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DIREITO CIVIL – FLÁVIO TARTUCE AULA III - DATA: 01.09.2020 Material complementar utilizado: Livro do Flávio Tartuce (2020) DIREITOS DA PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA CIVIL- CONSTITUCIONAL. Conceito: os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa humana e à sua dignidade. A expressão “inerentes” decorre da adoção da teoria dos direitos inatos ou originários da pessoa humana (Limongi França, Bittar e Maria Helena Diniz). A proteção de direitos dessa natureza não é uma total novidade no sistema jurídico nacional, eis que a CF/88 enumerou os direitos fundamentais postos à disposição da pessoa humana. Sabe-se que o título II da CF/88, sob o título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, traça as prerrogativas para garantir uma convivência digna, com liberdade e com igualdade para todas as pessoas, sem distinção de raça, credo ou origem. *** E a pessoa jurídica? Tem direitos da personalidade por equiparação legal (CC, art. 52). Por isso, a pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227 STJ). O Código Civil de 2002 protege os seguintes direitos da personalidade (CC, arts.11 a 21): • Honra subjetiva: autoestima (o que o sujeito pensa de si). • Honra objetiva: reputação (o que os outros pensam da pessoa). Obs: A pessoa jurídica só sofre dano moral quanto à honra objetiva, e não quanto à honra subjetiva. • O Código Civil de 2002 protegeos seguintes direitos da personalidade (CC, arts. 11 a 21): Vida; Integridade físico-psíquica; Nome.; Honra (subjetiva e objetiva); Imagem (imagem-retrato: fisionomia; e imagem-atributo: repercussão social); Intimidade, vida privada e segredo; A pessoa jurídica tem direito ao nome, à honra objetiva, à imagem (retrato e atributo) e ao segredo. Essa classificação é muito próxima da classificação tripartida do professor Rubens Limongi França: • Integridade física: vida, corpo vivo, corpo morto, entre outros; • Integridade moral: nome, honra, imagem, intimidade, vida privada, entre outros; • Integridade intelectual: criações, invenções, direitos autorais e intelectuais, entreoutros. O autor Rubens Limongi França diz que os direitos da personalidade dizem-se as faculdades juridicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior. O autor Cristiano Chaves considera os direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais. Enfim, são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana e em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica. *** Os direitos da personalidade previstos no Código Civil de 2002 estão em rol taxativo (“numerus clausus”) ou exemplificativo (“numerus apertus”)? Estão em rol exemplificativo, conforme Enunciado n. 274 – IV Jornada de Direito Civil. Enunciado 274, IV JDC: “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não- exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.” Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação. Pela técnica de ponderação, em casos de difícil solução (hard cases) os princípios e os direitos fundamentais devem ser sopesados no caso concreto pelo aplicador do Direito, para se buscar a melhor solução. Há assim um juízo de razoabilidade de acordo com as circunstâncias do caso concreto. A técnica exige dos aplicadores uma ampla formação, inclusive interdisciplinar, para que não conduza a situações absurdas. É importante esclarecer que a técnica da ponderação foi incluída expressamente no Código de Processo Civil de 2015. A técnica da ponderação foi incluída expressamente no Código de Processo Civil de 2015 em seu artigo 489, § 2º do CPC. Trata-se da chamada “ponderação à brasileira” (colisão de normas). A técnica da ponderação foi desenvolvida na Alemanha por Robert Alexy para os casos de colisão entre direitos fundamentais (Caso Lebach). No Brasil, o principal exemplo de ponderação envolve a liberdade de expressão e de pensamento versus o direito à imagem e à intimidade. Enunciado 279, IV JDC: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.” Abordando a inserção da norma no Novo Código de Processo Civil, demonstram Fredie Didier Jr., Rafael Alexandria de Oliveira e Paula Sarno Barbosa a insuficiência de a ponderação ser utilizada apenas para resolver conflitos de direitos fundamentais. Segundo os autores, citando a posição de Humberto Ávila, “a ponderação não é exclusividade dos princípios: as regras