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PRÉ-NATAL ODONTOLÓGICO: UM GUIA PRÁTICO PARA O CIRURGIÃO-DENTISTA ORGANIZADORES Carolina Dea Bruzamolin Marilisa Carneiro Leão Gabardo PRÉ-NATAL ODONTOLÓGICO: UM GUIA PRÁTICO PARA O CIRURGIÃO-DENTISTA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Positivo - Curitiba – PR Elaborada pela Bibliotecária Priscila Fernandes de Assis – CRB-9-1852 P922 Pré-natal odontológico : um guia prático para o cirurgião- dentista [recurso eletrônico] / organizadores Carolina Dea Bruzamolin, Marilisa Carneiro Leão Gabardo . – Curitiba: Universidade Positivo, 2020. 85 p. : il. color. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <http://www.up.edu.br> Título da página da Web (acesso em 08 julho 2020). ISBN 978-65-990273-6-9 1. Odontólogos. 2. Gestantes. 3. Saúde bucal. 4. Promoção da Saúde. I. Bruzamolin, Carolina Dea. II. Gabardo, Marilisa Carneiro Leão. III. Título. CDU 616.314:618.3 AUTORES Carolina Dea Bruzamolin Doutora em Odontologia pela Universidade Positivo. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Marilisa Carneiro Leão Gabardo Doutora em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora do Programa de Pós- Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Adriane Sousa de Siqueira Doutora em Biologia Celular e Tecidual. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Bárbara Munhoz da Cunha Odontóloga da Prefeitura Municipal de Curitiba. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Mestrado em Odontologia Clínica). Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Erika Calvano Küchler Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Giuliana Martina Bordin Odontóloga da Secretaria Estadual de Saúde Paraná. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Mestrado em Odontologia Clínica). Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Ingrid Biberg Koller Odontóloga da Prefeitura Municipal de Curitiba. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Mestrado em Odontologia Clínica). Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Isabela Ribeiro Madalena Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo. Pós- Doutoranda. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. João Armando Brancher Doutor em Ciências da Saúde Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Juliana Schaia Rocha Orsi Doutora em Odontologia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Programa de Pós- Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Vida. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Luciana Stadler Demenech Doutora em Odontologia pela Universidade Positivo. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Maitê Barroso da Costa Doutora em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Maria Ângela Naval Machado Doutora em Clínica Odontológica pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas. Professora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Milena Binhame Albini Martini Doutora em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Pablo Guilherme Caldarelli Doutor em Odontologia pela Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas. Professor do Curso de Graduação da Universidade Estadual de Londrina e da Faculdade Positivo Londrina, Londrina, PR, Brasil. Rafaela Scariot Doutora em Odontologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora do Programa de Pós- Graduação em Odontologia da Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. Reila Tainá Mendes Doutora em Odontologia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora do Curso de Graduação em Odontologia. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Ricardo Rossi Cardoso Ginecologista-Obstetra, Diretor Técnico da SORANUS - Odontologia & Medicina, Curitiba, PR, Brasil. Saulo Vinicius da Rosa Aluno do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (Doutorado). Escola de Ciências da Vida. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Taís Ramos Pimenta Aluna do Curso de Graduação em Odontologia. Escola de Ciências da Saúde. Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil. PREFÁCIO O cuidado em saúde de mães e crianças, desde os primeiros momentos da concepção, é essencial para a possibilidade da manutenção da qualidade de vida de forma equânime e sustentável. As evidências têm demonstrado que respostas biológicas adaptativas e fatores socioambientais e de atenção em saúde influenciam o perfil da saúde na gestação e nos primeiros anos da vida de crianças, até a vida adulta. Por isso, o cuidado e proteção da mulher, que eventualmente será mãe vivenciando a gestação e o puerpério, ou seja, promovendo a saúde materna, é considerado crítico e exige o acompanhamento de fatores que afetam sua vulnerabilidade e a exposição a ambientes estressores. O impacto da condição de saúde bucal na qualidade da saúde e vida de gestantes reforça a importância da garantia e acesso ao cuidado odontológico qualificado e resolutivo. O adequado diagnóstico e tratamento, com a identificação de determinantes e vulnerabilidades na condição de saúde bucal durante a gestação, qualificam as linhas de cuidado, permitindo abordagens mais amplas e integradas de equipes de saúde durante o cuidado pré-natal. Daí a relevância desta publicação. Abrangendo conhecimentos essenciais sobre aspectos biológicos, psicológicos e da atenção odontológica durante o período pré-natal e perinatal, é uma importante contribuição ao processo de qualificação da atenção materno-infantil no campo da odontologia. Proposto como um guia prático para o cirurgião-dentista, o texto é apresentado de forma clara e objetiva, construído por autores capacitados e comprometidos com a utilização da melhor evidência disponível. Certamente será também uma importante referência de apoio para práticas individuais e coletivas, públicas e privadas, de ensino e pesquisa no cotidiano da atenção profissional. Desejo que esta publicação cumpra as finalidades para as quais foi pensada e inspire leitores comprometidos com a promoção e o cuidado em saúde de mães e seus filhos. Simone Tetü Moysés APRESENTAÇÃO O período gestacional é marcado por profundas alterações fisiológicas e psicológicas. Em virtude disso, o atendimento odontológico da paciente gestante é permeado por dúvidas oriundas tanto da falta de conhecimento e preparo adequado para a execução das intervenções, quanto de questões culturais que fazem com que a paciente evite procurar o cirurgião-dentista. Este texto tempor objetivo ressaltar a importância do pré- natal odontológico e desmistificar ao atendimento à gestante. Para tanto, serão abordados diversos temas, que incluem as alterações que ocorrem no organismo nesse período, as alterações bucais, bem como uma série de questões específicas voltadas para o atendimento em si. Por fim, a obra contempla a temática do pré-natal odontológico. Desejamos a todos que seja muito proveitosa a leitura! Carolina Dea Bruzamolin Marilisa Carneiro Leão Gabardo 01 Ricardo Rossi Cardoso 1.1 Endócrinas 1.2 Gastrointestinais 1.3 Cardiovasculares 1.4 Respiratórias 1.4 Hematológicas CAPÍTULO 1. ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NO PERÍODO GESTACIONAL SUMÁRIO 02 Adriane de Sousa Siqueira Giuliana Martina Bordin João Armando Brancher Maria Ângela Narval Machado Marilisa Carneiro Leão Gabardo Milena Binhame Albini Martini Pablo Guilherme Caldarelli Reila Tainá Mendes Taís Ramos Pimenta 2.1 Alterações no fluxo, pH e capacidade de tamponamento salivar 2.1.1 Velocidade de fluxo salivar (VFS) 2.1.2 pH salivar 2.1.3 Capacidade de tamponamento salivar (CTS) 2.1.4 Saliva artificial, uma alternativa que pode ser considerada! 2.2 Alterações microbiológicas 2.2 Cárie dentária 2.3 Alterações periodontais 2.3.1 Gengivite 2.3.2 Periodontite 2.3.3 Plausibilidade biológica da associação entre doença periodontal e gestação 2.4 Outras alterações estomatológicas 2.4.1 Granuloma gravídico CAPÍTULO 2. ALTERAÇÕES BUCAIS NO PERÍODO GESTACIONAL 03 Bárbara Munhoz da Cunha Ingrid Biberg Koller Juliana Schaia Rocha Luciana Stadler Demenech Maitê Barroso da Costa Rafaela Scariot Saulo Vinicius da Rosa 3.1 Trimestre ideal para o atendimento 3.2 Avaliação dos sinais vitais em gestantes 3.2.1 Temperatura 3.2.2 Frequência cardíaca 3.2.3 Pressão arterial (PA) 3.2.4 Frequência respiratória (FR) 3.2.5 Dor 3.3 Horário de atendimento 3.4 Posição de atendimento 3.5 Exposição à radiação odontológica 3.6 Terapêutica medicamentosa na gestação 3.6.1 Anestesia local 3.6.2 Prescrição de antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos CAPÍTULO 3. DESMISTIFICANDO O ATENDIMENTO ODONTOLÓGICO À GESTANTE SUMÁRIO 04 CAPÍTULO 4. IMPORTÂNCIA DO PRÉ-NATAL ODONTOLÓGICO Carolina Dea Bruzamolin Erika Calvano Küchler Isabela Ribeiro Madalena Juliana Schaia Rocha Pablo Guilherme Caldarelli Saulo Vinicius da Rosa 4.1. Conhecimento das gestantes sobre saúde bucal 4.2. Higiene bucal da mãe 4.3. Higiene bucal do bebê 01 Alterações fisiológicas no período gestacional Ricardo Rossi Cardoso 1.1 ENDÓCRINAS Várias modificações metabólicas ocorrem durante a gestação para o crescimento do feto e da placenta (TAN; TAN, 2013). Esta condição leva a um aumento do metabolismo basal de 20% até o final da gestação. Até a segunda metade da gestação, a glicemia de jejum encontra-se diminuída e, no terceiro trimestre, ocorre um estado de hiperinsulinismo materno, associado a uma resistência insulínica periférica, com a finalidade de aumentar a oferta de glicose para o feto (BURTI et al., 2006). A síntese de lipídios encontra-se aumentada na primeira metade da gestação, sendo reservada no tecido adiposo para utilização no final da gestação. A gestante possui níveis séricos de proteínas totais aumentadas em valores absolutos, porém pela hemodiluição apresentam-se diminuídos em comparação aos valores pré- gestacionais (PEIXOTO, 2014). A retenção de água durante a gestação pode chegar em torno de 7,5 l, o que justifica a presença do edema no final do período. O controle hidroeletrolítico é feito pelo sistema renina-angiotensina- aldosterona, que promove a reabsorção do sódio, uma vez que sistema urinário aumenta a taxa de filtração glomerular em 50%. A glândula tireoide também sofre um aumento de tamanho durante a gestação e cabe ressaltar que o hormônio tireoidiano tem uma função importante na neurogênese fetal e estão associados ao desenvolvimento cognitivo na infância. A triiodotironina (T3) e a tetraiodotironina (T4) estão aumentadas na gestação, embora o nível de iodo materno esteja diminuído pelo aumento do consumo fetal. As gestantes tem um aumento de 30 vezes na secreção de estrogênio e de dez vezes na de progesterona, quando comparadas às não gestantes. A progesterona tem a função de reduzir a atividade da musculatura uterina e aumentar a vascularização, hipertrofia e hiperplasia das fibras musculares do miométrio. Essa explosão hormonal tem o intuito de preparar o corpo da mulher para gerar o feto, o que pode trazer consequências para a cavidade bucal (BASTOS et al., 2014; NASEEM et al., 2016), tema a ser abordado nos Capítulos seguintes. 