” em desigualdades e exclusões. Esses aspectos brevemente relatados acima apontam para algo que queremos destacar e, a partir disso, chegar ao tema específico desse trabalho. Tentamos mostrar que as políticas públicas de esporte e lazer de Porto Alegre, já em funcionamento há muitos anos, passaram por diferentes momentos durante a sua história. O que relatamos nas páginas anteriores se refere a dois “recortes” que nos parecem capazes de expressar um momento “de ápice”14 das políticas realizadas na cidade, mas também tempos de “retrocesso”15 dessa mesma política. Com a extinção da Secretaria, não são poucas as pessoas envolvidas16 que, em seus depoimentos, demonstram preocupação com o futuro do serviço público voltado ao esporte e ao lazer em Porto Alegre, por consi- derarem que agora se inicia, de forma mais marcada, um efetivo processo de “precarização”17 das políticas nessa área específica. Essas considerações nos levam a algumas questões: é possível afirmar que, efetivamente, as políticas públicas em esporte e lazer de Porto Alegre estão passando por um processo de precarização? Em que medida vem acontecendo? Como isso vem acontecendo? Para encontrar respostas para essas questões fizemos uso de infor- mações obtidas em diferentes situações: 13 Prefeito de Porto Alegre pela coligação “Porto Alegre Pra Frente”. 14 Já escutamos servidores denominando o período da Frente Popular de “Era de Ouro”. 15 Expressão presente em posições de servidores que atuam no setor há muito tempo. 16 Servidores públicos, líderes comunitários e usuários das Unidades Recreativas. 17 Expressão muitas vezes repetida no contexto em estudo. 29 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências • observações e entrevistas com servidores e usuários dos serviços de esporte e lazer da cidade, realizadas durante (e sobre) o processo de disputa que levou à extinção da SME; • observações e entrevistas com servidores e usuários dos serviços de esporte e lazer da cidade, realizadas nas Unidades Recreativas, sobre o atual funcionamento das suas atividades; • observações e entrevistas com membros do Legislativo Municipal de Porto Alegre – vereadores e assessores – realizadas durante (e sobre) o processo de disputa que levou à extinção da SME. SOBRE AVANÇOS E RETROCESSOS: PRECARIZAÇÃO? Como referido anteriormente, um dos avanços que são considera- dos quando se pensa nas políticas voltadas ao esporte e ao lazer em Porto Alegre teria sido a criação da SME. Entre os argumentos utilizados à época nessa direção, estava a ideia de que, na condição de “Secretaria”, haveria um aumento do status do setor que tinha a atribuição de desenvolver políticas voltadas ao esporte e ao lazer para a cidade. Essa posição era defendida pelos idealizadores dessa alteração na estrutura municipal – pessoas vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, que liderava a Frente Popular naquele período. Foi isso que relatou a professora Rejane Penna Rodrigues, ela que viria a ser a primeira secretária da SME. Aludindo ao período anterior à criação da SME, diria Rejane: Na gestão do prefeito Tarso Genro, já na época da campanha, a pedido de um grupo nosso dessa supervisão – que éramos identificados com o programa partidário do candidato Tarso –, a gente indicou que se ele constituísse uma se- cretaria, esse status de secretaria com o mesmo valor que estava sendo despendido para o nosso trabalho dentro da SMED, mas com status político de poder estar próximo dos demais secretários, próximo do prefeito, representando a prefeitura em vários aspectos. Não sendo representado pela Secretaria da Educação (pelo Secretário da Educação) faria um trabalho melhor. Tempos depois, já estabelecida como responsável pela “pasta” do esporte e lazer da cidade, a professora tecia algumas considerações sobre aquela decisão: 30 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger Eu fui a primeira funcionária municipal a assumir um cargo de secretária, porque normalmente cargos políticos são dados para políticos puros e nós, os funcionários, ficamos com as funções administrativas do cotidiano, então houve esse diferencial porque esse status político que a gente falava, que apontamos na formação da Secretaria,foi muito respeitado;quando sentava na mesa dos secretários municipais, a minha fala, as minhas colocações, o meu voto, era igual ao Secretário da Saúde, igual ao do Secretário da Administração, enfim... Então, a questão é financeira, às vezes é, mas ela também é de ocupação de espaço e de relações. A política se faz, se fazia mais, agora é praticamente quase tudo em cima de dinheiro, mas vinte e poucos anos atrás se fazia em cima de relações. Essas informações dizem respeito ao início da administração da Frente Popular, ou seja, a sua primeira e segunda gestão como condutora da gestão do município