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1 LUIZ GONZAGA DE ALVARENGA 2 3 4 Luiz Gonzaga de Alvarenga BREVE TRATADO SOBRE O SOM E A MÚSICA 5 Título original da obra: Introdução à Arte e a Ciência da Música. CDU – 78.01 Bolsa de Publicações José Décio Filho. Prêmio de 1991. 1ª. Edição: Gráfica de Goiás – CERNE. 1992. Brasil. Título atual da obra: Breve Tratado sobre o Som e a Música Copyright © 1992 – 2009, Luiz Gonzaga de Alvarenga. Edição atual revista, corrigida e ampliada. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sob qualquer forma. A reprodução não-autorizada desta obra, no todo ou em parte, constitui infração da lei de direitos autorais. (Lei 9610/98) Capa: do autor. 6 PLANO DA OBRA Prefácio do Autor, 12 Capítulo I – O Fenômeno Sonoro: Análise Física 1.1 – Estudo físico do som, 13 1.2 – Estudo matemático do som, 16 1.2.1 – Estudo da senóide, 17 1.2.2 – Freqüências das vibrações sonoras, 19 1.3 – Características do som puro , 21 1.3.1 – Produção simultânea de dois sons puros: efeitos, 21 1.4 – Som complexo, 27 1.4.1 – Timbre, 28 1.4.2 – Parciais, 28 Capítulo II – O Fenômeno Sonoro: Análise Psico-Fisiológica 2.1 – Propriedades psicológicas do som, 31 2.2 – Fenomenologia da percepção sonora, 32 2.2.1 – Anatomia do ouvido, 32 2.2.2 – Fisiologia da audição, 34 2.3 – Psicofísica da audição, 35 2.3.1 – Audibilidade, 35 2.3.2 – Discriminação do som, 42 2.3.3 – A audição binaural, 43 2.4 – O cérebro: centro analítico e integrador do fenômeno sonoro, 43 2.4.1 – A dominância dos hemisférios cerebrais, 43 2.4.2 – As ondas cerebrais, 47 Capítulo III – Sonometria 3.1 – Intervalos consonantes e dissonantes, 51 3.2 – Experiência com o monocórdio, 51 3.3 – Gamas e escalas musicais, 52 3.4 – Intervalos de notas sucessivas, 54 3.4.1 – Tom maior, tom menor e semitom maior, 54 3.5 – Sustenidos e bemóis, 56 3.6 – Gama cromática, 56 3.7 – Gama temperada, 57 3.8 – Intervalos e afinação musical, 58 3.9 – Acordes, 59 3.10 – Harmônicos, 59 7 3.11 – Medidas de intervalos musicais, 60 3.11.1 – O cent e o savart, 60 Capítulo IV – Notação e Ritmo 4.1 – Notação musical básica, 63 4.1.1 – As notas musicais, 63 4.1.2 – Pauta ou pentagrama, 63 4.1.3 – As figuras e os tempos, 66 4.1.4 – As pausas, 67 4.1.5 – Sinais de alteração ou acidentes, 68 4.1.6 – Valores de duração, 69 4.2 – Compassos, 72 4.2.1 – Compassos simples, 74 4.2.2 – Compassos compostos, 76 4.2.3 – Compassos mistos, 78 4.2.4 – Notação e uso de compassos, 79 4.2.5 – Notação abreviada, 82 4.3 – Andamento ou cinética musical, 85 4.4 – Dinâmica, 90 4.5 – Ritmo, 94 4.5.1 – Alterações rítmicas, 96 Capítulo V – Estrutura do Discurso Musical 5.1 – Intervalos, 103 5.1.1 – Consonância e dissonância dos intervalos, 108 5.1.2 – Inversão de intervalos, 109 5.2 – Escalas, 110 5.2.1 – Modos das escalas, 111 5.2.2 – Escalas do modo maior, 113 5.2.3 – Escalas do modo menor, 117 5.2.4 – Tonalidades das escalas, 118 5.2.5 – Escalas relativas, 121 5.2.6 – O sistema modal, 122 5.2.7 – Escalas artificiais, 127 5.2.8 – Escalas diatônicas com duplos acidentes, 131 5.2.9 – Escalas cromáticas, 133 Capítulo VI – A Melodia 6.1 – Elementos da forma musical, 135 6.1.1 – Partes integrantes da melodia, 136 6.1.2 – A célula rítmica, 136 8 6.1.3 – Elementos acessórios da melodia, 137 6.2 – Ornamentos melódicos, 137 6.2.1 – Apogiatura, 138 6.2.2 – Portamento, 141 6.2.3 – Trinado ou trilo, 142 6.2.4 – Mordente, 146 6.2.5 – Grupeto, 147 6.2.6 – Notas glisadas ou flatté, 148 6.2.7 – Arpejo, 149 6.2.8 – Tirata ou Floreio, 150 6.3 – Transposição, 150 Capítulo VII – A Harmonia 7.1 – Princípios de Harmonia, 155 7.2 – Teoria dos acordes, 156 7.3 – Tríades ou acordes de três sons, 157 7.3.1 – Inversão de tríades, 159 7.3.2 – Harmonia das tríades – acordes a quatro vozes, 162 7.4 – Teoria das progressões, 164 7.4.1 – Movimentos, 164 7.4.2 – Cadências, 166 7.4.3 – Notas auxiliares, 169 7.5 – Métodos de indicação de acordes - baixo cifrado e tablatura, 171 7.6 – Acordes de quarta, sexta e sétima – a quatro ou mais vozes, 173 7.6.1 – Acorde de sétima, 173 7.6.2 – Acorde de quarta suspensa, 178 7.6.3 – Acorde de sexta, 179 7.7 – Acordes exóticos, 181 7.7.1 – Acorde de nona, 181 7.7.2 – Acorde de décima primeira, 183 7.7.3 – Acorde de décima terceira, 183 7.8 – Poliacordes, 184 7.9 – Acordes sinônimos, 185 7.10 – Substituição de acordes, 186 7.10.1 – Extensão e alteração de acordes de dominante, 187 7.10.2 – Introdução de novos acordes de dominante, 188 7.10.3 – Substituição por acordes de passagem menores, 188 7.11 – Modulação de acordes, 188 7.12 – Harmonização, 192 7.12.1 – Harmonização de um intervalo melódico, 192 9 Capítulo VIII – Vozes, Instrumentos e Orquestra 8.1 – O aparelho fonador, 195 8.1.1 – A linguagem, 196 8.1.2 – A fala, 197 8.2 – Vozes, 198 8.2.1 – O canto, 200 8.3 – Instrumentos, 200 8.3.1 – Instrumentos transpositores, 202 8.3.2 – Instrumentos de corda, 202 8.3.3 – Instrumentos de sopro, 212 8.3.4 – Instrumentos de percussão, 218 8.4 – A orquestra – sinopse da evolução histórica, 222 8.4.1 – A estrutura da orquestra moderna, 224 8.4.2 – A figura e a função do regente, 226 8.4.3 – A partitura musical, 227 8.4.4 – O coro, 229 8.5 – Variantes de formações instrumentais, 232 Capítulo IX – Formas de Composição e de Expressão Musical 9.1 – A sintaxe musical, 233 9.2 – Contraponto ou música polifônica, 234 9.3 – Invenção, 238 9.4 – Fuga, 238 9.5 – A forma musical clássica, 239 9.5.1 – Música descritiva ou música de programa, 241 9.5.2 – A música popular moderna, 246 Capítulo X – A Linguagem e a Estrutura da Música 10.1 – O significado da música, 251 10.2 – Interpretação e execução musical, 252 10.3 – A estrutura musical e a teoria da informação, 253 Capítulo XI – A Evolução da Forma e da Teoria Musical 11.1 – A origem da música, 259 11.2 – A música na Grécia antiga, 261 11.2.1 – A teoria musical grega, 266 11.3 – A música na Roma antiga, 274 11.3.1 – A teoria musical romana, 274 11.4 – A música cristã antiga: monodia, 276 11.4.1 – A teoria musical cristã primitiva, 278 10 11.5 – A música cristã antiga: polifonia, 283 11.5.1 – A teoria musical do mensuralismo, 284 11.6 – Da renascença ao barroco, 286 11.6.1 – As teorias do período pré-clássico, 286 11.7 – Do clássico ao romântico, 290 11.7.1 – A teoria musical da época pré-moderna, 291 11.8 – A influência árabe, 293 Capítulo XII – A Música do Século XX 12.1 – Da crise da linguagem musical à nova música, 295 12.2 – A expansão do universo sonoro, 298 12.2.1 – O serialismo e a música concreta, 298 12.2.2 – A música eletrônica, 300 12.2.3 – A música eletroacústica, 302 12.2.4 – As tendências musicais contemporâneas e modernas, 302 12.3 – As teorias e formas musicais do século XX, 303 12.3.1 – Princípios da atonalidade, 303 12.3.2 – O dodecafonismo, 303 12.3.3 – A estética da música concreta, 307 12.3.4 –O microtonalismo, 310 12.3.5 – A música estocástica, 310 12.3.6 – A música fractal, 311 12.4 – A teoria matemática da nova música, 312 Capítulo XIII – Sistemas de áudio 13.1 – Sistemas analógicos e digitais, 317 13.1.1 – Processadores de dinâmica, 339 13.2 – A síntese do som, 344 13.2.1 – A síntese eletrônica, 348 13.2.2 – A evolução das máquinas musicais, 361 13.2.3 – A síntese de voz, 365 13.3 – Comunicação digital e protocolo MIDI, 369 13.3.1 – Codecs e plug-ins, 372 13.4 – As gravações digitais, 373 13.4.1 – Formatos de áudio, 373 13.5 – A gravação em estúdio, 376 13.5.1 – O estúdio profissional, 376 13.5.2 – O estúdio doméstico (home studio), 382 13.6 – O som automotivo, 386 Capítulo XIV – A composição musical 11 14.1 – A educação musical, 391 14.2 – Acerca de regras e cânones na composição musical, 392 14.3 – Algumas questões sobre a composição erudita moderna, 394 14.4 – Algumas idéias sobre a composição musical em geral, 396 14.5 – A composição, a de-composição e a re-composição musical, 400 14.6 – O direito autoral, 401 Índice geral, 405 Apêndice, 407 Bibliografia, 411 Re-de-composições do Autor, 419 12 Prefácio do autor Umas das atividades culturais mais abrangentes do mundo moderno é a produção, difusão e fruição da música, em todos os seus aspectos, desde as formas eruditas apresentadas nos palcos de todo o mundo, até a música popular e folclórica de todos os tipos, cuja (omni)presença na mídia não precisa ser ressaltada. Um novo livro sobre o som e a música é uma iniciativa desafiadora, sob todos os aspectos. O desafio ainda é maior, se se tratar de apresentar um guia realmente abrangente, que vá da música erudita, sua história e formação, até a música popular, passando por todos os aspectos técnicos envolvidos com o som: gravação, reprodução, equipamentos eletrônicos de todo tipo, processos de síntese sonora; desde a música erudita (com toda a teoria musical tradicional), até a música eletroacústica. Uma das propostas desta obra é de que ela seja ampla e consistente, sem entretanto se tornar uma obra pesada. Outro objetivo é tentar suprir o mercado com um livro que aborde toda a teoria básica (que não está ao alcance da maioria) em uma forma de fácil compreensão. Tudo isto intercalado por abundantes informações acerca de práticas musicais, composição e sonorização, e também com uma abundância de notas de pé- de-página capazes de elucidar qualquer assunto. Atualmente, a maior fonte de pesquisas sobre qualquer assunto é a Internet. Por oferecer todo tipo de informação ela se tornou, verdadeiramente, uma gigantesca biblioteca universal. Isto poderia significar que escrever um livro novo sobre estes assuntos seria uma tarefa inútil e redundante, até mesmo porque seria impossível competir com a Internet, devido à sua vastidão e atualização constante. Entretanto, o que muitas vezes nela se encontra são informações muito dispersas, o que impede um aproveitamento real, a quem não estiver disposto a uma pesquisa em profundidade.. Há um ditado antigo que diz: quando não é possível vencer um adversário, una-se a ele. Então, é esta a proposição desta obra. A Internet é aqui usada como fonte de direta de pesquisas (para a consolidação do texto escrito), e também como uma fonte alternativa de consulta, com a citação dos sites e links necessários para o aprofundamento de grande quantidade de itens informativos (o autor não se responsabiliza pelos sites porventura desativados). Deste modo, o que esta obra se propõe é, de um lado, oferecer o máximo de informação de uma maneira amena e acessível, de outro lado, tornar a Internet uma parceira neste empreendimento Como seria inviável aprofundar todos os pormenores de cada assunto aqui abrangido, o que aumentaria a quantidade de páginas e de volumes, então fica aqui assinalada esta “parceria”. Ela permitirá ao pesquisador interessado aprofundar o assunto que desejar. 