1.2 GASTROINTESTINAIS De um modo geral, todo aparelho digestivo passa por modificações durante a gestação. Na boca ocorre a sialorreia, decorrente do aumento do funcionamento das glândulas salivares (PEIXOTO, 2014). Outra alteração é a atonia da musculatura lisa. A diminuição do tônus do esfíncter esofagiano leva ao aparecimento de náuseas e vômitos, lentificação do esvaziamento do estômago. O sintoma mais comum é a pirose (azia), que ocorre por causa de uma diminuição do pH da secreção gástrica (PEIXOTO, 2014) O fígado tem sua função aumentada na gravidez. A vesícula biliar torna-se hipotônica, o que pode levar a colestase (estase biliar). Com o aumento do volume uterino durante a gestação, ocorre um deslocamento do intestino para cima, diminuição da peristalse, levando à obstipação e distensão abdominal. Além de todas essas modificações, há um aumento da congestão vascular pélvica, podendo ocorrer hemorroidas. 1.3 CARDIOVASCULARES O coração muda sua posição, deslocando-se para a esquerda e para cima, devido à elevação do diafragma. Ocorre, ainda, a hipertrofia do ventrículo esquerdo, melhorando a ejeção cardíaca. O débito cardíaco aumenta cerca de 40%, o que pode levar a taquicardia, turgor jugular e edema (BURTI et al., 2006). A síndrome da hipotensão supina é um quadro de bradicardia e hipotensão postural, promovendo diminuição do débito cardíaco por compressão uterina nos grandes vasos maternos (PEIXOTO, 2014). Numa condição em que a gestante em decúbito dorsal se levanta, podem ocorrer tonturas e até lipotimia ortostática. Na presença desses sintomas, recomenda-se colocá-la em decúbito lateral esquerdo, preferencialmente, para que o fluxo sanguíneo seja restabelecido. 1.4 RESPIRATÓRIAS Com os níveis aumentados de progesterona durante a gestação, há um aumento na ventilação pulmonar (hiperventilação), com diminuição do dióxido de carbono (pCO2), melhorando o oxigênio materno (pO2) e, por conseguinte, o suprimento fetal. A frequência respiratória aumenta (taquipneia) e esse aumento na capacidade pulmonar leva a uma alcalose respiratória compensatória (BURTI et al., 2006). Este mecanismo se dá para contrabalancear a acidose metabólica materna e fetal, podendo interferir no efeito de algumas drogas anestésicas, como a bupivacaína e a meperidina. 1.4 HEMATOLÓGICAS O volume do plasma aumenta cerca de 15% durante a gestação. Ao comparar esse ganho em relação ao volume anterior à gravidez, corresponde a um ganho de 30% a 50% do volume sanguíneo. Embora ocorra um aumento do volume das hemácias, os valores mostram uma anemia pela hemodiluição. Os valores normais da hemoglobina de 12.5 g/dl passam para 11 g/dl, durante a gestação. Ocorre uma leucocitose com aumento de linfócitos e neutrófilos. Existe um estado de hipercoagulabilidade, com aumento de quase todos os fatores de coagulação, para assegurar o controle das perdas sanguíneas durante o trabalho de parto. Há uma diminuição do número de plaquetas durante a gravidez, com a finalidade de que não ocorram fenômenos tromboembólicas, com deposição de fibrina, em especial na placenta. Ainda, algumas gestantes podem apresentar sintomas de congestão nasal, edema de mucosa e dispneia (PEIXOTO, 2014). Essa maior dificuldade respiratória favorece a respiração pela boca que, apesar da inexistência de comprovaçãocientífica, é capaz de reduzir o fluxo salivar, sintoma reportado por em torno de 50% das gestantes como “sensação de boca seca”. 02 Alterações bucais no período gestacional Adriane de Sousa Siqueira Giuliana Martina Bordin João Armando Brancher Maria Ângela Narval Machado Marilisa Carneiro Leão Gabardo Milena Binhame Albini Martini Pablo Guilherme Caldarelli Reila Tainá Mendes Taís Ramos Pimenta 2.1 ALTERAÇÕES NO FLUXO, pH E CAPACIDADE DE TAMPONAMENTO SALIVAR Ao se pensar em saliva, rapidamente há uma associação com a manutenção da saúde bucal. De fato, a saliva desempenha um papel importantíssimo no que diz respeito à saúde bucal, entretanto, marcadores biológicos nela contidos também podem oferecer um panorama geral da saúde sistêmica da gestante. A saliva pode ser considerada uma solução ultrafiltrada do sangue (PUNYADEERA, 2013) frequentemente utilizada para diagnosticar e monitorar o estado de saúde geral de uma pessoa (MELETI et al., 2020; PFAFFE et al., 2011), além disso, o seu método de coleta é muito simples e não invasivo. São diversas as funções atribuídas à saliva, e enumerar e discutir todas elas não são o objetivo deste texto, entretanto, é importante mencionar pelo menos duas dessas funções: proteção e manutenção do equilíbrio do pH bucal. Para desempenhar o papel de proteção, a saliva possui uma série de proteínas antibacterianas, antifúngicas e antivirais, além de enzimas. A manutenção do equilíbrio do pH se dá por intermédio de tampões presentes na saliva, entre eles o tampão bicarbonato. Atenção: várias substâncias que estão presentes no sangue podem ser detectadas na saliva! 2.1.1 VELOCIDADE DE FLUXO SALIVAR (VFS) A velocidade de fluxo salivar (VFS) é considerada o principal parâmetro salivar associado à saúde bucal. O teste para avaliar a quantidade de saliva produzida é não invasivo, de baixo custo e pode ser aplicado facilmente na gestante. Talvez a sua principal vantagem seja a obtenção do resultado imediato que poderá ser utilizado para motivar a paciente. A técnica mencionada neste texto foi descrita originalmente por Navazesh (1993) e adaptada para facilitar a coleta em consultório odontológico. Para tanto, a gestante deve se sentar confortavelmente e mastigar um pedaço de látex estéril com tamanho padrão de 1 cm de comprimento por 0,5 cm de diâmetro, preso a um fio dental de 20 cm (em caso de alergia ao látex, pode ser usada parafina). Figura 1. Frasco coletor graduado, fio dental e um pedaço de látex. Fonte: Imagem gentilmente cedida pelo Prof. Dr. João Armando Brancher. A ação mastigatória ocorrerá por seis minutos ininterruptos, sendo que a saliva produzida no primeiro minuto será desprezada. Nos cinco minutos subsequentes, toda a saliva produzida será depositada em um frasco coletor graduado (Figura 1). A VFS será estimada dividindo-se o volume de saliva produzida pelo tempo de estímulo, e o valor será expresso em mililitros por minuto (ml/min). Fluxo salivar inferior a 1 ml/min pode aumentar o risco de patologias bucais (LARMAS, 1992). Fisiologicamente, o fluxo salivar aumenta durante a gestação, o que garante uma proteção adicional aos tecidos bucais. Uma informação importante que deve ser repassada às gestantes é que caso ela perceba diminuição do fluxo salivar, por qualquer motivo, poderá haver alteração da percepção do sabor dos alimentos, entre eles a percepção do sabor do açúcar, o que tende a induzir ao aumento involuntário do consumo de alimentos doces e, consequentemente, predispor à cárie dentária (KAMATE; VIBHUTE; BAAD, 2017; SALUJA et al., 2014;). 