de Porto Alegre, respectivamente, de 1989 a 1992 e de 1993 a 1996. Sobre o período, não é difícil concordar que os serviços voltados para as políticas de esporte e lazer na cidade avançaram, pelo menos no que tange ao número de locais de atendimento à população. Segundo dados obtidos em documentos publicados pela prefei- tura de Porto Alegre,18 a Frente Popular iniciou o “seu governo” com 17 Unidades Recreativas. Esse número logo passou para 22, no ano de 1991 foram 27 e no ano de 1992 avançou para 35. Dessas ocorrências é possível inferir que a política de “inversão de prioridades”19 adotada pela Frente Popular foi fomentadora desta ampliação. Entre os argumentos que sustentariam essa posição, pode ser destacado o fato de que novas Unidades – até então localizadas apenas em áreas centrais da cidade – foram construídas e passaram a ser mantidas nas regiões mais periféricas de Porto Alegre. Isso era realizado na perspectiva da ampliação do acesso ao esporte e ao lazer para as populações até então desassistidas de “serviço público” nessa particularidade. Mas como afirmamos anteriormente, apesar da “positividade” atribuída àquela política em particular, em especial no que se refere ao desejado aumento do “status” conferido ao esporte e ao lazer com a criação da SME, deve ser reconhecido que a partir dali os investimentos governamentais não foram tão significativos como esperavam os ideali- 18 O Anuário estatístico e os relatórios de atividades são documentos disponíveis no site da prefeitura de Porto Alegre (http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/smpeo/usu_doc/ anuario_estatistico_2016_31-10.pdf e =94). 19 Expressa em vários documentos da época, relacionados com o projeto político da Frente Popular. 31 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiênciaszadores da Secretaria. Fazemos essa consideração levando em conta dois aspectos, de forma especial: um deles se refere aos aportes financeiros para a manutenção da estrutura física e material da Secretaria; e o outro se relaciona com a disponibilidade de servidores (professores e servido- res de “apoio”) que atuavam e davam suporte ao desenvolvimento das atividades específicas. Sobre o aporte financeiro, não temos os dados referentes aos re- cursos destinados ao esporte e ao lazer anteriores ao ano de 2006, mas temos o relato de um servidor aposentado, que foi diretor da SERP e também Secretário da SME em período próximo ao que antecedeu a extinção da Secretaria. Segundo o relato desse servidor, historicamente o orçamento destinado à secretaria girava em torno de 0,38% do orça- mento municipal, e deste percentual, citando como exemplo o ano de 2016, 88% foi destinado ao pagamento de pessoal. Após a criação da SME, mesmo com avanços no serviço oferecido à população, não hou- ve crescimento no que se refere a essas cifras. Como não temos dados posteriores à criação da SME e anteriores a 2006, na perspectiva de sustentar que esses valores vêm se mantendo próximos já desde a criação da Secretaria, trazemos informações relativas àquele “momento”, quando foram estabelecidos acertos acerca dos recursos a serem destinados ao novo órgão governamental. Vale então ressaltar que a limitação desses valores já ficara esta- belecida num acordo20 explicitado no Ofício nº 780/96-SME, do dia 21 de outubro de 1996, assinado pela secretária da SME Rejane Penna Rodrigues, enviado ao Secretário Municipal de Administração, Luis Alberto dos Santos Rodrigues. Naquele documento ficava evidente que houvera orientações superiores no sentido de que, para o início do fun- cionamento da “futura” SME, deveria ser mantida a mesma estrutura da época quando o setor era uma Supervisão (SERP) – ou seja, a criação da Secretaria não poderia onerar a administração do município. Por meio do quadro abaixo, mesmo com dados incompletos, pro- curamos demonstrar que a variação histórica do orçamento destinado à SME se manteve em patamares próximos de 2006 para cá, dados esses 20 Dizemos “acordo” pois se trata de decisão negociada entre os interessados pela criação da SME e as instâncias “superiores”da gestão municipal. 