13 CAPÍTULO I O FENÔMENO SONORO: ANÁLISE FÍSICA 1.1 Estudo físico do som Na física, o estudo do som é denominado acústica. Toda vibração das moléculas de ar que atinge o cérebro pelo sentido da audição é chamado de som. O som é produzido pelo choque entre corpos rígidos (sólidos), fluidos (líquidos) ou elásticos (gases). Além de produzir o som, estes corpos podem também transportá-lo, ou seja, o som pode se propagar através deles, pela vibração das moléculas do meio. A propagação do som é circuncêntrica. Há duas formas de vibração, que podem ser visualizadas através de uma experiência. Toma-se uma mola, e faz-se com que ela vibre. É fácil perceber que a mola pode vibrar de dois modos diferentes: no sentido transversal, perpendicular à direção do movimento, e no sentido longitudinal, que ocorre na própria direção do movimento. Na vibração transversal, a mola agita-se para cima e para baixo, sendo que esta agitação (chamada frente de onda) desloca-se ao longo da mola. Na vibração longitudinal o movimento de propagação é realizado com uma frente comprimida, seguida de outra distendida; este movimento percorre, também, toda a extensão da mola.1 A vibração das moléculas no ar pelo qual o som se propaga é no sentido longitudinal, na mesma direção à qual o som se desloca. É o mesmo que dizer que o som se propaga no ar através de uma vibração longitudinal. Tal como no exemplo da mola, as moléculas de ar, ao receberem a vibração sonora, agrupam-se em partes concentradas seguidas de partes rarefeitas, num movimento que se comunica às moléculas vizinhas, fazendo com que a vibração se propague. Este movimento é denominado onda de compressão, ou onda sonora. É evidente que o que se desloca é esta onda sonora, e não as moléculas de ar. O corpo que recebe a onda sonora é sacudido pela vibração das moléculas de ar que lhe estão próximas, e não pelas moléculas de ar adjacentes ao corpo que produziu o som. 1 Note-se que a frente de onda é composta de duas partes: uma “positiva” e outra “negativa”, na vibração transversal (esta vibração pode ser melhor visualizada pela observação da superfície de um lago, quando cai uma pedra e formam-se as ondas concêntricas); uma distendida e outra comprimida, na vibração longitudinal. 14 O deslocamento da vibração tem a sua velocidade de propagação em função do meio ou material (corpo) pelo qual se desloca, sendo o meio mais comum, o ar. No vácuo, o som não se propaga, porque não existe este meio. Os sólidos transmitem o som melhor que os líquidos, e estes, melhor do que os gases. Em condições atmosféricas normais, a velocidade média de propagação do som é de cerca de 330 metros por segundo. A 20 graus centígrados de temperatura, a velocidade de propagação é de 343 metros por segundo; a 25 graus, 346 metros por segundo.2 Na água, a velocidade atinge 1498 metros por segundo. A velocidade de propagação é tanto maior quanto a temperatura e quanto menor a umidade relativa do ar. A experiência descrita a seguir mostrará como o som é produzido e como ele se propaga. Toma-se um diapasão, que é uma forquilha de metal cujas hastes vibram quando percutidas, e põe-se o mesmo a vibrar, com um golpe. Esta vibração, no primeiro momento, quando a haste se desloca para um dos lados (lado 2, p. ex. – tenha-se em mente que o movimento das duas hastes é idêntico e simultâneo),3 ela cria uma frente de moléculas comprimidas desse lado, e uma frente de rarefação de moléculas no lado oposto. No instante seguinte, inverte-se a situação: a haste se desloca para o lado oposto ao seu primeiro movimento; com isto, a frente anteriormente comprimida se rarefaz, enquanto que a frente rarefeita se comprime. Isto acontece sucessivamente, provocando uma variação periódica de densidade do meio vibratório (o ar), num movimentocircular e concêntrico (em todas as direções) cuja origem é o diapasão.4 As vibrações produzidas são mais fortes na origem, amortecendo-se à medida que se distanciam desta. 2 Quanto mais denso o ar, melhor a propagação do som, em razão da menor distância entre as moléculas. Em altas altitudes, o som se propaga com mais dificuldade. 3 No desenho, evidentemente, o movimento está exagerado. 4 Evidentemente, a representação da figura limita-se às duas dimensões do papel. 15 A onda sonora produzida pelo diapasão não é constante; o som é ouvido somente por uns poucos instantes após ele ter sido golpeado. Assim, a sua vibração se amortece com o tempo, isto é, a intensidade do som decresce com o tempo. Além do amortecimento, o som pode apresentar também os seguintes fenômenos físicos: reflexão (eco ou reverberação; retardo); difração; interferência; ressonância; refração. A reflexão acontece quando as ondas encontram um obstáculo plano e rígido pela frente. Este fenômeno dá origem ao que se chama eco, que é o retorno do som ao ser ou objeto que lhe deu origem. O som original é denominado som direto. Quanto à reverberação, é o fenômeno da reflexão múltipla do som, em recintos fechados. Quando o som direto começa a se extinguir (amortecer), o ouvinte passa a ouvir o som refletido, o que prolonga a sensação auditiva. No caso da reverberação, pode ocorrer o que se denomina retardo, que é a recepção de um mesmo som por via direta e por via refletida, o que provoca, também, um eco no som, prejudicando sua percepção. A difração é a transposição de obstáculos pelo som, pelo desvio que ocorre nas suas extremidades ou aberturas. Assim, o som se enfraquece, mas não se extingue. 16 Os fenômenos da refração, interferência e ressonância serão vistos à frente, após a assimilação de outros conceitos. Além do som amortecido (que se extingue após algum tempo), é possível produzir também o chamado som constante, ou onda sonora constante. Neste caso, sua duração no tempo depende de outras circunstâncias, dependendo da forma pela qual ela foi produzida. Ondas sonoras constantes podem ser produzidas usando ressoadores acústicos, tubos sonoros, geradores eletrônicos de som, etc. 1.2 Estudo matemático do som O estudo das vibrações sonoras, ou, como também são denominadas, oscilações sonoras, pode ser facilitado pelo uso de representações gráficas equivalentes. Estas representações gráficas são denominadas funções senoidais, ou mais simplesmente, senóide.5 A senóide (onda senoidal ou onda sinusoidal) é uma função matemática que define uma variação simétrica e periódica qualquer em relação ao tempo; esta função matemática é então colocada (isto é, traçada) nas coordenadas retangulares XY, onde X representa o eixo horizontal, e Y o eixo vertical. O ponto onde ambos os eixos se cortam representa o valor zero da função. O eixo Y possui valores positivos (para cima) e valores negativos (para baixo), enquanto que o eixo X possui unicamente valores positivos (para a direita). A função senoidal pode ser construída assim: ao fazer girar o raio do círculo, no sentido horário (A para B para C para D para A), encontram-se valores positivos e negativos em torno de um eixo. Os valores começam em um valor máximo positivo; caem ao valor zero; atingem um valor máximo negativo; sobem ao valor zero; atingem novamente o valor máximo positivo. 5 As ondas resultantes podem também ser chamadas de formas de onda. 17 A função matemática senoidal, ou senóide, representada no gráfico anterior equivale a uma vibração ou oscilação cujo movimento periódico é constante. O gráfico a seguir mostra uma oscilação cujo movimento periódico não se mantém, ou seja, a oscilação amortece com o tempo (é o caso do som produzido pelo diapasão). 