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Dissertação de Mestrado: Ensaios de Biodegradação de Surfactantes em Resíduos Industriais Autor: Amauri Geraldo de Souza Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. Universidade Federal de São João Del-Rei Departamento de Ciências Naturais Pós-Graduação Multidisciplinar em Física, Química e Neurociências Ensaios de Biodegradação de Surfactantes em Resíduos Industriais Dissertação apresentada a Universidade Federal de São João del Rei, para obtenção do título de Mestre em Química Analítica, Área de concentração:Química Ambiental AUTOR: Amauri Geraldo de Souza ORIENTADORA: Patrícia Benedini Martelli – Dra. IQSC-CENA/USP- Profª. UFSJ CO-ORIENTADORA: Honória de Fátima Gorgulho – Dra. UFMG – Profª. UFSJ São João del Rei Estado de Minas Gerais – Brasil Julho 2006 SOUZA, Amauri Geraldo de Ensaios de Biodegradação de Surfactantes em Resíduos Industriais. [Minas Gerais] 2006 V, 94 p. 29,5 cm (DCNAT/UFSJ, M. SC., Química,2006) Dissertação - Universidade Federal de São João Del-Rei, Multidisciplinar em Física, Química e Neurociências. 1.Biodegradação 2. Resíduos Industriais 3. Surfactantes I. UFSJ II. Título (série) iii Aos meus pais Duca e Ercília A minha namorada pelos momentos de ausência e impaciência Aos meus irmãos, José, Carlos, Anelito, Edna e Arlan Aos meus queridos sobrinhos Aos meus familiares DEDICO À DEUS, que me fez compreender que devemos aceitar sempre a Sua vontade, e não a nossa iv AGRADECIMENTO - À DEUS, por iluminar e guiar sempre a minha vida, dando-me saúde e persistência; - Aos meus pais pelo incentivo, perseverança, carinho e confiança depositados, sem ELES nada seria possível; - A Profª Dra. Patrícia Benedini Martelli pela amizade, orientação e ensinamento do decorrer do curso; - A Profª Dra. Honória de Fátima Gorgulho pela co-orientação, estímulo e auxílio no decorrer de todo o curso; - A Profª Dra. Andréia Spessoto, pela amizade, auxílio na parte de microbiologia - Ao Prof. Dr. Valdir Mano pelas correções de português - Aos funcionários e professores do DCNAT/FIQUINI, pela amizade e confiança depositados; - A todos os colegas do Laboratório de Química, que direta ou indiretamente contribuíram para elaboração desta dissertação, especialmente ao João pela parte de análises, Everton pelas fotos e ao Diego pela parte de DQO; - Ao técnico do Laboratório de Química, Denílson, pela ajuda dada na parte experimental; - A CAPES pelo auxílio financeiro, através da concessão de bolsa de estudos, para realização do trabalho; - Ao colega Douglas pela amizade, incentivo, compreensão e convívio diário na república v LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ABS – sais sódicos de alquilbenzeno sulfonados ramificados, surfactante aniônico AT – porcentagem de biodegradação do surfactante CPC – cloreto de cetilpiridíneo, surfactante catiônico CTAS – substâncias ativas ao tiocianato de cobalto C.M.C – concentração micelar crítica CO – concentração inicial média da solução do tensoativo (em mg SAAM/L) CT – concentração da solução no tempo t (em mg SAAM/L) Cia SJ – Companhia de Tecelagem Sanjoanense DBO – demanda bioquímica de oxigênio DBO5 – demanda biológica de oxigênio do 5º dia DQO – demanda química de oxigênio FIA – sistema de análise por injeção em fluxo FITEDI – Fiação e Tecelagem de Divinópolis LAS – lauril sulfato de sódio, surfactante aniônico MBAS – Substâncias ativas ao azul de metileno TP – tetrâmero de propileno SAAM – substâncias ativas ao azul de metileno SDS – dodecil sulfato de sódio, surfactante aniônico rpm – rotações por minuto U.F.C – unidades formadoras de colônias αMic – grau de dissociação da micela ∆GMic – energia de Gibbs para o processo de micelização ∆HMic - entalpia padrão para o processo de micelização ∆SMic – entropia do processo de micelização α - grau de dissociação da micela vi RESUMO A possibilidade de empregar materiais oriundos da natureza, que possuem capacidade de degradar compostos químicos, considerados tóxicos ao meio ambiente, tem apresentado uma alternativa atrativa. Esses materiais são encontrados em grande abundância nos ecossistemas. Nesse trabalho, a biodegradação das soluções-padrão dos tensoativos aniônico e catiônico, lauril sulfato de sódio (LAS), cloreto de cetilpiridíneo (CPC), respectivamente foram avaliadas. Para isso, algumas variáveis analíticas das metodologias espectrofotométricas empregadas para a determinação dos surfactantes foram otimizadas. No processo de biodegradação, utilizou-se três inóculos: rio, solo e o lodo, os quais foram coletados na região de São João del Rei. Amostras industriais e comerciais foram empregadas na biodegradação de surfactante aniônico. O trabalho foi realizado no Laboratório de Pesquisa em Química, da Universidade de São João del Rei, e a parte microbiológica foi caracterizada na Universidade de São Paulo - ESALQ/USP Para o processo de biodegradação, empregou-se soluções-padrão de 1,0 a 5,0 mg.L-1 do LAS e 30 a 50 mg.L-1 do CPC. A biodegradação dos tensoativos nas soluções-padrão estudadas, foram avaliadas monitorando quantitativamente a sua concentração, durante um período de 20 dias. As curvas analíticas de 0,1 a 2,0 mg.L-1 e 2,5 a 60 mg.L-1 para LAS e CPC, respectivamente mostraram uma boa linearidade (R = 0,999).Todos os inóculos utilizados para o LAS mostraram boa biodegradação (> 95%). Enquanto que, para a biodegradação do CPC, o solo apresentou melhor biodegradação. Os resultados mostraram que os tensoativos foram biodegradados pelos microorganismos dos inóculos estudados. As propriedades físico-químicas no processo de micelização dos tensoativos foram investigadas para soluções-padrão de LAS e CPC (ex: concentração micelar crítica e grau de dissociação). Os parâmetros termodinâmicos foram determinados utilizando condutimetria. Os valores da energia de Gibbs, entalpia e a entropia foram obtidos por medidas de condutividade e temperatura. Os resultados mostraram que essas propriedades são proporcionais ao aumento da temperatura e ainda, as análises quantitativas foram realizadas abaixo da concentração micelar crítica. vii ABSTRACT The possibility to use natural materials, which are capable to degrade chemical compounds that are considered toxic to the environment, has been an attractive alternative. Besides, these materials are found in great abundance in the ecosystems. In the present work, the biodegradation of the anionic and cationic tensoactives lauril sodium sulphate (LAS) and cetylpyridinium chloride (CPC), respectively, was evaluated by investigating analytical parameters of spectrophotometric methods employed in surfactants determination. In the biodegradation process, the inoculums used, river, soil, and mud, were collected in São João del Rei region. Industrial and commercial samples were used for surfactant anionic biodegradation. Most of this work was development in the Chemistry Research Laboratory at São João del Rei University, whereas the microbiology assays were conducted at the University of São Paulo – USP/ESALQ. In the biodegradation process standard solutions ranging from 1.0 to 5.0 mg L-1 of LAS and 30 to 50 mg L-1 of CPC were employed. The tensoactives biodegradation in these solutions were monitoring by quantitatively determining their concentration for a 20-day period. The analytical curves in the ranges 0.1 to 2.0 mg L-1 and 2.5 to 60 mg L-1 for the LAS andCPC, respectively, exhibited linear profiles (R=0.999). All inoculums allowed high (>95%) biodegradation of LAS. On the other hand, for CPC, the soil presented the best biodegradation. The results showed that the tensoactives were efficiently degraded by the microorganisms presenting the inoculums. The physical-chemistry proprieties in the process of micellization of the tensoactives were investigated for LAS and CPC (e.g. critical micelle concentration and dissociation degree). These thermodynamic parameters were determined by conductimetry. The Gibbs free energy (∆GMic), enthalpy (∆HMic), and entropy (∆SMic) were obtained by conductivity and temperature measurements. The results showed that these proprieties are directly proportional to the temperature. Furthermore, quantitative analyses were accomplished below the critical micelle concentration. viii Sumário Lista de abreviaturas e símbolos.......................................................................... vi Índice de Figuras................................................................................................... xi Índice de Tabelas.................................................................................................. xiii 1 – INTRODUÇÃO.............................................................................................. 1 2 – OBJETIVOS................................................................................................... 2 3 – REVISÃO DA LITERATURA...................................................................... 3 3.1 – Classificação dos tensoativos...................................................................... 8 3.1.1 – Tensoativos aniônicos............................................................................... 8 3.1.2 – Tensoativos catiônicos.............................................................................. 9 3.2 – Agregação dos tensoativos em solução aquosa........................................ 11 3.3 – Biodegradação............................................................................................. 17 3.4 – Análise de surfactantes............................................................................... 