2.1.2 pH SALIVAR O pH é uma medida utilizada para indicar o grau de acidez ou de basicidade de uma solução qualquer. Para exemplificar, sabe-se que o suco de laranja é ácido, afinal de contas a fruta possui ácido cítrico. Quando medido, o pH do suco é de aproximadamente 4,0 em uma escala que vai de 0 a 14. Com a saliva não é diferente: o pH salivar deve ficar próximo a 7,0, ou seja, próximo da neutralidade, porém pode variar entre 6,5 a 7,5 (Figura 2). Mas por que é importante avaliar o pH salivar? A resposta para essa pergunta não é simples, mas de maneira objetiva, pode-se dizer que alterações acentuadas no pH salivar estão relacionadas a doenças bucais. Jain e Kaur (2015) avaliaram o pH salivar de 120 gestantes e evidenciaram uma queda significativa no seu valor ao longo da gestação. De fato, o pH salivar no final do terceiro trimestre de gestação chegou próximo a 6,0 e, à medida que diminuía, a prevalência de lesões bucais aumentava. Figura 2. Escala de pH. Fonte: https://www.todamateria.com.br/indicadores-acido-base/ Mensurar o pH salivar de gestantes ao longo da gestação pode ser útil para acessar informações a respeito de lesões bucais que podem ocorrer nos diferentes trimestres da gravidez. Também é importante mencionar que a troca de minerais entre os dentes e a saliva depende do pH salivar. Quando a saliva se torna ácida, e o pH fica abaixo de 5,5, o esmalte dentário perde mais minerais para o meio bucal do que ganha, ou seja, o processo de desmineralização se intensifica. Por outro lado, a elevação acentuada do pH salivar favorece a precipitação de minerais sobre o biofilme que recobre os dentes, assim, pode-se afirmar que o pH bucal alcalino proporciona um ambiente ideal para precipitação do fosfato de cálcio sobre os dentes e o resultado é a formação de cálculo dentário. Existem algumas possibilidades para ser mensurado o pH no consultório odontológico. A primeira delas é a utilização de fitas colorimétricas (Figura 3). Sua utilização é bastante simples. Basta umedecer a fita com a saliva da gestante por 10 segundos e comparar a cor desenvolvida com a cor da escala presente na embalagem. Figura 3. Fita indicadora de pH. Fonte: https://alunosonline.uol.com.br/quimica/calculo- ph-uma-solucao.html Outra possibilidade para mensurar o pH salivar é a utilização do pHmetro portátil (Figura 4). Esse equipamento é comum em laboratórios de análises clínicas e em pesquisas de campo, nas quais é necessário medir o pH salivar de uma grande quantidade de pessoas. A precisão do equipamento é bastante alta e o resultado é imediato. Sua utilização é simples: basta imergir o bulbo do instrumento na saliva e anotar o pH. Sugestão: as fitas indicadoras podem ser utilizadas para mensurar o pH de diferentes bebidas, tais como refrigerantes, café, chás etc. Os resultados servem para explicar o que o consumo frequente de bebidas ácidas pode causar sobre a estrutura dos dentes. Figura 4. pHmetro portátil. Fonte: https://br.omega.com/pptst/PHH-7000.html Também existem no mercado líquidos indicadores de pH que utilizam escalas colorimétricas para medi-lo. Tais soluções podem ser adquiridas em lojas especializadas. 2.1.3 CAPACIDADE DE TAMPONAMENTO SALIVAR (CTS) O terceiro e último teste que pode ser realizado em consultório odontológico e que traz um resultado imediato é a CTS. De maneira objetiva, trata-se da capacidade que a saliva possui para equilibrar o pH bucal após a ingestão de uma solução ácida ou básica. Voltando ao exemplo do suco de laranja utilizado no início deste texto: quando uma pessoa bebe suco de laranja, que tem um pH próximo a 4,0, a tendência seria de a cavidade bucal acidificar. Na verdade isso ocorre, porém a saliva dispõe de mecanismos para neutralizar o ácido contido no suco, por meio de tampões, entre eles o bicarbonato e o fosfato. Ao ser observada a equação abaixo: HCO3 - + H+ H2CO3 H2O + CO2 observa-se que o bicarbonato (HCO3 -) rapidamente reage com o ácido (H+) formando água (H2O) e dióxido de carbono (CO2). Essa é uma maneira rápida de neutralizar o ácido e formar água, protegendo a cavidade bucal. Essa reação química depende da ação de uma enzima, chamada anidrase carbônica: é ela que liga o bicarbonato com o ácido para formar água. Essa propriedade é denominada capacidade tampão salivar. Em gestantes, caso ovolume salivar diminua, a CTS também diminui. Também se levanta a hipótese de que a atividade da enzima anidrase carbônica possa ser afetada por alterações hormonais fisiológicas que ocorrem durante a gravidez (KIVELÄ et al., 2003). Da mesma forma, a CTS seria afetada. Sendo assim, é importante mensurar a CTS para prevenir alterações no pH salivar. O método considerado clássico para determiná-la é a titulação da saliva com ácido clorídrico. Para tanto, utiliza-se uma mistura de 1 ml de saliva com 3 ml de ácido clorídrico 0,005 N (ERICSSON, 1953). A técnica preconiza que os 3 ml de ácido sejam adicionados lentamente à saliva. A solução é homogeneizada e colocada em repouso por 10 minutos. Então, o pH é medido, e caso nesta nova medição o valor seja maior do que 5,0, a saliva exibe boa capacidade tampão. pH entre 4,0 e 5,0, indica uma capacidade de tamponamento da saliva duvidosa; abaixo de 4,0 indica capacidade de tamponamento ruim. 2.1.4 SALIVA ARTIFICIAL, UMA ALTERNATIVA QUE PODE SER CONSIDERADA! Caso a gestante sofra com a diminuição do fluxo salivar durante a gestação, uma alternativa a ser recomendada é a utilização de saliva artificial. A saliva artificial é extremamente eficiente e alivia a sensação de boca seca que pode acometer a gestante, além de promover lubrificação, limpeza e proteção da cavidade bucal. Abaixo segue uma receita básica para produção de saliva artificial. → Receita para formulação de 1000 ml de saliva artificial (BORAKS, 2001, p. 13) : 01 Dissolver bem todos os ingredientes listados abaixo em 900 ml de destilada. 900 ml Água destilada 674 mg Cloreto de sódio 960 mg Cloreto de potássio 40,8 mg Cloreto de magnésio hexidratado 106,8 mg Cloreto de cálcio diidratado 274 mg Fosfato de potássio hidrogenado 10 mg Metil-p- hidroxibenzoato (nipagin) 100 mg Propil-p-dihidroxibenzoato (nipasol) 02 Quando a solução estiver bem homogênea, acrescentar lentamente 8 g de carboximetil celulose de sódio. Misturar até a solução ficar homogênea novamente. 03 04 Acrescentar sorbitol (70%) até completar 1000 ml. Acrescentar 0,5 ml de óleo de menta. Misturar. Acondicionar a saliva artificial em recipiente apropriado.05 Uma opção mais simples é prescrever saliva artificial a ser manipulada em farmácia. Hoje em dia, grandes redes de farmácias também oferecem saliva artificial na forma de sprays que se aproximam muito da saliva humana, pois possuem componentes minerais, hidratantes e componentes orgânicos que protegem e hidratam os tecidos bucais. Basta a gestante borrifar a saliva algumas vezes ao dia na boca. Para finalizar, não se pode esquecer de aconselhar a gestante para que estimule a produção de saliva! Mastigar vagarosamente alimentos sólidos aumenta a quantidade de saliva produzida e, consequentemente, melhora a limpeza da cavidade bucal. Assim, mais proteínas e minerais estarão presentes na saliva, entre eles o cálcio e o bicarbonato, o que favorecerá a capacidade de normalização do pH. ATENÇÃO! Antes de prescrever a saliva artificial, deve- se certificar que a gestante não é sensível a algum componente da fórmula. 2.2 ALTERAÇÕES MICROBIOLÓGICAS A microbiota ou microbioma bucal possui cerca de 600 espécies bacterianas distintas, incluindo as do gênero Streptococcus, Lactobacillus, Staphylococcus e Corynebacterium, além de fungos e vírus (DEWHIRST et al., 2010). Estes microrganismos estão distribuídos em diferentes habitats da cavidade bucal, como dentes, língua, palato e gengiva, sendo que cada um destes ambientes é colonizado por espécies microbianas específicas (AAS et al., 2005). Os microrganismos da microflora bucal, juntamente com aqueles localizados em outras regiões do corpo humano como intestino, pele e canal vaginal, são responsáveis por garantir em parte a nossa imunidade, já que dificultam a instalação de agentes microbianos patogênicos (BELKAID; NAIK, 2013). Diversos fatores intrínsecos e extrínsecos podem estar associados a um fenômeno conhecido como disbiose, que representa uma modificação na composição das microbiotas residentes. Algumas mudanças naturais na composição da flora microbiana são observadas durante a gravidez. Enquanto algumas dessas mudanças podem ser consideradas benéficas para as gestantes, outras podem ser capazes de gerar doenças (NURIEL- OHAYON; NEUMAN; KOREN, 2016). Como se sabe, a gravidez é um processo que provoca alterações simultâneas em diversos sistemas fisiológicos. Enquanto algumas dessas alterações, especialmente as hormonais, as metabólicas e as imunológicas, já são conhecidas por décadas, mudanças em relação à composição da microbiota das gestantes começaram a ser estudadas somente em períodos mais recentes (NURIEL-OHAYON; NEUMAN; KOREN, 2016). Mesmo em mulheres que apresentam uma gravidez sem complicações, costuma-se observar grandes modificações na quantidade e na diversidade de microrganismos nos microbiomas do intestino (KOREN et al., 2012) e do canal vaginal (AAGAARD et al., 2012). Já na cavidade bucal, a quantidade de bactérias viáveis em mulheres grávidas é maior do que a observada em mulheres não grávidas, especialmente durante o primeiro trimestre da gestação (FUJIWARA et al., 2015). A maioria das espécies bacterianas bucais que costumam se multiplicar durante o período gestacional estão relacionadas à ocorrência de doença periodontal. Diversos estudos demonstram que os níveis de Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia e Aggregatibacter actinomycetemcomitans apresentam-se significativamente maiores em gestantes em comparação a não gestantes (BORGO et al., 2014; CARRILLO-DE-ALBORNOZ et al, 2010; FUJIWARA et al., 2015). Adicionalmente, os níveis de fungos do gênero Candida também se mostraram aumentados durante a gravidez (FUJIWARA et al., 2015). A grande disponibilidade dos hormônios femininos estrógeno e progesterona durante o período gestacional é comumente relatada como fator capaz de promover a proliferação de diversas espécies microbianas (PELZER et al., 2012). Contudo, para alguns pesquisadores, esta relação ainda não foi totalmente comprovada (NURIEL-OHAYON; NEUMAN; KOREN, 2016). Várias correlações entre doenças infecciosas da cavidade bucal e complicações gestacionais têm sido demonstradas. Mulheres grávidas que desenvolvem doença periodontal apresentam risco aumentado de parto prematuro (OFFENBACHER et al., 2006), devido ao fato de lipopolissacarídeos (LPS) presentes em bactérias gram-negativas da doença periodontal promoverem aumento sistêmico da produção de mediadores inflamatórios como interleucinas e prostaglandinas (KIM; AMAR, 2006). Adicionalmente, a colonização da placenta por microrganismos bucais também pode estimular o parto prematuro (AAGAARD et al., 2014). Estes microrganismos podem atingir a placenta por meio de propagação hematogênica (bacteremia) ou por meio de transmissão microbiana e colonização do canal vaginal durante práticas sexuais (COBB et al., 2017). Também a doença periodontal também pode estar relacionada ao baixo peso da criança ao nascimento (JARJOURA et al., 2005) e a pré-eclâmpsia (SGOLASTRA et al., 2013). A identificação de microrganismos benéficos e nocivos, bem como de seu papel durante a gestação e o parto, podem ter implicações extremamente importantes para definir dietas adequadas, tratamentos com antibióticos ou probióticos, e potenciais terapias para doenças em todos os estágios de desenvolvimento fetal (NURIEL-OHAYON; NEUMAN; KOREN, 2016). 