também podem conviver abstratamente, mas colidir concretamente; as regras podem ter seu conteúdo preliminar no sentido superado por razões contrárias; as regras podem conter hipóteses normativas semanticamente abertas (conceitos legais indeterminados); as regras admitem formas argumentativas como a analogia. Em todas essas hipóteses, entende Ávila, é necessário lançar mão da ponderação (...)” Enunciado n. 613 da VIII Jornada de Direito Civil: a liberdade de expressão não goza de posição preferencial em relação aos direitos da personalidade (imagem e intimidade) (técnica da ponderação). Em suma, o Enunciado 279 prevê o uso da técnica de ponderação e o Enunciado 613 dispõe que a liberdade de expressão não prevalece sempre, ou seja, não goza de posição preferencial. ✓ Existem direitos de personalidade previstos na CF/88 como direitos fundamentais. Exemplo: art. 5º, CF – direitos de autor, privacidade, imagem etc. ✓ Existem direitos da personalidade que sequer estão escritos. Exemplo: direito ao esquecimento - Nesse sentido, Enunciado n. 531– VI Jornada de Direito Civil e STJ: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.” No campo doutrinário, tal direito foi reconhecido pelo Enunciado n. 531 do CJF/STJ, aprovado na VI Jornada de Direito Civil, realizada em 2013 e com o seguinte teor: “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. De acordo com as justificativas da proposta publicadas quando do evento, “os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados”. Ainda em sede doutrinária, e em complemento, vale dizer que, na VII Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015, foi aprovado o Enunciado n. 576, estabelecendo que o direito ao esquecimento pode ser assegurado por tutela judicial inibitória. Assim, nos termos do art. 12 do Código Civil, cabem medidas de tutela específica para evitar a lesão a esse direito, sem prejuízo da reparação dos danos suportadospela vítima. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, destaque-se decisão prolatada pela sua Quarta Turma, no Recurso Especial 1.334.097/RJ, julgado em junho de 2013. O acórdão reconheceu o direito ao esquecimento de homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária. Mais recentemente, cite-se interesse aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu o direito ao esquecimento em favor de ex-participante do Big Brother Brasil, da TV Globo, que teve um dos maiores índices de rejeição do programa. Como outro recente julgado importante sobre o assunto, voltando-se ao Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se pelo direito à desindexação no âmbito da internet, com a retirada de conteúdos ofensivos relativos a dados do passado da pessoa. De toda sorte, consigne-se que o grande desafio relativo ao chamado direito ao esquecimento diz respeito à amplitude de sua incidência, com o fim de não afastar o direito à informação e à liberdade de imprensa. Tanto isso é verdade que foi levantada uma repercussão geral sobre o tema perante o Supremo Tribunal Federal que, em breve, deve se pronunciar sobre a temática (Agravo no Recurso Extraordinário 833.248). Também temos o direito à opção sexual, que não consta expressamente da Constituição Federal. Concretizando tal direito, o STJ entendeu pela possibilidade de reparação imaterial em decorrência da utilização do apelido em notícia de jornal com o uso do termo “bicha”. O direito de não saber. Conforme leciona Lucas Miotto Lopes, “o direito de não saber é um direito distinto do direito à privacidade e só tem efeitos caso haja a manifestação expressa de preferência. Tem limites na probabilidade da violação de direitos de outras pessoas”. Esse limite foi aplicado, pois o fato de o demandante não saber ser portador do vírus HIV poderia trazer prejuízos a terceiros. Por isso, o seu pedido reparatório em face do laboratório que fez o exame de sangue de maneira equivocada foi corretamente rejeitado. “Indenização. Danos materiais e morais. Exame involuntário. Trata-se, na origem, de ação de reparação por danos materiais e compensação por danos morais contra hospital no qual o autor, recorrente, alegou que preposto do recorrido, de forma negligente, realizou exame não solicitado, qual seja, anti-HIV, com resultado positivo, o que causou enorme dano, tanto material quanto moral, com manifesta violação da sua intimidade. A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, entendeu