23 3.5 – Demanda Química de Oxigênio (DQO)...................................................... 28 3.6 – Caracterização termodinâmica dos tensoativos estudados.......................... 29 4 – RELAÇÃO ENTRE OS PARÂMETROS MICELAR E A ESTRUTURA DO TENSOATIVO.............................................................................................. 31 4.1 – Natureza do grupo hidrofóbico.................................................................. 31 4.2 – Natureza do grupo hidrofílico.................................................................... 31 4.3 – Natureza do contra-íon................................................................................ 32 4.4 – Termodinâmica do processo de micelização............................................... 32 5 – PARTE EXPERIMENTAL............................................................................ 34 5.1 – Solventes e reagentes.................................................................................. 34 5.2 – Equipamentos.............................................................................................. 36 5.3 – Método do azul de metileno – lauril sulfato de sódio (LAS).................. 36 5.3.1 – Extração e análise espectrofotométrica do surfactante aniônico........... 37 5.4 – Método do tiocianato de cobalto.................................................................. 38 5.4.1 – Extração e análise espectrofotométrica do surfactante catiônico............. 38 5.5 – Coluna de vidro........................................................................................... 38 5.6 – Cinética de biodegradação.......................................................................... 40 5.6.1 – Obtenção e tratamento dos inóculos....................................................... 42 5.6.1.1 – Inóculo de água de rio......................................................................... 42 5.6.1.2 – Inóculo de solo de jardim..................................................................... 43 ix 5.6.1.3 – Inóculo lodo.......................................................................................... 44 5.7 – Caracterização de microorganismos isolados do solo................................. 45 5.7.1 – Solo........................................................................................................... 45 5.7.2 – Seleção de microorganismos degradadores............................................. 45 5.7.3 – Ensaio de biodegradação.......................................................................... 46 5.8 – Medidas de condutividade.......................................................................... 46 6 – RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................... 47 6.1 – Estudo de diferentes solventes..................................................................... 48 6.2 – Demanda química de oxigênio................................................................... 49 6.3 – Efeito da coluna de vidro............................................................................ 50 6.4 – Análise do surfactante aniônico.................................................................. 51 6.5 – Biodegradação do surfactante aniônico...................................................... 52 6.5.1 – Biodegradação do LAS pelo inóculo rio.................................................. 54 6.5.2 – Biodegradação do LAS pelo inóculo do solo........................................... 60 6.5.3 – Biodegradação do LAS pelo inóculo do lodo........................................... 62 6.6 - Análise do surfactante catiônico.................................................................. 64 6.7 – Biodegradação do tensoativo catiônico...................................................... 66 6.7.1 – Biodegradação do tensoativo catiônico pelo inóculo rio......................... 66 6.7.2 – Biodegradação do tensoativo catiônico pelo inóculo do solo................. 68 6.7.3 – Biodegradação do tensoativo catiônico pelo inóculo lodo....................... 69 6.8 – Biodegradação com as bactérias isoladas.................................................... 72 6.9 – Estudo termodinâmico no processo de micelização.................................... 77 6.9.1 - A variação da c.m.c com a temperatura.................................................... 77 6.9.2 - A relação entre a C.M.C e a estrutura do tensoativo................................. 78 6.9.3 - O grau de dissociação................................................................................ 81 6.9.4 – Valores obtidos de ∆GMIC......................................................................... 83 6.9.5 – Entalpia e entropia do processo de micelização....................................... 84 7 – CONCLUSÕES.............................................................................................. 87 8 – REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 89 x LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Reação de obtenção do sabão............................................................. 4 FIGURA 2 – Estruturas de sabão com os detergentes............................................. 5 FIGURA 3 – Regiões hidrofílicasde alguns tensoativos aniônicos ....................... 8 FIGURA 4 – Surfactante aniônico, lauril éter sulfato de sódio............................... 9 FIGURA 5 - Tensoativos catiônicos ....................................................................... 10 FIGURA 6 – Representação das moléculas do agente surfactante ......................... 13 FIGURA 7 - Representação bidimensional das regiões que formam uma micela iônica normal com estrutura esférica. X e O indicam as localizações relativas dos contra-íons do grupo cabeça e das caudas (hidrocarbonetos), respectivamente...... 14 FIGURA 8 - Micela do surfactante em meio aquoso após atingir a concentração micelar crítica........................................................................................................... 15 FIGURA 9 - Influência do número de cadeias carbônicas na C.M.C ..................... 15 FIGURA 10 - Interações entre íons monovalentes, de um soluto, com os sítios aniônicos do surfactante........................................................................................... 16 FIGURA 11 - Efeito das ramificações das cadeias no processo de biodegradabilidade .................................................................................................. 22 Figura 12: Gráfico ilustrativo da condutividade em função da concentração do surfactante................................................................................................................ 30 FIGURA 13 - Aparelho de separação do LAS (do inglês - Sublation apparatus)... 39 FIGURA 14 - Representação esquemática da coluna de vidro montada para os experimentos............................................................................................................ 40 FIGURA 15 - Sistema para medidas de condutividade........................................... 47 FIGURA 16 - Extração do LAS com diferentes solventes orgânicos ..................... 48 FIGURA 17 Amostras de resíduos industriais antes do pré-tratamento na coluna de vidro.................................................................................................................... 50 FIGURA 18 - Amostras de resíduos industriais após o tratamento na coluna de vidro......................................................................................................................... 51 FIGURA 19 - Curva analítica do LAS.................................................................... 52 FIGURA 20 - Diferenças estruturais entre o ABS e o LAS ................................... 52 FIGURA 21 - Curva de degradação de um surfactante aniônico............................ 54 xi FIGURA 22 - Biodegradação de uma solução- padrão 1,00 mgL-1 de LAS e uma amostra industrial..................................................................................................... 55 FIGURA 23 - Biodegradação da solução de 3,0 mgL-1 de LAS............................. 56 FIGURA 24 - Biodegradação da amostra comercial (YPÊ).................................... 57 FIGURA 25 - Biodegradação da amostra industrial FITEDI.................................. 58 FIGURA 26 - Biodegradação da amostra industrial FITEDI.................................. 59 FIGURA 27 - Biodegradação da amostra industrial Cia SJ..................................... 59 FIGURA 28 – Biodegradação empregando o inóculo solo para diferentes concentrações de LAS............................................................................................. 61 FIGURA 29 – Biodegradação empregando o inóculo solo..................................... 61 FIGURA 30 - Biodegradação de 5,00 mg.L-1 de LAS empregando o inóculo lodo.......................................................................................................................... 63 FIGURA 31 - Biodegradação das amostras industriais........................................... 64 FIGURA 32 - Curva analítica obtida a partir das soluções de cloreto de cetilpiridíneo............................................................................................................ 