2.2 CÁRIE DENTÁRIA A gestação é considerada um período em que a mulher pode estar mais suscetível às doenças bucais (FIGUERO et al., 2013; VERGNES et al., 2013). Evidências científicas apontam uma alta prevalência de alterações periodontais (FIGUERO et al., 2013) e de cárie dentária (RAKCHANOK et al., 2010) neste grupo populacional. Essas doenças podem impactar negativamente na qualidade de vida das gestantes, causando limitação funcional, dor, desconforto psicológico e físico (CALDARELLIet al., 2019; NG; LEUNG, 2006; OLIVEIRA; NADANOVSKY, 2006). A cárie dentária é uma doença biofilme-açúcar-dependente complexa. O acúmulo de bactérias nas superfícies dentárias formando o biofilme é considerado o fator necessário para o desenvolvimento da doença. Em adição ao biofilme dentário, a exposição a açúcares da dieta durante a sua formação e maturação também está relacionada ao desenvolvimento da doença (TENUTA; CHEDID; CURY, 2013). Considerando as mudanças de hábitos alimentares e de higiene associados ao período gestacional (FIGUERO et al., 2013; VERGNES et al., 2013), torna-se importante destacar que a ingestão frequente de açúcares, principalmente a sacarose (açúcar mais cariogênico da dieta humana), é fator determinante para o desenvolvimento das lesões de cárie. Ao mesmo tempo em que bactérias mais cariogênicas são selecionadas no biofilme dentário em formação, o ácido produzido pelo metabolismo dos microrganismos tem a capacidade de dissolver o mineral dos dentes (TENUTA; CHEDID; CURY, 2013). A cárie dentária não pode ser considerada uma “doença infecciosa e transmissível”! A cárie dentária não é provocada por bactérias estranhas a cavidade bucal humana. A doença é considerada multifatorial e complexa. Além disso, não é causada por uma única espécie bacteriana, embora algumas sejam mais cariogênicas. Frente à complexidade da doença cárie (Figura 1), que está relacionada a determinantes biológicos e sociais (individuais e coletivos), a orientação sobre o seu controle por meio da escovação dentária, disciplina do consumo de açúcar e uso racional de fluoretos devem ser foco de atenção em ações educativo-preventivas durante todo o período gestacional (CALDARELLI et al., 2019). Figura 1. A cárie dentária como uma doença multifatorial complexa. Fonte: Adaptado de FEJERSKOV e KIDD (2011). 2.3 ALTERAÇÕES PERIODONTAIS As características clínicas da gengivite e da periodontite podem ser exacerbadas devido à inflamação dos tecidos periodontais em resposta ao acúmulo de biofilme dentário, mesmo sem mudanças significativas na quantidade do mesmo (FIGUEIREDO et al., 2017). Isso demonstra o importante papel do aumento dos níveis plasmáticos de hormônios na gravidez. A mudança de hábitos de higiene bucal também contribui na patogênese dessas doenças em gestantes. Estudos observacionais sugerem que o tratamento periodontal potencialmente reduz efeitos adversos durante a gestação (IHEOZOR-EJIOFOR et al., 2017). Há evidências também da associação entre saúde bucal durante a gravidez e problemas adversos, incluindo baixo peso ao nascer, parto prematuro e pré- eclâmpsia. Assim, a presença de periodontite na gestante representa uma fonte potencial de microrganismos que sabidamente podem atingir a circulação sanguínea e, desse modo, interferir direta ou indiretamente na saúde da mãe e do bebê (SANZ; KORNMAN, 2013). A gestação pode, eventualmente, estar associada a eventos adversos, que incluem: Baixo peso ao nascer (< 2500 g) Muito baixo peso ao nascer (< 1500 g) Parto prematuro (<37 semanas) Parto muito prematuro (<32 semanas) Restrição do crescimento (baixo peso para a idade gestacional) Pré-eclâmpsia: hipertensão maternal e proteinúria após a vigésima semana gestacional Aborto espontâneo e/ou natimorto 2.3.1 GENGIVITE A gengivite é uma inflamação localizada na margem gengival, caracterizada por edema, vermelhidão e sangramento (Figura 1A). É o estágio inicial da doença periodontal. É uma condição reversível quando tratada por eliminação do biofilme dentário. Na gravidez, ela é caracterizada por um aumento na sua prevalência e gravidade durante o segundo e terceiro trimestres (GÜRSOY et al., 2008; NIEDERMAN, 2013). Alterações do sistema microcirculatório são produzidas por aumento dos níveis hormonais de estrogênio, progesterona e gonadotrofina coriônica no plasma, potencializando a inflamação gengival (FIGUEIREDO et al., 2017; ZACHARIASEN et al., 1989). Um intensivo regime de higiene bucal (escovação, uso do fio dental e profilaxia profissional) diminui a gengivite em pacientes grávidas (GEISINGER et al., 2014). A periodontite é um estágio mais avançado da doença periodontal. É uma condição que afeta as estruturas de suporte dos dentes e, se não tratada, pode levar à perda dentária (Figura 1B). O biofilme é o principal fator etiológico da periodontite e as alterações sistêmicas influenciam diretamente na patogenia do agravo (BECK et al., 2019), dentre elas o estado gestacional. NOTA: As mulheres grávidas demonstram aumento de gengivite, apesar da quantidade biofilme ser semelhante a de mulheres não grávidas. 2.3.3 PLAUSIBILIDADE BIOLÓGICA DA ASSOCIAÇÃO ENTRE DOENÇA PERIODONTAL E GESTAÇÃO Duas vias principais na ativação da resposta imune/inflamatória e/ou supressão na unidade feto-placenta: Direta: - Microrganismos bucais e/ou seus componentes atingem a unidade feto-placenta via disseminação sanguínea a partir da cavidade bucal. - Microrganismos bucais e/ou seus componentes atingem a unidade feto-placenta através do trato genitourinário. Indireta: - Mediadores inflamatórios localmente produzidos nos tecidos periodontais (PGE2, TNFa) circulam e impactam a unidade feto- placenta. - Mediadores inflamatórios e/ou componentes microbianos circulam até o fígado e há aumento na produção de citocinas (IL-6) e proteínas da fase aguda (PCR) que por sua vez têm impacto na unidade feto- placenta. A B Figura 1. (A) Gengivite; (B) Periodontite em gestante. Fonte: SILK et al., 2008. 2.4 OUTRAS ALTERAÇÕES ESTOMATOLÓGICAS Durante a gestação, o desequilíbrio estrógeno-progesterona e o aumento dos níveis de progesterona não apresentam um papel determinante no desenvolvimento de lesões bucais. As gestantes poderão manifestar gengivite generalizada relacionada aos hábitos de higiene bucal precários devido a náuseas e vômitos (TOMMASI, 2013). 2.4.1 GRANULOMA GRAVÍDICO O granuloma gravídico ou tumor gravídico é uma lesão benigna na cavidade bucal, de natureza não-neoplásica. A elevação gradual das lesões com a progressão da gravidez deve-se provavelmente ao aumento nos níveis de hormônios esteroides (CARDOSO et al., 2013; GONDIVKAR et al., 2010; KRISHNAPILLAI et al., 2012) que aumentam a expressão de fatores angiogênicos no tecido gengival (YUAN et al., 2002) causando uma proliferação vascular acentuada. Ainda sem se saber ao certo a verdadeira causa do granuloma na gestação, a maioria dos casos está relacionada à presença de traumatismo crônico local de baixa intensidade como: próteses mal adaptadas, restaurações em excesso, cálculos ou algum outro trauma (JAFARZADEH et al., 2006; SHARMA et al., 2019). Observa-se uma prevalência de até 5% de ocorrência na fase gestacional e sua aparição inicia por volta da 23.ª semana de gestação e costuma desaparecer após o parto ou sofrem maturação fibrosa. O granuloma gravídico manifesta-se usualmente na região de papilas interdentais sob a forma de um nódulo exofítico indolor, com sangramento espontâneo ou ao toque (TOMMASI, 2013). Localiza-se nas regiões anteriores e na maxila, com aspecto consistente, com lesão lobulada, pediculada, de coloração rosada, vermelha ou roxa, sem um tamanho determinado e com rápido crescimento (Figura 2). A conduta clínica se refere à remoção dos agentes irritantes locais e biópsia excisional da lesão. Deve-se levar em conta a prévia avaliação obstétrica, buscando definir o momento mais oportuno para tanto (TOMMASI, 2013). A remoção de possíveis irritantes (biofilme e cálculo dentário) auxilia no controle da lesão e tem grande importância para prevenir a recidiva após o tratamento (GONDIVKAR et al., 2010). É provável a recidiva quando removido cirurgicamente durante a gravidez (SILK et al., 2008). Figura 2. Granuloma gravídico. Fonte: Imagem gentilmente cedida pela Prof.