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1 FACULDADE FGP PSICOMOTRICIDADE SOB O ENFOQUE WALLONIANO Joyce Fernandes Rodrigues Destro1 Joyce_fernandes2011@hotmail.com RESUMO: Este trabalho é teórico e pretende contribuir para o enfoque psicogenético da Educação Psicomotora, mais precisamente, através da teoria walloniana. Consideramos a teoria de Wallon bastante fértil para a ciência psicomotora, pois esse autor, ao estudar o desenvolvimento infantil, deu ênfase à motricidade, encontrando nesta a origem da emoção e da razão. Sendo assim, esta é uma reflexão que visa a orientar a Educação Psicomotora sob o enfoque psicogenético de Henri Wallon. Dentre as contribuições, destaco as suas ideias de alternância funcional e de complexidade do desenvolvimento humano. São diversas as temáticas da psicomotricidade que podem ser abordadas a partir de Wallon, a exemplo da formação da imagem corporal e dos distúrbios psicomotores sobre os rumos mais gerais que a Educação Psicomotora tende a assumir ao adotarmos a psicogenética walloniana como referência básica. Podem-se distinguir dois tipos de intervenção em psicomotricidade: a terapêutica e a educativa. No primeiro âmbito, encontram-se a reeducação psicomotora, a terapia psicomotora e a clínica psicomotora. No segundo, fala-se em Educação Psicomotora, a qual tem um caráter eminentemente preventivo, facilitador do desenvolvimento do sujeito, em geral, aplicada às crianças em situação escolar. Busca trabalhar a criança e o grupo em movimento através da ação espontânea ou organizada a priori. Beneficia-se a integração de si em relação com o outro e ao meio em geral. A reflexão que se segue, de Rubem Alves sobre Educação, é pertinente à Educação Psicomotora; inclui a corporeidade, o prazer e a vida. Palavra chave: Psicomotricidade. Wallon. Educação. Prática educativa. 1 Especialização em Psicomotricidade pela Faculdade FGP. Unidade Taboão da Serra - SP, Brasil. E-mail do autor: joyce_fernandes2011@hotmail.com. Orientadora: Edna Maria de Lima Santiago Souza. 2 Abstract: This work is theoretical and aims to contribute to the psychogenetic approach of Psychomotor Education, more precisely, through the Wallonian theory. We consider Wallon's theory quite fertile for psychomotor science, because this author, when studying child development, emphasized the motricity, finding in it the origin of emotion and reason. Thus, this is a reflection that aims to guide Psychomotor Education under the psychogenetic approach of Henri Wallon. Among the contributions, I highlight his ideas of functional alternation and complexity of human development. There are several themes of psychomotricity that can be approached from Wallon, such as the formation of body image and psychomotor disorders; we opted, however, in this opportunity, to reflect on the more general directions that the Psychomotor Education tends to assume when adopting the Wallonian psychogenetic as basic reference. Two types of intervention in psychomotricity can be distinguished: therapeutic and educational. Psychomotor re-education, psychomotor therapy, and psychomotor clinic are the first. In the second one, it is spoken in Psychomotor Education, which has an eminently preventive character, facilitator of the development of the subject, in general, applied to the children in school situation. It seeks to work the child and the group in movement through spontaneous or organized action a priori. It benefits the integration of self in relation to the other and the environment in general. The following reflection, by Rubem Alves on Education, is pertinent to Psychomotor Education; includes embodiment, pleasure, and life. Key-Words: Psychomotricity. Wallon. Education. Educational practice. 1. INTRODUÇÃO Esse artigo tem como tema a Educação Psicomotora sob o enfoque psicogenético de Henri Wallon. Os estudos sobre a Educação Infantil e, em particular, aqueles que procuram abordar as especificidades do trabalho pedagógico nesta etapa educativa, cresceram de modo significativo nas últimas décadas. Tive a possibilidade de conhecer o trabalho de H. Wallon por meio de textos durante a pós-graduação, cuja obra apesar de grande importância no campo da psicomotricidade, que desde então é pouco difundido no Brasil. 3 É objetivo deste trabalho apresentar um estudo, de caráter aproximativo, ao pensamento de Wallon examinando suas possíveis contribuições a prática pedagógica na Educação Infantil. Henri Wallon nasceu na França em 1879 e lá viveu toda a sua vida até sua morte em 1962. Atuou como médico, professor e psicólogo e dedicou a vida a compreender sobre o psiquismo humano, voltando sua atenção à criança. Sua teoria é centrada na psicogênese da pessoa completa e acreditava que conhecendo o desenvolvimento das crianças era possível ter acesso à gênese dos processos (DANTAS, 1990). Wallon presidiu também o comitê responsável pela reformulação do sistema de ensino da França. Expressou suas ideias pedagógicas nesse projeto, chamado Projeto Langevin Wallon, um plano de reforma que nunca chegou a ser implantado, que priorizava a adequação da educação às necessidades da sociedade da época e as características do indivíduo, favorecendo ao máximo o desenvolvimento das aptidões individuais e a formação do cidadão. Durante minha formação foi-se cristalizando a necessidade de enfrentar o desafio de ler Wallon, necessidade esta permeada por inúmeros questionamentos, em especial sobre as relações entre o desenvolvimento da criança e a prática pedagógica: como ocorre o desenvolvimento do pensamento da criança? Qual a razão de alguns de seus comportamentos particulares? Qual o papel do professor no desenvolvimento da criança? Como potencializar esse desenvolvimento? A leitura de Wallon foi difícil no início e a apreensão de seus conceitos um desafio: sua obra está fragmentada em vários textos e livros, dificultando o entendimento completo da mesma. Como afirma Heloysa Dantas (1992, p. 4): Para aqueles que superam as resistências iniciais, a obra de Wallon adquire um apelo especial: a possibilidade de integrar a ciência psicológica a uma concepção epistemológica dialética e derivar dela uma pedagogia politicamente comprometida. A pesquisa, do tipo bibliográfica, é subsidiado basicamente por aquilo que Wallon formulou em seus escritos, além das contribuições de autores como Heloysa Dantas, Izabel Galvão. Este artigo está dividido em três tópicos: no primeiro, apresentamos uma síntese da teoria de Wallon abordando seus principais conceitos. No 4 segundo, o foco é o desenvolvimento do pensamento da criança, privilegiando a abordagem do conceito psicomotor. O último tópico ficou destinado às reflexões sobre a prática pedagógica na Educação Infantil, tendo como foco examinar as contribuições do autor à mesma. 2 TEORIA DA PSICOGENÉTICA DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL SOB ENFOQUE DE HENRI WALLON Objetivo neste capítulo é apresentar os principais aspectos da teoria walloniana no que tange ao desenvolvimento da criança. Wallon teceu sua teoria observando principalmente as crianças; seu intuito era compreender como seu psiquismo se desenvolvia. Não lhe interessava estudar um aspecto do desenvolvimento em particular, mas os processos que resultavam na “pessoa completa”. Tomou como referência metodológica para seus estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento as bases fornecidas pelo materialismo histórico- dialético. Essa opção epistemológica implicou na compreensão do desenvolvimento humano também como um processo dialético, marcado por descontinuidades, rupturas e crises, que longe de ser um problema ou patologia, constituem os próprios fatores dínamogênicos do mesmo. Para o estudioso, “os conflitos podem ser reconhecidos, não como a negação, mas ao contráriocomo o fundamento dos processos que tendem ao mais completo desenvolvimento da pessoa ou do conhecimento” (WALLON, 2008, p. 09). De acordo com Dantas (1990, p. 32) longe de evitar as contradições que encontra no seu “objeto de estudo” – a criança: Wallon parece se comprazer em buscá-las e aprofundá-las. Toda sua teoria está plena de causas que geram efeitos opostos, de caracterizações em que convivem qualidades antagônicas, alternando-se, substituindo-se labilmente. Sua análise se detém preferencialmente nos momentos de crise e contradição que marcam o processo de desenvolvimento. É ainda apoiado nas contribuições teóricas e metodológicas fornecidas pelo materialismo histórico-dialético que o autor afirma ser o homem, desde que 5 nasce, orientado por uma necessidade intima, essencial, de convívio com o outro: “o indivíduo, se se compreende como tal, é essencialmente social. É-o, não na sequência de contingências exteriores, mas na sequência de uma necessidade íntima. É-o geneticamente” (WALLON, 1975, p. 156). Dizer que somos “geneticamente sociais” é afirmar que são relações dialéticas estabelecidas entre o indivíduo, os outros e os contextos sócio históricos que formam a humanidade de todos nós. 2.1 A criança e seu desenvolvimento Wallon não estuda a criança como um ser fragmentado, mas como um ser completo e constituinte do meio sociocultural em que vive. Ressalta Wallon, que o ser humano é organismo antes de ser psiquismo, por isso “a maturação orgânica é indispensável para a evolução funcional. Ela deposita nesta, a cada vez, possibilidades que se acrescentam ao material anterior e que não podem ser extraídas dele como um simples efeito de seus