66 FIGURA 33 - Biodegradação de 50,0 mgL-1 do CPC, com inóculo rio.................. 67 FIGURA 34 - Repetição da biodegradação da solução-padrão do CPC................. 67 FIGURA 35 - Biodegradação de 50,0 mgL-1 do CPC............................................. 68 FIGURA 36 - Biodegradação das diferentes soluções-padrão do CPC.................. 69 FIGURA 37 - Efeito da biodegradação dos diferentes inóculos para a solução- padrão de 50,0 mg.L-1 do CPC................................................................................ 70 FIGURA 38 - Efeito da DQO na biodegradação do CPC, com o lodo.................... 72 FIGURA 39 - Mapa metabólico de transformações do LAS pelas bactérias.......... 74 FIGURA 40 - Efeito da biodegradação de 3,00 mgL-1 de LAS, na presença das bactérias isoladas..................................................................................................... 75 FIGURA 41 - Efeito da biodegradação das bactérias estudadas em 3,00 mgL-1 de LAS......................................................................................................................... 76 FIGURA 42 – Valores da condutividade em função da concentração do surfactante catiônico obtido pelos dados experimentais a 30ºC.............................. 79 FIGURA 43 - Estudo da condutividade do LAS e CPC.......................................... 80 FIGURA 44 – Gráfico da condutividade do LAS.................................................... 81 xii LISTA DE TABELAS TABELA 1: Exemplos de tensoativos .................................................................... 7 TABELA 2: Dados experimentais obtidos pelo estudo da DQO para a biodegradação com o lodo....................................................................................... 71 TABELA 3: Valores da C.M.C do CPC obtidas por condutividade em diferentes temperaturas............................................................................................................. 77 TABELA 4: Valores da C.M.C do LAS obtidos por condutividade em diferentes temperaturas............................................................................................................. 78 TABELA 5: Valores da C.M.C para diferentes temperaturas , obtidos para os tensoativos............................................................................................................... 78 TABELA 6: Valores obtidos do grau de dissociação (αFrahm) por condutividade... 82 TABELA 7: Energia livre de Gibbs do processo de micelização dos tensoativos estudados.................................................................................................................. 83 TABELA 8: Entalpia de micelização ∆HMic. para algumas temperaturas................ 84 TABELA 9: Entropia de micelização ∆SMic para algumas temperaturas................ 85 xiii 1 - INTRODUÇÃO A poluição dos cursos d’água pelos surfactantes é um tema polêmico que vem sendo discutido e estudado mundialmente, onde é ilegal a comercialização de detergentes não-biodegradáveis. No começo dos anos de 1960, enormes quantidades de detergentes que tinham cadeias alquílicas ramificadas estavam sendo usadas. Estes surfactantes não eram degradados pelas bactérias e apareciam na descarga dos esgotos nos rios fazendo com que, os grandes rios, como o Mississipi, se tornassem imensas bacias de espuma, com graves aspectos estéticos e efeitos tóxicos sobre a população. A produção mundial do surfactante excede três milhões de toneladas por ano, sendo a maioria utilizadacomo matéria prima para fabricação de detergentes de uso doméstico [1]. Os surfactantes têm sido alvos de críticas por se tratar do problema de contaminação do meio ambiente, devido ao seu excesso em descargas residuárias e, principalmente, no sistema aquático, pelo elevado teor de fosfato. O fosfato pode atingir até 50% de eficiência na limpeza, sendo, portanto, um dos maiores responsáveis pelo aumento de conteúdo de nutrientes nas águas que são despejadas nos rios e lagos. O excesso de fosfato provoca o aumento da velocidade de crescimento e da produção de algas e ervas daninhas, causando o efeito da eutrofização, diminuindo o teor de oxigênio disponível nas águas e comprometendo a vida animal. Embora existam outras fontes de nutrientes de fosfatos, como fertilizantes agrícolas e dejetos animais, o controle nos agentes de limpeza e resíduos industriais reduziria muito a escala de contaminação, conforme defendem os órgãos legisladores do meio ambiente, como a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A maior utilização dos surfactantes se dá nas indústrias têxteis, no processo de tingimento, pela necessidade da adição de uma substância que diminua a tensão superficial (no caso, um tensoativo) das soluções de corantes, facilitando sua interação com o tecido a ser tinto e aumentando a umectação das fibras. Devido ao grande emprego dos tensoativos, ocorreu nos últimos anos um acúmulo destes produtos em águas de córregos e rios devido à descarga de efluentes industriais industriais e domésticos. No meio ambiente, além de causar a eutrofização, os tensoativos modificam as características da água, como tensão superficial, provocando a morte dos seres que vivem na superfície das águas e, conseqüentemente, 1 dos peixes que se alimentam destas espécies. A modificação da tensão superficial também interfere na vida das aves que sobrevivem das espécies aquáticas em geral. Na região do Campo das Vertentes existe uma grande preocupação em relação aos resíduos descartados no Rio das Mortes provenientes das indústrias têxteis. Uma destas indústrias, a Companhia Têxtil São Joanense (Cia SJ), tem se preocupado com a implantação de sistemas de tratamento de efluentes e também com a porcentagem de biodegradabilidade dos tensoativos que são utilizados durante seus processos de lavagem e tinturaria de tecidos. Considerando o problema exposto, o presente trabalho tem como objetivo verificar a quantificação analítica de dois tipos de surfactantes: um aniônico, dodecil sulfato de sódio (SDS) ou lauril sulfato de sódio (LAS), e um catiônico, cloreto de cetilpiridíneo (CPC), cujas estruturas estão representadas abaixo. É também nosso objetivo investigar o impacto desses surfactantes no meio ambiente, avaliando a porcentagem de biodegradabilidade em amostras coletadas diretamente das indústrias da região do Campo das Vertentes. SO3 -Na+ Lauril sulfato de sódio N+ Cl- Cloreto de cetilpiridíneo 2 – OBJETIVOS 1 - Determinar os tensoativos aniônicos e catiônicos pelo método oficial baseado no Standard Methods [2]. Nessa parte de desenvolvimento de metodologias pretende-se utilizar o mínimo de amostra e reagente para gerar menor quantidade de resíduo; 2 - Trabalhar com amostras geradas nas indústrias da região de São João Del Rei; 3 - Estudar a cinética de biodegradação do surfactante aniônico (LAS) baseado na metodologia da ANVISA [3]; 2 4 – Desenvolver uma metodologia para o estudo da biodegradabilidade de surfactantes catiônicos, baseada na metodologia de biodegradação de surfactantes aniônicos da ANVISA [3]; 5 - Estudar a cinética de biodegradação dos tensoativos com diferentes tipos de inóculos; 6 - Estudar o efeito da concentração micelar crítica (C.M.C) dos surfactantes, em diferentes temperaturas, por meio de medidas de condutividade; 7 – Caracterizar as colônias de bactérias mais eficientes no processo de biodegradação dos surfactantes. 8 - Estudar a termodinâmica de micelização dos surfactantes e, posteriormente, fazer um estudo comparativo com a literatura; 3 – REVISÃO DA LITERATURA Durante várias gerações, a aplicação mais difundida dos tensoativos foi na forma de sabões utilizados na limpeza. Estes sabões eram basicamente formados por sais de ácidos graxos, feitos pela saponificação de triglicerídeos [4], sendo os primeiros tensoativos com aplicação prática registrados por volta de 600 A.C. Foram utilizados pelos romanos, embora estes, provavelmente, tenham aprendido a sua manufatura com os celtas ou outro povo mediterrâneo. Acredita-se, no entanto, que os sabões vinham sendo usados há mais de 2300 anos. Durante a 1ª Guerra Mundial, foram introduzidos os primeiros tensoativos sintéticos que, entretanto, não se tornaram produtos comercialmente viáveis até a década de 1940. Com a 2ª Guerra Mundial, devido à escassez de óleos e gorduras, os tensoativos sintéticos vieram a substituir os antigos sabões para a maioria das aplicações [5]. Logo após a guerra, o tetrâmero de propileno (TP, C12H25 ramificado) ligado ao benzeno, tornou-se o material predominante e os TP-benzeno sulfonados rapidamente superaram comercialmente todos os outros materiais detergentes. Durante o período de 1950 a 1965 corresponderam a mais da metade de todos os detergentes usados no mundo. Os TP-benzeno sulfonatos dominaram o mercado, sem nenhuma ameaça, até 1960. Nesta época foi observado que os efluentes de esgotos estavam produzindo maiores quantidades de espumas em rios e lagos por todo o mundo. Além disso, as 3 águas retiradas de poços próximos aos pontos de rejeitos domésticos tendiam a espumar à medida que saíam das torneiras. Tal fenômeno indesejado, após muita investigação, foi atribuído à impossibilidade dos TP-benzenos sulfonatos (também referidos como alquilbenzenos sulfonatos, ABS) de serem completamente degradados por bactérias e por outros processos no tratamento de efluentes industriais. Foi verificado que era a cadeia alquílica ramificada que dificultava a ação dos microorganismos. Os álcoois de ácidos graxos sulfatados, por outro lado, possuíam alta biodegradabilidade. Essa propriedade foi atribuída ao fato de apresentarem cadeias lineares. Os fabricantes de detergentes, voluntariamente ou pela legislação, mudaram dos TP-benzeno para os alquilbenzeno lineares (LAS) como matéria-prima básica para a obtenção de moléculas detergentes, devido à maior biodegradabilidade e aceitação do ponto de vista de impacto ambiental destes últimos. As vantagens apresentadas pelos tensoativos sintéticos, em relação aos sabões, são o seu custo inferior e a sua melhor tolerância à dureza da água (pois não sofrem precipitação em meio contendo íons de metais alcalino-terrosos) e à variação do pH do meio [5]. Os detergentes mais comuns eram formados por moléculas de ácido sulfônico que, reagindo com soda caustica, formava o sulfonato de sódio. A hidrólise alcalina dos óleos e gorduras resulta na formação de glicerol e sabão (sal de ácido graxo), de acordo com a reação: Figura 1 - Reação de obtenção do sabão A estrutura de uma molécula de sabão é formada por espécies químicas que possuem uma extremidade apolar (a cadeia longa) e uma extremidade polar iônica que se caracteriza como sal. Os detergentes possuem uma estrutura muito semelhante, conforme representado na Figura 2, porém são sintetizados industrialmente. 