ª Dra. Melissa Rodrigues Araújo 03 Desmistificando o atendimento odontológico à gestanteBárbara Munhoz da Cunha Ingrid Biberg Koller Juliana Schaia Rocha Luciana Stadler Demenech Maitê Barroso da Costa Rafaela Scariot Saulo Vinicius da Rosa 3.1 TRIMESTRE IDEAL PARA O ATENDIMENTO A Odontologia intrauterina deve ser iniciada logo no início do período gestacional, considerando que a gestação é composta de três trimestres, com características fisiológicas e psicológicas distintas. Segundo Varellis (2013), de acordo com as características psicológicas, o primeiro trimestre - período da instabilidade emocional - é a fase onde a gestante vai trabalhar a aceitação ou não da sua condição. Ainda, há o fato de o excesso de sono ser uma reação presente nesta fase, os desejos e aversões estarem relacionados ao aspecto emocional, e as mudanças bruscas de humor e hipersensibilidade estarem relacionadas a fatores metabólicos e hormonais. No segundo trimestre - período mais estável emocionalmente – inicia-se uma fase de introspecção e passividade, no qual a gestante começa a perceber os movimentos fetais, havendo uma melhor aceitação da gestação, na maioria dos casos. Ocorrem alterações da sexualidade e também a maternalização, importante para a relação mãe e filho, com clara influência na amamentação. O terceiro trimestre - marcado por grande ansiedade - é o período em que afloram o temor e a insegurança por assumir novas responsabilidades, temor do parto, e desejo de ver o filho. Por isso, é importante que o cirurgião-dentista conheça as fases psicológicas da gestação, o que facilitará a abordagem, permitindo o estabelecimento de um vínculo de confiança com a gestante. O tratamento odontológico pode ser realizado em qualquer trimestre da gestação, embora o segundo seja o mais indicado, justamente decorrente da maior estabilidade. No primeiro trimestre os medicamentos devem ser evitados, pois ocorrem as principaiem virtude das formações embriológicas, estando o feto mais suscetível às influências teratogênicas e ao aborto. Devem ser priorizados procedimentos profiláticos-preventivos, restauradores básicos e a eliminação de focos infecciosos locais. No segundo trimestre o feto encontra-se bem desenvolvido, mas não o suficiente para causar incômodo na cadeira odontológica, por isso é considerado o melhor período para se realizar o tratamento. Os procedimentos cirúrgicos eletivos devem ser evitados para não submeter a gestante ao estresse e aos riscos de bacteremia, os quais poderiam desencadear um aborto. No terceiro trimestre o tratamento deve ser realizado precocemente, pois a partir do meio desse período o feto pode comprimir a veia cava inferior, provocando hipotensão supina. A demanda cardiovascular aumenta o ritmo respiratório, o risco de anemia, o risco de hipertensão e de eclampsia. A paciente gestante deve ser posicionada na cadeira com uma pequena almofada nas costas, de maneira que a barriga fique um pouco de lado, evitando, assim, que o bebê pressione a veia cava inferior desencadeando hipotensão supina (VARELLIS, 2013). Se houver tratamentos de urgência, ou que se apresente algum foco de infecção, esses devem ser realizados imediatamente, para não haver a chance de ocorrer a septicemia, que é teratogênica e uma das principais causas de aborto espontâneo (BASTOS et al., 2014). 3.2 AVALIAÇÃO DOS SINAIS VITAIS EM GESTANTES Os sinais vitais podem ser considerados os indicadores das funções vitais, e podem orientar o diagnóstico inicial e o acompanhamento da evolução de determinado quadro clínico da paciente. São importantes serem aferidas temperatura, frequências cardíaca e respiratória, e pressão arterial. Algumas condições alteram os sinais vitais, possibilitando uma falsa interpretação dos mesmos, como tensão, alimentação e temperatura. Antes de iniciar a realização de qualquer procedimento odontológico, os sinais vitais da gestante devem ser avaliados. 3.2.1 TEMPERATURA A temperatura corpórea normal é entre 35,5 ºC e 37 ºC, podendo haver variações de 0,3 ºC a 0,6 ºC na média, e ser mais elevada em crianças e no final do dia. Quando há o aumento da temperatura (hipertermia ou febre), deve-se atentar a doenças infecciosas, trauma ou até mesmo ansiedade. E, quando há diminuição da temperatura (hipotermia), pode ser sinal de exposição ao frio ou um estado de choque hipovolêmico. ATENÇÃO! Os equipamentos de verificação dos sinais vitais tem que estar corretamente calibrados! Abaixo segue uma escala de referência de temperatura: 3.3.2 FREQUÊNCIA CARDÍACA A frequência cardíaca (FC) ou frequência de pulso é sentida pelo toque (Figura 1), pela pressão exercida do sangue sobre a parede do vaso sanguíneo (artéria), e é avaliada pelo número de batimentos cardíacos por minuto (bpm). Normalmente a FC da gestante fica entre 60 a 100 bpm, podendo se elevar em torno de 10 a 15 bpm a partir do sexto mês de gestação, ocasionado pela queda da resistência periférica. O pulso (a artéria) radial é o mais utilizado para se palpar para a avaliação da frequência cardíaca. FC >100 bpm = taquicardia; FC < 60 bpm = bradicardia. NORMAL TC 35,5 °C - 37 °C com média de 36,5 °C FEBRE LEVE OU FEBRÍCULA TC > 37 °C - 37,5 °C HIPOTERMIA TC < 35 °C FEBRE MODERADA TC > 37,5 °C - 38,5 °C FEBRE ALTA OU ELEVADA TC > 38,5 °C Figura 1. Pulso sendo tomado na artéria radial. Fonte: http://www.universomedico.med.br/sinais-vitais/ 3.2.3 PRESSÃO ARTERIAL (PA) A pressão exercida sobre a parede do vaso sanguíneo é chamada de pressão arterial (PA). Para aferição adequada, a gestante deverá estar sentada, o que evita a compressão da veia cava inferior, podendo ser utilizado o braço direito na altura do coração. Os fatores que podem alterar os valores da PA são: posição do paciente, atividade física e manguito inapropriado. A PA sistólica é considerada normal quando se apresenta abaixo de 139 mmHg e a PA diastólica abaixo de 89 mmHg. As gestantes que apresentarem valores acima de 140/90 mmHg são consideradas hipertensas. A seguir seguem valores de referência: 120-129/80 mmHg ELEVADA HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica Grau I e II Crise HTA – Crise Hipertensiva Valores segundo atualização da American Heart Association (AHA, 2017). HAS I 130-139/80 mmHg HAS II ≥140/90 mmHg Crise HTA II ≥180/120 mmHg Quadro 1. Valores de referência da PA. 3.2.4 FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA (FR) A frequência respiratória (FR) é avaliada pelo número de inspirações ou expirações durante um minuto seguido (movimentos respiratórios por minuto). Deve ser realizada enquanto a paciente está em repouso e se situa entre 12 a 20 respirações por minuto na gestante. O objetivo da respiração é promover a troca gasosa (saída de dióxido de carbono e entrada de oxigênio). Através da saturação parcial do oxigênio (SPO2) é verificada a quantidade de oxigênio circulante. O valor ideal para a SPO2 deve ser superior a 94%, atingindo um teto máximo de 99%. Qualquer valor baixo deve ser avaliado imediatamente, pois a queda na saturação é critério para oxigenação complementar. A aferição desse padrão pode ser feita com um oxímetro (Figura 2). Pressão Arterial Sistólica Pressão Arterial Diastólica Frequência Cardíaca Inaudível ou abaixo de 80 ************ ≥ 140 ou ≤ 59 bpm em paciente sintomática ≥ 160 mmHg ≥ 110 mmHg ≥ 140 ou ≤ 50 bpm em paciente assintomática ≥140 mmHg a 159 mmHg com sintomas ≥ 90 mmHg a 109 mmHg com sintomas 91 a 139 bpm Abaixo de 139 mmHg Abaixo de 89 mmHg 60 a 90 bpm Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia / Sociedade Brasileira de Hipertensão / Sociedade Brasileira de Nefrologia, 2010. Figura 2. Oxímetro. Fonte: http://jgmoriya.com.br/produto/oximetro-de-pulso-portatil-md300c2-md300e/ 3.2.5 DOR Considerada o “quinto sinal vital”, a dor é referida pela maioria dos pacientes durante as consultas odontológicas, mas muitas vezes é mal avaliada. Para melhorar a eficácia da avaliação da dor pode-se usar a escala visual analógica (EVA), que consiste de notas de 0 a 10, sendo0 a inexistência da dor e 10 a dor máxima. Especificamente para as mulheres, a tabela abaixo traz uma tabela extraída do site do Ministério da Saúde: Tabela 1. EVA para análise subjetiva da intensidade da dor da mulher. Fonte: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_acolhimento_classificacao_risco_obstetrici a_2017.pdf 3.3 HORÁRIO DE ATENDIMENTO Numa gravidez normal, náuseas e vômitos costumam surgir dentre as cinco semanas após o último período menstrual, atingindo intensidade máxima entre oito e 12 semanas de gestação. Geralmente, são preconizados consultas e procedimentos curtos, de preferência na segunda metade da manhã, quando os enjoos matinais são menos frequentes (GIGLIO et al., 2009; HEMALATHA, 2013; MARTINS et al., 2013). A hipoglicemia pode levar a desmaios e isso pode ser evitado, orientando-se a paciente para que faça um lanche leve antes do atendimento e sejam evitadas consultas logo no início da manhã. Há também que se considerar a importância do cuidado de evitar agendar consultas para gestantes no mesmo horário de pacientes ou membros da equipe doentes ou acometidos por qualquer infecção viral (MARTINS et al., 2013). 3.4 POSIÇÃO DE ATENDIMENTO O crescimento do útero e as mudanças hormonais durante a gestação promovem alterações gastrointestinais, respiratórias e cardiovasculares que podem interferir na posição de atendimento odontológico da gestante. O crescimento uterino promove o deslocamento do estômago para cima, aumentando a pressão intra-gástrica, e a elevação do diafragma, que por sua vez, reduz o volume de reserva expiratória. O aumento da produção do estrogênio promove a dilatação dos vasos capilares da mucosa nasofaríngea, e consequentemente maior edema local, congestão nasal e predisposição a epistaxes. Tais alterações fisiológicas levam a um maior desconforto e dificuldade de respirar em posição supina (GIGLIO et al., 2009). Recomenda-se manter a gestante posicionada o mais vertical possível para aliviar a pressão abdominal e mantê-la confortável (GIGLIO et al., 2009; HEMALATHA et al., 2013). No último trimestre de gestação, o posicionamento da gestante em posição supina e dorsal favorece a “Síndrome da Hipotensão da Posição Supina” pela compressão da veia cava inferior. Essa situação pode desencadear bradicardia, tontura, fraqueza, sudorese, agitação, zumbidos, palidez, diminuição da pressão arterial e até síncope e convulsões. A manobra de “empurrar” o útero para esquerda, deitando a paciente para o lado esquerdo e elevando a bacia com o auxílio de um travesseiro ou lençol dobrado é recomendada (HEMALATHA et al., 2013; KURIEN et al., 2013) (Figura 3). Figura 3. Posicionamento adequado da gestante na cadeira odontológica. Fonte: Imagens gentilmente cedidas pela mestranda em Odontologia Clínica da Universidade Positivo, Bárbara Munhoz da Cunha, com consentimento da paciente. MITO OU VERDADE? “O tratamento deve ser interrompido no terceiro trimestre de gestação.” MITO: Adotando-se alguns cuidados para maior conforto da paciente, o tratamento odontológico, embora seja preferencialmente realizado no segundo trimestre, pode ser realizado a qualquer momento (VASCONCELOS et al., 2012). 