mecanismos intrínsecos" (WALLON, 2008, p. 119). Wallon considera a “evolução dialética da personalidade” como uma construção progressiva, onde se realiza a integração das duas principais funções: a afetividade – relacionada ao meio social, as relações “eu-outro”, e a inteligência relacionada ao conhecimento do mundo físico, à adaptação ao objeto. A emoção, o ato motor, e a inteligência são, para o estudioso, campos funcionais que no início da vida da criança são indiferenciados e imaturos. A diferenciação de processos internos à cada campo e dos campos entre si é resultado de processos vinculados às relações sociais e de maturação neurológica. Estes campos estão vinculados entre si, sendo que a predominância de um ou outro, em determinadas idades, caracterizam a dinâmica do desenvolvimento da criança. Wallon indicou a existência de três campos funcionais: a emoção (afetividade), a psicomotricidade (movimento) e a inteligência. A integração destes 3 campos funcionais, no processo contraditório do desenvolvimento, dá origem pessoa “completa” (DANTAS,1990, p. 21). Esta dialética entre continuidade e descontinuidades ou rupturas é explicada por Wallon a partir de princípios gerais que, segundo o autor, orientam 6 o desenvolvimento. São estes: Princípio de Predominância funcional: se refere ao tipo de atividade que predomina em que um dos estágios e dá a esta sua configuração própria; de acordo com Galvão (1995, p 45), “há momentos de predominância da dimensão afetiva, sucedidos por outros, predominantemente cognitivos”. Princípio da alternância funcional: conforme Galvão (1995, p. 45), na “sucessão de estágios há uma alternância entre as formas de atividade que preponderam [...], “invertendo a orientação da atividade e do interesse da criança: do eu para o mundo, das pessoas para as coisas”. Ou seja, há momentos predominantemente cognitivos (conhecimento de muno) e outros afetivos (conhecimento de si). Princípio da Integração Funcional: é este princípio que sustenta a construção dos dois anteriores. Wallon, baseados nos estudos sobre os processos de maturação do sistema nervoso central, parte do pressuposto de que as funções já desenvolvidas não suprimidas, mas são integradas pelas funções mais novas. Conforme Galvão (1995, p. 45): As funções elementares vão perdendo a autonomia conforme são integrados pelas mais aptas para adequar as reações às necessidades da situação. No caso das funções psíquicas, o processo é semelhante ao das funções nervosas: as novas possibilidades que surgem num dado estágio não suprimem as capacidades anteriores. Dá-se uma integração das condutas mais antigas pelas mais recentes, em que estas últimas passam a exercer o controle sobre as primeiras. Enquanto não se consolida essa integração entre as funções, elas ficam sujeitas a aparições intermitentes, que é bastante comum. Este é um processo que se dá pela maturação do sistema nervoso, sendo que as funções mais evoluídas não suprimem as arcaicas, mas exercem o controle. Sustentado nessa concepção dialética de desenvolvimento, Wallon destaca ainda que o desenvolvimento de cada pessoa apresenta ritmos próprios, por isso os parâmetros propostos de duração de cada estágio e as idades que lhes correspondem são sempre “relativos e variáveis em dependência de características individuais e das condições de existência” (GALVÃO, 1995, p. 40). Se o desenvolvimento humano é marcado pela presença de estágios que caracterizam cada uma das idades ou períodos de desenvolvimento, por outro lado, alerta-nos Wallon, estes estágios sucedem-se não de forma linear, mas de modo dialético, marcado por um jogo de alternâncias. 7 2.2 Contribuições de Wallon para a educação e para a educação infantil O objetivo deste subtítulo é discutir as contribuições do autor para a educação e, mais especificamente para a Educação Infantil. Esta pesquisa se junta a tantas outras que procuram refletir sobre a prática pedagógica na Educação Infantil, apresentando a perspectiva psicológica do desenvolvimento tal como foi elaborada por Wallon. Wallon não formulou sua teoria psicológica com o intuito de que esta fosse transformada em um “método educativo”, em que Pedagogia ficasse subordinada a Psicologia. Como já dito anteriormente, as duas instâncias de conhecimento caminham juntas, de forma igualitária. Ainda neste subtítulo destaco as contribuições da teoria walloniana para a educação, Wallon estudou o desenvolvimento da criança destacando o caráter social deste, o que o levou a discutir também os processos e ambientes sociais nos quais vivem as crianças, em particular a educação e a escola. De acordo com Galvão (1993, p. 37), a importância de seus estudos sobre os contextos educativos escolares, deve-se a compreensão do autor de que como meio funcional, o ambiente escolar tem características próprias; aglutina pessoas em torno de um objetivo comum a instrução – e comporta grupos com tendências variadas. Neste sentido difere da família, onde os papéis de cada membro são impostos pelo nascimento, oferecendo um parâmetro único para as relações sociais da criança. Para se perceber como ser autônomo, distinto do grupo familiar, a criança precisa de interações diferenciadas, em que possa, em função de preferências e afinidades, escolher os companheiros e as situações. Outro ponto importante para reconhecer a importância de Wallon para a prática pedagógica na Educação Infantil é sua compreensão da criança como um ser completo, opondo-se a concepções que a tomam como ser fragmentado. Os três campos funcionais – o motor, os afetivos e cognitivos são tratados pelo autor de forma indissociável, uma vez que o desenvolvimento de um necessariamente causa impactos qualitativos nos demais. Como já abordamos anteriormente, o processo de desenvolvimento da criança decorre de seus esforços para superar conflitos e crises decorrentes, 8 tanto de sua origem em diferentes fontes de conhecimento, como de suas condições pessoais e sociais. Nesse sentido, o papel do professor passa ser fundamental, repercutindo também na formação que este deve receber. Segundo Mahoney (2004,p. 10) Ao incorporar esses conhecimentos à formação de professor, o autor sugere ao professor posturas mais abrangentes por incluir em suas decisões não só considerações relativas ao cognitivo, mas também seu impacto sobre o motor e o afetivo. Espera-se assim que professor observe atentamente as crianças de modo a identificar quando e de que forma esses conflitos se manifestam, ajudando as crianças a superarem o mesmo. Tanto no caso da Educação Infantil, como na escola fundamental é importante se destacar que a escola não se limita à instrução, ou seja, à transmissão de conhecimento por um adulto. A criança deve também aprender a pensar criticamente. Portanto, o professor não se torna apenas o mediador entre a cultura e o aluno, mas representante da cultura de determinada sociedade. Para Wallon, o acesso à cultura é função primordial – mas não a única – da educação formal, e é tarefa do professor selecionar entre os saberes disponíveis em cada momento, em cada sociedade, e tornar ou não esses saberes transmissíveis. A educação das crianças pequenas necessita tomar como referência, como bem disse Wallon, os processos de desenvolvimento infantil, referência básica que deve orientar as atividades pedagógicas propostas pelos professores e as necessidades e interesses das crianças. As relações entre os campos funcionais, e as filiações genéticas entre emoção e a razão e motricidade como bem foi demonstrado por Wallon, evidenciam, cada vez mais, a necessidade de se compreender bem estes processos, particularmente com o que é proposto, em termos de currículo para a educação das crianças pequenas. Uma das mais significativas contribuições de Wallon para a Pedagogia e para a educação foi mostrar as relações entre o desenvolvimento cognitivo e a afetividade, ou seja, evidenciar que as primeiras formas expressivas do bebê que são de caráter emocional se constituem como base para a cognição. Logo, ao contrário do modo predominante na educação, a dimensão afetiva faz parte dos processos de aprendizagem. 