32 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger que se aproximam das informações advindas do relato do servidor antes referido – vale destacar uma exceção relativa ao ano de 2018, quando houve uma queda abrupta de recursos. TABELA 1 Orçamento destinado à função código 27 “Desporto e Lazer” da Lei Orçamentária Anual (LOA). Valor percentual de referência: receita prevista para o ano de vigência da LOA Ano Valor bruto (R$) Valor % 2006 R$ 8.891.094,00 0,48% 2007 R$ 9.658.380,00 0,36% 2008 R$ 10.383.327,00 0,36% 2009 R$ 12.201.627,00 0,37% 2010 R$ 13.718.022,00 0,38% 2011 R$ 15.835.442,00 0,38% 2012 R$ 16.931.567,00 0,36% 2013 R$ 21.535.408,00 0,40% 2014 R$ 28.352.489,00 0,47% 2015 R$ 21.682.316,00 0,35% 2016 R$ 23.814.979,00 0,36% 2017 R$ 22.582.274,00 0,32% 2018 R$ 6.229.369,00 0,08% Fonte: Lei Orçamentária Anual disponível no site: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smpeo/ default.php?pg=1&p_secao=56>. O que está apresentado na Tabela 1 se refere ao orçamento destinado à função código 27 (“Desporto e Lazer”) que consta na Lei Orçamentária Anual (LOA), que deve ser encaminhada pelo prefeito para a Câmara dos vereadores no ano anterior da sua vigência. Sobre o valor percentual que é destinado ao esporte e ao lazer podemos dizer que a média do período analisado é de 0,36%do orçamento municipal previsto. Na Tabela apre- sentada também é possível observar que o maior percentual despendido para o esporte e o lazer foi de 0,48% no ano de 2006, e que o menor foi de 0,08%, já no ano de 2018. Este último percentual apresentado na Tabela 1 foi a primeira LOA encaminhada pelo prefeito Marchezan Jr. à Câmara dos Vereadores de Porto Alegre. Ela foi encaminhada apenas três meses após a extinção da SME, o que, considerando o valor despendido para as políticas municipais de esporte e de lazer, em certa medida permite considerar que tais políticas não estão na agenda do governo atual. 33 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências O mesmo documento referido anteriormente (Ofício nº 780/96- SME), que fora expedido já em 1996, quando a SME já tinha aproxi- mados 3 anos de existência – também trazia relatos sobre as dificuldades da gestão do esporte e do lazer, tendo em vista o setor estar em situação deficitária. Através dele a então secretária Rejane Penna Rodrigues fazia algumas considerações acerca de aspectos que vinham dificultando a sua gestão. Ela argumentava que desde a criação da SME os serviços haviam sido ampliados e o setor se viu obrigado a dar conta das demandas do Orçamento Participativo.21 Ao final a Secretária da SME demandava providências no sentido de recuperação da sua pasta. Dizia ela: – Desde o estudo da criação desta Secretaria, ficou claro que, para o início do funcionamento da mesma, deveria ser mantida a estrutura de quando era Supervisão, não podendo onerar a Administração. – Praticamente não foram criados cargos, e as FGs existentes foram niveladas por baixo (a maior parte FG3). – Com 3 anos de existência e a ampliação dos serviços prestados, bem como o aumento gradual de demandas do Orçamento Participativo, a estrutura da SME é hoje totalmente deficitária. Ante o exposto, solicitamos a gentileza da SMA no sentido de nos auxiliar no reestudo do Organograma atual da SME, para que não fique como legado à nova administração uma Secretaria com sérios problemas estruturais (Ofício nº 780/96-SME). Quando a Secretária destaca a ampliação dos serviços, ela está se referindo ao esforço de atendimento das periferias da cidade, conforme já relatado. No momento em que a Secretária menciona o Orçamento Participativo, ela está apontando para o fato de que as demandas daquela ferramenta de gestão haviam destinado recursos para a construção de novas Unidades Recreativas, o que havia efetivamente se materializado. Porém, uma vez edificadas, essas estruturas exigiam condições materiais e de manutenção, assim como a presença de professores e funcionários para a instalação efetiva do serviço em pauta. Ou seja, se, por um lado, 21 O Orçamento Participativo era uma ferramenta de gestão bastante em voga na época. Ela estava articulada com aspectos fundamentais da gestão da Frente Popular e visava a proporcionar a participação popular em processos decisórios da gestão das coisas da cidade. Através dele – mui- tas vezes à revelia dos setores da Prefeitura – a população demandava e conseguia interferir na administração municipal. Mais detalhes acerca do Orçamento Participativo na cidade de Porto Alegre consultar (Fedozzi et al., 2012; Fedozzi; Martins, 2015). Sobre o perfil dos participantes do Orçamento Participativo na cidade de Porto Alegre consultar (Fedozzi, 2007). 34 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger por conta das demandas da população havia indicação de avanços no trabalho do setor, por outro, a ampliação gerou fragilidades relativas aos recursos para a manutenção de um universo em crescimento. Assim, surgiu a necessidade da ampliação do corpo de professores para atender a população nas novas Unidades. Mesmo que tenha sido realizado concurso específico para esse setor,22 posterior à criação da Secretaria, isso não se mostrou suficiente para compensar as aposenta- dorias que se efetivavam. Quanto à manutenção da equipe de trabalho, essa situação também expressa um desinvestimento nas políticas de esporte e lazer, o que pode ser identificado de alguns anos para cá. No gráfico abaixo se observa um crescimento do número de professores a partir de 1993, mas um posterior decréscimo após 2008.No caso dos professores de Educação Física, nem a cedência de alguns deles por parte da Secretaria de Educação era suficiente para mantero que se necessitava para a manutenção do serviço a ser prestado à população. 