que, sob o prisma individual, o direito de o indivíduo não saber que é portador de HIV (caso se entenda que este seja um direito seu, decorrente da sua intimidade) sucumbe, é suplantado por um direito maior, qual seja, o direito à vida longeva e saudável. Esse direito somente se revelou possível ao autor da ação com a informação, involuntária é verdade, sobre o seu real estado de saúde. Logo, mesmo que o indivíduo não queira ter conhecimento da enfermidade que o acomete, a informação correta e sigilosa sobre o seu estado de saúde dada pelo hospital ou laboratório, ainda que de forma involuntária, tal como no caso, não tem o condão de afrontar sua intimidade, na medida em que lhe proporciona a proteção de um direito maior. Assim, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso” (REsp 1.195.995/SP, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Massami Uyeda, j. 22.03.2011). Partindo para a análise de suas características, os direitos da personalidade são tidos como intransmissíveis, irrenunciáveis, extrapatrimoniais e vitalícios, eis que comuns à própria existência da pessoa. Tratam-se ainda de direitos subjetivos, inerentes à pessoa (inatos), tidos como absolutos, indisponíveis, imprescritíveis e impenhoráveis. O art. 11 do Código Civil, que enuncia: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. Como se pode notar, o dispositivo determina que os direitos da personalidade não possam sofrer limitação voluntária, o que gera o seu suposto caráter absoluto. Entretanto, por uma questão lógica, tal regra pode comportar exceções, havendo, eventualmente, relativização desse caráter ilimitado e absoluto. Prevê o Enunciado n. 4 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil, que “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”. Em complemento, foi aprovado outro enunciado, de número 139, na III Jornada de Direito Civil, pelo qual “os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”. Pelo teor desses dois enunciados doutrinários, a limitação voluntária constante do art. 11 do CC seria somente aquela não permanente e que não constituísse abuso de direito, nos termos da redação do art. 187 da mesma codificação material, que ainda utiliza as expressões boa-fé e bons costumes. Em relação ao art. 12, caput, do Código Civil, trata-se do comando legal que possibilita a tutela geral da personalidade (“pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”). Dois são os princípios que podem ser retirados da norma, com a possibilidade de medidas judiciais e extrajudiciais. Primeiro, há o princípio da prevenção. Segundo, consagra-se o princípio da reparação integral de danos. No que concerne à prevenção, dispõe o Enunciado n. 140 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil (dez. 2004) que “a primeira parte do art. 12 do Código Civil refere-se a técnicas de tutela específica, aplicáveis de ofício, enunciadas no art. 461 do Código de Processo Civil, devendo ser interpretada como resultado extensivo”. Desse modo, cabe multa diária, ou astreintes, em ação cujo objeto é uma obrigação de fazer ou não fazer, em prol dos direitos da personalidade. Essa medida será concedida de ofício pelo juiz (ex officio), justamente porque a proteção da pessoa envolve ordem pública. Duas notas devem ser feitas em relação a esse último enunciado doutrinário com a emergência do Código de Processo Civil de 2015, com grande interesse para a prática. A primeira delas é que o art. 461 do CPC/1973 equivale ao art. 497 do CPC/2015, tendo o último preceito a seguinte redação: “Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”. A dispensa da presença do dano e da culpa lato sensu, novidade na previsão processual, parece-nos salutar, objetivando-se a proteção prévia dos direitos da personalidade. A segunda nota é que o conhecimento de ofício dessa proteção representa clara aplicação do Direito Processual Civil Constitucional, retirado dos arts. 1º e 8º do CPC/2015. Eis um dos seus principais exemplos, com fundamento agora em dispositivos expressos da norma instrumental. Quanto à reparação integral dos danos, continua merecendo aplicação a Súmula 37 do STJ, com a cumulação em uma mesma ação de pedido de reparação por danos materiais e morais, decorrentes do mesmo fato. Mais do que os danos morais, são ainda cumuláveis os danos estéticos, conforme reconhece a Súmula 387 do STJ. A Súmula 403 do STJ possui aseguinte