9 Esta relação é assim explicada por Galvão (1996, p. 38), definindo o homem como ser geneticamente social, a concepção walloniana do desenvolvimento humano propõe a existência de uma complexa imbricação entre os fatores biológicos e sociais. Conforme as disponibilidades de amadurecimento da idade, a criança interage de maneira mais forte com um outro aspecto de seu ambiente, retirando dele os recursos para o seu desenvolvimento e aplicando sobre ele suas condutas; a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente, numa dinâmica de determinação recíprocas. Concluindo esta breve seção introdutória, destacamos o quão foram importantes as contribuições de Wallon para a Educação. Ainda que em sua obra encontremos diretrizes acabadas para a prática pedagógica, ao ler seus livros e escritos fica clara a importância dada a escolarização e aos processos ricos que a escola pode fornecer a criança para seu desenvolvimento. Cabe ao adulto incentivar a autonomia das crianças, propondo situações que as deixem ainda mais curiosas e com muito mais vontade de expressar suas ideias e produções. Gasparin (2013, p. 202) afirma que, o pensamento também vai, gradativamente, construindo-se. O conjunto funcional cognitivo oferece um conjunto de funções para lidar com o meio e resolver as situações da realidade. É responsável pela aquisição, transformação e manutenção do conhecimento por meio das representações, noções, ideias, memória, criatividade, imagens, imaginação; enfim, pelas funções psicológicas superiores que levam o indivíduo a interagir com o seu meio de forma eficiente. O professor deve ter conhecimento de que nessa fase da vida, a criança busca referenciais e imita a conduta de adultos que convivem com ela, buscando mediações para a construção de sua personalidade. Se este adulto tiver ciência disso, ele tenderá a cuidar dos exemplos que transmite a seus alunos, bem como os modos de agir cotidianamente. Segundo Gasparin (2012), se o professor é sabedor de que no estágio do personalismo, além da imitação, a criança se opõe ao adulto para afirmar seu eu, também terá mais recursos para lidar com os argumentos ou o acolhimento das opiniões infantis. Tomará ainda consciência que a criança tem um raciocínio 10 próprio e diferente do adulto, e que muitas vezes sua lógica está adequada para sua possibilidade do momento. O direito de estar na escola e ser ouvido pelo professor deve ser respeitado, de modo que a criança possa se constituir como um ser participativo, inserida em diferentes contextos socioculturais. É muito importante que o professor esteja sempre disposto a ouvir o que a criança tem a dizer, estar focado nas suas necessidades, estabelecimento vínculos afetivos e de troca. Com isto, fortalece a autoestima dos pequenos e também se possibilita a ampliação de suas possibilidades de comunicação e interação social. 3. PSICOMOTRICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL O corpo de uma criança é um espaço infinito onde cabem todos os universos. Quanto mais forem estes universos, maiores serão os voos das borboletas, maior será o fascínio, maior será o número de melodias que saberá tocar, maior será a responsabilidade de amar, maior será a felicidade (ALVES, 1994, p.70). A Psicomotricidade tem a finalidade de assegurar o desenvolvimento funcional, tendo em conta as possibilidades da criança, e ajudar sua afetividade a se expandir e equilibrar-se, através do intercâmbio com o ambiente humano. Diante disso, destaco nesta pesquisa a importância da Psicomotricidade na Educação Infantil como agente de socialização e principalmente da aprendizagem que é um processo global que envolve todo o corpo. Sendo que, a falta desta pode afetar o desenvolvimento da leitura e da escrita nas crianças que estão iniciando a vida escolar, ou seja, a Educação Infantil. Tendo em vista que a Psicomotricidade sob o enfoque psicogenético de Henri Wallon, vem destacar a relação entre a motricidade, a mente e a afetividade que existe na etapa da Educação Infantil e facilitar o desenvolvimento global da criança. A Educação Infantil corresponde à primeira etapa da Educação Básica, e assim considerada essencial, ela dá os fundamentos primordiais desta fase. Tendo grandes responsabilidades no crescimento infantil, porque educar é tarefa difícil e delicada, de um pouco de ciência, de experiência e de muito bom senso, 11 mas, sobretudo de infinito amor e carinho. Dentro desse contexto a escola é vista como ambiente favorável de interação entre a criança e o saber. Ser criança é estudar brincando, conversar e aprender, criar e ensinar, ser e ousar, rir e chorar, assim é a criança na Educação Infantil, fascinante. Compreende o mundo interpretando-o e respeitando-o, vive intensamente, brinca e sem saber constrói conhecimentos importantíssimos que irão acompanhá-la por toda vida. Neste sentido Dornelles (apud CRAIDY e KAERCHER, 2001) afirma que a brincadeira é algo que pertence à criança, a infância. Através do brincar, a criança experimenta, organiza-se, regula-se, constrói normas para si e para o outro. O brincar é uma forma de linguagem que a criança usa para compreender e interagir consigo, com o outro e com o mundo. Brincando a criança (re) significa seu mundo, posto que o início da capacidade de significar não está nas palavras, mas nas brincadeiras. Enquanto brinca a criança, o jovem ou o adulto experimenta a possibilidade de reorganizar- se internamente de forma constante, pulsante, atuante e permanente. Por isso, incentivar as brincadeiras na Educação Infantil é uma tarefa indispensável ao educador, pois na atividade lúdica o que importa não é apenas o produto da atividade, o que dela resulta, mas a própria ação, o momento vivido, possibilitando quem vivencia momentosde fantasia e de realidade. Ressalta-se a ideia de que é preciso que os Educadores (Profissionais de Educação) reconheçam o real significado do lúdico, estabelecendo relações entre o brincar e o aprender a aprender. O desenvolvimento psicomotor se processa de acordo com a maturação do sistema nervoso central, assim a ação do brincar não deve ser considerada vazia e abstrata, pois é dessa forma que a criança capacita o organismo a responder aos estímulos oferecidos pelo ato de brincar, manipular a situação será uma maneira eficiente da criança ordenar os pensamentos e elaborar atos motores adequados a requisição (VELASCO, 1996, p.27). Na Educação Infantil a criança tem que ser criança, poder brincar, amar, conhecer interagir, pois a criança se desenvolve brincando. Sendo assim, o desafio e o faz-de-conta, precisam estar presentes constantemente na rotina escolar. É fundamental a boa acolhida, a segurança o espaço para a emoção, a sensibilização, a expressão, como também, a ampliação das habilidades, o 12 desvendar do corpo e do espaço na formação da identidade e autonomia de cada um. Piaget (1987 apud OLIVEIRA, 2000), estudando as estruturas cognitivas, descreve a importância do período sensório motor e da motricidade, principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. O desenvolvimento mental se constrói através de uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para ele, significa uma compensação, uma atividade, uma resposta ao sujeito, frente às perturbações exteriores ou interiores. A descoberta do corpo, das sensações, dos limites e movimentos é muito importante para a criança da Educação Infantil, pois nesta etapa ela está construindo a sua imagem corporal. Assim, ela precisa descobrir seu corpo e também o corpo do outro. As atividades psicomotoras são essenciais para que ocorra esta construção, pois brincando e explorando o espaço, ela se organiza tanto nos aspectos motor e sensorial, como emocional, ampliando seus conhecimentos de mundo. Neste momento, a linguagem corporal é a forma de comunicação mais utilizada pela criança. Kyrillos e Sanches completam dizendo que, Na Educação Infantil começamos a exploração intensa do mundo, das sensações, das emoções, ampliando estas vivências como movimentos mais elaborados. A linguagem corporal começa então, a ser substituída pela fala e pelo desenho, no entanto, é essencial que continue sendo explorada. O trabalho com movimentos e ritmos, de grande relevância para a organização das descobertas feitas, torna-se mais sofisticado. Nesta etapa, a atenção é voltada para o desenvolvimento do equilíbrio e de uma harmonia nos movimentos (2004, p.154). A função motora, o desenvolvimento intelectual e o afetivo estão intimamente ligados na criança. A Psicomotricidade quer justamente destacar a relação entre a motricidade, a mente e a afetividade que existe na etapa da Educação Infantil e facilitar o desenvolvimento global da criança. 3.1 Educação Psicomotora Sob o Enfoque Walloniano 13 Considera-se a teoria de Wallon bastante fértil para a ciência psicomotora, pois esse autor, ao estudar o desenvolvimento infantil, deu ênfase à motricidade, encontrando nesta a origem da emoção e da razão. São diversas as temáticas da psicomotricidade que podem ser abordadas a partir de Wallon (1925, 1934, 1941), a exemplo da formação da imagem corporal e dos distúrbios psicomotores; optamos, porém, nesta oportunidade, por refletir sobre os rumos mais gerais que a Educação Psicomotora tende a assumir ao adotarmos a psicogenética walloniana como referência básica. Podem-se distinguir dois tipos de intervenção em psicomotricidade: a terapêutica e a educativa. No primeiro âmbito, encontram-se a reeducação psicomotora, a terapia psicomotora e a clínica psicomotora. No segundo, fala-se em Educação Psicomotora, a qual tem um caráter eminentemente preventivo, facilitador do desenvolvimento do sujeito, em geral, aplicada às crianças em situação movimento através da ação espontânea ou organizada a priori. Beneficia-se a integração de si em relação com o outro e ao meio em geral. A reflexão que se segue, de Rubem Alves sobre Educação, é pertinente à Educação Psicomotora; inclui a corporeidade, o prazer e a vida. Assim, a inteligência e qualquer Ciência que ela venha a produzir só podem ser avaliadas em função de sua relação com a vida. Os corpos ficam mais felizes? Suas possibilidades de sobrevivência como indivíduos e como espécie aumentam? (Alves, s/d, p. 21). Segundo Carvalho, A educação psicomotora se coloca no sentido de uma educação que não se restringe apenas ao saber escolar ou então, ao aperfeiçoamento específico da motricidade, porém, dirige-se à formação da personalidade, à sua expressão e organização através das atividades humanas de relação, realização e criação. Esta compreende a educação do ser humano nos seus aspectos corporais, motores, emocionais, intelectuais e sociais (1996). A prática educativa em Psicomotricidade tem tido um papel importante na educação da criança em seu meio escolar, visto ser coadjuvante das aprendizagens escolares (Nascimento, 1986). Destaca-se, ainda, sua importância dada a sua ação preventiva (Le Boulch, 1987), inclusive em nível de saúde mental. 