1.2.1 Estudo da senóide O eixo Y representa a intensidade (máxima e mínima) das oscilações (i), e o eixo X representa o tempo decorrido (t). Os pontos denominados a, c e e são denominados nós da senóide; os pontos b, d são denominados ventres, vales ou antinodos da senóide. A distância entre os nós a, e, define o período T da onda sonora, ou seja, o intervalo de tempo que decorre entre o início do primeiro movimento da vibração e o fim do segundo movimento. O inverso do período (1/T) define a freqüência F (também denominada altura – pitch) da onda sonora, que é o número ou quantidade de vibrações (ou oscilações) por unidade de tempo (em segundos). Sendo o inverso do período, então: F = 1/T 18 Sendo o período T indicado em ciclos, a freqüência será definida em ciclos por segundo (C/s), ou, conforme a terminologia moderna, em Hertz (Hz).6 O período T indica a duração de um único ciclo: T = 1/F Sendo assim, pode-se calcular o período de uma nota determinada. Por exemplo, a nota LÁ de afinação, em 440 Hz, possui um período (ou ciclo) de: T = 1/440 = 1000/440 = 2,3 ms A unidade ms significa: milésimo de segundo; assim, o resultado é lido: 2,3 milésimos de segundo. A troca de 1 por 1000 refere-se à quantidade de milissegundos em um segundo: 1000 milissegundos, o que facilita o cálculo. Em relação ao eixo X, a senóide possui duas partes: a parte superior, denominada semi-ciclo positivo, e a parte inferior, denominada semi-ciclo negativo. Os dois semi- ciclos em conjunto representam o movimento completo da vibração sonora (densificação e rarefação).7 Cada semi-ciclo varia em torno de um eixo zero, atingindo dois picos de valores, um positivo, para cima (+V) e outro negativo (-V), para baixo. É possível, entretanto, que a onda seja totalmente positiva ou totalmente negativa.8 Veja-se a figura a seguir. No gráfico à esquerda, a senóide varia em torno de um eixo de valor positivo (+V2), variando entre o valor zero e um máximo valor positivo (+V1).9 6 Esta unidade, Hertz (Hz) foi assim denominada em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz, que descobriu no século XIX a existência das ondas eletromagnéticas, preconizadas pelo físico inglês James Clerk Maxwell. 7 Evidentemente, qualquer som puro é formado por uma seqüência extensa de semi-ciclos positivos e negativos, cuja quantidade define a sua duração no tempo. 8 São, entretanto, ondas senoidais que são geradas unicamente em instrumentos eletrônicos. Este tema será desenvolvido no Capítulo XIII. 9 O valor correspondente ao eixo V1 é maior do que o valor correspondente ao eixo de V2. 19 No gráfico à direita, a senóide varia em torno de um eixo negativo (-V1), subindo ao valor zero e descendo ao máximo valor negativo (-V2).10 Em qualquer caso, o valor ou medida da onda é dado pela diferença entre o eixo zero e o máximo da onda: é o chamado valor de pico da onda (Vp). É este valor que permite definir a altura (intensidade) de um som. A diferença entre o máximo positivo e o máximo negativo da onda é chamado de valor pico-a-pico (Vpp), valor este utilizado em algumas medidas de potência.11 1.2.2 Freqüências das vibrações sonoras As vibrações sonoras são divididas, quanto à freqüência, em três tipos: • as ondas sonoras propriamente ditas, ou faixa audível, que abrange a faixa aproximada entre 16 a 20 Hz até 20.000 Hz; • as ondas sonoras infra-sônicas, ou infra-sons, cuja freqüência está abaixo de 16 a 20 Hz; • as ondas sonoras ultra-sônicas, ou ultra-sons, cuja freqüência está acima de 20.000 Hz. As duas últimas não podem ser percebidas pelo ouvido humano. Entretanto, animais podem perceber os infra-sons (os elefantes, p. ex.), e os ultra-sons (os cães e os morcegos, p. ex.). A faixa audível,12 por sua vez, pode ser subdividida em três partes: • Os sons graves, ou sons de mais baixa freqüência; • Os sons médios, ou sons de média freqüência;• Os sons agudos, ou sons de mais alta freqüência. A voz masculina (na conversação) geralmente fica compreendida entre as freqüências de 100 a 200 Hz, e a feminina, entre 200 e 400 Hz. Deste modo, a voz masculina é mais grave (ou grossa), e a feminina, mais aguda (mais fina). 10 O valor correspondente ao eixo –V1 é mais positivo (menos negativo) do que o valor correspondente ao eixo –V2, que o valor mais negativo (máximo negativo). 11 Outros valores, tais como o valor eficaz de uma onda senoidal, ou valor RMS, como também a chamada potência PMPO (ambos medidos em Watts), serão vistos no Capítulo XIII. 12 Os sons audíveis, de um modo geral, podem ser provocados fisicamente pela vibração de cordas, colunas de ar, discos e membranas. A vibração de cordas tensionadas produz ondas sonoras cuja freqüência é função do seu comprimento e da sua espessura. Um tubo fechado em uma das pontas ressoa em uma freqüência característica, que é função do seu comprimento e da sua espessura. Em discos ou membranas, a freqüência é proporcional à raiz quadrada da tensão e inversamente proporcional ao seu raio. 20 No canto, as freqüências mais agudas não ultrapassam 1.500 Hz. Quanto aos instrumentos musicais, a freqüência máxima está por volta de 4.200 Hz (entretanto, seus harmônicos – veja-se adiante o seu significado – podem ir até a freqüência de 16.000 Hz ou mais). Nos dois casos, existem as faixas de especialização que cobrem, ou mais os sons graves, ou mais os sons agudos. Os gráficos a seguir mostram as faixas de sons citadas, em termos de freqüências. É evidente que os sons agudos (em que as senóides estão menos espaçadas) são os de mais elevada freqüência, dentro da faixa audível. A faixa audível pode ser analisada com relação à formação dos sons e com relação à percepção dos sons. Por formação dos sons, aqui, entende-se tanto como a formação através da voz (o canto), como através de instrumentos (criação ou reprodução). No primeiro caso, os sons musicais (tipos de vozes) variam conforme sejam emitidos por homens ou por mulheres; no segundo, conforme o instrumento ou aparelho capaz de gerar ou reproduzir o som musical desejado. Os tipos de vozes serão analisados mais à frente, no capítulo VII. Quanto aos instrumentos, além do capítulo VII, outras possibilidades serão vistas no capítulo XII. Com relação à percepção dos sons, o ouvido pode perceber e captar uma ampla gama de sons, naturais e artificiais. Teoricamente, a faixa de percepção varia de 20 a 20.000 Hz, mas ela varia em função de causas diversas, sendo a principal a idade; as pessoas mais idosas têm reduzida a sua faixa audível, principalmente na faixa de agudos. II) A distância entre os pontos b e d, ou distância entre os ventres da senóide, define a amplitude A (também denominada intensidade, potência ou volume) da onda sonora. A amplitude A define matematicamente, através da representação gráfica, o valor da intensidade sonora da vibração, considerada fisicamente; quanto maior a distância entre os ventres, em relação ao eixo X, maior a amplitude da onda sonora, ou seja, mais intenso o som. Se a distância entre ventres é pequena, o som é menos intenso. As senóides a seguir representam exemplos de ondas sonoras de diferentes intensidades. 21 O gráfico da esquerda representa uma onda sonora cuja intensidade é maior do que a intensidade da onda mostrada no gráfico à direita. A intensidade sonora percebida varia conforme a freqüência, conforme se verá mais adiante. De acordo com a intensidade, e para uma mesma freqüência, os sons se denominam: • Som forte, ou som de grande intensidade; • Som médio, ou som de média intensidade; • Som fraco, ou som de pequena intensidade. Sob o ponto de vista acústico, o aumento e a diminuição da intensidade do som são denominados, respectivamente, crescendo e diminuindo (ou decrescendo). 1.3 Características do som puro Até aqui foram estudadas as características denominadas altura (ou freqüência) e intensidade, em relação ao som de freqüência única e constante (também denominado som puro). O som periódico amortecido ou não constante possui outras características, além das anteriores. É a duração, definida como o intervalo de tempo decorrido entre o momento em que o som é produzido até o momento em que desaparece. A duração pode ser representada graficamente nos eixos XY. Esta não é uma função senoidal;13 o eixo Y representa a intensidade da onda sonora (i), e o eixo X representa o tempo decorrido (t).14 O tempo que decorre entre o início 0 e o instante t’’’ representa a duração do som. Percebe-se que existe um intervalo de tempo entre este início e o instante no qual a vibração atinge a intensidade máxima (i’); é o intervalo 0 a t’. A intensidade máxima dura apenas o intervalo t’ a t’’; em seguida, decorre outro intervalo de tempo até o momento em que o som se extingue; é o intervalo t’’ a t’’’. A parte inicial é 13 Para ser uma função senoidal, os valores devem variar periodicamente entre dois máximos, um positivo e outro negativo, sempre passando pelo valor zero. 14 Esta é uma forma de onda apenas aproximativa; uma abordagem mais exaustiva a respeito deste tópico será feita no Capítulo XIII. 22 denominada, em física, transiente de partida, e em música, ataque; o intervalo t’ a t’’ é denominado sustentação, laço ou estado estável, e a parte final, t’’ a t’’’, é denominada queda ou decaimento. O ataque e o decaimento são também denominados transitórios. O intervalo total, 0 a t’’’ (ou duração), não demora mais do que alguns décimos de segundo; a memória auditiva pode retê-lo por um tempo maior. 1.3.1 Produção simultânea de dois sons puros: efeitos Quando duas ou mais ondas sonoras puras são produzidas simultaneamente, ocorrem os seguintes fenômenos: I) Fase: quando o início, os máximos e mínimos e o fim de duas ondas15 sonoras de mesma freqüência e diferentes intensidades coincidem entre si, diz-se que elas estão em fase. No gráfico anterior, as duas ondas estão superpostas para melhor visualização da coincidência dos ciclos. Quando os ciclos não são coincidentes, as ondas não estão em fase. Nos gráficos abaixo, há uma diferença de fase de 90º no primeiro (o início do ciclo superior corresponde ao valor máximo, ou ventre positivo, da onda inferior), enquanto que no segundo a diferença de fase é de 180º (o valor máximo na onda superior coincide com o valor mínimo na onda inferior). No segundo caso, se as ondas forem perfeitamente iguais e a diferença de fase for exatamente de 180º, as duas ondas sonoras cancelam-se mutuamente em intensidade, e a onda resultante seria nula. 15 Não há diferença entre chamar de onda ou de ciclo. 