4.83 4.40 7.37 4.25 8.20 5.58 12.1 12.1 2.10 1.46 2.60 1.40 3.87 2.09 2.64 2.87 ,000 2000000,000 4000000,000 6000000,000 8000000,000 10000000,000 12000000,000 14000000,000 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral Orçamento Previsto Orçamento Liquidado Gráfico 1 – Número de professores lotados na SME e, após extinção da secretaria, na SMDSE. Fonte: Relatório de Atividades. Disponível no site: <http://www2.portoalegre. rs.gov.br/smpeo/default.php?p_secao=94>. 22 Houve dois concursos específicos para a SME: o primeiro ocorreu no ano de 1998, edital nº 335; o segundo ocorreu em 2003, edital nº 418. Nos editais citados, as vagas descritas para a área “Educação Física / Esporte, Recreação e Lazer” eram para lotação exclusiva na SME. 35 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências Da mesma forma evidencia-se a ocorrência do recuo no investi- mento com profissionais “de apoio” ao serviço oferecido pela Secretaria. Sobre isso, as observações que realizamos e os relatos dos professores envolvidos apontam que as atividades que eram de responsabilidade dos funcionários “do quadro da Prefeitura” ficaram bastante prejudicadas a partir do momento em que os “efetivos” foram se aposentando e subs- tituídos por servidores “terceirizados”.23 Um dos colaboradores da pesquisa relata essas dificuldades: nós ficamos de dezembro de 2016 a agosto de 2017 sem ninguém, foi aquele período... de dezembro 2016 até agosto de 2017... a gente fazia mutirão aqui, foi um período bem ruim... quando entrou a [empresa terceirizada], o que piorou foi o contrato... porque eu te digo isso!... porque nós tínhamos antes, era [um contrato de] serviços gerais... serviços gerais, como diz o nome, pode fazer qualquer, várias coisas... pintar parede, roçar o mato, arrumar um equipamento esportivo... Esse pessoal [os terceirizados] é só vassoura, pano e roupa... se eu tiver que cortar grama, eu não posso pedir, se eu tiver que varrer a grama cortada, não pode... chegou ao cúmulo de na temporada de piscina, pra lavar o fundo, de alegarem que é trabalho de piscineiro... não podiam lavar a piscina vazia... era entrar no tanque e lavar, eles foram impedidos de fazer... então teve que entrar os professores e estagiários para fazer e o pessoal da [empresa terceirizada] ficava sentado... então é muito amarrado esse contrato, ele é muito limitado... esse tipo de contrato é perfeito para um prédio administrativo... tudo bem... um prédio como o nosso tem que ser serviços gerais... não pode ser limpeza... Nesse aspecto, alguns pontos merecem destaque. Um deles é rela- tivo ao cotidiano das atividades nas Unidades Recreativas, que necessita da participação efetiva dos servidores “de apoio”, os/as porteiros/as, os/as serventes, os/as guardas, etc. Pela presença contínua já há muito tempo nas praças e parques da cidade e pelo envolvimento de cada um 23 A prefeitura não realiza há muitos anos concurso para serviços gerais e para o serviço de limpeza. A opção de trabalhadores para atender tal demanda é por meio da contratação de empresas terceirizadas, que de certa forma, na perspectiva financeira dos gestores, onera menos a admi- nistração pública. A prefeitura contava na gestão do prefeito Fortunati (2013-2016) com o serviço terceirizado de limpeza em diversos setores, inclusive na SME. A prestação de serviço realizada pelos trabalhadores terceirizados lotados nas diferentes unidades recreativas da SME era similar à prestação de serviço dos funcionários concursados para a mesma função, estes últimos lotados em algumas unidades recreativas, mas em quantidade reduzida, pois muitos estão em vias de se aposentar. Com o início da gestão do governo Marchezan (2017), o contrato com a empresa terceirizada não foi renovado. Passados oito meses, a gestão contratou uma nova empresa, mas que presta um serviço diferente da empresa anterior, conforme relatam os professores ouvidos em nossa pesquisa. 