14 Essa prática psicomotora é correntemente desenvolvida nas escolas sob a designação “Psicomotricidade”, o que, muitas vezes, oculta sua fundamentação, transformando-a em uma prática desregulamentada, ingênua e inócua, muito embora existam diversas publicações sobre a matéria, como as de Vayer (1977), Lapierre (1977), Cabral, Lanza e Tejera (1988) entre outras, baseadas em contribuições teóricas diversas, em geral, psicogenéticas e psicanalíticas. O exercício da Educação Psicomotora, segundo nosso entendimento, exige um engajamento mais amplo no sentido da compreensão de homem e na adoção de uma dada pedagogia. Não pode estar desvinculada, solta, como meras atividades a serem executadas mecanicamente. Ademais, precisa ser fundamentada na compreensão dos processos de desenvolvimento psicológico. A Educação Psicomotora, para nós, está incluída em um projeto mais amplo de educação que considera o conhecimento em relação à vida e que proporciona tanto a descoberta do mundo exterior, das coisas, do mundo objetivo, quanto a descoberta do mundo interno, o autoconhecimento, a auto-organização, sendo ambos preciosos para o desenvolvimento. Dirige-se a pessoa em sua totalidade e compreende aspectos motores (agir), emocionais (sentir) e intelectuais (pensar), em uma dialética interna que se fundamenta nos níveis orgânicos, sociais e psicológicos do ser humano, em toda sua complexidade. A Educação Psicomotora, conforme o exposto, é compatível com a teoria psicogenética de Wallon na medida em que respeita a complexidade do ser humano, compreendendo-o em sua multidimensionalidade psíquica, corporal e social, propondo-se a superar as dicotomias corpo-mente, indivíduo-sociedade e razão-emoção, heranças da visão cartesiana de homem que perpassa diversas reflexões ocidentais. Segundo Galvão, O projeto de sua psicogenética é o estudo da pessoa em sua totalidade, considerando suas relações com o meio (contextuada) e em seus diversos domínios (integrada). (1993, p. 33). Contrário ao procedimento de se privilegiar um único aspecto no desenvolvimento da criança, Wallon o estudou em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, procurando mostrar quais são, nos diferentes momentos do 15 desenvolvimento, os vínculos entre cada um e suas implicações com o todo representado pela personalidade. O enfoque psicogenético enfatiza a gênese das funções psicológicas, considerando o desenvolvimento como uma construção progressiva resultante da inter-relação indivíduo-meio e que apreendeo desenvolvimento através de estágios. É característica de Wallon definir o desenvolvimento da pessoa em campos funcionais. O movimento, a afetividade e a inteligência constituem a tríade que o autor toma como referência constante para buscar compreender a construção do Eu, da personalidade e do homem enquanto ser biológico e social. Foi projeto de H. Wallon estudar o homem em sua complexidade, em uma perspectiva multidimensional e integrada. Resultou deste uma concepção de desenvolvimento não homogêneo e não linear, visão compatível com a dialética que permeia seu pensamento. Os estágios, em sua sucessão, aparentam oposição, ou alternância funcional dos polos afetivos-emocionais e cognitivos, ora com a predominância de um, ora de outro campo funcional da atividade infantil. Trata-se de uma espécie de lei que rege o desenvolvimento, da infância à adolescência. Na visão de Wallon, constata-se a simultaneidade dos progressos intelectuais e mudanças operadas no domínio da personalidade. Além do mais, vale ressaltar que, para Wallon (1951), o meio mais importante para a formação da personalidade não é o meio físico, mas o meio social. Sob tal perspectiva, compreendemos que a Educação Psicomotora deve visar, antes de tudo, às funções comunicativo-afetivo-sociais (motricidade de relação) dos movimentos de seus sujeitos, ou seja, privilegiar a interação educador-educando e educando-educando em nível psicomotor, através de gestos, atitudes e posturas que instauram um verdadeiro diálogo corporal apreendido nas formas sensório-motoras e intuitivo-emocionais. A primeira função do movimento apontada por Wallon em sua psicogenética no estágio tônico emocional é a de promotora do vínculo social. O autor vê na agitação e choro do bebê um recurso que mobiliza o adulto emocionalmente a fim de que as necessidades da criança sejam seguramente atendidas. Esse é um mecanismo bem primitivo do neonato, que, dada a imperícia inicial de sua motricidade, apela ao outro para garantir o elo e os 16 cuidados necessários à sua sobrevivência. É no contato mãe-bebê que se instala o diálogo tônico corporal. Brétas esclarece o sentido deste “...diálogo, visto que a criança se comunica, tônico, porque é uma comunicação estabelecida a partir dos tônus musculares, e não verbal e emocional, dada a emoção como base estruturante. ” (2000, p. 37) Podemos conferir, através das palavras de Wallon, o caráter afetivo dos primeiros gestos do bebê: Os primeiros gestos que lhe são úteis são, deste modo, gestos de expressão, não sendo ainda os seus atos susceptíveis de lhe oferecer diretamente alguma das coisas indispensáveis. Aliás, isso é um modo de expressão que permanece completamente afetivo, mas cujas variações podem, finalmente, responder a toda a gama de emoções e, por seu intermédio, a situações variadas das quais a criança toma assim uma consciência talvez confusa e global, mas veemente (1975, p. 77). Essa função do movimento, afetiva, que garante o elo, o vínculo social, ocorre também em idade posterior, por exemplo, quando a criança imita os gestos de outras crianças. A atitude imitativa assegura o elo com os iguais, facilitando a identificação com parceiros. Essa atitude, inicialmente intuitiva, apenas segue o fluxo rítmico dos movimentos do outro, que logo transbordarão, porém, para níveis de cognição mais elevados, ampliando sua aprendizagem. A imitação, a princípio vinculante afetiva, propicia a passagem ao cognitivo. Ela é um instrumento de aprendizagem social. Fonseca (1987) entende a imitação, conjunto de gesto e símbolo, como um ato pelo qual a criança se integra ativamente aos modelos sociais. A função vinculante da psicomotricidade, ou como a denominamos, motricidade de relação, é prioritária no trabalho de Educação Psicomotora; irá facilitar a inserção da criança no mundo, tanto nos níveis afetivos como cognitivos. Em primeiro plano, desperta-se a confiança de que suas necessidades serão atendidas, de que é compreendido e, no segundo, o sentido da pertinência, filiação, desafios ditados pelo outro que irão aguçar e apelar para o desenvolvimento cognitivo, para a inteligência. 17 Desdobramentos especialmente importantes em Psicomotricidade da função vinculante da motricidade dos sujeitos, que integra a diferenciação eu- outro, favorecendo a construção da pessoa, de sua identidade em níveis mais básicos referem-se à organização corporal, são a imagem e o esquema corporal. No momento, porém, nos restringiremos apenas a registrá-los, deixando a sua discussão para outra oportunidade, dada a complexidade e a atenção que esse tema merece. Uma vez “garantidos” os vínculos sociais e afetivos com o educador e com os parceiros, convém deslocar o eixo da Educação Psicomotora para o mundo dos objetos, para o qual o movimento, tornado ação do sujeito, será catalisado. Este irá favorecer a descoberta e exploração do ambiente físico, definindo, assim, uma motricidade de realização, isto é, de ação sobre o real. Torna-se, desta feita, possível, a contínua adaptação da criança ao meio cultural. Produzido pelo homem ao longo de sua história; o exercício de sua inteligência se volta para o crescente domínio da cultura, por cultura em toda a sua extensão. É no período sensitivo-motor (1-2 anos) que Wallon (1941) identifica a orientação predominante da criança, do seu agir voltado para o mundo objetivo, que diz mais respeito ao mundo físico que ao meio social. Wallon reconhece, nesse período, a ocasião em que se integram os diferentes campos sensoriais, de extrema importância na tomada de consciência pela criança da noção do próprio corpo, assim como da percepção do mundo exterior. Conforme destaca Dantas (1992), são os movimentos voluntários ou práxicos, cujo controle ocorre em nível cortical pelo sistema piramidal, possibilitando a integração dos mecanismos de marcha, preensão e capacidade de investigação ocular sistemática, que caracterizam o período sensório-motor de exploração do ambiente. Nesse momento, figura de maneira preponderante a dialética homem e versus mundo; indivíduo e versus cultura. Wallon é categórico a esse respeito: “...não há reação motora ou intelectual que não implique um objeto fabricado pelas técnicas industriais, pelos costumes, pelos hábitos mentais do meio. A atividade da criança só pode efetuar-se a propósito e por intermédio de instrumentos que lhe forneçam tanto o aparato material quanto a linguagem em uso ao seu redor. ” (1959, p. 150) 18 Cabe ao educador envolver os educandos no meio físico-cultural, desafiá-los para que este seja explorado, descoberto, observado, pesquisado e transformado. É o momento de aguçar os sentidos dos educandos, de mobilizá- los (fazê-los moverem-se), de estimular a curiosidade e incentivar a criatividade. O empreendimento da Educação Psicomotora é alternar sucessivamente a construção do sujeito da