4 C O O- Na+ Sabão SO3 -Na+ Detergente aniônico N+(CH3)3Br - Detergente catiônico Figura 2 – Estruturas de sabão com os detergentes Moléculas com estes tipos de estruturas, representadas na Figura 2, são chamadas de surfactantes (do inglês - surface active-agents), definidos como qualquer composto quemodifica a tensão superficial (usualmente que reduz), quando dissolvido em água, e que ainda altera de maneira análoga a tensão interfacial entre dois líquidos. O sabão é uma dessas substâncias, mas o conceito é aplicado, com maior freqüência, aos derivados orgânicos, como os sais de sódio dos sulfatos ou dos sulfonatos de alquila de elevada massa molecular. Os surfactantes do sabão e dos detergentes sintéticos efetuam, na lavagem, a ação de limpeza primária e formação de espuma, mediante o mesmo mecanismo de redução desta tensão superficial. São moléculas anfifílicas, isto é, possuem na sua estrutura duas regiões de polaridade opostas: uma polar (ou hidrofílica) e outra apolar (ou hidrofóbica). A presença destas duas regiões distintas em uma mesma molécula faz com que a mesma apresente uma grande capacidade de adsorção na interface ar-água ou óleo-água, assim como na superfície dos sólidos. A região hidrofílica é constituída por grupos iônicos ou não-iônicos polares ligados à cadeia carbônica, sendo normalmente denominada de cabeça ou grupo polar do tensoativo. A região hidrofóbica é constituída normalmente de uma ou mais cadeias alquílicas ou alquilfenílicas, com oito a dezoito átomos de carbono, linear ou ligeiramente ramificada, contendo, na maioria dos produtos comercializados, um anel benzênico substituindo alguns átomos da cadeia. É denominada de cauda do tensoativo. 5 Como conseqüência destas características, algumas destas substâncias atuam como detergentes ou como agentes emulsificantes, dispersantes ou solubilizantes. Algumas características de um surfactante são a capacidade detergente, formação e estabilidade de espuma, suavidade à pele e facilidade de remoção da sujeira. A técnica utilizada para fabricar o sabão e sua fórmula, combina os tensoativos as suas propriedades, desde biológicas às industriais como: reguladores de espuma, reforçadores, espessantes, aditivos, inibidores de corrosão, agente anti-redeposição, inibidores de mancha, abrilhantadores ópticos, agentes alvejantes, perfumes, corantes e enzimas, conforme a sua aplicabilidade [6]. Os tensoativos são classificados em quatro famílias importantes, de acordo com a função da carga da região hidrofílica e do caráter iônico como: aniônicos, catiônicos, não-iônicos e zwitteriônicos (anfotéricos). Alguns exemplos estão na Tabela 1. 6 Tabela 1 - Exemplos de tensoativos Aniônicos CH3(CH2)10COO-Na+ dodecanoato de sódio (sabão) CH3(CH2)11SO4-Na+ dodecilsulfato de sódio (SDS) CH3(CH2)11 SO3 - Na+ Dodecilbenzeno sulfonato de sódio (SDBS) CH2 CO2 C8H18 Na+ -O3S CH CO2 C8H18 Bis-(2-etilexil)-sulfossuccinato de sódio AAOT ou Aerosol-OT CH3NCH2 COO -Na+ CO(CH2)10CH3 N-lauroilsarcosinato de sódio (Gardol) Catiônicos CH3(CH2)12CH2N+(CH3)3Cl- Cloreto de tetradeciltrimetilamônio (TTACl) C16H33Cl -N+ Cloreto de hexadecilpiridineo (CPyCl) CH3(CH2)12CH2N +(CH3)2CH2 Cl - Cloreto tetradecilbenzildimetilamônio (TBzCl) CH3(CH2)10CH2N+ (H)3Cl- Cloreto de dodecilamônio Não-iônicos CH3(CH2)15(CH2CH2O)20OH Éter hexadecil(20)-polioxietilênico (Brij 58) C8H17-C6H4-(CH2CH2O)10OH Éter 1,1,3,3-tetrametil-butil-fenil (9,5) - poli- oxietilênico (triton X-100) C12H25-(CH2CH2O)4OH Éter dodecil (4) poli-oxietilênico (Brij 30) CH3(CH2)7CH=CH(CH2)8-(OCH2CH2)20OH Éter oleil (20)-poli-oxietilênico ( Brij 99) Zwitteriônicos C12H25N+(CH3)2CH2COO- N-dodecil-N,N-dimetil-betaína C12H25N+(CH3)2(CH2)3SO3- 3-(n-dodecil-N,N-dimetilamônio)-propano- 1-sulfonato 7 3.1 – Classificação dos tensoativos 3.1.1 – Tensoativos aniônicos São os maiores grupos de produtos disponíveis comercialmente e representam em torno de 65 a 70% das vendas mundiais. Possui um ou mais grupos polares que, quando dissolvido ou disperso em meio aquoso, apresentam em sua constituição uma carga negativa, Figura 3, característica de ânions, e constituem a parte ativa em água. Nos sulfonatos e fosfonados, o carbono liga-se diretamente ao enxofre e ao fósforo, respectivamente. Nos ésteres do ácido sulfúrico e do ácido fosfórico o carbono liga-se ao oxigênio. Figura 3 – Regiões hidrofílicas de alguns tensoativos aniônicos O tensoativo aniônico mais comumente empregado é o dodecilbenzeno sulfonado de sódio (SDS), que apresenta excelentes propriedades de detergência e poder espumante. Entretanto, apresenta problemas de solubilidade em água, na presença de eletrólitos, aumentando o risco de turvação em algumas formulações. Além disso, é um tensoativo causador de irritação e perda de umidade da pele, mas, nas concentrações empregadas em detergentes líquidos para lavagem manual de louça, não causam estes efeitos na pele. Sendo, portanto, o dodecil benzeno sulfonato de sódio o agente tensoativo mais utilizado na composição de detergentes em produtos de limpeza. Durante dez anos, até 1965, a produção de alquilados ramificados (ABS) teve um grande crescimento de produção. A utilização de alquilados ramificados como matéria-prima para detergentes foi interrompida devido ao fenômeno de produção de espumas nos cursos de água e nas estações de tratamento. Esse fenômeno foi causado pela taxa insuficiente de biodegradabilidade (os microorganismos degradam as cadeias ramificadas numa taxa extremamente lenta). O alquilado linear substituiu o ABS em regiões onde existia o consumo elevado e/ou onde a legislação exigia uma degradação mais rápida do tensoativo. Nessa época, esta substituição se fez em quase todos os 8 países desenvolvidos. No Brasil, o Ministério da Saúde proibiu a partir de Janeiro de 1981 (art. 68 do decreto nº 79094) a fabricação, comercialização ou importação de saneantes de qualquer natureza contendo aniônicos não biodegradáveis [7]. O lauril éter sulfato de sódio, conforme está representado na Figura 4, é um tensoativo aniônico que exibe um efeito sinérgico em relação à capacidade de dispersão de sujeira oleosa, da solubilidade em água, da tolerância a eletrólitos e da compatibilidade com a pele [8]. O lauril éter sulfato de sódio, bem como o lauril sulfato de sódio, é utilizado em cosméticos devido ao seu baixo potencial de irritabilidade da pele. Os provenientes de álcoois graxos sulfatados de maior peso molecular, devido ao seu elevado ponto de turvação, não devem ser utilizados na formulação de xampus transparentes, porém são indicados para xampus cremosos e perolados. O lauril éter sulfato de sódio é o tensoativo de uso mais difundido na fabricação de xampus [9], pois confere boa viscosidade e, por ser quase incolor, não interfere na cor do produto. Apresentando baixo poder de turvação, o lauril éter permite fabricar xampus que permanecem transparentes mesmo a baixas temperaturas. Figura 4 – Surfactante aniônico, lauril éter sulfato de sódio; n = nº médio de mols de óxido de eteno 3.1.2 – Tensoativos catiônicos Representam somente 5% das vendas mundiais, possui um ou mais grupos polares e quando dissolvidos ou dispersos em água, apresentam cargas positivas na parte ativa da molécula. Devido a esta carga, esses produtos são utilizados como substratos para produzir compostos que conferem maciez, propriedades hidrofóbicas e antiestáticas, inibidores de corrosão e agentes antimicrobianos [7]. São quaternários de amônio produzidos pela reação de substituição nucleofílica de haletos de alquila por aminas. Os quatro átomos de carbono estão ligados diretamente ao átomo de nitrogênio por ligações covalentes, daí a denominação de quaternário, enquanto que o ânion, geralmente cloro, está em ligação iônica (Figura 5). Sua ação sobre a tensão superficial é devido a uma grande cadeia carbônica, hidrofóbica, unida a um grupo básico hidrofílico. Não são usados como detergentes 9 domésticos porque apresentam um fraco poder detergente, mas são notáveis umectantese de grande poder de dispersão. São inativados ou precipitados por agentes aniônicos, como o sabão, devido a sua incompatibilidade [7]. Estes sais de amônio foram desenvolvidos em 1940 e são usados como amaciantes em produtos domésticos e auxiliares têxteis (C12 a C18). Em amaciantes são utilizados devido à necessidade do mercado causada pela introdução dos detergentes sintéticos para roupas, os quais permitiram um bom nível de limpeza, mas ao mesmo tempo, deixavam a roupa áspera e desconfortável. Os amaciantes possuem a capacidade de instalarem-se na superfície das fibras de tecidos devolvendo a maciez original, perdida após sucessivas lavagens com detergentes. Além de amaciantes, agem