23 Se a fase for de 0º exato, as intensidades se somam, e a onda resultante tem o dobro da intensidade de cada onda formadora. II) Batimento: denomina-se batimento de freqüência ao fenômeno pelo qual duas ondas sonoras de freqüências bem próximas entre si (e soando juntas)16 dão como resultado uma terceira freqüência, correspondente à diferença de freqüências entre elas. Assim, um som com uma freqüência de 200 Hz, soando junta com outro na freqüência de 170 Hz, seu batimento dará origem (auditiva, ou virtual) a outra freqüência igual a 30 Hz (200 – 170 = 30 Hz), modulada em amplitude (veja-se o item seguinte). III) Modulação: é o nome específico do efeito que resulta do batimento entre ondas de freqüências ligeiramente diferentes, mas de intensidades iguais. O resultado é uma onda de freqüência equivalente à diferença entre elas e cuja intensidade varia: é a chamada modulação em amplitude (AM – Amplitude Modulation).17 16 Mas não necessariamente de mesma intensidade.17 Existe, igualmente, a chamada Modulação em Freqüência (FM – Frequency Modulation), na qual a onda resultante não varia em amplitude, e sim em freqüência. 24 IV) Interferência:18 é o fenômeno que ocorre quando duas ondas sonoras provindas de duas fontes diferentes se encontram e interferem entre si. Entre em som forte e um som fraco, a interferência pode ser construtiva ou destrutiva. A interferência construtiva ocorre se os sinais estiverem em fase, quando então somam as suas intensidades; a interferência destrutiva ocorre se os sinais estiverem com fases desiguais, quando um anula o outro, seja parcial ou totalmente (neste caso, as diferença de fase deve ser igual a 180º). V) Ondas periódicas não senoidais: são as ondas resultantes do batimento entre duas (ou mais) ondas senoidais periódicas de intensidades e freqüências diferentes entre si. Neste caso, a onda resultante é uma onda periódica, mas, pelo fato das intensidades das ondas ora se ora se somarem, ora se cancelarem parcialmente (ou totalmente), em razão da diferença de fase (por serem de freqüências desiguais), elas formarão uma onda resultante de formato irregular, ou seja, uma onda não senoidal de freqüência igual à diferença de suas freqüências. VI) Ressonância:19 é o fenômeno pelo qual um corpo vibratório em repouso, aproximado de outro corpo vibratório idêntico, que esteja em vibração, passa a vibrar nesta mesma freqüência, embora com menor intensidade. 18 É uma das características do som citadas anteriormente. 19 Outra das características do som citadas anteriormente. 25 Este fenômeno deve-se a que certos corpos, denominados corpos vibratórios ou corpos vibrantes, ao receberem a vibração das moléculas de ar vindas de outro corpo de mesmas características, e pelo fato de eles mesmos vibrarem naturalmente nesta mesma freqüência quando percutidos (freqüência esta que é própria do corpo), passam a vibrar como o tivessem sido. O movimento ressonante é também denominado movimento simpático. VII) Refração:20 é o fenômeno que ocorre quando uma vibração sonora passa de um meio para outro (por exemplo, do ar para uma chapa de vidro). Neste caso, ocorre uma mudança na direção de propagação desta mesma onda. VIII) Harmônicos: são as freqüências múltiplas da freqüência fundamental F. Por exemplo, uma onda sonora de freqüência igual a 200 Hz terá como freqüências múltiplas: 400 Hz (segundo harmônico); 600 Hz (terceiro harmônico); 800 Hz (quarto harmônico); etc. Existem, então, os harmônicos de ordem ímpar (primeiro – ou a própria fundamental; terceiro, quinto, etc.) e os harmônicos de ordem par (segundo, quarto, sexto, etc.).21 A fundamental confunde-se com o primeiro harmônico (são a mesma freqüência). O segundo harmônico (2F) tem o dobro da freqüência fundamental; o terceiro harmônico (3F) tem o triplo da freqüência fundamental, etc. IX) Efeito doppler: ocorre quando um determinado som é ouvido se aproximando ou se distanciando rapidamente do ouvinte. No primeiro caso, o som se torna mais 20 Última das características do som citadas anteriormente. 21 Um tubo ressoador fechado emite apenas os harmônicos de ordem ímpar. 26 agudo; no segundo caso, o som se torna mais grave (sempre como uma ilusão auditiva, porque para um ouvinte postado dentro do objeto que provoca o som – um automóvel buzinando, por exemplo – o som se mantém igual, em freqüência). Se o objeto e o ouvinte estão ambos parados, a freqüência não se altera (como mostra a primeira figura). O efeito doppler ocorre porque o comprimento de onda das vibrações diminui, no sentido do movimento, o que implica em aumento da freqüência (o som se torna agudo). No lado oposto, o comprimento de onda aumenta, implicando em diminuição da freqüência (o som se torna mais grave). O mesmo fenômeno ocorre se é o ouvinte que se aproxima ou se distancia rapidamente de um objeto vibrante. Denominando f’ a freqüência recebida pelo observador e f a freqüência emitida pela fonte, temos duas possibilidades: Aproximação: f’ > f Afastamento: f’ < f Essas grandezas são relacionadas pela expressão: , onde: v = velocidade da onda 27 vF = velocidade da fonte vo = velocidade do observador f = freqüência real emitida pela fonte f’ = freqüência aparente recebida pelo observador. Os sinais mais (+) ou menos (-) que precedem o vo ou vF, na equação são utilizados nas seguintes condições: X) Atenuação: é o enfraquecimento das ondas de som, o que pode ocorrer por vários motivos: a distância percorrida;22 o encontro com obstáculos; o uso de amortecedores, abafadores, isolantes ou absorvedores de som. O enfraquecimento corresponde à diminuição da intensidade sonora original. Em função da distância, ou em função do material que originou a onda sonora (o diapasão, p. ex.), a atenuação corresponde ao amortecimento. 1.4 Som complexo O som complexo é um som rico em harmônicos; ele difere do som puro em duas características: a) embora seja uma onda periódica, não é uma onda senoidal; b) ao contrário do som puro, que possui uma única freqüência, ele possui vários harmônicos, além da freqüência fundamental. Deve-se ao matemático francês Fourier a demonstração, em 1822, de que toda onda complexa é formada pela soma de várias ondas senoidais, ou harmônicos.23 Tal é o chamado Teorema de Fourier, que se pode enunciar assim: “uma onda periódica qualquer, não senoidal, é formada pela superposição de certo número de seus harmônicos”. O som complexo é também chamado de som composto. Entre os principais tipos de sons complexos, tem-se: 1) aquele que é formado pela freqüência fundamental e todos os seus harmônicos (de qualquer ordem), e cuja onda 22 A intensidade sonora cai 6 decibéis cada vez que se dobra a distância. Assim, uma intensidade (que foi medida) de 90 dB a 2 metros, será de 84 dB a 4 metros e de 78 dB a 8 metros. 23 A demonstração do teorema de Fourier veio como resultado final de uma série de conjecturas feitas acerca das oscilações harmônicas, um tema muito comum nos séculos XVI a XVIII (“controvérsia da corda vibrante”). Entre outros, Galileu, Mersenne, Daniel Bernoulli e Lagrange trataram do assunto. 28 resultante forma uma onda denominada onda triangular; 2) aquele que é formado pela freqüência fundamental e pelos harmônicos de ordem ímpar, e cuja onda resultante é denominada onda quadrada. A onda triangular também é conhecida pelo nome de onda dente-de-serra, devido ao seu formato específico. A figura a seguir mostra um exemplo desta onda:24 1.4.1 Timbre As notas iguais produzidas por diferentes instrumentos musicais permitem que se distinga a sua origem, em função do número de harmônicos que possuem: é o que dá o timbre do instrumento, ou sua coloração tonal. O timbre depende do número, da ordem e da intensidade dos diferentes harmônicos associados ao som fundamental (mas não depende das suas fases), e são específicos para cada instrumento (ou seja, cada instrumento tem o seu timbre característico). A mistura dos harmônicos com o som fundamental não modifica a altura, somente o timbre. Em resumo, pode-se dizer que o som tem as seguintes características:25 • Intensidade: é a potência sonora percebida; • Altura: é a freqüência percebida pelo ouvido; • Duração: é o intervalo de tempo durante o qual o som é ouvido; • Timbre: é o som típico de cada instrumento; • Ataque: é o intervalo de tempo que o timbre leva para ser percebido. 1.4.2 Parciais Os sons senoidais associados ao som fundamental são denominados parciais. Quando estes sons estão em série harmônica, ou seja, uma fundamental e seus harmônicos, o som é dito musical, e tem sua altura perfeitamente determinada. Quando nãoestão em série harmônica, o som não tem altura definida (exceto se um dos sons componentes é bastante intenso, como no caso do som produzido por um sino), e não é 24 Variação apenas positiva, no exemplo dado. 25 Outras características tais como vibrato e portamento, serão vistas no Capítulo XIII. 29 periódico. Estão neste caso os sons produzidos por membranas, placas, hastes metálicas vibrantes, etc. Estes sons são utilizados em música para marcar o ritmo (tambor, caixa, címbalos, pratos, etc.). 