afetividade na relação com outros sujeitos (a base do acesso ao mundo simbólico) com a construção da realidade pelo sujeito epistêmico na relação com o real (universo físico, simbólico, conceitual), construções essas sempre mediadas pelo outro e pela linguagem. O desenvolvimento da motricidade de relação e a da realização pertencem ao universo da Educação Psicomotora, conforme nos sugeriu a leitura da psicogenética de H. Wallon. Trata-se de um trabalho que envolve o sujeito, os outros (entre os quais a figura do educador destaca-se como mediador) e os objetos (produções histórico-culturais), que podemos destacar que o Universo da Educação Psicomotora está propriamente voltada no primeiro momento para Motricidade da relação, cujo predomínio da ação (psicomotricidade) é de caráter afetivo, voltado à construção do Eu. E no segundo momento para Motricidade de Realização, cujo predomínio da ação (psicomotricidade) do sujeito é de carátercognitivo, voltado à construção do Mundo. Aí situada, a Educação Psicomotora é um processo educativo que, por meio do corpo e do movimento do sujeito, tomados como ação psicomotora deste, dirige-se ao Outro, às relações sócio afetivas, priorizando-as por meio da instauração do diálogo tônico-corporal, do olhar, gestos e posturas, mímicas e imitações entre outros instrumentos próprios da psicomotricidade. Uma possível ilustração de jogo que envolve esses elementos e é integrador do ponto de vista do sujeito em seu grupo são as brincadeiras de roda. A Educação Psicomotora dirige-se igualmente à cultura, ao seu universo físico e conceitual, às relações com o meio em que a cognição emerge primordialmente, de modo que o sujeito possa, ele próprio, descobrir o mundo e produzir no mundo por meio de manipulação, contato, exploração, construção e desconstrução dos objetos. Uma possível ilustração desse gênero de atividade que envolve esses elementos são os jogos de construção, tipo pequeno engenheiro, que apresentam tijolinhos para a criança construir castelos, casas, muros e o que mais a sua imaginação lhe permitir. 19 Embora possamos falar e identificar momentos de motricidade de relação “pura”, como é o caso da relação mãe-bebê, ou de enamorados, e, embora possamos falar e identificar momentos de motricidade de realização pura, como quando utilizamos corretamente um talher para nos alimentar, em geral encontramos um misto destas. Assim, podemos formular que há um diálogo possível entre motricidade de relação e de realização, do mesmo modo que ocorre interação entre afetividade e inteligência ou cognição. Finalizando, em síntese, podemos dizer que a Educação Psicomotora com base na teoria walloniana é um processo que acompanha e promove o desenvolvimento da criança e dos jovens em suas vicissitudes, centralizada em sua atividade e distribuída em campos funcionais, a saber: a motricidade, a cognição e a afetividade. À Educação Psicomotora cabe prover os recursos sociais, afetivos, linguísticos, culturais, físicos, espaciais, materiais e pedagógicos que permitam ao sujeito estabelecer uma interação rica com seu meio, mobilizando nestes elementos para seu desenvolvimento a partir dos recursos que ela própria dispõe em determinado momento e respeitando suas necessidades e tendências, que podem estar orientadas mais para si (centrípetas) e/ou mais para o mundo (centrífugas). Podemos, mesmo, falar em uma primazia da motricidade de relação sobre a motricidade de realização, destacando-se que, no desenrolar da Educação Psicomotora, esta deve atender ao princípio da alternância funcional do desenvolvimento, conforme concebido por H. Wallon. 3.2 A linguagem corporal na educação infantil A linguagem corporal diz respeito aos aspectos do corpo com ênfase nos movimentos, na expressividade, nas sensações, na saúde e na sexualidade. Assim, ao andar, correr e saltitar, a criança manifesta sua linguagem corporal, através dos movimentos; ao dramatizar, interpretar, dançar, expressar sentimentos, desejos e necessidades, quando comunica bem-estar e mal-estar, a linguagem corporal manifesta é a expressividade e as sensações. 20 Wallon (1995), ao tratar da socialização das crianças, afirma que a princípio, o movimento tem uma função expressiva, comunicada por gestos e expressões, assim a criança utiliza seu corpo para dialogar com o outro. Mais tarde o movimento passa a ter uma função instrumental, conhecer e explorar o mundo. E é por meio da exploração dos objetos que ela começa a compreender as relações que pode estabelecer entre eles. Lapierre e Aucouturier (2004), afirmam que há um momento decisivo no desenvolvimento da criança que se dá a partir do momento em que a preensão voluntária sucederá ao agarrar de forma reflexa. Pegar, não é mais receber, é a primeira manifestação de um ser que se afirma como sujeito. Já é a primeira escolha, o nascimento de um pensamento consciente, não formulado, mas expresso no ato. É a descoberta de um poder sobre os objetos, sobre o mundo, sobre o outro, poder que se exerce por intermédio de um poder sobre o próprio corpo (LAPIERRE E AUCOUTURIER, p. 51). Na criança, o ato motor exerce uma importante função na cognição e na afetividade. Ele vai além do simples ato de mexer o corpo ou deslocar-se nos espaços. É o meio pelo qual a criança reage aos estímulos exteriores, assumindo diferentes posturas conforme as sensações que experimenta. Essa capacidade amplia a interação entre os homens, porque a criança utiliza o corpo para dialogar com o outro. Ao se movimentar, a criança expressa sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando suas possibilidades no uso de gestos e posturas corporais. Ela interage utilizando o corpo como apoio para se expressar e se comunicar, agindo sobre o ambiente humano e o meio físico. Essas ações lhe permitem descobrir o efeito de seus gestos sobre os objetos e gradativamente seus atos tornam-se instrumentos para atingir fins no mundo exterior. É por meio do jogo com os objetos que a criança descobrirá seu corpo, e vivenciando o próprio corpo aprenderá a dominá-lo. Nas ações sobre os objetos, que se dão por meio dos gestos, várias conquistas são adquiridas, dentre elas a coordenação sensório motora, a consciência corporal e o desenvolvimento dos gestos simbólicos, potencializadas por meio das interações sociais e das brincadeiras. O movimento dá suporte à representação, na medida em que torna presente um objeto ou uma situação por meio dos gestos, utilizando-se da imitação (WALLON, 1995). 21 Dessa forma, os gestos tornam-se simbólicos, e nas brincadeiras iniciais de faz de conta recorresse a eles, como por exemplo, ninar uma boneca somente embalando-a, usar uma tampa de panela para representar a direção de um carro, uma vassoura para representar um cavalo, dentre outras situações. Em muitos desses momentos, a imitação está presente e desempenha um importante papel no desenvolvimento integral do indivíduo. Ao imitar os papéis desempenhados pelos adultos, ela começa a entender como se dão as relações sociais. Nesse momento, a criança também começa a reconhecer sua imagem corporal, percebendo suas características físicas, fator importante para a construção de sua identidade. Gosta de dançar, cantar, dramatizar, imitar, criar, oportunidades privilegiadas para o desenvolvimento de habilidades no plano motor, além de representarem um excelente instrumento para as crianças se apropriarem dos significados expressivos do movimento. Batista e Vieira (2013) afirmam que motricidade e aprendizagem caminham juntas e que o desejo de aprender é um componente secundário do agir, do desejar ser. Com o corpo conhecemos o mundo, nos movimentamos, expressamos sentimentos e emoções, experimentamos sensações, a sexualidade, enfim, expressamos nossa subjetividade. O que define o corpo são os significados culturais e sociais que a ele se atribuem, então, além de aprender a andar, a falar, a comer, a criança aprende a maneira de andar, de se comportar, o gosto por determinados alimentos, o manuseio de artefatos, portanto, a cultura molda nossos gestos, nossa forma de nos expressar. O corpo é tanta construção biológica como construção cultural. Morato e Holanda (2016) ressaltam que Santos valoriza o corpo e o movimento na educação das crianças na constituição da subjetividade. Através do corpo as sensações e as impressões vão se tornando conscientes. Seu espírito investigativo e curioso lhe permite sentir e viver o prazer ou desprazer de suas descobertas porque a criança é inteira naquilo que faz. Na relação com os pares, vão se configurando os sentimentos ambíguos de aprovação, desaprovação, pertença, cuidado, principalmente com crianças mais novas e, assim, gradativamente descobrem o que pode ou não pode no convívio com os outros.O corpo, além de ser uma construção pessoal, é também social e política (TIRIBA, 2005). 