3.5 EXPOSIÇÃO À RADIAÇÃO ODONTOLÓGICA A exposição à radiação x na Odontologia é uma rotina frequente e as pacientes gestantes e é sempre uma dúvida pertinente ao profissional. Pode-se fazer radiografias em gestante? A resposta é sim. Porém, a indicação correta e a real necessidade do exame devem ser avaliadas. Os raios x são propagações de energia através do espaço ou em um meio material. A radiação x é uma radiação chamada ionizante, pois em contato com a matéria, tem a capacidade de causar efeitos biológicos no organismo, podendo ser prejudicial à formação do feto. A Lei da Radiossensibilidade (BERGONIE; TRIBONDEAU, 1906) determina que células menos diferenciadas, em grande atividade mitótica, são as mais afetadas pela radiação. Para a formação do feto, as células estão em sua atividade máxima de reprodução, em constante mitose. Assim, o risco biológico de possíveis alterações é aumentado. Pode-se fazer radiografia em gestantes, desde que avaliado risco versus benefício. Em casos de urgência, quando a paciente apresenta dor, infecção aguda, ou ainda em traumatismos dentários, a radiografia torna-se necessária. Alguns cuidados devem ser tomados para uma radiografia mais segura: Segundo a Portaria SVS/MS n.° 453, de 1 de junho de 1998, que aprova o regulamento técnico e estabelece as diretrizes básicas de proteção radiológica em radiodiagnóstico médico e odontológico, que dispõe sobre o uso dos raios-x diagnósticos em todo território nacional e dá outras providências, em casos de exposições ocupacionais, quando a profissional e/ou auxiliar está grávida, devem ser observados os seguintes requisitos adicionais, de modo a proteger o embrião ou feto: a gravidez da profissional deve ser informada ao responsável pela clínica ou serviço o mais breve possível; as condições de trabalho devem ser reavaliadas para garantir que a dose na região do abdômen não exceda 2 mSv durante todo o período restante da gravidez, tornando pouco provável Usar posicionador radiográfico, sempre que possível, para evitar repetições por erro de técnica. Tempo/dose de exposição reduzidos, o mínimo necessário para uma imagem visível. Uso de avental plumbífero de tamanho adequado e protetor de tireoide. Evitar repetições ou tentativas desnecessárias. Conduta preventiva. que a dose adicional no embrião ou feto exceda cerca de 1 mSv neste período. A dose efetiva média anual não deve exceder 20 mSv em qualquer período de cinco anos consecutivos, não podendo exceder 50 mSv em nenhum ano (ocupacional). A mesma Portaria ainda determina que as exposições normais a pacientes gestantes, decorrentes de todas as práticas, devem ser restringidas de modo que a dose efetiva anual não exceda 1 mSv. É importante lembrar que a paciente não será submetida apenas ao exame radiográfico odontológico, mas sim a outros exames de diagnóstico que por ventura venham a ser requisitados em tratamentos médicos, além da exposição diária à radiação do meio ambiente e outras fontes. Se o profissional indicar o exame radiográfico é porque a importância do exame deve superar o risco para o feto. Os efeitos biológicos decorrentes da exposição à radiação ionizante pelo feto merecem destaque e podem ser divididos em quatro categorias: a) óbito intrauterino; b) malformações; c) distúrbios do crescimento e desenvolvimento; d) efeitos mutagênicos e carcinogênicos. O embrião é mais sensível aos efeitos da radiação ionizante nas duas primeiras semanas de gestação; durante este período, o embrião exposto à radiação permanecerá intacto ou será reabsorvido ou abortado. Porém, nas radiografias odontológicas, onde a área de exposição é menor, distante da região de abdômen, os riscos são bastante reduzidos. MITO OU VERDADE? “Durante a gravidez a gestante não pode ser submetida a exame radiográfico.” MITO: O cirurgião-dentista deve realizar o exame radiográfico quando necessário, mesmo em gestantes, porém com cautela e proteção adequada. Dessa forma, os riscos serão minimizados, ou quase nulos (D’IPOLLITO; MEDEIROS, 2005). 3.6 TERAPÊUTICA MEDICAMENTOSA NA GESTAÇÃO 3.6.1 ANESTESIA LOCAL Se utilizada a dose terapêutica, técnica e solução anestésica corretas ela é considerada como segura em qualquer trimestre gestacional. A dose máxima recomendada é de 2 tubetes por atendimento, executando a técnica correta. É importante que a injeção da solução anestésica seja realizada de forma lenta e precedida de aspiração, evitando assim a injeção intravascular. MITO OU VERDADE? ““Durante a gravidez a gestante não pode receber anestesia local, principalmente se a solução contiver vasoconstritor.” MITO: Esse mito é oriundo da falta de conhecimento do cirurgião-dentista sobre o assunto, fazendo com que asgestantes também fiquem com receio do atendimento odontológico. A anestesia local em gestantes pode e deve ser usada quando necessário (ANDRADE, 2014; OLIVEIRA; GONÇALVES, 2009; RODRIGUES et al., 2017; SOARES et al., 2006). No Quadro 1 é apresentado um resumo das principais soluções anestésicas e suas recomendações durante a gestação. Além disso, sua metabolização primária ocorre no fígado, e no feto existe uma imaturidade do sistema hepático, podendo dificultar a metabolização desta solução (RODRIGUES et al., 2017). Solução anestésica Categoria FDA Recomendações Observações LIDOCAÍNA 2% Categoria B Sem evidência de risco para o feto Recomendada em gestante e lactante Considerada de primeira escolha com adrenalina na concentração 1:100.000 ou 1:200.000 MEPIVACAÍNA BUPIVACAÍNA Categoria C Precaução Dados obtidos de teratogenicidade em estudos realizados em animais Os efeitos deste medicamento não podem ser descartados em humanos, devido ao fato de que todos os anestésicos locais podem atravessar a barreira e causar depressão fetal PRILOCAÍNA Categoria B - Pouca vasodilatação - Pode ser utilizada sem vasoconstritor Contraindicação: risco de produzir metemoglobinemia, ocasionando quadro de cianose No Brasil não é comercializada sem vasocontritor (associada à felipressina) Quadro 1. Resumo das soluções anestésicas e suas recomendações de uso. Adaptado da Linha Guia de Saúde Bucal – SESA (PARANÁ, 2014). A solução anestésica que apresenta maior segurança é a lidocaína 2% com adrenalina (1:100.000) (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2009; RODRIGUES et al., 2017; SOARES et al., 2006). O uso da solução anestésica prilocaína com felipressina deve ser evitada. A prilocaína pode causar a metemoglobimemia, uma alteração hematológica em que a hemoglobina é oxidada e impede o transporte de oxigênio para os tecidos. Já a felipressina tem uma ação semelhante à ocitocina e pode causar contração uterina que podem induzir aborto espontâneo e parto prematuro (MICHALOWICZ et al., 2008; RODRIGUES et al., 2017; SOARES et al., 2006). Quanto ao uso de vasoconstritor, sabe-se que a quantidade de adrenalina liberada pelo organismo em uma situação de estresse é muito maior do que a de um tubete anestésico (Quadro 2). Como por exemplo, em um caso em que a dor foi mal controlada durante o atendimento odontológico, seja porque o profissional optou por não usar anestésico ou usou uma solução sem vasoconstritor e seu efeito anestésico passou rapidamente, a quantidade de adrenalina endógena injetada no organismo é de aproximadamente 280 μg por minuto. Se utilizada uma solução anestésica com adrenalina 1:100.000, respeitando a dose máxima recomendada de 2 tubetes, apenas 36 μg (18 μg x 2) serão injetados, fora do vaso sanguíneo. Quadro 2. Quantidade de adrenalina liberada no organismo em uma situação de estresse e durante a anestesia local. Adrenalina* Noradrenalina** Secreção da suprarrenal em repouso 7 μg/min 1,5 μg/min Estresse 280 μg/min 56 μg/min Tubete anestésico (1:100.000*/1:50.000**) 18 μg/tubete 36 μg/tubete Fonte: Adaptado de MALAMED (2013). É importante ressaltar que o vasoconstritor noradrenalina deve ser evitado, pois pode causas complicações neurológicas e cardiovasculares (RODRIGUES et al., 2017). 