como germicida, algicida, bacteriostático em remédios e sanitizante em produtos de limpeza doméstica e em piscinas (C8 a C10). Dependendo da sua concentração em bactericidas, podem ser absorvidos pela membrana celular dos microorganismos e romper a membrana da célula. Nas concentrações geralmente usadas, são inodoros, ao contrário dos outros desinfetantes como o cresol, o hipoclorito, o formol etc. Apresentam também a propriedade de formar uma película aderente onde são utilizados. Por causa disso, são usados em cremes de enxágüe, xampus para cabelos, emulsificador de asfalto, lubrificantes, complexantes etc [8]. Os sais de amônio quaternário (aminas quaternárias) são derivados amínicos ideais para as aplicações em amaciantes de roupas, porque o átomo de nitrogênio possui a carga positiva (Figura 5). CnH2n+1 N + CH3 CH3 Cl-CH3 (a) CnH2n+1 N+ CH3 CH3 Cl - (b) CnH2n+1 CnH2n+1 N + CH3 CH3 CH2 Cl - (c) Figura 5 - Tensoativos catiônicos: (a) cloreto de alquil trimetil amônio, (b) cloreto de dialquil dimetil amônio e (c) cloreto de alquil benzil dimetil amônio; n = 8 a 18 10 A incorporação dos tensoativos catiônicos às fórmulas de pós de aniônicos (mais vendidos para lavagem de roupas) e mesmo de líquidos é difícil. O tensoativo tem que deixar os tecidos livres de qualquer contaminação. Ele acaba sendo eficiente a ponto de lavar o próprio amaciante e impede a deposição do mesmo nas fibras. Por isso, fica difícil compatibilizar a atuação dos dois ingredientes [9]. O amaciante precisa depositar- se nas fibras para permitir seu deslizamento, dando a sensação de maciez. A carga elétrica negativa induzida pelos tensoativos, mais pronunciada em sintéticos, é neutralizada. Além dos produtos para limpeza doméstica, os catiônicos, graças a sua natureza, apresentam outras aplicações. O uso de aminas graxas em emulsões asfálticas deve-se a sua propriedade tensoativa. No setor de mineração, atuam como agente de flotação, permitindo que o minério, ou sua impureza, a ser flotado, adquira propriedades hidrófobas, migrando para a superfície e facilitando a separação [10]. A indústria têxtil emprega os sais quaternários como auxiliares de tingimento, pois as propriedades umectantes favorecem a penetração de água e outros líquidos nas fibras de tecidos, assegurando assim a penetração dos corantes e, desse modo, a sua fixação [11]. As indústrias de defensivos agrícolas formulam seus produtos com aminas graxas etoxiladas como emulsionantes. A indústria de cosméticos usa os sais quaternários como princípio ativo antiestático em cremes e recondicionadores capilares, e as indústrias farmacêuticas os usam como agentes bacteriostáticos e auxiliares de extração de antibióticos. Na clarificação do açúcar, as aminas quaternárias retêm impurezas aniônicas da solução de açúcar, permitindo uma posterior cristalização do açúcar branco refinado. 3.2 – Agregação dos tensoativos em solução aquosa A dissolução de um tensoativo em água provoca o aparecimento de interações desfavoráveis entre sua parte apolar e o solvente devido a: (I) alta tensão interfacial água/hidrocarboneto, (II) estruturação das moléculas de água ao redor da cadeia hidrofóbica (“hidratação hidrofóbica”) e (III) diminuição nos graus de liberdade da cadeia hidrofóbica [12,13]. Os monômeros do tensoativo tendem a adsorver (aderir) nas interfaces (líquido-vapor, líquido-sólido ou líquido-líquido, quando disponível), de modo a reduzir a energia livre total do sistema [12,13]. Nessa adsorção, as cadeias dos 11 hidrocarbonetos permanecem para fora da solução e os grupos hidrofílicos na interface aquosa [14]. Neste fenômeno de adsorção, ocorre a substituição de moléculas de água, presentes na interface, pelo grupo hidrofóbico do tensoativo. Como as forças intermoleculares de atração entre uma molécula de água e um grupo não polar são menores do que entre duas moléculas de água, isto reduz o poder de contração da superfície, ou tensão superficial [6]. Tensão superficial é a tendência que um líquido apresenta de reduzir ao mínimo a sua área superficial. É conseqüência da existência de forças intermoleculares. Dependendo da sua estrutura, da concentração e da composição do meio, os tensoativos podem se agregar em solução aquosa formando micelas, vesículas ou cristais líquidos liotrópicos, entre outros tipos de agregados. Alguns tensoativos se agregam em solventes orgânicos de baixas polaridade e constante dielétrica, formando micelas inversas [6,15]. Quando um agente tensoativo é adicionado à água, suas moléculas tendem a arranjar-se de modo a minimizar a repulsão entre seus grupos hidrofóbicos e a água. A parte hidrofílica fica na solução e a parte hidrofóbica fica na interface água-ar, conforme podemos observar na Figura 6. Essa disposição provoca uma diminuição da tensão superficial da água. (a) (b) 12 (c) Figura 6 – Representação das moléculas do agente surfactante: (a) superfície da água, (b) bolha de sabão e (c) interior da micela. Se aumentarmos a concentração do agente tensoativo na água, este tende a ocupar a parte interna da solução, formando inicialmente dímeros, trímeros, tetrâmeros, até que em determinada quantidade atingem a denominada concentração micelar crítica (CMC), Figura 6 c. Acima dessa concentração, as moléculas do tensoativo formam grandes agregados moleculares de dimensões coloidais. Estes agregados são denominados micelas, geralmente contêm 60 a 100 moléculas do tensoativo, que se associam espontaneamente em solução aquosa. Então, quando as concentrações estão superiores à CMC, as moléculas possuem um diâmetro entre 3-6 mm, o que representa de 30-200 monômeros. A CMC depende da estrutura do tensoativo (tamanho da cadeia do hidrocarboneto) e das condições experimentais (força iônica, contra-íons, temperatura etc.) [16]. Geralmente, em solução aquosa, as moléculas do tensoativo agregam-se formando uma esfera com caudas hidrofóbicas voltadas para o seu interior e os grupos hidrofílicos, ou carregados, para seu exterior. Cada micela é composta por um certo número de moléculas de tensoativos, denominado “número de agregação”, que determina geralmente o tamanho e a geometria do sistema micelar. O termo “micela normal” é utilizado para se referir a agregados de tensoativos em meio aquoso, o qual é apresentado na Figura 7. 13 Figura 7 - Representação bidimensional das regiões que formam uma micela iônica normal com estrutura esférica. X e O indicam as localizações relativas dos contra-íons do grupo cabeça e das caudas (hidrocarbonetos), respectivamente. Quando o tensoativo está, predominantemente, na forma de monômeros, abaixo da CMC, ocorre um equilíbrio dinâmico entre micelas e monômeros [12,17]. As micelas são termodinamicamente estáveis e facilmente reprodutíveis, e são destruídas pela diluição com água ou ficando as concentrações ficarem abaixo da CMC. A formação das micelas é acompanhada por mudanças distintas em várias propriedades físicas tais como espalhamento de luz, viscosidade, condutividade elétrica, tensão superficial, pressão osmótica e capacidade de solubilização de solutos [18,13].Os contra-íons, quando em concentrações suficientes, provenientes da própria ionização do tensoativo ou ainda como aditivos à solução, diminuem a repulsão entre as cabeças dos monômeros (Figura 8). A presença de Na2SO4, por exemplo, pode alterar a concentração micelar crítica. A partir da concentração micelar crítica é que se manifesta ação do detergente. No entanto, os monômeros é que mais contribuem para a diminuição da tensão superficial da água, enquanto que as micelas, ao contrário dos monômeros, ficam dispersas em toda a solução, apresentando um menor efeito sobre a tensão superficial da água. As cadeias apolares atraem-se e os grupos negativos repelem-se formando ligações de hidrogênio com a água 14 Figura 8 - Micela do surfactante em meio aquoso após atingir a concentração micelar crítica. As micelas, que não superam algumas dezenas de ângstrons, são responsáveis pela grande maioria das propriedades de sabões e detergentes e suas utilizações. Os fenômenos de umectação, emulsão e dispersão, que explicam o efeito detergente, são devidos às micelas complexas presentes nas soluções e derivam da orientação das grandes cadeias das moléculas. A fase hidrofílica associa-se à água por pontes de hidrogênio e a fase lipofílica associa-se às gorduras por interações de van der Waals. Existe uma relação entre a concentração micelar crítica com a presença de insaturações e o tamanho da cadeia carbônica do tensoativo. À medida que o número de átomos de carbono é reduzido, diminui a concentração da micela formada em meio aquoso. Na Figura 9 podemos verificar a influência do número de carbonos na cadeia que formam a C.M.C. Figura 9 - Influência do número de cadeias carbônicas na C.M.C: (a) C-18 saturado, (b) C-12 saturado e (c) C-8 saturado Na figura 9.a vemos um micela, em solução aquosa, de um surfactante C-18 saturado. Supondo que cada micela seja constituída por 12 cadeias saturadas, observamos que deverá existir uma distância mínima entre cada sítio negativo para que 15 a repulsão seja minimizada [19]. Em (b), vemos uma micela de um surfactante C-12 saturado. Supondo, também, que ela seja constituída por 12 cadeias, nota-se que a distância entre cada sítio aniônico é bem menor que em (a), o que tende a desestabilizar a micela. Portanto, a situação (c) aproxima-se mais do real, visto que as distâncias são maiores entre os sítios aniônicos. Notamos, neste último caso, que a micela seria constituída, em hipótese, por oito cadeias apenas. Dessa maneira, mais micelas seriam formadas para uma dada concentração do agente surfactante. A adição de alguns cátions monovalentes e bivalentes, em soluções aquosas contendo tensoativos aniônicos, favorece a formação de micelas. A presença de solutos como o NaCl, Na2SO4, MgSO4, dentre outros, minimiza a repulsão eletrostática entre os ânions, contribuindo, para a formação da micela. A adição desses sais, além de provocar a formação de micelas com um número maior de moléculas do tensoativo, provoca uma diminuição da mobilidade das partículas (Figura 10). Um excesso de eletrólito provoca a diminuição da solubilidade do tensoativo em água, desestabilizando as micelas, produzindo turvação e separação de fases. Em alguns casos, mesmo com a quantidade adequada do eletrólito, um possível abaixamento da temperatura pode ocasionar uma turvação indesejável no produto. Nos detergentes formulados, como tensoativos sintéticos, o uso do sulfato de magnésio (cátion bivalente) não causa grandes problemas. Desse modo, pequenas quantidades do mesmo são suficientes para se obter a viscosidade desejada, não apresentando o risco do detergente ficar turvo e apresentar precipitados indesejáveis. Porém, esse sal não deve ser adicionado nos sabões, porque forma sais insolúveis. Figura 10 - Interações entre íons monovalentes, de um soluto, com os sítios aniônicos do surfactante. 