22 Compreender o caráter expressivo das manifestações psicomotoras das crianças deverá ajudar o professor a planejar sua prática a partir de suas necessidades. Nesse sentido, ao realizarmos atividades sensoriais, expressivas e de movimentos corporais com as crianças, estaremos viabilizando que as mesmas desenvolvam sua noção espacial, autonomia e independência. Portanto, estimular a linguagem corporal é possibilitar que a criança conheça a si mesma e ao mundo em que vive. Querer reprimir a “agitação” das crianças em nome de uma educação que se pretende ser racional, no silêncio, na imobilidade e no empobrecimento das experiências motoras espontâneas em relação ao objeto, ao espaço e ao outro, é uma heresia. É privar a criança de seu meio de desenvolvimento mais autêntico, é desvalorizar toda atividade criadora e toda busca pessoal espontânea (LAPIERRE e AUCOUTURIER, 2004, p. 52). Cabe, então, a cada instituição de educação infantil proporcionar experiências que considerem os movimentos, as sensações e as expressividades do corpo como manifestações culturais e de aprendizagem. Por esse motivo é tão importante valorizarmos as brincadeiras infantis, o teatro, a dança, o pular, o rolar, o subir e tantas outras formas de expressão que favoreçam a construção de saberes. Aos profissionais da educação infantil cabe desenvolver atividades de autocuidado, higiene pessoal, troca de fraldas, uso do banheiro, cuidado com o ambiente e com a natureza, faz de conta, recolhimento de brinquedos, deslocamentos dentro ou fora das salas de atividades, ou até mesmo fora da instituição e tantas outras vivências em que as crianças tenham a possibilidade de se expressar através do ato motor. É importante ressaltar que, sendo o corpo uma construção social, como tão bem afirma Tiriba (2005), as crianças negras, as crianças com deficiência, as crianças gordas, muito magras, muito altas, precisam ter seus direitos garantidos, respeitados e, acima de tudo, suas condições físicas valorizadas para que possam construir uma autoimagem positiva, respeitando a si e ao outro, aprendendo a reconhecer e a respeitar a diversidade social. A construção de todo tipo de conhecimento inicia-se no corpo e a Educação Infantil não pode deixar a linguagem corporal fora de seu currículo, priorizando as atividades sensoriais, expressivas e de movimentos corporais. 23 Portanto, estimular a linguagem corporal é possibilitar que a criança se conheça e conheça o mundo. Ao falarmos em linguagem na educação infantil, há ainda uma forte tendência de restringir-se esse trabalho à linguagem verbal escrita, desconsiderando as demais linguagens, que também exercem uma forte influência no desenvolvimento. As práticas pedagógicas na educação infantil devem privilegiar não apenas uma linguagem, mas as múltiplas linguagens das crianças. Nesse sentido, o trabalho a ser desenvolvido deve promover a inclusão das crianças em diferentes linguagens e favorecer o domínio em diferentes gêneros e formas de expressão. Dado o alcance que a questão motora assume para o desenvolvimento integral da criança é importante que as instituições de educação infantil reflitam sobre o espaço dado à linguagem corporal em todos os momentos de rotina diária, incorporando também os significados que as famílias lhe conferem. 3 A música desenvolve a motricidade A prática musical tem sido amplamente divulgada, sobretudo, após a aprovação da lei que volta a incluir a música no currículo da escola básica. São tantas as vantagens, que vale a pena enumerar e comentar alguns aspectos relevantes no desenvolvimento infantil, considerando a exposição das crianças às atividades musicais. O objetivo deste texto é tornar claras as razões que fazem da música uma das atividades mais completas e prazerosas que o ser humano pode experimentar É o convívio com nossos semelhantes que nos torna seres conectados com o mundo, capazes de compreender a ideia do outro e de manifestar nossas próprias ideias. É na troca de experiências que a criança é iniciada no mais maravilhoso mistério da vida: somos iguais e, ao mesmo tempo, diferentes do outro. São as semelhanças e diferenças que estabelecem laços, unindo pessoas que se identificam através de algo em comum e que, por sua vez, sendo cada pessoa única e singular, descobrem coisas diferentes a acrescentar. 24 A música congrega semelhanças e diferenças. Ao cantar com os colegas, a criança pratica uma ação coletiva, o que a faz sentir-se parte de um todo; por outro lado, a canção pode favorecer a livre expressão como: fazer gestos, caretas e outras ações que oportunizam a cada um mostrar seu próprio jeito de reagir diante da mesma situação. A percepção de mundo da criança é ditada pelas emoções, portanto, altamente comprometida com a sensação de conforto/desconforto, prazer/desprazer, promovendo a atração natural pelo que lhe é agradável, e o repúdio ao que lhe é desagradável. O professor que trabalha com a criança pequena é, acima de tudo, um provocador de afetos; sem despertar o prazer e a sensação de acolhimento no grupo, a criança se fecha à interação e à alegria de descobrir o conhecimento novo. A música é fonte genuína de emoção, tão pura que, muitas vezes, até dispensa palavras, deixando por conta das relações sonoras a capacidade de provocar alegria, tristeza, vontade de dançar, vontade de dormir, vontade de fantasiar. Os bebês reagem bem aos acalantos, adormecendo mais facilmente ao som das canções de ninar. Isso ocorre porque, mesmo sem conhecer o significado das palavras, eles conhecem o caminho da emoção. Embalado pelo aconchego da cantiga doce, os bebês percebem o acalanto como um agasalho sonoro — um cobertor de ternura. As ações e movimentos do corpo tendem a explicar o funcionamento do cérebro humano. Essa é a teoria do psicólogo francês Pierre Janet, cuja obra foi criteriosamente estudada por Piaget e outros inúmeros estudiosos do comportamento humano. É significativo o fato de o primeiro estágio de desenvolvimento mental, na classificação de Piaget, ser denominado de “sensório-motor” — fase em que a descoberta do mundo se dá através da experimentação dos sentidos, o que implica, fundamentalmente, movimento. A motricidade ativa áreas cerebrais de importância primordial para a percepção e compreensão do entorno. Segundo Dalcroze, é através do movimento que a criança elabora as mais diversas questões, favorecendo sobremaneira os processos mentais. Sem dúvida, o entendimento harmonioso do corpo transformado em movimento é música para ver, porque a dança é movimento que implica tradução sonora. Dançar é desenhar a música com o corpo. Os gestos, quando vinculados à canção, oportunizam uma experiência sensorial, motora e concreta 25 — uma maneira esplêndida de corporificar o som. Os movimentos corporais, uma vez sincronizados com a música, além de colaborar com o fortalecimento da musculatura e o desempenho físico de modo geral, traz implicações expressivas no que se refere ao senso rítmico e coordenação motora das crianças. Canções que exploram movimentos locomotores, no formato “marchinha” apresentando inúmeras variedades de deslocamento, além de canções que oportunizam ações como: agachar e esticar, saltar e deslizar; girar em direções contrárias, dentre outras, constituem valioso repertório na tarefa de musicalizar. O aprendizado da língua materna ocorre mais facilmente para crianças que convivem num ambiente acolhedor. Ao falar, estabelecemos variações quanto à duração, à altura e à intensidade dos sons. São essas características que o bebê percebe, pois realiza a leitura da palavra por meio do tom de voz e expressão facial. A música reforça o caráter emotivo das palavras. A canção exalta a palavra,através de recursos sonoros como o ritmo, a rima e, claro, a própria melodia, que favorecem a aquisição de vocabulário, ludicidade e prazer. A junção música/palavra norteia a criança já inserida no mundo da linguagem para a prática musical e, ao mesmo tempo, facilita a entrada dos bebês no mundo da comunicação A prática musical estimula o cérebro inteiro, razão pela qual beneficia vários campos da aprendizagem, tornando a criança naturalmente receptiva às mais diversas áreas do conhecimento, além de favorecer habilidades e competências. Dentre as inúmeras zonas cerebrais que a música intervém de forma positiva, está o “Lobo Parietal”, responsável pelas sensações táteis e pelas habilidades de natureza matemática. O discurso musical está diretamente relacionado ao tempo — aspecto do parâmetro sonoro “duração”, que, na linguagem musical, adquire importância primordial. A música é conduzida por uma medida de tempo, que conhecemos por pulsação, porque lembra a pulsação do nosso coração. Essa pulsação, ou pulso, é mantida enquanto a melodia brinca com o ritmo, variando com desdobramentos do pulso, ora dobrando o tempo, ora dividindo-o. Sendo a música convidativa à ação, através de uma canção a criança tem a chance de experimentar, de forma sensorial, com gestos e movimentos em geral, noções básicas de proporção. 