30 31 CAPÍTULO II O FENÔMENO SONORO: ANÁLISE PSICO-FISIOLÓGICA 2.1 Propriedades psicológicas do som Até aqui, estudou-se o som em relação às suas propriedades físicas; com relação às suas propriedades psicológicas, ou quanto à percepção, o som pode ser: • ruído ou barulho: é todo som desagradável ao ouvido; • som fonêmico: é o som que forma a palavra falada ou cantada; • som musical: é o som que participa da música.26 O ruído ou barulho é um som aperiódico muito complexo e geralmente de bem curta duração, no qual um dos sons parciais pode predominar. Sua altura é indiscernível, em função de sua brevidade. Ruídos, então, são parciais de curtíssima duração. A amplitude e a fase dos componentes do ruído são distribuídas estatisticamente (aleatoriamente), sendo difícil determinar sua ordem harmônica. Deste modo, o ruído pode ser: gaussiano; ruído branco (que contém todas as freqüências, assim como a luz branca contém todas as cores);27 ruído estocástico; etc. A figura a seguir é um exemplo de onda (ou som) que pode ser caracterizada como ruído. De um modo geral, o ruído é indesejável quando vem junto com outros sons desejados. Além disso, muitas vezes tem um efeito aterrorizante sobre o homem, principalmente se é súbito e provocado em momento de tensão. Com alto nível de intensidade, o ruído tem efeito destrutivo sobre o corpo humano; tal efeito, no entanto, está vinculado à idade do ouvinte, pois, de modo geral, os jovens toleram maior quantidade de ruídos que os mais idosos. Quando é mais intenso, em presença de outro som (denominado principal), o ruído pode produzir o efeito de mascaramento, que faz com que a habilidade de perceber o som principal diminua, como resultado de uma ação inibitória no sistema nervoso (tentar se fazer ouvir ao lado de uma máquina barulhenta mostra bem o efeito do mascaramento). Este efeito é mais intenso quando as freqüências do som principal e do ruído são próximas. O som fonêmico constitui a voz falada ou cantada. Os fonemas constituem a menor unidade do sistema sonoro da linguagem. Pelo estudo da fonação, sabe-se que a voz pode articular todos os tipos de sons: surdos, sonoros, nasais e orais; são estes sons, com características diferenciadoras (p. ex., um som vibrante simples alveolar diferencia-se de outro som, que seja vibrante múltiplo alveolar) estudadas pela fonética 26 Como se verá oportunamente, a música pode conter simultaneamente todos estes sons citados. 27 Um exemplo do denominado ruído branco é o som produzido por um aparelho de TV ligado em um canal que esteja fora do ar. 32 e pela fonologia, que vem a constituir os fonemas. O canto pode ser ou não acompanhado por sons musicais (música), sendo o canto não acompanhado denominado a capela (a capella) O som musical é o som que participa da música. É evidente que o canto, principalmente o não acompanhado, constitui um som musical; a voz pode emitir todas as notas musicais, em uma tessitura ou alcance que vai do baixo (nota mais grave) ao tenor (ou contra-tenor) nota mais aguda, ou do contralto (nota mais grave) ao soprano (nota mais aguda), conforme a voz seja masculina ou feminina. Entretanto, o som musical propriamente dito é o som produzido por instrumentos musicais. Este som é a nota musical. Embora a nota possa ser produzida pelos mais variados tipos de instrumentos (de sopro, corda, etc.), ressoando em cada um com um timbre diferente característico do instrumento, ela é reconhecida sem nenhuma dificuldade pelo ouvido. Uma nota DÓ3, por exemplo, é reconhecida mesmo quando tocada em instrumentos diferentes, com timbres diferentes. 2.2 Fenomenologia da percepção sonora A compreensão da estrutura sonora exige o conhecimento preliminar do sentido físico da audição, ou sensação auditiva, que é o fenômeno objetivo, bem como do fenômeno psicológico da percepção e apreciação do som, o qual ocorre na mente, e constitui o fenômeno subjetivo. No primeiro caso, estuda-se o órgão anatômico responsável pela sensação de audição, que é o ouvido; no segundo caso, estuda-se o modo pelo qual o cérebro percebe a estrutura sonora, e que, sabe-se atualmente, é uma função do hemisfério cerebral direito. 2.2.1 Anatomia do ouvido O ouvido, para um estudo esquemático, é dividido em três partes: ouvido externo; ouvido médio; ouvido interno. O ouvido externo é constituído pela pavilhão auditivo (orelha) e o canal auditivo externo, ou meato auditivo externo, o qual termina no tímpano. O pavilhão auditivo tem características direcionais (direcionalidade, ou localização espacial do som), além de servir como uma espécie de amplificador sonoro. Quanto ao canal auditivo, sendo um tubo fechado em uma das extremidades, ele possui uma 33 freqüência de ressonância, freqüência esta que foi verificada experimentalmente situar- se em torno de 3.800 Hz.28 O ouvido médio fica contido numa cavidade do osso temporal, denominada cavidade timpânica. Na parede interna do tímpano ficam contidas as janelas oval, na parte superior, e redonda, na inferior. O ouvido médio contém os ossículos denominados martelo, bigorna e estribo, cujos nomes se devem às suas configurações físicas, e cuja função é acoplar ou unir mecanicamente o tímpano ao caracol ou cóclea, através da janela oval. Uma das funções do ouvido médio é proteger o ouvido interno dos sons de alta intensidade ou mudanças súbitas de pressão (que se realiza em cerca de 1/10 de segundo), o que ele faz, seja contraindo o tímpano, seja afastando o estribo da janela oval, através de dois conjuntos de músculos. Por outro lado, a ação destes músculos ajudam na percepção de sons graves (correspondentes a uma conversação normal) em um meio sonoro de intenso barulho. No ouvido médio se encontra também a Trompa de Eustáquio, que se liga à garganta e equilibra a pressão interna de acordo com a pressão atmosférica. O ouvido interno, também chamado labirinto, consiste em uma série de espaços, ou labirinto ósseo (que inclui o vestíbulo, os canais semicirculares e a cóclea) no interior dos ossos, dentro do qual se encontra o labirinto membranoso, que é um sistema fechado de bolsas e canais que se comunicam. O labirinto membranoso se encontra cheio de um líquido, a endolinfa, e é rodeado pela perilinfa, a qual preenche o labirinto ósseo; é composto de duas bolsas, o utrículo e o sáculo. Iniciando no sáculo encontra- se o canal coclear, ou condutor coclear, que é um tubo longo enrolado dentro da perilinfa da cóclea. A cóclea é enrolada helicoidalmente em torno de um eixo central chamado modiolus, tomando a forma de um cone arredondado, ou concha de caracol. Ela possui uma membrana mediana, que a divide em dois canais (ou rampas): o canal vestibular e o canal timpânico, os quais se comunicam na extremidade da cóclea (chamada ápex ou helicotrema). 28 Uma segunda zona de ressonância ocorre próximo aos 13.000 Hz (13 Khz). 34 Esta membrana central, que contém o canal central, chamado duto ou canal coclear, o qual abriga o órgão essencial da audição, o órgão de Corti, é chamada de membrana basilar ou lâmina espiral. Ela possui cerca de 25.000 filamentos ou fibras de comprimento decrescente na direção do seu vértice, e mais larga na ponta. No ouvidointerno, os canais semicirculares se comunicam com o utrículo, e relacionam-se com o sentido de equilíbrio ou orientação corporal. 2.2.2 Fisiologia da audição O ouvido externo recebe os sons no pavilhão e os conduz pelo canal auditivo até a membrana do tímpano. A onda sonora que atinge o tímpano provoca o movimento da janela oval, movimento este transmitido pelos ossículos (martelo, bigorna e estribo), produzindo uma onda que se propaga através do líquido que preenche a cóclea (a perilinfa do canal vestibular) A cóclea é preenchida por um fluido, e sua superfície interna possui cerca de 20.000 células nervosas em forma de cílios ou filamentos, distribuídos ao longo da membrana basilar. A onda sonora provoca a vibração destes cílios. Esta membrana tem a capacidade de vibrar (entrar em ressonância) em pequenas gamas de freqüência, dos agudos (perto da janela oval) aos graves (perto da janela redonda). Esta ressonância não ocorre abaixo de 20 Hz ou acima de 20.000 Hz. As variações de pressão no fluido que preenche o canal vestibular se transmitem ao canal timpânico; deste modo, quando a janela oval se curva para dentro, a janela redonda (que é uma membrana no canal timpânico) curva-se para fora. São estas mudanças de pressão que afetam os cílios da membrana basilar (que é parte da lâmina espiral), e o movimento desta provoca variações de condutância elétrica da membrana das células ciliadas, i. é, provoca a passagem de um impulso elétrico através das fibras nervosas do nervo auditivo até o cérebro, o qual traduz este impulso elétrico como som. As freqüências nas quais as células ciliadas vibram com mais intensidade são chamadas de bandas críticas.29 Os sons são então processados (na membrana basilar) em sub-bandas, que são as bandas críticas. Cada banda corresponde a uma seção de aproximadamente 1,3 mm na cóclea. Sua largura crítica difere conforme a faixa de freqüência: abaixo de 500 Hz, as bandas são constantes e iguais a 100 Hz; para cima, cada banda tem uma largura cerca de 20% maior do que a anterior.30 As células ciliadas, em conjunto com as fibras nervosas primárias a elas ligadas, realizam seletivamente a análise do som em relação à sua freqüência. Isto significa que 29 Este foi um conceito introduzido pelo fisiólogo Harvey Fletcher. 30 Para a banda crítica foi criada uma unidade especial: o bark. Um bark corresponde à largura de uma banda crítica. 