16 3.3 – Biodegradação Com o aumento das áreas urbanas e o desenvolvimento industrial e populacional, novos compostos têm sido sintetizados e continuamente introduzidos em grande quantidade nos mananciais hídricos. A maioria destes compostos são persistentes, ou seja, difíceis de serem biodegradados, podendo ser bioacumulados ou, ainda, se transformarem em produtos tóxicos, causando assim sérios transtornos ecológicos. A poluição de corpos d’água com estes compostos provocam, além da poluição visual, alterações em ciclos biológicos, afetando, principalmente, o processo de fotossíntese. Assim, a busca de novas tecnologias e processos têm sido desenvolvidos e aplicáveis ao tratamento de efluentes, para transformar substâncias persistentes em substâncias biodegradáveis, no sentido de aumentar a eficiência dos sistemas de tratamentos biológicos, de grande interesse industrial [20]. A biodegradação ou biotransformação é uma das principais técnicas de recuperação dos ecossistemas contaminados. É um processo multifacetado, envolvendo um complexo de moléculas que interagem com comunidades mistas de microrganismos. Desse modo, conta com a versatilidade metabólica, especialmente de bactérias e fungos, capazes de biodegradar muitos tipos de resíduos em substâncias mais simples e menos tóxicas. De fato, durante muitos anos, pensou-se que os microrganismos podiam e deviam biodegradar completamente todas as substâncias orgânicas, incluindo todos os poluentes contidos em águas naturais ou no solo. As invenções de alguns compostos, especialmente os organoclorados, os quais eram resistentes a uma rápida biodegradação, foi responsável pela retificação dessa concepção errônea. As substâncias resistentes à biodegradação são chamadas recalcitrantes ou bioimunes [21,22]. No entanto, outras substâncias, como muitos compostos orgânicos biodegradam-se totalmente, sendo transformados em compostos orgânicos menos tóxicos que as substâncias originais. Os compostos sintéticos mais poluentes são os que contêm, principalmente, nitrogênio e enxofre, que causam a poluição, sendo eles; os alquilsufonatos, os alquilbenzenos sulfonatos e os arilsulfonatos, comercialmente vendidos como surfactantes. Esses poluentes são biodegradáveis, podendo os microrganismos utilizar o nitrogênio (N) ou enxofre (S) como nutrientes [3]. 17 Dentro deste contexto, o setor têxtil apresenta um especial destaque devido ao seu grande parque industrial instalado, gerador de grandes volumes de efluentes, os quais, quando não tratados, podem causar sérios problemas de contaminação ambiental. A biodegradação de surfactantes foi estudada durante muitos anos [23,24], e ainda está sendo investigada [25,26]. A maioria desses estudos sobre biodegradação de surfactantes são determinantes para a degradação metabólica pelos microorganismos [27,28] e esta relacionado à estrutura do tensoativo. Esta estrutura é determinante para uma melhor biodegradabilidade dos surfactantes [29,30,31]. A degradação de surfactantes em resíduos industriais e domésticos depende das condições locais e regionais como: clima, tipo de solo, vegetação, fauna e microrganismos decompositores. Em 1995, Rocha et al. [32] fizeram um estudo para avaliar o comportamento de hidrofóbicos da micela dos surfactantes. O tensoativo (Triton X-100) testado foi tóxico para bactéria e, assim, impediu a biodegradação do bifenil e fenantreno em concentrações próximas da concentração micelar crítica (C.M.C) do surfactante. Neste sentido, em 1996, Perez e colaboradores [33] em seus estudos comprovaram que o lauril sulfato de sódio (LAS) pode ser tóxico aos microorganismos responsáveis pelo tratamento da degradação e dos organismos presentes em ecossistemas naturais. Este trabalho discutiu também o efeito do LAS na purificação aeróbica por plantas presentes em esgoto. Os resultados mostraram que o LAS influência no pH e na capacidade de degradação aeróbica da matéria orgânica na concentraçãode 20 mg.L-1. De acordo com a ANVISA [3], os surfactantes são considerados biodegradáveis, porque são substâncias químicas com propriedades tensoativas, susceptíveis aos processos de decomposição e degradação pelos microrganismos. Em decorrência desses processos, não origina substâncias consideradas nocivas ao meio ambiente ou que possuam grau de toxicidade superior ao da substância tensoativa original. Os principais grupos microbianos nesse processo são as bactérias e os fungos, contudo essa atividade é regulada, principalmente, pelas condições ambientais [34]. O fator preponderante na atividade microbiana é determinado pela velocidade e extensão da degradação dos compostos orgânicos. Logo após a introdução dos surfactantes sintéticos na década de 1940, foi demonstrado que os diversos campos de aplicações poderiam induzir no meio ambiente a adaptação microbiana ocasionando um aumento na velocidade da degradação dos respectivos compostos. 18 As bactérias são os principais microorganismos relatados na literatura e as mais utilizadas no processo de biodegradação. Alguns desses microorganismos podem ser isolados do solo e utilizados na biodegradação. Por exemplo, Pseudomonas sp e Sphingomonas sp têm sido reportadas na degradação de corantes da indústria têxtil, da nicotina, em compostos que apresentam os radicais metil e etil. Entre outras, as Pseudomonas aeroginosas são utilizadas na degradação de herbicidas. Recentemente, pesquisadores isolaram do solo o fungo Phaenerochaete chrysosporium. Este tem a capacidade de mineralização (precipitar), parcialmente, ou em alguns casos completamente, uma variedade de poluentes, que são resistentes à degradação [35,36]. Neste contexto, Spadaro et al. [37] estudaram a ação do Phaenerochaete chrysosporium na descoloração de efluentes têxteis, demonstrando que este fungo foi capaz de mineralizar alguns corantes. Assim, em 2000, Couto e colaboradores [38] observaram uma excelente eficiência no tratamento de uma amostra de resíduo simulada em laboratório alcançando descolorações de 95%, após o tratamento com o fungo Phaenerochaete chrysosporium. Em 2005, Chen e colaboradores [39] estudaram a biodegradação do surfactante não-iônico (Triton X-100), usando culturas de diferentes espécies de bactérias em diferentes condições ambientais (pH). Para esta biodegradação isolaram cinco tipos de microorganismos chamadas de bactérias (A, B, C, D e E). Nesse trabalho observaram que as bactérias A, B e C utilizaram o surfactante como fonte de carbono e as outras utilizaram os sais (NH4)2SO4 e KNO3 do meio como fonte de nitrogênio. A cinética de biodegradação foi eficiente em pH 7,0 para todas as bactérias em 18 h de incubação. Quiroga et al. [40] fizeram um estudo sobre a cinética de biodegradação de surfactantes (LAS e SDS) em águas do mar. Para isso propuseram um modelo cinético para avaliar a biodegradação do surfactante em duas temperaturas (5 e 20ºC), que resultava na conversão e combinação dos compostos orgânicos em CO2 e H2O. Verificaram que o SDS é melhor biodegradável pelas enzimas hidrofílicas presentes no meio, ou sintetizadas pelos microrganismos, enquanto que o LAS é mais resistente à biodegradação porque a ligação carbono entre o anel aromático e o enxofre do grupo sulfonato é mais difícil de ser quebrada biologicamente. Neste contexto, sobre biodegradação, as bactérias mais utilizadas são as Pseudomonas, elas são uma infinidade de espécies que agem no processo, mas não há muitos relatos na literatura sobre a biodegradação de surfactantes por estes microorganismos. Sabe-se que os microrganismos exibem duas estratégias para 19 assimilação ou metabolismo do substrato que são o catabolismo e o cometabolismo. No catabolismo, o substrato absorvido é quebrado em moléculas menores e vão gerar energia, consequentemente a biomassa microbiana aumenta às custas do substrato, e este diminui consideravelmente. Por outro lado, no cometabolismo ocorrem transformações de um substrato secundário biodegradável como fonte de carbono e energia. Desta maneira, pode transformar em outro composto sem retirar energia para seu desenvolvimento [40]. Corte et al. [41] informaram a primeira descrição de biodegradação do SDS através de amostras de oléo-diesel a 10ºC. Temperaturas maiores inibiram a biodegradação, devido à