26 Todos sabem que é mais fácil memorizar versos do que qualquer trecho escrito em prosa. Os versos possuem uma estrutura rítmica com cadência característica, além do uso de rimas, que pela semelhança sonora estimula o reconhecimento de palavras. É a musicalidade dos versos que instiga a capacidade de memorizar. A música lida com todos os elementos presentes nos versos, acrescida da melodia, segundo o pedagogo musical suíço Edgar Willems (1970), é a principal responsável pela estimulação emocional. “A linha melódica tem caráter afetivo”, ressalta Willems (1970), quando afirma que a música intervém nas três áreas vitais do ser humano, ou seja, no campo fisiológico, afetivo-emocional e racional. A memória do som apoia-se, sobretudo, na capacidade que têm as células de receber impressões. Para cada órgão sensorial há uma memória particular vinculada ao sistema nervoso. A canção é uma expressão completa que, como bem afirmou Willems (1970), envolve todos os campos do desenvolvimento humano; é, portanto, facilmente memorizada e possibilita treinar a memória aplicada a qualquer área de conhecimento. Isso justifica, inclusive, o fato de crianças pequeninas entoarem melodias antes mesmo de aprender a falar. O “Lobo frontal” é a área cerebral relacionada ao pensamento, planejamento e movimentos voluntários. A música intervém diretamente nessa região nobre do cérebro, responsável pelo processamento e retenção de informações, bem como pela resolução de problemas e demais processos cognitivos. A linguagem musical oferece diversos padrões: há padrões rítmicos, melódicos e harmônicos, que, uma vez conjugados, oferece uma complexa rede de informações. A diversidade de padrões explorados através da experiência musical alimenta o cérebro, fortalecendo a atenção e a capacidade de pensar e planejar. Um fato curioso é que quanto mais o cérebro escuta, mais capacidade de ouvir ele adquire, aumentando, também, a disposição para músicas cada vez mais complexas. Quanto mais precocemente os bebês são submetidos à audição de música erudita, mais rapidamente reagem de maneira positiva a esse padrão de música. Uma boa seleção de repertório dos clássicos mestres da música erudita é uma excelente opção para o estímulo cerebral dos pequeninos. Obras como: “O carnaval dos animais”, de Saint-Saëns; “Suíte Quebra-nozes”, de Tchaikovsky; “Quadros de uma exposição”, de Mussorgsky, dentre outras, são bastante apropriadas à audição de crianças em fase de educação infantil. 27 A música, expressão artística completa e plena de estímulos, ativa, de modo especial, um dos aspectos mais importantes na formação da criança: o uso da imaginação, que influencia diretamente na criatividade. Ao ouvir uma obra musical, a criança simplesmente liberta-se de outros estímulos exteriores à música e reage operando com todos os sentidos canalizados na escuta. Essa percepção do todo é propícia à ação criativa. A criança é transportada do mundo real para o mundo imaginário, promovendo a interação da música com seu universo particular, constituído pelas experiências vividas por ela, até então. Cabe aqui ressaltar a importância da música instrumental, porque sem as palavras para mediar a ação, as crianças ficam ainda mais à vontade em sua imaginação sonora. A experiência estética sensibiliza o ser humano. Sensibilizar significa, literalmente, estimular os sentidos, e o uso dos sentidos é ponte que liga o mundo interior de cada um ao mundo exterior que o rodeia. Sabemos que a realidade é construída com base na percepção de nossos sentidos, totalmente comprometida com o campo emocional. Isso justifica o fato de pintores famosos como Van Gogh e Monet pintarem girassóis tão diferentes. O estímulo real é o mesmo: girassóis, mas a pintura de Monet retrata leveza e suavidade, enquanto a de Van Gogh exprime dor e tristeza. Fica claro que o artista não pinta o que vê, pinta o que sente. Na tarefa de desenvolver a sensibilidade estética é importante expor à criança a variedade de estilos e gêneros musicais. Essa diversidade garante um rico cardápio estético. Do mesmo modo que o corpo precisa de diferentes tipos de alimentos para crescer saudável, a mente necessita alimentar-se de diferentes padrões estéticos musicais para enriquecer sua percepção de mundo. Cada gênero musical apresenta singularidade, quanto ao timbre dos instrumentos, à estrutura da obra, à textura sonora (massa sonora maior ou menor), etc. Convém lembrar que a inclusão de músicas que impliquem peculiaridades culturais, a exemplo de canções indígenas e africanas, são muito bem recebidas pelos pequenos e também contribuem para o enriquecimento estético. Sem dúvida a música pontua os momentos mais significativos de nossa vida: os acalantos da hora de dormir, as cantigas de roda das brincadeiras infantis, as canções que festejam o calendário com repertórios característicos, a exemplo das festas juninas, da páscoa, do natal, etc. Assim como nos filmes, nossa vida tem trilha sonora, e é nossa parceira nos momentos de introspecção e 28 nos momentos festivos. Essa linguagem artística misteriosa e meio mágica, que é a música, provoca encantamento, acalma, alegra, adormece. A música parece acompanhar a história da humanidade sempre como atributo do bem, quer nas referências bíblicas, quer nas narrativas folclóricas ou, ainda, na história da filosofia, que esboça o pensamento humano ao longo dos séculos. 4 GESTÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA Proponho neste capitulo, finalizar e levantar indagações sobre o currículo a respeito das experiências e os direitos de aprendizagem no contexto das práticas cotidianas das instituições de educação infantil além de ressaltar os tempos que não podem faltar na educação infantil. Dento em vista a Proposta Curricular para a Educação Infantil, fundamentada nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução CNE/CEB nº 05/09, Art. 4º), concebe a criança como sujeito histórico e de direitos, que nas interações e práticas cotidianas vivencia, deseja, brinca, aprende, narra, questiona, constrói sua identidade pessoal e coletiva sobre a natureza e a sociedade produzindo cultura, bem como evidencia a importância do convívio das mesmas em ambiente escolar que possibilite experiências ricas que contribuam para sua formação. Pensar a criança nessa perspectiva é compreender a importância da experiência para além da atividade, do previsível, repetitivo, mensurável, mas como um direito da criança de ser e estar no mundo, como um sujeito que observa, quebusca respostas para o que vivencia, que explora, que está aberto ao novo, ao desconhecido, percebendo, através das interações, os resultados de suas ações sobre a realidade, as transformações que ocorrem nos objetos, pessoas, lugares e em tudo que está a sua volta. É imprescindível que as instituições de educação infantil estejam atentas aos direitos de aprendizagem da criança, consideradas como centro do planejamento curricular em que sejam contempladas e acolhidas as suas falas, seus desejos e necessidades, curiosidades e encantos, suas escolhas e iniciativas, suas singularidades e suas formas de expressar e de conhecer o mundo físico e social. Essa compreensão vai ao encontro da concepção de 29 currículo da educação infantil citada na Resolução CNE/CEB nº 05/2009, Art. 3º, “como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” ressaltando a importância de as unidades de educação infantil não tratarem os conhecimentos de forma fragmentada, mas oportunizando, através da integração das experiências propostas, situações concretas nas quais todas as crianças possam vivenciar suas múltiplas linguagens em toda sua plenitude. Nesse sentido, é necessário refletir sobre que ações educativas têm sido oferecidas às crianças, qual modelo de gestão e proposta pedagógica que possibilitem, no cotidiano das instituições de educação infantil, um currículo que considere a indissociabilidade das ações do cuidar e educar e a vivência de uma infância plena, partilhada com as famílias e sociedade. Para esse fim, é necessário que as Secretarias Municipais da Educação, através das ações da Coordenadoria de Educação Infantil, em sua Proposta Curricular, (Re) resinifiquem as funções das instituições de educação infantil como mediadoras e articuladoras das experiências e aprendizagens, e reafirmem o dever das respectivas instituições em assegurar às crianças da Rede Municipal de ensino a “igualdade de oportunidades educacionais ao acesso com qualidade a bens culturais, à ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas” (Resolução CEB/CNE nº 05/2009, Art. 7º). A Proposta Curricular para a Educação Infantil, tem como objetivo determinar que os princípios éticos, políticos e estéticos inspirem o planejamento das práticas pedagógicas, contidas na Resolução CEB/ CNE nº 05/2009, garantindo experiências e aprendizagens que tenham como eixos norteadores as interações e a brincadeira, possibilitando às crianças vivenciarem atitudes de cuidar de si, do outro e da natureza e a se constituírem como sujeitos comprometidos [...]. A proposta deve ainda garantir “a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento das relações de dominação etária, socioeconômicas, étnico -racial, de gênero, regional, linguística e religiosa” (artigo 7º da Resolução CEB/CNE 05/2009). Para garantir aprendizagens significativas é importante, “no contexto das unidades de Educação Infantil, considerar diversos aspectos: tempos de 30 realização das atividades que favoreçam as interações, os espaços internos e externos, os materiais e as maneiras de o professor exercer seu papel junto às crianças” (OLIVEIRA, 2013, p. 5), destacando, ainda, Zilma que, As crianças pequenas solicitam aos educadores uma pedagogia sustentada nas relações, nas interações e em práticas educativas intencionalmente voltadas para suas experiências cotidianas e seus processos de aprendizagem no espaço coletivo, diferente de uma intencionalidade voltada para resultados individualizados nas diferentes áreas do conhecimento (OLIVEIRA, 2013, p.8). A Proposta Curricular para a Educação Infantil assegura a integração das experiências do Art. 9º da Resolução CNE/CEB nº 05/09, apresenta um quadro-síntese que integra os cinco campos de experiências, os direitos de aprendizagem e os objetivos de aprendizagem e orienta a proposta de organização do Currículo para a educação infantil da rede pública municipal de ensino, agregando em cada campo de experiência, um quadro composto por três colunas que contemplam o Direito a Aprender, os Conhecimentos a serem ressignificado e apropriados pelas