36 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger deles com uma proposta de trabalho que envolvia o contato e articula- ção com a população na gestão dos espaços, esses profissionais sempre contribuíam para a regularidade das atividades, estabelecendo vínculos com os professores e com as comunidades locais. Já o mesmo não acon- tece com os “terceirizados”, os quais, pela sua rotatividade, não chegam a estabelecer vínculos e, portanto, não participam da gestão dos espaços com a mesma desenvoltura. No relato acima, além da crítica ao tipo de contrato realizado com os terceirizados, mostra que os gestores deixa- ram os equipamentos esportivos desatendidos por um longo período, e quando passaram a atender o fizeram de maneira precária. Isso porque o serviço terceirizado contratado – que tem caráter “especializado” – não atende à demanda necessária dos locais das políticas de esporte e lazer, os quais necessitam de trabalhadores de serviços “gerais” e não apenas de trabalhadores para fazer a limpeza. A outra situação negativa relativa aos servidores “de apoio” é o “caso” da Equipe de Produção e Manutenção de Equipamentos de Recreação (EPME), setor bastante reconhecido no contexto da Secretaria, pois era através dele que se garantia o conserto e inclusive a produção de materiais e equipamentos necessários ao trabalho a ser desenvolvido, como goleiras de futebol, futsal e handebol, tabelas de basquetebol, colocação de telas nas quadras esportivas de parques e praças, equipamentos de espaços infantis (balanços, gangorras, etc.), e outros. Essa equipe, composta por funcionários concursados, hoje opera com poucas pessoas, pois grande parte dos servidores se aposentou e não houve concurso para contratação de novos. Ademais, com a reestruturação administrativa proposta pela gestão atual, a equipe referida passou a atender às demandas de toda a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte (SMDSE), pasta onde as políticas públicas de esporte e de lazer foram alocadas.24 Considerando que antes a quantidade de funcionários já era insuficien- te, coloca-se em dúvida se este serviço de apoio será prestado com uma demanda vinda de uma superestrutura guarda-chuva, que contempla diferentes pastas municipais do campo social. 24 A SMDSE possui a seguinte estrutura, de acordo com decreto nº 20.100 de 19 de novembro de 2018: Gabinete do Secretário (GS); Coordenadoria-Geral de Direitos Humanos (CGDH); Coordenadoria-Geral de Esportes, Recreação e Lazer (CGERL); Coordenadoria-Geral de Trabalho, Emprego e Renda (CGTER); Coordenadoria-Geral de Acessibilidade e Inclusão Social (CGAIS); Unidade de Apoio aos Conselhos Tutelares (UACT) e Coordenação de Administração e Serviços (CASE). 37 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências Identifica-se, então, a partir do final da década de 80 – e, de for- ma especial após o início da gestão da Frente Popular – um avanço nos serviços voltados ao esporte e lazer da cidade. Posteriormente (a partir dos anos 2000, ainda no contexto da Frente Popular) é perceptível uma diminuição desse mesmo serviço. O gráfico abaixo mostra que, após um período de crescimento do número de Unidades Recreativas (1987- 1992), já em 1993 começa a haver uma diminuição: 35 Unidades em 1993, 25 em 2009 e 16 Unidades em 2018. Nos dias atuais, passados pouco mais de um ano da extinção da SME, em diversas reuniões e entrevistas realizadas nas Unidades Recreativas25 percebemos outras situações que apontam para um significativo desin- vestimento nas políticas do setor, agora de forma mais evidente, em es- pecial,como já relatamos, no que se refere à LOA/2018 e à condução dos professores que estavam na SME (agora Coordenadoria-Geral de Esportes, Recreação e Lazer – CGERL), para a SMED. Mas há outros movimentos na mesma direção. 4.83 4.40 7.37 4.25 8.20 5.58 12.1 12.1 2.10 1.46 2.60 1.40 3.87 2.09 2.64 2.87 ,000 2000000,000 4000000,0006000000,000 8000000,000 10000000,000 12000000,000 14000000,000 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral 1905ral Orçamento Previsto Orçamento Liquidado Gráfico 2 – Unidades Recreativas em funcionamento. Fonte: Relatório de Atividades. Disponível no site: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/smpeo/ default.php?p_secao=94>. 25 Com servidores e usuários. 38 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger Dentre eles, no primeiro semestre de atividades nas UR’s, após o início da gestão do governo Marchezan Júnior (2017), algumas decisões administrativas do âmbito geral da Prefeitura impactaram de forma par- ticular no serviço prestado pelo setor do esporte e lazer, à época ainda na condição de Secretaria de Esportes (SME). Estamos nos referindo ao corte de horas extras26 para os funcionários, a não liberação de banco de horas27 e ao não reconhecimento das horas trabalhadas nos finais de semana,28 em feriados e à noite, essas realizadas não só pelos professores. O que aqui importa evidenciar é que essas decisões afetam a dinâmica das atividades assistemáticas29 das diferentes UR’s, as quais ocorrem de forma eventual, normalmente em finais de semana, feriados e à noite. Como toda carga horária dos professores e funcionários é lotada durante a semana e em horários diurnos, para o atendimento de atividades como as referidas, já há muitos anos vinham sendo oferecidas compensações de 26 O corte das horas extras foi realizado por meio de uma série de decretos, quais sejam: Decreto nº 19.644, de 04 de janeiro de 2017, suspende as horas extras pelo prazo de 90 dias; Decreto nº 19.722, de 06 de abril de 2017, prorroga por 90 dias o prazo estabelecido no decreto nº 19.644, de 04 de janeiro de 2017; Decreto nº 19.790, de 20 de julho de 2017, altera o parágrafo do decreto nº 19.644 que estabelece o prazo de 90 dias, prorrogando o prazo estabelecido até 30 de junho de 2018; Decreto nº 20.026, de 13 de julho de 2018, prorroga até 30 de junho de 2019 o prazo estabelecido no decreto nº 19.644, de 04 de janeiro de 2017, que estabelece a suspensão temporária da execução de determinadas despesas. 