35 a organização das vias e centros auditivos é tonotópica:31 somente partes limitadas delas exercem atividade neuronal, em relação a uma freqüência determinada. Esta “análise” ocorre porque os cílios ou filamentos vibram em função da freqüência sonora. No vértice, as fibras ressoam com os agudos; no meio, com os médios; na base, com os graves. É no ouvido interno, então, que as características sonoras de freqüência, intensidade e timbre podem ser percebidas. Assim, pode-se dizer que a membrana basilar separa um som complexo em seus componentes fundamentais. Isto porque o ouvido interno, sendo um tubo em forma de espiral, constitui um sistema acústico ressonante bem complexo. A transferência de energia do ar ao ouvido é realizada com grande eficiência, pois o tímpano reflete muito pouco da energia incidente, transmitindo sua maior parte; os sinais nervosos são função do número de filamentos excitados, sendo que o número de impulsos elétricos enviados ao cérebro pela membrana basilar é proporcional ao quadrado da intensidade do som. Como a distribuição de amplitude ao longo dos filamentos da membrana basilar é assimétrica aos máximos de amplitude, seu centro de gravidade se desloca em função desta, originando uma variação subjetiva da altura do som. Assim, os sons pouco intensos são subjetivamente mais agudos, com relação às freqüências média e baixas, enquanto que os sons de mais alta freqüência são algo mais graves do que os sons mais intensos, de mesma freqüência. É na cóclea que se realiza a separação das diversas freqüências sonoras (20 Hz a 20.000 Hz), ao longo do seu comprimento: Em relação à complexidade do estímulo (sons de natureza complexa), os neurônios respondem em função dos níveis de análise em que se especializam. Quanto mais elevado o seu nível de análise, menos eles responderão aos sons de natureza simples. Existem neurônios que respondem no início ou no final do estímulo acústico; outros podem responder a determinadas freqüências, e serem inibidos por outras. É de se notar, contudo, que é somente o cérebro que realiza a análise e a interpretação definitiva dos sinais sonoros. Antes de investigar a ação do cérebro no fenômeno da percepção, é conveniente avaliar algumas particularidades concernentes às sensações sonoras e sua medida. É o que se fará a seguir. 2.3 Psicofísica da audição 2.3.1 Audibilidade Antes de prosseguir, e para que se entendam as unidades de áudio que serão usadas, o quadro seguinte mostra a relação numérica entre os valores: 31 Tonotópica: de tonos, tom e topos, lugar. Cada parte responde a um tom diferente. 36 Nome Valor Símbolo pico 10-12 ou 0,000000000001 p nano 10-9 ou 0,000000001 n micro 10-6 ou 0,000001 µ mili 10-3 ou 0,001 m unidade32 1 kilo 103 ou 1000 k mega 106 ou 1000000 M O ouvido humano, como já se disse, é capaz de perceber vibrações sonoras entre 16 a 20 Hz até 20.000 Hz (20 kHz). A pressão exercida pela onda sonora, para que esta seja ouvida, não pode ser inferior a um mínimo, denominado limite de audibilidade.33 A sensibilidade máxima do ouvido situa-se entre freqüências de 1.000 Hz até 4.000 Hz (1 kHz até 4 kHz). O ouvido não possui uma sensibilidade linear ao som; isto porque ele pode perceber intensidades de som em intervalos tão distantes entre si quanto um sussurro ou o rugir de um motor de avião a jato, a um metro de distância, sem que sofra qualquer dano ou perca a sensibilidade.34 Isto ocorre porque a maioria dos sons é formada por uma composição de freqüências, e não por sons de freqüência única.35 A intensidade de um som puro é, por definição, a potência sonora medida em uma área unitária perpendicular à direção do som. A eletroacústica mede este som através de um microfone calibrado, acoplado a um medidor de intensidade sonora. Esta potência sonora é medida em watts por centímetro quadrado (W/cm2), sendo que a medida geral de intensidade (ou potência) de um sinal sonoro é dada em Watts (W). Os medidores de intensidade sonora não medem diretamente a intensidade do som, mas a dão em relação a um determinado nível de referência. Deste modo, já não se fala mais em intensidade sonora, e sim, em nível de intensidade sonora (NIS). Como o ouvido responde a uma gama de freqüências muita ampla, costuma-se usar uma escala logarítmica. Deste modo, foi criada uma unidade de medida logarítmica para medir o NIS: é o decibel (dB). Por definição, o decibel é igual a: NIS = 10 log I/Iref I é a intensidade de um som dado, e Iref é um sinal de referência, cujo valor é igual a 10-16 W/cm2 (10.000 pW/cm2). Assim, a medida de um nível qualquer de intensidade sonora é dada em decibéis. 32 A unidade é qualquer: Hz (Hertz); Watts (W); decibéis (dB); etc. Qualquer das unidades pode ser subdividida em: décimos (0,1); centésimos (0,01); milésimos (0,001). Tenha-se em conta que as unidades nos EUA são separadas por vírgula (cada três casas) e ponto (a unidade). Por exemplo, 1.000,00 (em unidades do Brasil) fica 1,000.00 (no sistema de unidades dos EUA). 33 Este limite está apenas ligeiramente acima da vibração molecular do próprio ar que circunda o ouvido. Esta pressão constitui cerca de um bilionésimo da pressão atmosférica. A audibilidade é medida em Newtons por metro quadrado (N/m2), e os limites de audibilidade são: de 0,00001 N/m2 (correspondente a uma potênciade 1 picowatt/m2) até 100 N/m2. A relação entre a potência máxima e a mínima é de 130 dB, ou de 1013 (NEPOMUCENO, 1968). 34 Evidentemente, a exposição contínua e repetida a sons de alta intensidade pode acabar provocando danos na audição. 35 Após a percepção do som, o cérebro realiza uma integração durante certo período, durante o qual é avaliada a média dos níveis sonoros. A percepção, então, é do volume médio das intensidades sonoras recebidas pelos ouvidos. 37 O valor de 10-16 W/cm2 é o valor mínimo de intensidade sonora percebida, em condições de laboratório. O indivíduo, dentro de uma câmara anecóica,36 é submetido à audição de um sinal sonoro de 1.000 Hz, em um nível audível. Este nível é atenuado até que o sinal não seja mais ouvido (o que ocorre para o valor de 10-16 W/cm2). Essa intensidade sonora é, então, o limiar de audição, para esta freqüência. Repetindo-se a experiência para outras freqüências, obtém-se uma curva em função da freqüência, que será o limiar da audição. Antes de continuar, em razão da confusão que se faz com relação aos termos usados na psico-acústica, são dados os termos em inglês das grandezas mais conhecidas: 37 intensidade sonora sound intensity audibilidade loudness nivel de intensidade sonora (NIS) sound intensity level freqüência frequency altura pitch A intensidade sonora (sound intensity) é a energia sonora transmitida por unidade de tempo através de uma área unitária; mede a magnitude do som. A sua medida é feita em relação ao valor padrão Io = 10 -12 watts/m2 = 10-16 watts/cm2, correspondente ao limiar de audição.38 O gráfico a seguir mostra o chamado campo de audibilidade, ou campo de audição do ouvido humano: No limiar da dor, a potência chega a cerca de 1 watt/m2. As áreas relativas à música e voz, dentro do campo de audibilidade, estão no gráfico a seguir: 36 Câmara ou sala fechada, onde se eliminam todos os ruídos e ecos possíveis. 37 Algumas vezes os termos audibilidade e intensidade sonora (ou sonoridade) são conhecidos como audibility e loudness. 38 A unidade de medida é dada em erg/segundo/cm2, watts/m2 ou watts/cm2. 38 Existem outras unidades de medida para a intensidade sonora,39 mas a mais comum é a que usa a escala logarítmica de decibel (dB). A medida da intensidade de dois sons puros é dado pela seguinte relação: I = 10 log P1/P2 , sendo I o valor da intensidade sonora (NIS, ou SL = sound intensity level), e P1 e P2 as intensidades sonoras a serem relacionadas.40 Medidas acuradas realizadas em laboratórios através de instrumentos apropriados permitem afirmar que, para dois sons de mesma freqüência,41 um dos quais tem duas vezes a potência do outro (por exemplo, quando um tem a potência de 20 W, e o outro, de 10 W), eles possuem uma relação entre si de 3 decibéis (3 dB),42 o que significa que, em termos de intensidade sonora, o som mais forte, ainda que duas vezes mais potente, tem apenas três vezes a intensidade sonora (perceptível) do som mais fraco. 43 Para que o ouvido possa perceber o dobro do nível de intensidade sonora (NIS), a potência tem que ser multiplicada por dez (100W!).44 Neste caso, o acréscimo do NIS é igual a 10 dB. O gráfico a seguir mostra a relação logarítmica entre vários valores de intensidade (ou potência) sonora. 39 Outros valores de audibilidade usados são: phon (fon) e sone (son). 40 A medida de um fortíssimo (SL = 10-3 watts/m2) é de 90 dB, e a medida de um pianíssimo (SL = 10-9 watts/m2) é de 30 dB. 41 Deve-se perceber que o nível de audibilidade é uma medida logarítmica, enquanto que a intensidade sonora é uma medida linear. 