crianças e as Ações didáticas, garantindo que os direitos de aprendizagem das crianças de conhecer, explorar, participar, comunicar, brincar e conviver sejam vivenciados em todos os momentos da rotina das creches e pré-escolas. Os campos de experiências, em conformidade com a BNCC, são cinco: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; escuta, fala, pensamento e imaginação; traços, sons, cores e imagens; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Os direitos a aprender, de acordo com a BNCC, são considerados como as necessidades, os saberes informais e os conhecimentos construídos pelas crianças em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem, respeitando as especificidades de cada faixa etária, suas singularidades e considerando o contexto em que estão inseridas. Os Conhecimentos a serem ressignificado e apropriados pelas crianças compreendem o patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico construído pela humanidade, os quais não podem ser tratados nas instituições de Educação Infantil como algo pronto a ser transmitido às crianças, mas promover, 31 em contextos significativos, experiências de forma individual e coletiva, para que possam, como sujeitos históricos, produzir cultura. As Ações Didáticas são compreendidas como posturas e atitudes dos professores diante do planejamento das experiências e aprendizagens a serem realizadas no cotidiano escolar, as quais exprimem suas concepções sobre criança, infância, Educação Infantil, aprendizagem e desenvolvimento infantil. Neste sentido, pautado na educação psicomotora proponho aos professores que ao planejarem as ações educativas, respeitem e considerem “a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança (Art. 8º, §1º, Inciso II)”, ressaltando a importância do papel do professor como mediador da aprendizagem. Oliveira (2013, p. 6) afirma que para a efetivação cotidiana da Proposta Curricular para a Educação Infantil, “o desafio é transcender a prática pedagógica centrada no professor, e trabalhar, sobretudo, a sensibilidade deste para uma aproximação real da criança, compreendendo-a do ponto de vista dela e não do ponto de vista do adulto”. Neste sentido, as práticas pedagógicas precisam oferecer oportunidades nas quais crianças e adultos possam vivenciar sua condição humana, de seres inacabados, percebendo-se num movimento de busca permanente por compreender o mundo físico e social, permitindo-se percorrer caminhos seguidos pela humanidade, experimentando, invertendo e questionando a ordem das coisas, refazendo respostas, imaginando, criando e, por fim, constituindo-se e reconstituindo-se, acreditando nas suas capacidades de transformar e construir novos percursos, deixando de herança marcas históricas para as gerações que virão. Sendo assim, ressalto ainda que a proposta curricular para a educação infantil está dentro do Campos de Experiência, com o intuito de atender ao objetivo de integração da Proposta Curricular infantil dos Municípios a Base Nacional Comum Curricular, com este documento, proponho um olhar para a parte diversificada do currículo para a educação infantil na rede municipal. Visamos também contemplar as especificidades e necessidades em relação aos direitos e objetivos de aprendizagens das crianças atendidas, sobretudo no que concerne a sua realidade cultural, social e econômica, dentre outros aspectos. 32 Primeiro,campos de experiências da BNCC são a base estrutural pedagógica, ou seja, propostas curriculares que devem guiar as escolas com as aprendizagens necessárias para cada etapa. É uma mudança conceitual no currículo, pois, para a BNCC, a criança age, cria e produz cultura. E não é mais uma mera receptora das mensagens que o adulto transmitia para ela. Desta forma, a organização curricular da Educação Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Neles, há um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes. Trazendo uma variedade de experimentações para as crianças, entrelaçando-as aos conhecimentos culturais. De acordo com o documento da BNCC, a definição e a denominação dos campos de experiências também se baseiam no que dispõem as DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil). A ideia é relacioná-las aos saberes e conhecimentos fundamentais a ser propiciados às crianças e associados às suas experiências. Considerando esses saberes e conhecimentos, os campos de experiências em que se organiza a BNCC são: O EU, O OUTRO E O NÓS. Este campo reúne experiências vinculadas à construção da identidade individual e coletiva da criança. Ao mesmo tempo em que explora as individualidades da criança e incentiva a construção de sua autonomia, convida-a a se construir como ser coletivo, que conhece o outro, que o respeita na sua singularidade e diversidade, a partir das interações, dos encontros, do diálogo, na busca da constituição do “nós”. As experiências na coletividade proporcionam à criança os questionamentos sobre si mesma e sobre os outros, construindo significados quanto à sua identidade, como alguém com um modo próprio de agir, de sentir e de pensar na interação com o outro. Da mesma forma que, a partir do conhecimento de outras culturas, outros grupos sociais e outros modos de vida, por meio de experiências significativas, a criança percebe o outro, desenvolvendo a capacidade de respeitar e valorizar a diversidade. Neste Campo de Experiências, as práticas pedagógicas estão asseguradas legalmente na Resolução no 5/2009, explicitadas no artigo 9º, nos 33 seguintes Incisos: I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; VI - possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar; VII - possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e reconhecimento da diversidade (BRASIL, 2009). Campo de experiências: CORPO, GESTOS E MOVIMENTOS. Este campo enfoca o movimento que assume um importante papel para o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, significando muito mais do que movimentar partes do corpo ou deslocar-se no espaço. As crianças se comunicam e se expressam por meio de gestos e mímicas faciais e interagem utilizando fortemente o apoio do corpo. Dessa forma, os primeiros sinais de aprendizagem na infância são evidenciados por meio do tato, do gesto, do movimento, do jogo, enfim, das construções elaboradas pelas crianças. Essa concepção sobre a especificidade da criança aponta para uma organização curricular capaz de possibilitar um planejamento que favoreça o desenvolvimento integral do indivíduo, por meio de experiências que proporcionem o conhecimento de si e do mundo. Este campo reúne experiências que favorecem as manifestações musicais, artísticas, plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura. Essas práticas pedagógicas estão asseguradas legalmente na Resolução no 5/2009, explicitadas no artigo 9o nos seguintes Incisos: I – promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; IX - promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes 34 plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura; XII - possibilitem a utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas, e outros recursos tecnológicos e midiáticos. Campo de experiências: ESCUTA, FALA, PENSAMENTO E IMAGINAÇÃO. Esse campo envolve a oralidade, a escuta, o pensamento e a imaginação, que devem ser estimulados na educação infantil, ou seja, deve ser garantida a participação das crianças em diversificadas experiências com a língua materna. Elas necessitam do contato com indivíduos falantes a fim de criar vínculos e constituir um canal comunicativo. É no convívio com o outro que as crianças exercitam sua fala, desenvolvem a escuta e as habilidades de comunicação em diversos contextos e evoluem na forma de expressar sentimentos, emoções e conhecimento de mundo. A BNCC (BRASIL, 2015) orienta que “na pequena infância, a aquisição e o domínio da linguagem verbal está vinculada à constituição do pensamento, à fruição literária, sendo também instrumento de apropriação dos demais conhecimentos” (p. 24). A prática pedagógica precisa ter uma organização de espaços, tempos e materiais que facilitem as interações, para que as crianças possam se expressar, imaginar, criar, comunicar, organizar pensamentos e ideias, bem como brincar e trabalhar em grupo. Esse campo integra as seguintes experiências propostas no artigo 9º das DCNEI: I - promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; II - favoreçam a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; V - ampliem a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; VIII - incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza. Campo de experiências: TRAÇOS, SONS, CORES E IMAGENS Esse campo comporta experiências com as múltiplas linguagens e suas formas de 35 expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical, que necessitam de ambientes ricos de significados, que se constituem de imagens, cores, sons, traços e que compõem a diversidade de linguagens, as quais as crianças utilizam para se expressar, se comunicar e interagir com o meio. Os ambientes também devem compor materiais diversos que incentivem a curiosidade, a exploração e que valorizem a multisensorialidade, o protagonismo e o prazer contínuo das crianças pelas descobertas. Nesse Campo de Experiências, as práticas pedagógicas estão asseguradas legalmente pela Resolução no 5/2009, explicitadas no artigo 9o nos seguintes Incisos: I - promovam o conhecimento
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