redação: “independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. No âmbito doutrinário, confirmando o teor da súmula, cite-se proposta aprovada na VII Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015, segundo o qual, o dano à imagem restará configurado quando presente a utilização indevida desse bem jurídico, independentemente da concomitante lesão a outro direito da personalidade, sendo dispensável a prova do prejuízo do lesado ou do lucro do ofensor para a caracterização do dano, por se tratar de modalidade in re ipsa (Enunciado n. 587). O parágrafo único do mesmo art. 12 do CC reconhece direitos da personalidade ao morto, cabendo legitimidade para ingressar com a ação correspondente aos lesados indiretos: cônjuge, ascendentes, descendentes e colaterais até quarto grau. Conforme enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, tais legitimados agem por direito próprio (Enunciado n. 400). Para o Professor Tartuce, é correta a conclusão segundo a qual a personalidade termina com a morte, o que é retirado do art. 6º do Código Civil. Todavia, após a morte da pessoa, ficam resquícios de sua personalidade, que podem ser protegidos pelos citados lesados indiretos. Em verdade, nos casos de lesão aos direitos da personalidade do morto, estão presentes danos diretos – aos familiares – e também danos indiretos ou em ricochete, que atingem o morto e repercutem naqueles que a lei considera legitimados. Injustificadamente, o art. 12, parágrafo único, do CC não faz referência ao companheiro ou convivente, que ali deve ser incluído por aplicação analógica do art. 226, § 3º, da CF/1988. Justamente por isso, o Enunciado n. 275 do CJF/STJ, da IV Jornada de Direito Civil, aduz que “o rol dos legitimados de que tratam os arts. 12, parágrafo único, e 20, parágrafo único, do Código Civil, também compreende o companheiro”. Pelo que consta do próprio enunciado, frise-se que, no caso específico de lesão à imagem do morto, o art. 20, parágrafo único, do CC/2002, também atribui legitimidade aos lesados indiretos, mas apenas faz menção ao cônjuge, aos ascendentes e aos descendentes, também devendo ser incluído o companheiro pelas razões já expostas. De fato, pelo que consta expressamente da lei, os colaterais até quarto grau não têm legitimação para a defesa de tais direitos, conclusão a que chegou o Enunciado n. 5 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil. Atenção: Segundo o art. 20, parágrafo único, CC15, são legitimados: o Cônjuge. o Ascendentes. o Descendentes. * No art. 20, parágrafo único, CC, não há menção expressa aos colaterais até o 4º grau. Adotando a flexibilidade da ordem prevista nos comandos, na V Jornada de Direito Civil (novembro de 2011), aprovou-se o enunciado proposto pelo Professor André Borges de Carvalho Barros, com o seguinte teor: “as medidas previstas no artigo 12, parágrafo único, do Código Civil, podem ser invocadas por qualquer uma das pessoas ali mencionadas de forma concorrente e autônoma” (Enunciado n. 398). O art. 13 do CC/2002 e seu parágrafo único preveem o direito de disposição de partes separadas do próprio corpo em vida para fins de transplante, ao prescrever que, “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”. Exemplo: pessoa trans/transexual ou transgênero. ✓ Antes, o STJ entendia que era possível a alteração do sexo e do nome no registro civil após a cirurgia de mudança de sexo, desde que existisse laudo médico. Este entendimento consta nos Informativos 409 e 411 do STJ. ✓ Tendência à “despatologização” (substituição do termo “transexualismo” por “transexualidade”). Em 2017, o STJ concluiu que é possível a alteração do nome e do sexo no registro civil mesmo sem cirurgia (“direito ao gênero”). Em 2018, surgiram duas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, confirmando essa despatologização da transexualidade, uma delas em repercussão geral. Na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 276, prevendo que “o art. 13 do Código Civil, ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica, autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”. Essa alteração do prenome e do registro civil foi reconhecida pela jurisprudência de forma ampla, inclusive por aplicação da proteção da dignidade humana. O STJ passou a entender que a pessoa transexual não pode ser tratada como um doente. Na mesma linha, as decisões do Supremo Tribunal Federal. Ainda