42 Ou seja: 10 log (P2/P1) = 10 log 10 = 10 dB. 43 Ou seja: 10 log (P1/P2) = 10 log 2 = 3 dB. 44 Ou dividida por dez (1 W!), para se perceber a metade da intensidade sonora. A diminuição do NIS também é de 10 dB. 39 O ouvido é tão sensível que pode perceber pequeníssimas diferenças de intensidade. Em termos de audibilidade, 1 dB (um decibel) é considerado a menor diferença perceptível, em relação ao NIS.45 Isto ocorre para freqüências entre 50 Hz e 10.000 Hz, desde que o nível (NIS) esteja 50 dB acima do limiar de sensação, para aquela freqüência. Em condições especiais de laboratório, é possível perceber variações de até 0,3 dB. Se há necessidade de uma medida mais rigorosa, ou medida padrão, para se conseguir o chamado nível sonoro absoluto (absolute sound level), faz-se a medida usando um nível padrão, ou nível de referência: I = 10 log Pm/Pref , onde Pm indica a intensidade que se quer medir, e Pref a intensidade sonora de referência (nível padrão). Para níveis sonoros, o valor padrão escolhido é igual a 20 microPascals, ou 2 bilionésimos da pressão atmosférica (20µPa ou 0,02 mPa). Uma intensidade neste nível é equivalente ao valor de 0 (zero) decibéis (0 dB). Poderia ser pensado que a pressão atmosférica iguala todos os sons, em relação à sua altura. Entretanto, esta seria uma presunção errada. O ouvido não responde de modo linear a todas as freqüências (como já se disse, há uma maior sensibilidade entre 1.000 Hz e 4.000 Hz). O gráfico mostrado a seguir, denominado curva de audibilidade, mostra a relação entre o nível de pressão sonora e a freqüência (a curva pontilhada mostra o limiar de audibilidade). 45 Just Noticeable Difference, ou JND. 40 A percepção da audibilidade (loudness) depende da freqüência e do timbre (número de parciais) do som. A audibilidade tem por unidade o fon (phon).46 As curvas acima mostram a relação entre intensidades sonoras de sons de freqüências diferentes (valores de NIS em função da freqüência). Pode-se perceber, por exemplo, que um som de 50 dB de NIS em 1.000 Hz tem o mesmo nível de audibilidade que um som de 70 dB de NIS em 80 Hz.47 0 fon corresponde a 0 dB em 1.000 Hz 10 fons correspondem a 10 dB em 1.000 Hz 20 fons correspondem a 20 dB em 1.000 Hz O nível de intensidade sonora em fons (IF) é igual a: IF = 10 log J/Jo Sendo: J a intensidade sonora desejada, e Jo a intensidade sonora de referência. A 1000 Hz, a intensidade física (em Watts) de um som de 40 fons é igual a: 104 = J/10-16 , de onde: J = 10-12 W A medida do nível de audibilidade é uma medida física, na qual se tomam, arbitrariamente, valores em dB (0 dB, 10 dB, 20 dB, etc., na freqüência de 1.000 Hz). A necessidade de estabelecer uma grandeza puramente psicológica levou à criação do 46 Ou seja, a unidade do nível de audibilidade é dada em FON (ou fon). Entretanto, a medida da audibilidade é dada em SON. Os sons audíveis estendem-se ao longo de uma faixa de intensidade fisiológica de cerca de 120 fons. Uma outra unidade é dada pela medida da pressão acústica. Ela é dada em bares (bar) ou milibares. 47 Note-se que as curvas internas é que possuem medida em fon. 41 SON,48 que é uma unidade de medida que compara as intensidades sonoras de dois sons, um parecendo duas vezes mais audível que o outro. Como já se disse, os níveis de intensidade sonora que o ouvido pode suportar variam entre limites extremos. Tais limites, derivados da curva de audibilidade, podem ser plotados de uma forma mais compreensível, conforme se pode ver no gráfico a seguir. Os limites indicados, de 20 a 140 dB, definem o chamado campo de audibilidade.49 Os níveis de intensidade sonora cujas variações mínimas são perceptíveis variam em função da freqüência ou altura do som. À medida que aumenta a altura do som, este vai passando de grave para agudo. Existe, então, uma relação entre a propriedade psicológica pela qual o som pode sermais grave ou mais agudo, e a sua freqüência, que é a propriedade física do som. Como se pode perceber pelo gráfico anterior, o ouvido tem a sua maior sensibilidade entre as freqüências de 3.500 Hz até 4.000 Hz, dando-se a máxima eficiência para a percepção dos sons graves. A relação matemática entre freqüência e altura (i. é, entre a propriedade física do som e o modo como ele é percebido subjetivamente) é uma relação logarítmica: 48 O termo (de medida) SON (ou sone) foi criado por S. S. Stevens em 1936. Um sone compara-se ao volume de um som senoidal puro de 40 fons. 49 Uma orquestra executando uma peça musical pode chegar a 100 dB; os concertos de rock atingem 110 dB. O som de um jato militar alcança 140 dB. O tímpano se rompe a 160 dB. 42 Existe também uma relação entre certos sons graves e agudos: embora difiram em freqüência, eles soam de maneira semelhante. É o caso, p. ex., de duas notas DÓ sucessivas de um teclado de piano, que parecem soar igualmente, embora uma seja mais aguda que a outra. Em relação às suas freqüências, elas possuem uma relação entre si de 2:1 (dois para 1), ou seja, a mais aguda possui o dobro da freqüência da mais grave. A distância musical entre elas, ou intervalo musical entre as duas notas, é chamado de oitava. Assim, existe um intervalo de uma oitava quando a freqüência superior ou mais alta é o dobro da freqüência inferior.50 A percepção da freqüência e da sucessão de um som depende de sua duração. Se a duração de um som de freqüência igual a 1.000 Hz, p. ex., for menor do que 0,04 segundos (40 milissegundos ou 4 centésimos de segundo), ele será percebido como um som de freqüência mais grave.51 Se o tempo entre dois sons é insuficiente para estabelecer a freqüência do primeiro (cerca de 40 milissegundos), antes que o segundo chegue, o conjunto aparece simultâneo, ao invés de sucessivo. Percebe-se, então, que o tempo mínimo requerido para que um som puro possa excitar o ouvido, de forma a ser percebido como tal, está relacionado às suas respostas (do ouvido) a transitórios.52 Se um som é ouvido por um tempo muito longo, o cérebro tende a desviar-se de sua percepção, porque a atenção se relaxa. É o chamado limiar de saturação, que está entre 6 a 10 segundos (na duração do som). O ouvido humano (ideal) pode perceber até 280 níveis diferentes de intensidades, bem como é capaz de discriminar cerca de 1.400 intervalos de altura, dentro da faixa de 20 Hz até 16.000 Hz, e muitas vezes estabelecendo perfeitamente a altura, em variações de freqüência da ordem de 3 Hz (como o ouvido é mais sensível em freqüências graves, nesta faixa, mudanças de freqüências de até 1 hz podem ser detectadas).53 As curvas (gráfico) de Fletcher & Munson mostradas atrás mostram que a percepção da menor variação em freqüência, de um modo geral, varia ao longo da faixa audível; esta percepção depende da freqüência do som, da intensidade sonora, de sua duração, da velocidade de alteração, e por fim, do treinamento auditivo de cada individuo. 2.3.2 Discriminação dos sons Uma outra característica notável do ouvido humano é a sua capacidade de discriminação de sons. Isto significa que, dentre um complexo de sons simultaneamente percebidos, o ouvido pode distinguir e separar os sons (desde que não mascarados por ruídos) que lhe interessam, não obstante a sua confusão aparente (isto, obviamente, dentro de determinados limites – a discriminação somente será possível se os sons possuírem, mais ou menos, intensidades iguais). 50 A oitava é sempre a nota que se repete na freqüência metade ou dupla da primeira nota de saída. Deste modo, MI é a oitava inferior de MI2, e MI3 é a oitava superior desta última (veja-se o próximo capítulo). 51 Ou então ele perde as suas características, não podendo ser discernidas a sua intensidade ou altura. O limiar de percepção, também chamado de espessura do presente ( Ө ), está entre 0,04 e 0,05 segundos. 52 Transitórios são sons de pequena duração. 53 Esta percepção de variação de freqüência foi determinada experimentalmente, mas apenas na faixa próximo a 1.000 Hz. Entretanto, a maioria das pessoas, ao redor de 100 Hz, pode detectar mudanças na freqüência em até 0,3 Hz (3 décimos de Hz). Entre as pessoas de ouvido afinado, afirma-se que Mozart era capaz de comparar a afinação de um instrumento com outro, ouvido dias antes, e determinar a variação na afinação em até um quarto de tom. 43 2.3.3 A audição binaural Outra das características da audição humana é a percepção de direcionalidade. O cérebro é capaz de receber através dos ouvidos os sinais sonoros, processar estes sinais e estimar a localização espacial de sua origem. Para fazer isto, ele usa vários indícios presentes no som. Os dois mais importantes são a diferença de intensidade interaural (IID – interaural intensity difference) e a diferença de tempo interaural (ITD – interaural time difference). No primeiro caso, significa que o ouvido percebe com maior intensidade o som que ele recebe diretamente (e que está do seu lado, relativamente ao corpo do ouvinte).54 No segundo caso, a diferença de tempo entre a recepção de cada ouvido é que realmente permite ao cérebro perceber a localização espacial da fonte sonora, distinguindo entre os lados direito e esquerdo.55 A máxima diferença em tempo para a recepção está por volta de 0,45 ms (0,00045 s).56 Devido a esta diferença de tempo, o sistema nervoso central registra cada sinal recebido e estabelece a direção da onda sonora. Conforme se pode ver na figura, o som atinge primeiro o ouvido esquerdo (a pessoa sendo vista de cima), e assim este ouvido recebe uma maior intensidade sonora do que o outro: Esta audição, chamada de audição binaural, permitiu a criação de efeitos psicoacústicos na reprodução de músicas gravadas. O efeito estéreo (dois canais independentes de som) e o efeito surround (5 canais) usam este princípio para dar a sensação espacial ao som. 57 2.4 O cérebro: centro analítico e integrador do fenômeno sonoro 2.4.1 A dominância dos hemisférios cerebrais O cérebro tem sido bastante estudado, principalmente a partir do século XIX. Extensas e demoradas experiências realizadas tanto por fisiólogos quanto por psicólogos levaram à conclusão, aceita atualmente pela Ciência, de que o córtex cerebral possui centros sensoriais, correspondentes aos sentidos, e centros psíquicos, responsáveis pela linguagem, memória, movimentos, etc. O ponto exato do cérebro onde ocorre o conhecimento e o reconhecimento dos sons das palavras ouvidas, ou chamado centro das representações auditivas das palavras, 54 Para simular isto, basta distribuir desigualmente os sons de um fone de ouvido ou que vão para os alto-falantes, o que se faz com o controle Balance ou Equilíbrio. 