27 O banco de horas é regulamentado pela Lei Complementar nº 133 de 31 de dezembro de 1985, pelo decreto nº 17.273, de 13 de setembro de 2011; e pelo decreto nº 19.215 de 17 de novembro de 2015. 28 Essas são diferentes formas de compensação relativas às atividades realizadas em horários não usuais: as horas extras são concedidas, na dinâmica cotidiana das unidades recreativas, apenas aos funcionários “de apoio”concursados que trabalhem “além das horas normais estabelecidas por semana para o respectivo cargo” (Art. 38 da Lei Complementar 133). Elas são pagas, quando autorizadas, junto com o salário mensal dos servidores. A compensação do banco de horas foi instituída pelo decreto nº 17.273, de 13 de setembro de 2011, que, no seu art. 2º determina que “o servidor que trabalhar além das horas normais estabelecidas por semana para o cargo ou em horas ou dias em que não houver expediente poderá valer-se da compensação de carga horária, caso o referido período não seja pago como serviço extraordinário”. Assim, no caso dos professores que atuam no esporte e no lazer que trabalharem em eventos e outras atividades fora do seu horário normal, fica autorizada a compensação destas horas por folga, geralmente acordada com a coordenação para os períodos de recesso de julho e de natal. 29 Já há muito tempo as atividades do setor são divididas em “sistemáticas”e “assistemáticas”. As “sistemáticas”são aquelas realizadas cotidianamente e de forma contínua, em dias e horários estabelecidos durante o ano inteiro (eventualmente semestrais), como aulas de ginástica e yoga, escolinhas esportivas, grupos de atividades de bricolagem, entre outras. As “assiste- máticas”são as atividades que ocorrem de forma eventual, em datas/horários específicas (normalmente em feriados) e nos finais de semana; são as festas comunitárias (São João, por exemplo), as participações em competições esportivas, e mesmo reuniões comunitárias, que ocorrem muitas vezes à noite. 39 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências horas trabalhadas nessas situações. Porém, o impedimento da efetivação dessas diferentes formas de compensação tem inviabilizado a realização de um conjunto de ações que ocorrem em dias e horários não usuais, se comparados a outros âmbitos do serviço público municipal. Vale destacar que, nesse caso, estamos nos referindo a um serviço público que ocorre no tempo/espaço do lazer, dimensão da vida que se distancia de outras dinâmicas cotidianas, afastando-se do universo do trabalho e de outras obrigações30 das populações assistidas. Nessa perspectiva, em especial no que tange à população adulta, os horários noturnos e os fins de semana são momentos fundamentais para a realização do trabalho do setor que a elas é direcionado. Muitos relatos dos nossos colaboradores evidenciaram que, no caso dos professores, a política atual determina a redução das suas atividades nos dias e horários referidos, o que tem conduzido muitas dessas para os dias “da semana” e para o horário diurno. Esse fato tem impossibilitando que a comunidade trabalhadora participe de muitos eventos e também de reuniões onde costumeiramente busca-se articu- lar os interesses e possibilidades da população com os do setor. Como “solução” para essa dificuldade, mesmo sendo fora dos seus horários de trabalho, não são raras as situações nas quais os professores mantêm tais atividades assistemáticas como o faziam no passado, o que acaba por se efetivar de forma voluntária (sem compensações),e com base num compromisso que – desde muito tempo – tem sido estabelecido entre os profissionais do município e os usuários das UR’s. Muitos exemplos poderiam ser referidos, identificados quando os professores acompanham os seus alunos/jogadores e seus “times”em competições esportivas “de fim de semana”e, ainda, quando, por interesse das co- munidades, participam em reuniões noturnas para tratar de temas que lhe são relevantes.31 O relato abaixo exemplifica essas situações: pelo compromisso do parque consigo mesmo, ou seja, a gente com grupos de amigos, que mesmo não tendo reconhecimento pelo trabalho extra, porque é extraordinário no final de semana, nós mantivemos algumas coisas que 30 Mesmo com algumas diferenças (há situações particulares), essa noção relativa ao “lazer” se encontra em obras de diversos autores que atuam nessa área de estudos, como Dumazedier (2008) e Marcellino (1983; 1996). 