sobre o art. 13 do CC/2002, na V Jornada de Direito Civil, foi aprovado enunciado doutrinário com teor bem interessante, dispondo que não contraria os bons costumes a cessão gratuita de direitos de uso de material biológico para fins de pesquisa científica. Isso, desde que a manifestação de vontade tenha sido livre e esclarecida e puder ser revogada a qualquer tempo, conforme as normas éticas que regem a pesquisa científica e o respeito aos direitos fundamentais (Enunciado n. 401). Na VI Jornada de Direito Civil, evento promovido em 2013, o comando voltou a ser debatido, aprovando-se o Enunciado n. 532, in verbis: “é permitida a disposição gratuita do próprio corpo com objetivos exclusivamente científicos, nos termos dos arts. 11 e 13 do Código Civil”. De acordo com o art. 14 da atual codificação material, é possível, com objetivo científico ou altruístico (doação de órgãos), a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, podendo essa disposição ser revogada a qualquer momento. A retirada post mortem dos órgãos deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica e depende de autorização de parente maior, da linha reta ou colateral até o 2º grau, ou do cônjuge sobrevivente, mediante documento escrito perante duas testemunhas. Em relação a essa retirada post mortem, interessante ainda dizer que a nossa legislação adota o princípio do consenso afirmativo, no sentido de que é necessária a autorização dos familiares do disponente. Contudo, para deixar claro que a decisão de disposição é um ato personalíssimo do disponente, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n. 277 do CJF/STJ, determinando que “o art. 14 do Código Civil, ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo, com objetivo científico ou altruístico, para depois da morte, determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares, portanto, a aplicação do art. 4.o da Lei 9.434/1997 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador”. O ato é pessoal do doador, mantendo relação com a liberdade, com a sua autonomia privada. Eventual leitura dessa norma que atribua o poder decisório totalmente aos familiares do disponente faz com ela seja reputada como inconstitucional, por ferir a autonomia relativa a um direito personalíssimo, o que poderá ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda quanto ao art. 14 do Código Civil, na V Jornada de Direito Civil, em 2011, aprovou-se enunciado elucidativo a respeito dos incapazes, a saber: “o art. 14, parágrafo único, do Código Civil, fundado no consentimento informado, não dispensa o consentimento dos adolescentes para a doação de medula óssea prevista no art. 9º, § 6º, da Lei 9.434/1997 por aplicação analógica dos arts. 28, § 2.o, (alterado pela Lei n. 12.010/2009) e 45, § 2º, do ECA”(Enunciado n. 402). O art. 15 do atual Código Civil consagra os direitos do paciente, valorizando o princípio da beneficência e da não maleficência, pelo qual se deve buscar sempre o melhor para aquele que está sob cuidados médicos ou de outros profissionais de saúde. O comando enuncia que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, sob risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. O dispositivo parece ser expresso em trazer limitações aos direitos da personalidade. O art. 15 do Código não pode permitir uma conclusão que sacrifique a vida, valor fundamental inerente à pessoa humana. Assim, o art. 15 do CC não exclui a proteção da vida. *** E se o paciente sob risco de morte, por convicções religiosas, negar-se à intervenção cirúrgica de urgência, mesmo assim deve o médico efetuar a operação? Para o Professor Tartuce, em casos de emergência, deverá ocorrer a intervenção cirúrgica, eis que o direito à vida merece maior proteção do que o direito à liberdade, particularmente quanto àquele relacionado com a opção religiosa. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem seguido o posicionamento aqui defendido, afastando eventual direito à indenização do paciente que, mesmo contra a sua vontade, recebeu a transfusão de sangue. Ainda no que diz respeito ao art. 15 da atual codificação material, na VI Jornada de Direito Civil (2013) foi aprovado o Enunciado n. 533, segundo o qual “o paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo as situações de emergência ou no curso de procedimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos”. Para o Professor Tartuce, este último enunciado doutrinário, merece críticas, eis que, a autonomia privada do paciente deve ser ponderada com outros direitos e valores, caso do direito à vida, conforme os exemplos antes expostos e notadamente nos casos de emergência. Como últimas palavras sobre o assunto, pontue-se que o tema chegou ao Supremo Tribunal Federal, mediante provocação do Ministério Público Federal e a Corte Máxima, em breve, deve-se pronunciar sobre o assunto. O julgamento se dará nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.212.272/AL, em sede de repercussão geral, como reconhecido em outubro de 2019. Os arts. 16 a 19 do CC/2002 tutelam o direito ao nome, sinal ou pseudônimo que representa uma pessoa natural perante a sociedade, contra atentado de terceiros, principalmente aqueles que expõem o sujeito ao desprezo público, ao ridículo, acarretando dano moral ou patrimonial. Sendo o nome reconhecido como um direito da personalidade, as normas que o protegem também são de ordem pública. Conforme o primeiro dispositivo, todos os elementos que fazem parte do nome estão protegidos: o prenome, nome próprio da pessoa, podendo ser simples (v.g., Flávio), ou composto (v.g., Flávio Murilo); – o sobrenome, nome, apelido ou patronímico, nome de família, também podendo ser simples ou composto (v.g., Tartuce, Silva); – a partícula (da, dos, de); – o agnome, que visa perpetuar um nome anterior já existente (Júnior, Filho, Neto, Sobrinho). A proteção de todos esses elementos consta expressamente no art. 17, pelo qual “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda que não haja intenção difamatória”. Deve ficar claro, que a tutela do nome cabe mesmo sendo este utilizado indevidamente sem que exponha a pessoa ao desprezo público. O nome também não pode ser utilizado, sem autorização, para fins de publicidade ou propaganda comercial (art. 18 do CC). Nos dois casos, tratados pelos arts. 17 e 18 da codificação, havendo lesão, caberá reparação civil, fundamentada nos arts. 186 e 927 da codificação privada. Sendo possível, cabem também medidas de prevenção do prejuízo. Nesse sentido, preconiza o Enunciado n. 278, também da IV Jornada de Direito Civil, que “a publicidade que venha a divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade”. O art. 19 do CC consagra expressamente a proteção do pseudônimo, nome atrás do qual se esconde um autor de obra artística, literária ou científica. Deve-se concluir que a proteção constante no art. 19 do Código Civil atinge também o cognome ou alcunha, nome artístico utilizado por alguém, mesmo não constando esse no registro da pessoa. Mais recentemente, admitiu-se a alteração do nome com a viuvez, para a retomada do sobrenome de solteiro, pois solução em contrário “implicaria grave violação aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana após a viuvez, especialmente no momento em que a substituição do patronímico é cada vez menos relevante no âmbito social, quando a questão está, cada dia mais, no âmbito da autonomia da vontade e da liberdade e, ainda, quando a manutenção do nome pode, em tese, acarretar ao cônjuge sobrevivente abalo de natureza emocional, psicológica ou profissional, em descompasso, inclusive, com o que preveem as mais contemporâneas legislações civis.” A jurisprudência tem entendido que mesmo a mudança do prenome somente é cabível se houver motivo bastante para tanto, não podendo estar fundada em mero capricho do autor da ação. Sobre a alteração do nome da pessoa trans diretamente no Cartório de Registro Civil, como antes mencionado e na linha das decisões prolatadas pelo STF no ano de 2018, houve regulamentação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do seu Provimento 73, de junho de 2018. O art. 56 da Lei de Registros Públicos consagra prazo decadencial de um ano, contado de quando o interessado atingir a maioridade civil, para que o nome seja alterado, desde que isso não prejudique os apelidos da família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa. Apesar da literalidade da norma, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela possibilidade de se alterar o nome mesmo após esse prazo, desde haja um motivo plausível para tanto, como nos casos de exposição do nome ao ridículo e lesão à dignidade humana. MATERIAL COMPLEMENTAR PARA ESTUDO - FERRAMENTA JURISPRUDÊNCIA EM TESES Edição 137 1) O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral. (Enunciado n. 4 da I Jornada de Direito Civil do CJF). 