55 A diferença de recepção de cada sinal sonoro se torna zero, se a fonte está diretamente à frente do ouvinte. 56 Para uma velocidade do som de 330 m/s e uma distância entre ouvidos de 15 cm. 57 Um tipo especial de som binaural, denominado Holophonic Sound (Som Holofônico), foi criado pelo argentino Hugo Zuccarelli. Maiores informações podem ser encontradas no site (que contém demos deste tipo de som): http://www.binaural.com/bindemos.html. Também em: http://www.theaudio.com/. 44 ou centro de Werwicke, é na região denominada lobo temporal esquerdo, exatamente na primeira circunvolução temporal esquerda. A audição musical e a correspondente compreensão e reconhecimento posterior dos sons musicais é realizada por certo número de células deste centro, que se especializam unicamente neste sentido; isto ocorre mesmo que a educação musical seja meramente superficial. Quando este sub- centro (se assim se pode chamá-lo) adquire predominância por influências hereditárias e educacionais, o indivíduo se torna dotipo auditivo, ou seja, capaz de ouvir mentalmente a música. A lesão deste centro acarreta a impossibilidade de entender a música (afasia musical sensorial ou amusia sensorial auditiva). Embora o indivíduo continue capaz de cantar e de ler música (se para isto recebeu o treinamento necessário), ele não consegue distinguir nem reconhecer os sons que ouve, nem é capaz de apreender o encadeamento melódico dos mesmos. A educação ou alfabetização é possível pela especialização das células existentes no lobo parietal esquerdo, na prega curva à esquerda. É aí que se localiza o centro das representações visuais das palavras lidas, ou centro de Kussmaul. Este centro permite ao indivíduo adquirir a compreensão dos sinais gráficos, ou a capacidade de leitura. Já a alfabetização musical (leitura musical, ou leitura de partituras) especializa certo número de células deste centro, permitindo a compreensão dos sinais gráficos musicais. Estas células especializadas formam o centro das representações visuais das notas musicais lidas, que é um sub-centro do centro de Kussmaul. A predominância de funcionamento deste centro torna o indivíduo em um tipo: o tipo visual, que para poder evocar e sentir a música, necessita imaginar o texto escrito, ou seja, ler mentalmente a partitura. Este tipo é bastante comum entre os regentes de orquestra. A lesão deste centro acarreta a impossibilidade de continuar a ler as notas musicais, embora o indivíduo continue capaz de cantar, escrever música, tocar instrumentos musicais, bem como compreender a música ouvida. Este tipo de lesão é denominado alexia musical ou cegueira musical, uma outra modalidade de afasia musical sensorial.58 Já há muito tempo que se sabe que o cérebro possui duas metades, chamadas hemisfério cerebral esquerdo e hemisfério cerebral direito. Os hemisférios cerebrais desenvolvem-se assimetricamente, em termos de função cujo efeito mais evidente é o uso preferencial da mão direita (ou, menos comum, da mão esquerda). Desde o século XIX têm sido relatadas as funções relativas ao hemisfério esquerdo do cérebro, em sua relação com o sistema nervoso, tais como a inteligência, a linguagem e as formas complexas de percepção e de atividade. As pesquisas levadas a efeito na décadas de 1950 e 1960, principalmente por Roger W. Sperry, Jerre Levy e outros, propiciaram a extraordinária descoberta de que cada hemisfério, em certo sentido, percebe a realidade à sua maneira, e que somente a 58 Maiores informações sobre este tema podem ser encontradas nos artigos O Poder da Música, da Revista Viver Mente&Cérebro no. 149, jun. 2005, Ed. Duetto (www.vivermentecerebro.com.br). 45 comunicação entre os hemisférios, realizada através do corpo caloso, reconcilia e integra diferentes percepções, dando a impressão de percepção única. Até 1950, considerava-se o hemisfério esquerdo como o dominante, e dizia-se que o hemisfério direito era o secundário ou subordinado. Hoje em dia, atribui-se ao hemisfério esquerdo as funções de controlar a linguagem, o pensamento lógico e a abstração, enquanto que ao hemisfério direito é atribuído o governo do pensamento concreto, da intuição e da formação de imagens. Enquanto o hemisfério esquerdo possui uma modalidade de processamento verbal e analítica, a modalidade de processamento no hemisfério direito é rápida, complexa, configuracional e intuitiva, com percepção cognitiva espacial e sintética. Em outras palavras, o cérebro esquerdo pensa por palavras, enquanto que o cérebro direito pensa por imagens. Ao hemisfério cerebral mais desenvolvido é atribuída tanto a personalidade quanto os modos de percepção de uma pessoa. O ouvido direito e o campo visual direito, bem como os gestos expressivos que acompanham as palavras e que são realizados pela mão direita, são controlados pelo hemisfério esquerdo;59 ocorre o contrário para o outro hemisfério. É difícil existir, no entanto, uma excessiva ou completa lateralização hemisférica cerebral, sendo por outro lado, bastante comum a assimetria lateral ou predominância de um ou outro hemisfério. Pessoas exclusivamente hemisfério esquerdo ou hemisfério direito são raras, exceto aquelas submetidas à comissurotomia, operação que corta as fibras ou comissuras que interligam os hemisférios,60 ou aquelas submetidas a eletrochoques unilaterais.61 De acordo com o fisiólogo Vadim L. Deglin, do Instituto Sechenov de Fisiologia e Fisicoquímica da Evolução, da Academia de Ciências da URSS (antiga União Soviética), em Leningrado, as pessoas hemisfério esquerdo têm uma percepção sonora deteriorada ou degradada dos sons complexos, inclusive os sons musicais. Elas mostram-se desafinadas ou incapazes de repetir uma melodia ouvida, e preocupam-se menos com esta do que com o ritmo, que procuram marcar. Uma pessoa hemisfério esquerdo não consegue distinguir entre grupos simples de quatro notas musicais, com uma ou duas notas diferentes; para elas, as notas soam de modo semelhante. Pessoas hemisfério direito, por sua vez, identificam de modo fácil e rápido as melodias a elas apresentadas, reproduzindo-as com facilidade e perfeição e sem qualquer desafinação, mesmo após algum tempo decorrido de sua apresentação. Não conseguem, no entanto, classificar os tipos de sons. O pesquisador japonês Tadanobu Tsunoda, do Instituto de Pesquisa Médica da Faculdade de Medicina de Tóquio, em uma comunicação ao colóquio da Unesco, realizado em 1981, informou que o cérebro é capaz de discernir os componentes 59 Pessoas cuja linguagem é controlada pelo hemisfério direito tendem a agitar a mão esquerda. 60 Também chamado de corpo caloso. 61 Este tipo de tratamento, como também as operações cirúrgicas, era encarado pela medicina psiquiátrica como recurso extremo para conseguir controlar pacientes acometidos de graves psicoses. 46 estruturais do som, e que a dominância do hemisfério para a linguagem pode ser alterada, com base na estrutura dos sons ouvidos. Com o auxílio de um sintetizador de sons, ele descobriu que o hemisfério esquerdo é dominante quando as freqüências dos formantes (picos de freqüência característicos dos sons vocálicos) sejam inarmônicos, e haja um grau mínimo de modulação de freqüência. Desenvolvendo suas pesquisas, Tsunoda concluiu que o hemisfério dominante sofre a influência do ambiente auditivo e lingüístico. Sua mais importante descoberta foi a de que há uma diferença no perfil da dominância cerebral entre os japoneses,62 por um lado, e europeus ocidentais, por outro. Entre os japoneses há uma dominância do hemisfério esquerdo para vogais e sílabas, e do hemisfério direito para sons de timbre constante e tonalidade pura. Entre europeus, ocorre o contrário. Para Tsunoda, as funções da emoção e da linguagem e a função lógica baseada na linguagem, no povo japonês, apóiam-se no hemisfério verbal, enquanto que o ocidental especializa a linguagem e as funções lógicas correlatas no hemisfério verbal, mas separa a emoção no hemisfério não-verbal. No povo japonês, os sons relacionados com emoção são processados no cérebro esquerdo, cuja dominância aumenta com o desenvolvimento da fala, inclusive para as funções emocionais, em razão do vínculo entre sons e experiências relacionadas com a emoção. Como o mesmo ocorre com os não-japoneses com respeito à dominância do cérebro direito, para sons e funções relacionadas com emoção, conclui-se que a lateralidade é adquirida por meio da linguagem materna. Desse modo, entre os japoneses, evidencia-se uma correlação entre sons relacionados com emoção e experiências relacionadas com emoção, no hemisfério esquerdo, enquanto que esta correlação, nos ocidentais, evidencia-se no hemisfério direito. Uma conseqüência interessante é o fato de que o cérebro dos japoneses processa os sons de instrumentos musicais japoneses no hemisfério esquerdo; já os sons dos instrumentos
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