31 Em entrevistas e/ou conversas informais, foram muitos os depoimentos em que professores e usuários das UR’s relataram essas situações. 40 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger achávamos importantes para os nossos alunos, por exemplo, as festas juninas, os jogos [...]Outras unidades optaram por não fazer nada de extraordinário porque, não tendo esse reconhecimento, não tem porque tu trabalhar ex- traordinariamente. Outra dificuldade atual para quem está envolvido no âmbito das políticas de esporte e lazer de Porto Alegre é o fato de que a atual CGERL está buscando controlar as associações que existem no entorno de parques e praças, onde funcionam as UR’s. Essas associações32 já existem há muitos anos, mas se constituíram de maneira mais consis- tente a partir dos governos da Administração Popular, esse que tinha como perspectiva o desenvolvimento de uma gestão participativa desses espaços.33 Essa ação “de controle”vem se efetivando desde 2017, quando houve um movimento dos novos gestores no sentido de considerar que as associações comunitárias estavam irregulares, e que elas não poderiam continuar atuando da forma como vinham funcionando, principalmente no que se refere à arrecadação de recursos financeiros dos usuários dos espaços de esporte e lazer municipais. Sobre esse aspecto, as nossas observações e relatos obtidos nos mostraram que – por conta da falta de recursos para o funcionamentodas UR’s – é recorrente e indispensável a ação das associações na busca de fundos, os quais são destinados a suprir diferentes tipos de neces- sidades, desde as mais “simples” e de baixo custo (compra de papel higiênico, papel ofício, bolas e outros materiais de consumo), até as mais complexas, com custos bastante elevados, como a compra de ar condicionado, a substituição de telhados, os consertos de cercas, etc. Esse recurso costuma ser obtido por iniciativa das associações, o que se 32 Estamos – de forma indiscriminada – denominando de associações as diferentes formas de associativismo que se desenvolvem a partir desses espaços, desde aquelas que estão “formali- zadas” com registros públicos até outras que funcionam com caráter bastante informal. 33 Naquele período a criação de associações foi incentivada e, dali em diante elas têm ocupado um “lugar”importante na organização desses locais e também têm tido influência na gestão municipal, especificamente nessas áreas de interesse. Sobre o tema, ver Forell (2014). 41 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências materializa por diferentes formas: “caixinhas”, rifas, festas “beneficen- tes”;34 cobrança de mensalidades de “associados”35 e mesmo cobrança de “alugueis” de alguns espaços, como as quadras esportivas.36 Conforme observamos em várias reuniões e entrevistas coletivas que realizamos com a presença conjunta de professores e lideranças comunitárias, é evidente que as UR’s são muito carentes de recursos públicos para a sua manutenção. Sendo assim, a receita oriunda destas taxas é significativa para as associações, pois a manutenção dos equi- pamentos esportivos se dá fundamentalmente através desses recursos. O relato abaixo ajuda a entender essa dinâmica, fundamental para a manutenção das atividades das UR’s: A Miriam é a responsável-mor, a caixa, e nós temos organizado, cada grupo tem uma liderança. Essa liderança ela tem, além do “dízimo”que eu chamo, aquela contribuição de 2 reais, que a gente mantém a água e resolve pequenos gastos, a gente faz uma reunião mensal, a esse grupo de representantes é socializado que momento se está vivendo, qual é a situação, os eventos, as dificuldades, ativi- dades, por exemplo, socializa a situação da coisa, pra que a gente tenha pessoas que estão muito mais de trazer aquela contribuiçãozinha do grupo pro caixa único, a gente tenha pessoas que saibam o que está acontecendo, dividam com a gente, essa já seria quase uma cogestão no sentido de participação dessas pessoas. Eles auxiliam de duas formas, uma é aquela contribuição de 2 reais que esse ano a gente vai negociar se vai ser mais ou não, por mês. E a compra do ar- -condicionado, ele foi feito um orçamento, estimando a instalação, e foi uma 34 No Parque Alim Pedro, para citar um exemplo, a arrecadação da Festa de São João tem sido fundamental para a manutenção da UR. 35 Os “associados”costumam contribuir com mensalidades “simbólicas”(em torno de R$4,00 a R$5,00) que têm caráter “voluntário”(não há qualquer impedimento de participação para quem não contribuir), que têm controle “coletivo”(as lideranças comunitárias controlam e prestam contas dos valores envolvidos). Exemplo disso é o caso do Ginásio Tesourinha, onde os alunos pagavam uma taxa semestral. Desta taxa, um percentual era destinado à prefeitura e outro para a associação do Ginásio Tesourinha. No ano de 2018, cientes do interesse de controle das associações e com receio de ter sua receita confiscada pelos gestores, a Associação investiu quase todo recurso disponível em materiais para as atividades do local e passou a não mais cobrar a semestralidade por não ter mais acesso a parte deste recurso e por receio do destino dos valores arrecadados. 