2) A pretensão de reconhecimento de ofensa a direito da personalidade é imprescritível. 3) A ampla liberdade de informação, opinião e crítica jornalística reconhecida constitucionalmente à imprensa não é um direito absoluto, encontrando limitações, tais como a preservação dos direitos da personalidade. 4) No tocante às pessoas públicas, apesar de o grau de resguardo e de tutela da imagem não ter a mesma extensão daquela conferida aos particulares, já que comprometidos com a publicidade, restará configurado o abuso do direito de uso da imagem quando se constatar a vulneração da intimidade ou da vida privada. 5) Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. (Súmula n. 403/STJ) 6) A divulgação de fotografia em periódico (impresso ou digital) para ilustrar matéria acerca de manifestação popular de cunho político- ideológico ocorrida em local público não tem intuito econômico ou comercial, mas tão-somente informativo, ainda que se trate de sociedade empresária, não sendo o caso de aplicação da Súmula n. 403/STJ. 7) A publicidade que divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade. (Enunciado n. 278 da IV Jornadade Direito Civil do CJF) 8) O uso e a divulgação, por sociedade empresária, de imagem de pessoa física fotografada isoladamente em local público, em meio a cenário destacado, sem nenhuma conotação ofensiva ou vexaminosa, configura dano moral decorrente de violação do direito à imagem por ausência de autorização do titular. 9) O uso não autorizado da imagem de menores de idade gera dano moral in re ipsa. 10) A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento, ou seja, o direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores à honra. (Vide Enunciado n. 531 da IV Jornada de Direito Civil do CJF) 11) Quando os registros da folha de antecedentes do réu são muito antigos, admite-se o afastamento de sua análise desfavorável, em aplicação à teoria do direito ao esquecimento. Edição 138 1) O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou da coletividade como realidade massificada, não sendo necessária a demonstração de da dor, da repulsa, da indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. 2) A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade, não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem de outras partes ou de profissionais que atuem no processo. 3) A voz humana encontra proteção nos direitos da personalidade, seja como direito autônomo ou como parte integrante do direito à imagem ou do direito à identidade pessoal. 4) O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana. 5) A regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome, um direito da personalidade que designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, cuja modificação revela-se possível, no entanto, nas hipóteses previstas em lei, bem como em determinados casos admitidos pela jurisprudência. 6) O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, exigindo-se, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, em respeito aos princípios da identidade e da dignidade da pessoa humana, inerentes à personalidade. 7) É possível a modificação do nome civil em decorrência do direito à dupla cidadania, de forma a unificar os registros à luz dos princípios da verdade real e da simetria. 8) A continuidade do uso do sobrenome do ex-cônjuge, à exceção dos impedimentos elencados pela legislação civil, afirma-se como direito inerente à personalidade, integrando-se à identidade civil da pessoa e identificando-a em seu entorno social e familiar. 9) O direito ao nome, enquanto atributo dos direitos da personalidade, torna possível o restabelecimento do nome de solteiro após a dissolução do vínculo conjugal em decorrência da morte. 10) Em caso de uso indevido do nome da pessoa com intuito comercial, o dano moral é in re ipsa. 11) Não se exige a prova inequívoca da má-fé da publicação (actual malice), para ensejar a indenização pela ofensa ao nome ou à imagem de alguém. 12) Os pedidos de remoção de conteúdo de natureza ofensiva a direitos da personalidade das páginas de internet, seja por meio de notificação do particular ou de ordem judicial, dependem da localização inequívoca da publicação (Universal Resource Locator - URL), correspondente ao material que se pretende remover.
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