baixa resistência dos microrganismos a altas temperaturas. Neste sentido, Anderson e colaboradores [42] realizando testes com água de rio, mostraram que 25 mg.L-1 de SDS era biodegradado após 60-160 h a 5-10ºC. Depois, Marchesi et al. [43] informaram que 20 mg.L-1 de SDS era completamente biodegradado por bactérias do gênero Pseudomonas após 12,5 h a 25ºC. A biodegradação de surfactantes é assegurada em baixas concentrações ambientais. A maioria dos laboratórios estuda a biodegradação de surfactantes [43,44], a temperaturas mais altas que as normais na natureza, resultando na seleção de microrganismos que crescem nesta temperatura. Porém, o problema de poluição do surfactante é severo em temperaturas mais baixas como prevalece no ambiente ártico e alpino. Em 1979, Water e colaboradores [45] conseguiram biodegradar o surfactante catiônico na presença do surfactante aniônico testado em bebidas alcoólicas. Por um monitoramento, através de análises colorimétricas, alcançaram uma biodegradação de 95% em concentrações de 0,1-10 mg.L-1. Algumas propriedades do inóculo podem interferir no fenômeno da biodegradação acelerada, como por exemplo o conteúdo de areia e matéria orgânica. Inóculo com alto conteúdo de areia apresenta uma reduzida mineralização, sendo que o pH pode ter efeito notável neste processo. A diversidade microbiana é bastante afetada pelo pH, e estudos têm demonstrado que pequenas flutuações no pH podem ter efeitos na resposta microbiana frente aos resíduos industriais. A quantidade e o tipo de argila podem afetar grandemente o local onde há carbono orgânico estabilizado. Neste ambiente, por exemplo, as argilas podem aumentar a taxa de crescimento microbiano, especialmente durante a degradação inicial de substratos orgânicos prontamente disponíveis. Mas, por outro lado, poderão reduzir a perda de carbono na forma de CO2, aumentando a eficiência da utilização desse 20 elemento pelos microorganismos e ainda formando complexos com produtos de decomposição e com substâncias húmicas [46]. Os produtos formulados a partir de detergentes sintéticos, por sua vez, geralmente empregam ingredientes ativos do tipo aniônico, como os sais sódicos de alquilbenzenos sulfonatos ramificados (ABS) ou lineares (LAS), pequenas quantidades de ingredientes ativos do tipo não-iônico possuem como aditivos mais importantes o tripolifosfato de sódio, sem o qual a ação dos detergentes sintéticos perde muito em desempenho. A presença desses derivados de ABS ou de LAS no esgoto causa o inconveniente da formação acentuada de espuma nos cursos de água receptores (20,0 mg.L-1 são suficientes para formar espuma) [47]. Tanto o ABS quanto o LAS podem biodegradar-se parcialmente (biodegradação primária) ou completamente (biodegradação total), existindo um meio aeróbio adequado e transcorrendo um tempo apropriado. A biodegradação primária é aquela ocorrida quando a molécula é alterada pela ação de um microrganismo, de maneira que tenha perdido suas características de tensoativo ou que não mais responda a procedimentos analíticos para a detecção do tensoativo original. Oin et al. [48] avaliaram a biodegradação primária do surfactante catiônico (brometo de cetilpiridineo) e anfótero (N-dodecil-N,N-dimetil-betaína) através de agitação térmica por análises espectrofotométricas. Os resultados apresentaram uma biodegradação de 94%. Os autores também mostraram que a biodegradação do surfactante diminui com o aumento da cadeia e que a presença do grupo hidrofílico afeta a degradação do tensoativo,mas não sua biodegradabilidade. A biodegradação total ou mineralização pode ser entendida como sendo a conversão completa da molécula do tensoativo em CO2, água, sais inorgânicos e produtos associados com o processo metabólico normal da bactéria. Em 1990, Tauk [46] estudou a biodegradação de resíduos orgânicos no solo, através do húmus, em que verificou que a adição de um substrato orgânico, prontamente degradável, pode aumentar grandemente a liberação de CO2 do húmus no solo. O LAS pode sofrer mineralização biológica total, produzindo CO2, água e sulfato. O processo de biodegradação ocorre nas estações de tratamento de esgotos e na natureza, e pode ser descrito pela etapa de oxidação de um ou dois grupos metila da cadeia alquílica, transformando-os em grupos carboxílicos. A oxidação destrutiva do anel aromático é a outra etapa, ocorrendo a quebra da ligação carbono-enxofre, provocando a liberação de sulfato [19]. 21 A degradação do LAS é mais rápida que a do ABS porque um tensoativo é mais biodegradável quanto mais linear for seu radical lipofílico (apolar). Os isômeros dos alquilbenzenos sulfonatos, quando possuem o grupamento fenila ligado à extremidade da cadeia, sofrem biodegradação mais rápida com relação àqueles que possuem o grupamento fenila ligado ao centro da cadeia carbônica. A presença de muitas ramificações gera uma taxa de biodegradação extremamente lenta. Portanto, dentre os compostos apresentados a seguir, o isômero 2-fenil alcano degrada-se mais rapidamente (Figura 11). CH3 CHCH2 CH2 CH2CH2CH2CH2CH2CH2CH2 CH3 S O - O O mais biodegradável CH2 O CH3 CH CH3 CH2 CH S O O- CH2 CH2 CH2 CH2 CH2 CH3 menos biodegradável CH3 CH2 CH2 CH CH3 CH2 CH CH3 CH2 CH CH3 CH2 S O - O O pouco biodegradável Figura 11 - Efeito das ramificações das cadeias no processo de biodegradabilidade Geralmente, a biodegradabilidade depende da existência de condições aeróbias. O tratamento aeróbio do esgoto, ou a presença de condições de oxigenação intensa de águas receptoras, permite a redução acentuada dos possíveis malefícios decorrentes da ação desses surfactantes. Mongensen e colaboradores [49] demonstraram que o LAS é pouco resistente à biodegradação em condições anaeróbias. Tentaram sua digestão em água de esgoto, comprovando que a concentração do LAS depende do aumento da matéria orgânica durante a estabilização anaeróbica e sua transformação. Os sabões obtidos a partir de gordura animal e/ou vegetal, pelo fato de apresentarem cadeia carbônica linear, são rapidamente biodegradados no ambiente [50]. Bayona et al. [51] estudaram a biodegradação de alquilbenzenos (C11-C14) por culturas de bactérias Pseudomonas sp, revelando que a biodegradação do isômero aumenta quando o grupo fenil é localizado no final da cadeia alquil, na presença de molécula que 22 contém grupo sulfonato. Posteriormente, em 1993, Purcha et al. [52] estudaram a biodegradação do hidrocarboneto aromático policíclico (PAIIs) e o efeito da micela do surfactante não-iônico. Eles relataram completa biodegradação do hidrocarboneto pelas bactérias presentes no inóculo derivado do petróleo durante o monitoramento de 65 h. Aly e colaboradores [53] estudaram durante 13 dias a biodegradação do surfactante aniônico na presença dos compostos orgânicos hexadecano e naftaleno, usando dois tipos de solos, que continham petróleo. Demonstraram que o aumento da concentração de surfactante não inibe a biodegradação na presença destes compostos orgânicos presentes neste solo, sendo que o naftaleno degrada mais que o hexadecano. Alguns microorganismos estão envolvidos no processo de biodegradação de substâncias presentes em resíduos industriais, enquanto que outros usam produtos dessa degradação para sintetizar novos compostos. 3.4 – Análise de surfactantes Os surfactantes são importantes, em Química Analítica, são capazes de modidificar algumas propriedades reacionais (velocidade da reação, estereoquímica) com conseqüente melhoria em sensibilidade e/ou seletividade analítica. O emprego dos tensoativos em produtos naturais ou sintéticos, apresentaram um aumento significativo nos últimos anos, em praticamente todos os campos da Química Analítica. Muitos trabalhos utilizam os tensoativos, capaz de formar complexos, procurando melhorar o desempenho analítico, facilitando a quantificação não só do surfactante, mas também de outros compostos. A presença de surfactantes no meio reacional pode ocasionar a formação de um novo complexo com diferentes propriedades espectrais (usualmente com maior absortividade molar), além de poder proporcionar também maior estabilidade e seletividade quando comparado com o complexo binário. Estudos sobre os efeitos dos surfactantes na formação de complexos permitem concluir que maiores modificações espectrais ocorrem, quando a carga do surfactante responsável pela formação da micela é oposta ao íon do complexo, formado entre o reagente cromogênico e o analito [54]. A formação de complexos ternários pode ocorrer através de associação iônica, como ocorre com complexo catiônico, formado entre um íon-metálico e a 1,10-fenantrolina com o ânion vermelho de bromo-pirogalol [55]. 