36 Como exemplo: no Parque Ararigbóia há mensalistas que alugam a quadra do ginásio, situação em que a taxa recolhida era paga em dois boletos diferentes, um para prefeitura e outro, equivalente a um percentual da taxa, para a associação. No mês de novembro de 2018 os gestores definiram que o percentual que era destinado às associações não podia ser mais cobrado. Estaria, também, proibido o aluguel destes espaços para o próximo ano. No Ginásio Tesourinha também havia esse mesmo acordo e está sendo rompido. 42 Mauro Myskiw – Marco Paulo Stigger coisa bem pontual, à parte daquele valor. Nós juntamos 2 mil reais, foi 20 reais de colaboração de cada pessoa, já estava colocado assim, se alguém não pudesse, a gente dividia, mas todas as pessoas podiam. Conforme identificamos em diferentes situações, essa nova orien- tação conduziu ao receio das associações em arrecadar recursos sem que um percentual fique na conta da associação – isso significa não ter a garantia de receber o retorno relativo à “sua”arrecadação.37 Identificamos também que, mesmo com as diferentes características referidas acima, essas associações se constituem como “redes” de pessoas e grupos que trabalham voluntariamente em favor da manutenção das UR’s, que são parte fundamental da estrutura “de lazer” da cidade. Não é difícil considerar, então, que controlar as associações e, assim, desestimulá-las, implica em correr o risco de desarticular redes comunitárias que atuam em prol do esporte e do lazer em Porto Alegre. Mas dentre todos esses pontos, o mais importante e que mais im- pactou negativamente nas políticas de esporte e lazer de Porto Alegre é algo bastante recente. Em setembro de 2018, o Secretário de Educação do município de Porto Alegre determinou que todos os professores con- cursados para a Secretaria Municipal de Educação (SMED), mas atuantes na atual Coordenadoria-Geral de Esportes, Recreação e Lazer (CGERL), deveriam retornar ao seu setor de “origem”, ou seja à SMED. Tendo em vista que o número de professores nessa situação é de 32 profissionais, mesmo ainda não tendo as repercussões relativas a essa decisão, é evi- dente que o seu impacto nas políticas públicas de esporte e lazer será bastante negativo. Segundo matéria publicada no Jornal do Comércio do dia 15 de outubro de 2018, “Até agora, 14 dos 34 cedidos deixaram as atividades, mas todos serão transferidos, diz a Secretaria Municipal de Educação (SMED)”.38 37 É de conhecimento de todos que os valores depositados no caixa da prefeitura entram numa “vala comum” não retornam para atender as necessidades das associações que o arrecadaram. 38 Matéria publicada no Jornal do Comércio de Porto Alegre no dia 15 de outubro de 2018 intitulada “Transferência de professores deixa idosos sem atividades” e assinada por Patrícia Comunello. Na matéria referida a jornalista inclui dois professores que estavam cedidos à SMDSE mas que atuavam em outras coordenadorias desta secretaria, ou seja, não atuavam na CGREL. 43 Políticas Públicas de Esporte e Lazer – Olhares e Experiências A partir disso, até o momento da escrita deste artigo, três seriam os cenários referentes ao número de professores atuantes na CGERL para 2019, que contou com 83 professores até setembro de 2018. O primeiro cenário considera que a CGERL consiga manter consigo os professores cedidos dos outros órgãos municipais; este cenário também considera o número de professores que têm origem no concurso da SME ou foram (re)lotados na criação da SME, e os professores que vão se aposentar até março de 2019, o que totaliza 8 servidores. Assim, as atividades de esporte e de lazer contariam com 61 professores em 2019. O segundo cenário considera o retorno dos 20 professores que estão com data agendada para apresentação na SMED no início de janeiro do próximo ano. Sem estes docentes, a SMDSE contaria com 41 professores. O terceiro e mais crítico cenário considera o retorno dos servidores cedidos da FASC,39 que são 7 professores. Nesta situação, o quadro docente da CGERL se resumirá a 34 professores em 2019, ou seja, uma redução de quase 60% do pessoal para atuar no esporte e no lazer, a acontecer em poucos meses. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através dessa breve investigação,
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