3.6.2 PRESCRIÇÃO DE ANTIBIÓTICOS, ANTI-INFLAMATÓRIOS E ANALGÉSICOS Apesar da escolha da utilização de medicamentos em gestantes ser delicada, em muitas situações, como nos casos de infecções, os medicamentos são necessários para o bem-estar da mãe e do feto. É necessário que o cirurgião-dentista prescreva de forma adequada durante esse período, visto que cerca de 3% das malformações fetais ainda são provocadas pelo uso indevido de medicamentos durante a gravidez, principalmente quando estes são administrados no primeiro trimestre (ŠTEFAN; VOJTĚCH, 2018). O ideal é que procedimentos eletivos sejam adiados para após o parto e após o período de lactação, ou caso necessário, após o primeiro trimestre e antes do último trimestre de gestação. O cirurgião-dentista deve considerar cuidadosamente a relação entre benefício e risco, quando indica o uso de antibióticos para gestantes. Antibióticos como penicilinas são a primeira escolha em caso de infecções dentárias. Em pacientes alérgicos, os macrolídeos podem ser uma alternativa. Sendo assim, pode-se utilizar com segurança a amoxicilina (Amoxil®), benzilpenicilina, benzatina (Benzetacil®), eritromicina (Pantomicina®), e fenoximetilpenicilina potássica (Pen-Ve-Oral®) (AMADEI et al., 2011; ARMONIA; TORTAMANO, 2006). As tetraciclinas, quando administradas até a segunda metade da gravidez causam hipoplasia dos dentes e dos ossos do feto além de serem associadas à ocorrência de cataratas congênitas (YAGIELA, 2000). O metronidazol, amplamente utilizado na Odontologia, também deve ser evitado na gravidez pelo seu potencial teratogênico (AMADEI et al., 2011; FUCS et al., 2006). No tocante a anti-inflamatórios e analgésicos, sabe-se que os anti-inflamatórios não esteroidais (AINE) causam a inibição da síntese de prostaglandinas, o que pode levar a um período gestacional prolongado e a um trabalho de parto prolongado (anormalmente lento), além da diminuição da função plaquetária que pode aumentar o risco de sangramento materno e fetal prolongado (REBORDOSA et al., 2009). De forma geral, todos os AINE podem levar à hemorragia ou complicações no parto e, portanto, devem ser evitados, assim como o ácido acetilsalicílico (AAS). Essa classe de medicamentos deve ser administrada na gravidez somente se os benefícios maternos superarem os riscos fetais em potencial, com a menor dose eficaz e a menor duração possível. Se for necessária a utilização de um desses fármacos durante a gravidez, o ibuprofeno, antes do terceiro trimestre, e em pequenas doses, é provavelmente o mais seguro (AMADEI et al., 2011). A Aspirina® inclusive, demonstrou ser eficiente na prevenção de pré-eclâmpsia, porém seu uso na gravidez não deve exceder as doses diárias de 100 mg, visto que há evidência de que, em doses elevadas, o AAS pode causar efeitos teratogênicos (BELHOMME et al., 2017; TONUCCI et al., 2012; YAGIELA, 2000). O paracetamol (Tylenol®) é o analgésico de escolha no tratamento da dor no pós-operatório. Além disso sua natureza benigna durante a gravidez já foi demonstrada (FELDKAMP et al., 2010). A dipirona sódica (Novalgina®) é o analgésico de segunda escolha. Quando existe a necessidade de um maior controle analgésico, os analgésicos opioides são a próxima linha de tratamento. Contudo, o clínico deve comparar riscos e benefícios, visto que essa classe de medicamento aumenta o risco de um recém-nascido com síndrome de abstinência neonatal (LAUGHTER; CLOSSMAN, 2016). A oxicodona, quando necessária, pode ser usada com relativa segurança, sendo da categoria de baixo risco (DESAI et al., 2015). Todos os opioides devem ser usados com cuidado e indicação bem avaliada, levando em conta também o alto risco de dependência física fetal ao nascimento. 04 Importância do pré-natal odontológico Carolina Dea Bruzamolin Erika Calvano Küchler Isabela Ribeiro Madalena Juliana Schaia Rocha Pablo Guilherme Caldarelli Saulo Vinicius da Rosa 4.1. CONHECIMENTO DAS GESTANTES SOBRE SAÚDE BUCAL - A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE PARA A SUPERAÇÃO DE BARREIRAS Como visto nos tópicos “Alterações fisiológicas no período gestacional” e “Desmistificando o atendimento odontológico à gestante”, a gestante tem um maior risco para o desenvolvimento de doenças bucais durante esse período, seja por mudanças comportamentais associadas a alterações fisiológicas ou por mitos e crenças arraigadas na sociedade. Estes mitos e crenças estão relacionados à segurança do atendimento odontológico e por doenças bucais serem consideradas normais durante a gestação (ROCHA et al., 2018a; 2018b). Sendo assim, apesar de ser importante que a futura mãe saibados primeiros cuidados com a saúde bucal do seu bebê, as intervenções durante o pré-natal odontológico devem ser centradas na gestante, com foco nos cuidados com sua saúde bucal durante a gestação (ORSI, 2017; VAMOS et al., 2015). As consultas do pré-natal odontológico devem ser um momento de aprendizado para promoção do autocuidado e transformador da mesma como agente multiplicador de saúde, pois a gestante que será a modeladora de hábitos para toda a família (BOGGESS et al., 2010; REIS et al., 2010). Deve-se instituir um protocolo em que a educação em saúde seja preconizada durante todas as etapas do atendimento (Figura 1), com diálogo e troca de conhecimentos (ORSI, 2017). As técnicas educativas utilizadas devem estimular uma maior autonomia e empoderamento dos pacientes, com abordagens problematizadoras que envolvam a paciente durante em todo o processo, podendo ser utilizados materiais educativos de apoio (CALDARELLI et al., 2019; SÃO PAULO, 1997). As consultas também devem ser fundamentadas na humanização do atendimento (SÃO PAULO, 1997), com o acolhimento e vínculo do paciente, estimulando a confiança entre a mesma e o profissional de saúde, tendo por objetivo aumentar a adesão das gestantes e promover o autocuidado (ORSI, 2017). A atenção integral a gestante com o pré-natal odontológico irá trazer maior conforto e segurança no momento do atendimento odontológico durante a gestação, além de que se for necessária alguma intervenção mais invasiva na cavidade bucal, a gestante irá receber toda assistência de imediato proporcionando uma gestação saudável e de qualidade, para ela e para o bebê. ACOLHIMENTO E VÍNCULO PRIMEIRA CONSULTA SEGUNDA CONSULTA CONSULTAS SUBSEQUENTES ÚLTIMA CONSULTA Preenchimento da ficha clínica Exame Clínico Educação em Saúde Evidenciação de Biofilme Orientação de higiene Profilaxia De acordo com as necessidades da gestante Motivação e esclarecimento de dúvidas Programação do retorno Reavaliação da higiene Educação em saúde ENCAMINHAMENTOS Figura 1. Protocolo das etapas do atendimento à gestante. Fonte: Adaptado de ORSI, 2017. 4.2. HIGIENE BUCAL DA MÃE Durante o período gestacional a cavidade bucal pode sofrer alterações que tornam a mulher mais suscetível às doenças bucais (FIGUERO et al., 2013; VERGNES et al., 2013). Evidências científicas apontam uma alta prevalência de alterações periodontais (FIGUERO et al., 2013) e de cárie dentária (RAKCHANOK et al., 2010) neste grupo populacional. Na perspectiva da promoção da saúde e prevenção das doenças bucais, é de fundamental importância que a gestante realize, principalmente nesse período, uma boa higiene bucal. Para isso se recomenda: Acompanhamento com cirurgião-dentista para orientação, promoção da saúde e prevenção de doenças bucais desde o início da gestação; Escovação dentária, de duas a três vezes ao dia, com dentifrício fluoretado, contendo pelo menos 1000 ppm de flúor; Utilização de fio ou fita dental para desorganização do biofilme interdental; Higienização da língua. A orientação de higiene bucal deve ser rotina na vida da gestante durante este período e após a gestação. O hábito de higienização da boca será transmitido de mãe para filho, por isso uma orientação com cuidado e atenção, será um fator de prevenção para o desenvolvimento de doenças bucais na boca do bebê. Em relação às gestantes com risco e atividade de cárie dentária, outras formas de utilização de fluoretos podem ser empregadas, como os meios profissionais para o controle da doença. Dentre eles destacam-se: as soluções para bochechos, géis, espumas, vernizes e associações de meios. Torna-se importante ressaltar que, independentemente da forma de utilização, todos esses meios aumentam a concentração de flúor na cavidade bucal para interferir no processo de des e remineralização da estrutura dentária (TENUTA; CURY, 2016). Nos produtos de aplicação profissional encontra-se uma alternativa para tentar compensar o não auto uso ou a deficiência em medidas preventivas dos pacientes (CURY; TENUTA, 2015). A utilização desses produtos é extremamente apropriada em termos da atenção de acordo com as necessidades. Dessa maneira, a utilização de meios de aplicação profissional de flúor, com efetividade comprovada por estudos clínicos controlados (MARINHO et al., 2003), deve ser vista como um meio complementar ao uso de flúor pelos pacientes a partir da água e dentifrício fluoretados (CURY; TENUTA, 2015). Como o flúor não interfere com os fatores etiológicos da doença, por exemplo, o acúmulo de bactérias sobre os dentes e a fermentação de açúcares em ácidos, ele apenas reduz/controla a manifestação (sinais) da doença. O FLÚOR NÃO EVITA A CÁRIE DENTÁRIA! Por fim, a equipe de saúde bucal é responsável pelo pré-natal odontológico. Nas consultas, a gestante deve receber orientações sobre higiene bucal, com ênfase no controle do biofilme, orientações sobre dieta e a necessidade do controle de suas doenças bucais (CALDARELLI et al., 2019). Para tanto, é importante considerar uma avaliação da saúde bucal da paciente já na primeira consulta do pré- natal e os problemas detectados devem ser resolvidos gradualmente (MOIMAZ; SALIBA; GARBIN, 2009). 4.3 HIGIENE BUCAL DO BEBÊ A saúde bucal infantil é o alicerce sobre o qual a educação preventiva e o atendimento odontológico deverão ser construídos para aumentar a oportunidade de uma criança ter uma vida livre de doenças bucais evitáveis (ABO, 2013; AAPD, 2017). Nesse cenário, acredita-se que uma das ferramentas mais importantes que o cirurgião-dentista e o odontopediatra dispõem para auxiliar na construção de uma vida livre de doenças bucais é a conscientização dos pais a respeito da saúde bucal do bebê. Cabe ao cirurgião-dentista utilizar os produtos de aplicação profissional de flúor da forma que melhor atenda às necessidades da gestante ou as possibilidades de utilização na sua comunidade. NÃO EXISTE UM PROTOCOLO UNIVERSAL PARA APLICAÇÃO TÓPICA DE FLUORETOS! Desta forma, esse capítulo baseado em evidências científicas recentes tem como objetivo principal oferecer informações sobre a higiene bucal em bebês, evitando o aparecimento de doenças bucais. 