23 Uma forma de quantificar analiticamente espécies químicas, como os surfactantes, é a espectrofotometria UV-Vis. Esta é uma técnica muito explorada em função da sua robustez, custo relativamente baixo e grande número de aplicações desenvolvidas. Consultando o banco de dados do “Analytical Abstracts”, verificam-se mais de 30.000 citações relacionadas a esta técnica [56]. Os procedimentos espectrofotométricos envolvem, geralmente, medidas diretas de espécies que absorvem radiação eletromagnéticas, podendo também se acoplar a outras técnicas e/ou processos como cromatografia, eletroforese e análise em fluxo. A espectrofotometria é fundamentada na lei de Lambert-Beer, que é a base matemática para medidas de absorção de radiação por amostras no estado sólido, líquido ou gasoso, nas regiões ultravioleta, visível e infravermelho do espectro eletromagnético. Para medidas de absorção da radiação em determinado comprimento de onda, tem-se: A= log(I0/I) = εbc; em que A é a absorvância, I0 é a intensidade da radiação monocromática que incide na amostra e I é a intensidade da radiação que emerge da amostra. A absortividade molar (ε) é uma grandeza característica da espécie absorvente, cuja magnitude depende do comprimento de onda da radiação incidente, b é o caminho óptico (cm) e c é a concentração do analito na da amostra (mol.L-1) [54]. Para a determinação espectrofotométrica de espécies químicas de interesse na região UV-Vis, normalmente é necessário o uso de reagentes para a conversão da espécie de interesse em uma forma que permita a detecção de absorção de radiação com maior sensibilidade e/ou seletividade. Sendo assim, espécies que absorvem fracamente podem ser convertidas em compostos com maior absortividade molar, visando à determinação de menores quantidades do analito [57]. Em 1961, Ross et al. [55] usaram o surfactante catiônico brometo de N-cetil- N,N,N-trimetil amônio (CTAB) para determinar espectrofotometricamente o estanho empregando o violeta de pirocatecol (PCV) como reagente cromogênico. Um complexo vermelho foi formado entre o PCV e o estanho (IV) em pH 2,5, apresentando absortividade molar de 6,5 x 104 mol.L-1 e a medida espectrofotmétrica foi realizada em 555 nm. Considerando que o sistema de análise química por injeção em fluxo acoplada a espectrofotometria é uma técnica muito explorada, vários autores têm proposto a determinação do surfactante empregando esta técnica. Com o intuito de automatizar a 24 determinação de tensoativos catiônicos, Motomizu et al. [58] desenvolveram um método espectrofotométrico empregando o sistema FIA baseado na interação com indicador azo, alaranjado de metila,de etila, propila e butila em presença de tensoativo não-iônico. Os melhores resultados foram obtidos com o reagente cromogênico alaranjado de propila. A reação foi estudada em pH 6,8. Nesta condição, o indicador está protonado e apresenta máximo de absorção em 510 nm. Os tensoativos catiônicos (quaternários de amônio) reagem como o alaranjado de propila com máximo de absorção em 400 nm. Em presença do tensoativo aniônico TX-100 forma-se um agregado (micela) devido ao par iônico formado com o surfactante catiônico, com absorção máxima em 485 nm. Nesse trabalho Motomizu e colaboradores obtiveram resposta linear na faixa de 10-6 mol.L-1 e conseguiram determinar o tensoativo não- iônico na concentração de 0 a 3x10-5 mol.L-1 em batelada, e 0 a 2 x10-5 mmol pelo FIA. E para determinação do aniônico foi de 0 a 2x10-5 mol.L-1 em batelada e 0 a 5x10-5 mol.L-1 pelo FIA. Ambos os procedimentos foram aplicados em amostras de águas naturais para as determinações dos tensoativos catiônicos cloreto de alquiltrimetil amônio e cloreto de diestearildimetil amônio. Assim sendo, baseados no efeito solvatocrômico da interação entre indicador azo e íons hidrofóbicos, Motomizu e colaboradores [59] propuseram um sistema em fluxo para a determinação de tensoativos aniônicos com os indicadores azo alaranjado de metila, etila, propila e butila. O procedimento foi baseado na reação entre SDS ou DBS e o íon hidrofóbico do quaternário de amônio: cloreto de alquiltrimetil amônio formando um íon complexo estável. A fração residual do íon hidrofóbico reage com o indicador azo deslocando o máximo de absorção do indicador de 400 para 510 nm. Os melhores resultados foram observados quando foi utilizado o indicador alaranjado de propila, obtendo-se resposta linear entre 0,5 x 10-6 mol.L-1 e 8,0 x 10-6 mol.L-1, limite de detecção de 5,0 x 10-8 mol.L-1 e freqüência analítica de 50 determinações por hora. Nesta mesma época, visando explorar um novo procedimento analítico e também baseados no efeito cromogênico, Tripathi et al. [60] determinaram o Fe3+ na água de chuva observando o fenômeno da coloração, por meio da reação deste íon com o tiocianato de cobalto, com limite de detecção de 8,0 mg.L-1. Em 1998, Patel e Patel [61] propuseram um procedimento utilizando o sistema FIA, baseado na precipitação de indicadores catiônicos com tensoativos aniônicos para a formação de pares iônicos. Para isso, os autores investigaram os indicadores catiônicos verde brilhante, verde de malaquita, azul de metileno, violeta de etila e cristal 25 violeta com os tensoativos aniônicos SDS e DBS. Os melhores resultados foram observados quando utilizou-se o indicador catiônico verde brilhante para a formação de pares iônicos com SDS e DBS. Com o procedimento proposto, obteve-se linearidade entre 1,0 mg.L-1 e 20 mg.L-1, limite de detecção de 0,1 mg.L-1 e freqüência de amostragem de 50 determinações por hora. Este procedimento foi aplicado em amostras de águas de rio e efluentes domésticos. Em 1999, Patel e colaboradores [62] propuseram outro procedimento utilizando sistema FIA acoplado ao método espectrofotométrico baseado em formação de complexos ternários Fe (III), tiocianato de amônio e tensoativo catiônico DTAB, TTAB, CTAB e CPC. O método consiste no aumento da absorção em 410 nm com a adição do tensoativo catiônico ao complexo Fe(III)-SCN- . Com esse procedimento, Patel e colaboradores obtiveram linearidade entre 0,5 e 30 mg.L-1 e limite de detecção de 0,25 mg.L-1, sendo este limite de detecção maior que o trabalho de Tripathi (2.0x104mol.L-1 em 490 nm), para o íon ferro. Possívelmente as condições experimentais influenciassem esta diferença no limite de detecção. Estudos de potenciais interferentes não apresentaram interferência significativa. O procedimento foi aplicado em amostras de águas, efluentes domésticos, detergentes e xampus. Em 2000, Nemcova et al. [63] propuseram um sistema FIA para determinação de tensoativos catiônicos e não iônicos baseando-se na formação com Cu(II)- cromazurol S. Nesse caso, foram avaliadas as potencialidades do sistema FIA proposto obtendo-se resposta linear entre 0 e 13 mg.L-1, desvio padrão entre 4,4% e 0,5% e freqüência de amostragem de 120 determinações por hora. Muitas das inovações referentes à espectrometria de absorção molecular consistem em estratégias para o aumento de sensibilidade, permitindo que concentrações da ordem de nmol.L-1 sejam detectáveis. Nesse sentido, Sun et al. [64] desenvolveram um método espectrofotométrico para determinar o surfactante catiônico cloreto de benzildimetiltetradecilamônio em sedimentos, a partir de sua extração e separação por uma membrana de politetrafluoretoetileno (PTFE). O surfactante foi medido a 603 nm, obtendo resultados satisfatórios, atingindo de 85 a 100% de recuperação. Safavi et al. [65] fizeram a determinação dos surfactantes catiônicos brometo de dodecyltrimetilamônio (DTAB) e cloreto de cetilpiridíneo (CPC) em amostras de xampus. Esse procedimento foi baseado na quimiluminescência gerada durante a oxidação do luminol por N-bromosuccinimide NBS e N-colorosuccinimide NCS em 26 meio alcalino. O método é simples, rápido e seletivo para o sistema FIA, com um limite de detecção de 0,86x10-5 mol.L-1 para DTAB e 0,42x10-5 mol.L-1 para o CPC. Em 2005, Lavorante et al. [66], baseado em trabalhos anteriores [67], determinaram o surfactante aniônico dodecil sulfato de sódio (SDS) por FIA com o metil orange (MO) em pH 5,0, na presença do surfactante catiônico cloreto de cetilpiridíneo (CPC). Por meio da formação do par-iônico CPC+MO, e posteriormente na presença de SDS, ocorre a substituição do MO pelo surfactante aniônico SDS, o qual será determinado. O método proposto apresentou um limite de detecção de 0,0034 mg.L-1 para o tensoativo aniônico. Devido à versatilidade de aplicações dos surfactantes torna-se necessária sua determinação em águas naturais de maneira a verificar seu potencial de contaminação, com a intenção de diminuir o consumo de solvente e o volume de efluente gerado na análise de tensoativos aniônicos. Nos Estados Unidos, o limite permitido é de 700,0 µg.L-1 em amostras de água para o consumo humano e 1,0 mg.L-1 para peixes. Neste contexto, Torralba et al. [68] desenvolveram um procedimento em multicomutação para determinar o surfactante aniônico dodecil sulfato de sódio (SDS) em amostras de água. Basearam-se no método de referência (azul de metileno), que determina o par iônico formado com o azul de metileno (MB) e o tensoativo. Este método proposto por Torralba e seus colaboradores foi um procedimento analítico muito importante, pois reduziu a quantidade de clorofórmio e lã de vidro que trazem incômodo para quem os manuseia, e são caros, assim conseguiram aumentar a produtividade do laboratório. Deste modo, teve-se uma redução de 35 vezes no volume de efluente gerado, reduzindo o volume em torno de 97%, sem perdas de sensibilidade. Os pesquisadores obtiveram uma faixa linear entre 0,2 mg.L-1 a 1,7 mg.L-1 de SDS , com limite máximo de detecção de 1,7 mg.L-1 e desvio padrão de 5,9% e freqüência de amostragem de 40 determinações por hora. Também foram realizados estudos de potenciais interferentes, e não foram observadas interferências significativas. O procedimento foi aplicado para amostras de efluentes domésticos e industriais e os resultados foram comparados com o método de referência em que não foi observada diferença significativa em nível de 95% de confiança. Obtendo uma redução em torno de 97% do consumo do solvente orgânico (clorofórmio). Após consultar a literatura, e baseando no trabalho de Torralba [68], na presente dissertação foram utilizadas duas metodologias de referência em batelada para quantificarmos os tensoativos: 27 1 - método do Azul de Metileno (MBAS), substâncias ativas ao azul de metileno, para quantificar o
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