4.3.1. HIGIENE BUCAL DO BEBÊ EDÊNTULO Inicialmente, é válido ressaltar que a cavidade edêntula do bebê não possui nichos para retenção do biofilme desencadeantes de cárie e doença periodontal. Desta forma, não há na literatura, evidências científicas suficientes que suportem a indicação de higienização bucal em bebês (CORREA, 2017). Contudo, sob o ponto de vista motivacional, a dessensibilização da cavidade bucal do bebê é recomendada com objetivo principal de formação de hábitos e estreitamento de vínculo afetivo com o cuidador (WALTER, 2014). A massagem gengival pode ser realizada com lenços, gazes ou fraldas umedecidas em água filtrada ou soro fisiológico, substâncias inertes a mucosa bucal do bebê (CORREA, 2017). O cuidador previamente instruído, deve envolver o dedo indicador em gaze e massagear inicialmente os rodetes gengivais, superior e inferior, e finalizar com o movimento giratório posicionando o dedo indicador no palato e transcorrendo no comprimento da língua (Figura 1A - D). A massagem gengival pode ser especialmente recomendada após a última mamada, evitando a estagnação do leite na cavidade bucal, principalmente em bebês que fazem uso da formula infantil (WALTER, 2014). 4.3.2. HIGIENE BUCAL DO BEBÊ DENTADO Quando há emergência gengival dos dentes decíduos, por volta dos 6 a 8 meses de idade, é importante que os pais ou responsáveis sejam instruídos quanto às mudanças de todo ecossistema bucal (CORREA, 2017). Outro dispositivo que também pode ser usado para fins de dessensibilização da cavidade bucal do bebê são as dedeiras de silicone. Apesar de possuir cerdas não tem objetivo de limpeza nesta etapa de desenvolvimento do bebê. Figura 1. Higienização da cavidade bucal do bebê com auxíliode gaze. Fonte: Imagens gentilmente cedidas pelo Departamento de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP) realizadas pela Dra. Renata Rizental Delgado e Dra. Isabela Ribeiro Madalena. Lenços, gazes ou fraldas umedecidas Água filtrada ou soro fisiológico ou substâncias inertes a mucosa do bebê Massagear os rodetes gengivais, superior e inferior, e finalizar com o movimento giratório posicionando o dedo indicador no palato e transcorrendo no comprimento da língua Segundo as normativas oriundas da ABO (2013) e AAPD (2019), recomenda-se que o indivíduo seja inserido em um “lar odontológico” até os 12 meses de idade. Crianças que possuem um “lar odontológico” precoce têm maior probabilidade de receber cuidados de saúde bucal preventivos e de rotina apropriados, melhorando assim os conhecimentos e práticas de saúde bucal das famílias, especialmente em crianças com alto risco de cárie na primeira infância (THOMPSON; MC CANN; SCHNEIDERMAN, 2017). Nesse cenário, logo após a emergência gengival, cuidados quanto à higienização mecanizada, realizada também com uso de coadjuvantes químicos precisam ser esclarecidos (ABO, 2013; AAPD, 2016; CORREA, 2017). A higienização bucal do bebê deve ser realizada pelos pais, responsáveis e/ou cuidadores, a partir do primeiro dente decíduo, com escova dental, dentifrício fluoretado e fio dental (ABO, 2013; AAPD, 2016). No mercado odontológico nacional atual, inúmeras escovas destinadas exclusivamente para uso em bebês, de acordo com a idade, podem ser encontradas. Assim, é importante que o profissional saiba características essencialmente necessárias em uma escova dental para correta indicação, tendo em vista que o poder aquisitivo da família que o recorre pode influenciar na escolha em adotar ou não, as orientações dadas pelo profissional. Segundo a Associação Dentária Americana (ADA, 2015), a escova ideal, destinada a bebês deve apresentar as características sumarizadas na tabela 1. CABO Longo (média de 10 a 13cm) HASTE INTERMEDIÁRIO Reta CABEÇA Situada no mesmo eixo da haste; Cabeça pequena (média de 1 a 1,5cm, suficiente para cobrir 2 a 3 dentes adjacentes); Conter de 2 a 3 fileiras de tufos (sentido horizontal); Conter 6 a 8 fileiras de tufos (sentido vertical). CERDAS Cerdas que possuam tufos com mesmo comprimento; Constituídas de cerdas sintéticas ou de náilon; Possuir durabilidade, flexibilidade, elasticidade e rigidez suficiente para não provocar alterações nos tecidos bucais. Contudo, em termos práticos, devem ser leves, de fácil limpeza, impermeáveis à umidade, de baixo custo, duráveis e eficientes. É importante ressaltar que o profissional deve esclarecer aos pais e/ou responsáveis, que a escova dental deve ser utilizada de acordo com o tamanho da cavidade bucal do bebê e possuir cerdas macias ou extra macias, para evitar desgastes excessivos, irritação da mucosa e rejeição. Tabela 1. Características ideais de escovas dentais destinadas a bebês. Logo após o esclarecimento sobre a escova dental ideal, também é válido informar aos pais e responsáveis pelo bebê, que a escovação é fundamental para a introdução de hábitos saudáveis e promoção da saúde bucal e geral. Desta forma, estratégias que motivem o núcleo familiar devem ser inseridas de acordo com a realidade do paciente. Ademais, para que o momento da higienização bucal seja confortável para os ambos, pais, responsáveis e/ou cuidadores e o bebê, a literatura aponta que a técnica de Fones apresenta resultados mais promissores, devido à simplicidade e fácil execução (CORREA, 2017). A técnica é realizada a partir de movimentos circulares em todas as faces dos dentes, com exceção dos bordos incisais e oclusais, nas quais, movimentos anteroposteriores devem ser realizados (FONES, 1934). Outro conteúdo fundamental e que, atualmente gera uma preocupação grande nos pais e/ou responsáveis, é quanto à utilização de dentifrício fluoretado. O uso do dentifrício fluoretado é recomendado há mais de 50 anos para auxiliar na prevenção da doença cárie dentária (MARTINEZ-MIER et al., 2019; TOUMBA et al., 2019; WRIGHT et al., 2014). Todavia, as recomendações acerca de sua utilização em bebês e crianças, sofreram algumas modificações durante esse período. Medidas foram tomadas com intuito de maximizar o efeito preventivo da doença cárie e minimizar o risco de fluorose dentária (WRIGHT et al., 2014). A justificativa para sua indicação se baseia principalmente em uma estratégia de saúde pública para controle da doença cárie dentária (O'MULLANE et al., 2016). No Brasil, apesar do declínio da doença na dentição permanente (GIMENEZ et al., 2016), quando analisada na primeira infância, acomete mais de 600 milhões de crianças no mundo e permanecem praticamente sem tratamento (TINANOFF et al., 2019). Dessa forma, conforme as orientações atuais da ABO (2013) e AAPD (2016), o uso do dentifrício fluoretado, a partir de 1000 ppm de F (partes por milhão de flúor) é recomendado desde a erupção do primeiro dente decíduo. Diversos estudos clínicos demonstram um controle efetivo da cárie quando a concentração de no mínimo 1000 ppm de F é instituída (CURY; TENUTA, 2014; TWETMAN et al., 2003). Para crianças menores de 3 anos de idade, recomenda-se uma quantidade equivalente a um “grão de arroz” (aproximadamente 0,1 mg de fluoreto), e para acima dessa idade, uma quantidade equivalente a um “grão de ervilha” (aproximadamente 0,25 mg de fluoreto) (Figura 2) (ABO, 2013; AAPD, 2018). Figura 2. Quantidade ideal de dentifrício fluoretado de acordo com a idade. Na imagem A, nota-se a quantidade recomendada para bebês menores de 3 anos de idade. Na imagem B, nota-se a quantidade recomendada para bebês maiores de 3 anos de idade. Fonte: Imagens gentilmente cedidas pelo Departamento de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP) realizadas pela Dra. Renata Rizental Delgado e Dra. Isabela Ribeiro Madalena. Os cuidadores devem distribuir dentifrício de forma que seja inserido entre as cerdas e não sobre elas. Tal manobra reduz o risco de o produto ser lambido ou ingerido pelo bebê (CORREA, 2017). Ademais, a escovação deve ser praticada duas vezes ao dia, de preferência de manhã e à noite (ABO, 2013; AAPD, 2016). Aconselha- se que se inicie pelas superfícies oclusais superiores, a fim de gerar espuma e garantir o uso do produto, pois quando as superfícies oclusais inferiores são escovadas há uma tendência de deglutição (CORREA, 2017). Outro aspecto fundamental para prevenção da doença cárie em bebês é o uso fio dental para higienização das superfícies proximais (ABO, 2013; AAPD, 2016). Esse hábito deve ser incentivado desde a época de emergência gengival de dentes adjacentes afim de se construir hábitos saudáveis. Considerando que o uso do fio dental requer uma certa habilidade manual, muitos pais e cuidadores usam esse fato como justificativa para não aderirem à essa recomendação. Assim, o odontopediatra e o cirurgião-dentista podem orientar quanto às posições que favorecem a visualização da cavidade bucal e também, na possibilidade de utilização de dispositivos criados recentemente, para facilitar a introdução desse novo hábito (Figura 3). Figura 3. Dispositivos que podem auxiliar na comodidade de pais, responsáveis e cuidadores quando a inserção e utilização do hábito de higienização com fio dental. Fonte: Imagens gentilmente cedidas pelo Departamento de Clínica Infantil da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP) realizadas pela Dra. Renata Rizental Delgado e Dra. Isabela Ribeiro Madalena. REFERÊNCIAS AAGAARD, K. et al. The placenta harbors a unique microbiome. Science Translational Medicine, v. 6, n. 237, p. 1-11, 2014. AAGAARD, K. et al., A metagenomic approach to characterization of the vaginal microbiome signature in pregnancy. PLoS One, v. 7, n. 6, p.
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