Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LEGISLAÇÃO DO TRABALHO Publicação Mensal de Legislação, Doutrina e Jurisprudência Diretor Responsável ARMANDO CASIMIRO COSTA (1937-2014) ARMANDO CASIMIRO COSTA FILHO (2014-2018) Diretor Financeiro MANOEL CASIMIRO COSTA Fundador Conselho Editorial IVES GANDRA MARTINS FILHO (Pn,idente) MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI NELSON MANNRICH SÔNIA MASCARO NASCIMENTO MELCHÍADES RODRIGUES MARTINS VASCO DE ANDRADE Conselheiros Eméritos Benfejtor AMAURI MASCARO NASCIMENTO (1989-2014) JOSE CASIMIRO COSTA IRANY FERRARI (1990-2012) I ANO 83 • Nº 10 • OUTUBRO DE 2019 • SP • BRASIL • ISSN 1516-91541 -LEI N. 13.874, DE 20.9.2019- DOU 20.9.2019, ED. EXTRA 20.9.2019 ÇÃO DE LIBERDADE ECONÓMICA -REFORMAS PARA O BEM COMUM - lves Gandra Martins Filho - UBERIZAÇÃO E TRABALHO AUTÓNOMO - Georgenor de Sousa Franco Filho -A TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE-FIM E A (DES)PROTEÇÃO -José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva -ELA, A JUSTIÇA DO TRABALHO EM XEQUE - Benizete Ramos de Medeiros -PARA ALÉM DO EMPREGO: OS CAMINHOS DE UMA VERDADEIRA REFORMA DO DIREI- TO DO TRABALHO - Alain Supiot - DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA TRABALHISTA INCONSTITUCIONAL PELA VIA DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO: O CASO DA TERCEIRIZAÇÃO -Leonardo Tibo Barbosa Lima -DANOS MORAIS COLETIVOS- A QUESTÃO DA TARIFAÇÃO EM SEDE DE AÇÓES COLE- TIVAS LABORAIS- AS TRAGÉDIAS AMBIENTA15-LABORAIS -Marcelo Freire Sampaio Costa -DA FRAUDE NA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA ATRAVÉS DO CONTRATO DE ESTÁGIO - Rocco Antonio Rangel R. Nelson, Walkyria de O. Rocha Teixeira e Isabel C. A. de S. Rosso Nelson REPOSITÓRIO DE jURISPRUDÊNCIA ------ A Revista LTr, com tiragem superior a 3.000 exemplares e circulação em todo o Território Nacional, é Repositório autorizado de jurisprudência para indicação de julgados, registrado no Supremo Tribunal Federal sob n. 09/85, e no Tribunal Superior do Trabalho sob n. 02/94. Os acórdãos publicados neste número correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas Secretarias dos respectivos Tribunais. Revista LTr. 83·10/1162 1. Definindo o aplicativo Uber Urna espécie diferenciada de motorista de trans- porte privado individual merece especial atenção justo porque é muito questionada a sua condição de autônomo ou de subordinado. Trata-se daquele que trabalha utilizando um aplicativo (E-hailing) dis- ponível para celulares que conecta motorista a pas- sageiros, oferecendo um serviço semelhante ao táxi tradicional. O mais famoso aplicativ~ foi criado pela empresa Uber, uma multinacional nO[te-americana, fundada como UberCab, em 2009, por'C;arrett Camp e Travis Kalanick, que presta serviços eletrônicos, e que che- gou ao Brasil em 2014, tendo registrado, em 2018 um crescimento de corridas de 45% em relação a 2017(1l. Após, outros surgiram (Lyft, Cabify, Easy, WillGo) com as mesmas características. Existem cinco espécies de Uber, destacando-se o UberX, que é seu principal serviço, disponível para carros mais simples, e o Uber Black, para carros de luxo de cores prata ou preto com tarifas elevadas. Os demais cuidam de transporte de animais, bagagens e bicicletas. A questão principal, além da disputa entre os mo- toristas de táxi regular e os de· transporte Uber, é acer- ca da existência ou não de relação de emprego entre o motorista e a empresa Uber, que administra o aplica- tivo, e que pode ser alegado existir entre os dois um contrato de parceria. Nesse particular, inicialmente o que teríamos é um contrato no qual a operadora da plataforma (a Uber) funciona como intermediadora, sob demanda, dos serviços de transporte privado individual. Parece ser difícil o controle regular das atividades dos motoristas Uber, porque teriam, em tese, total (''") Palestra proferida no Seminário da AMATRA-8, em Belém (PA), em 6.9.2019. (**) Georgenor de Sousa Franco Filho é Desembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8" Região, Doutor em Direito lntemacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa e Professor Titular de Direito Intemadonal e do Trabalho da Universidade da Amazônia, Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro de Número da Academia Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social e Membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Brasileira de Seguridade Social, da Asociación Iberoamericana de Derecho dei Trabajo y de la Seguridad Social e da Academia Paraense de Letras Jurídicas. (1) Cf. <https://gl.globo.com/economia/tecnologia/notida/ 2019/02/15/uber-recebe-us-50-bi-em-corridas-em-2018-mas-lucro- ainda-nao-aparece.ghtmb. Acesso em: 4 set. 2019. Vol. 83, n!! 10, Outubro de 2019 UBERIZAÇÃO E TRABALHO AUTÔNOMO(•> Georgenor de Sousa Franco Filho (**) liberdade de escolher quando e onde se conectariam ao aplicativo para atender possíveis passageiros, usariam seus próprios veículos e receberiam a maior parte do valor da corrida realizada. Importaria, então, em ine- xistência de subordinação como conhecida tradicio- nalmente. Estamos diante do word an-demami, quando o trabalhador atua quando é chamado. Acrescente-se, ainda, que iniciam as plataformas Uber e seus similares a adotar algoribno para dar segurança a motoristas e usuários, substituindo a tecnologia de machine leaming para identificar riscos. No entanto, o preço da corrida não é fixado pelo motorista, que precisa estar devidamente cadastrado; o pagamento é efetuado por meio de cartão de crédi- to à empresa Uber que repassa a parte do motorista, mas o pagamento também pode ocorrer em moeda corrente diretamente a este, que transferirá à Uber o percentual correspondente. Em outros termos, o fa- turamento (isto é, o valor da corrida) é rateado entre empresa e motorista, aproximando, nesse aspecto, de um contrato de parceria. O trabalhador, por sua vez, deve possuir Um veículo de razoável luxo e sempre estar vestido com roupa social completa (preferen:. cialmente, temo e gravata). Embora não cumpram horário, é recomendado que o aplicativo seja mantido no modo online, e, ao não proceder dessa forma, pode ser penalizado. Im- pende observar que isto pode demonstrar o afasta- mento de uma das características do contrato regular de trabalho: a não-eventualidade, pelo fato de que o motorista por, sponte sua, colocar-se offline e apenas poderá ser avisado de que poderá ter bloqueado seu acesso. Afora isso, os motoristas passam por avaliação dos próprios passageiros-usuários, que, através de notas e eventuais gratificações in pecúnitz, pontuam a favor ou contrariamente ao motorista que, mal ava- liado, pode ser descredenciado. Considerando os argumentos aduzidos pela pró- pria empresa Uber e as características que se verifica na realidade do trabalho desenvolvido, será possível reconhecer vínculo empregatício entre a empresa Uber e os motoristas que usam seu aplicativo? Precisamos considerar o surgimento de novas for- mas de trabalho, muitas, como esta, decorrentes das novas tecnologias que mudaram a vida das pessoas. Trata-se de uma inovação disruptiva que leva a so- ciedade a uma readaptação e a reavaliação de seus costumes tradicionais. Vol. 83, n210, Outubro de 2019 Tendo em vista os traços caracterizadores da re- lação de emprego, parece que na relação Uber versus motorista o que existe não é um contrato de parceria, mas aparentemente um vínculo empregatício bem delineado. Pelo menos, esta é a impressão preliminar do fenômeno da uberização. No entanto, essa ideia inicial acaba ganhando novos contornos e outras con- siderações precisam ser feitas. Com efeito, temos a subordinação representada pela submissão dos motoristas às regras da Uber; a não eventualidade poderia ser identificada pelo cumprimento de jornada mínima de trabalho sem o que o motorista perde o acesso ao uso do aplicativo; a pessoalidade, pela impossibilidade de transferir os trabalhos a outro motorista, sem cadastramento pré- vio; e a remuneração decorrente çia transferência de parte do pagamentoefehlado pelo cliente, em cartão de crédito, à Uber para o motorista, mas o pagamento também pode ser diretamente ao motorista. Aparen- temente estariam passíveis de identificação os tradi- cionais requisitos da relação de trabalho subordinado. Esta é uma realidade nova no mundo do trabalho que exige cautela e detido exame de prova quando for submetido ao exame do juiz. A partir daí, talvez o entendimento possa vir a se alterar. 2. Tratamento legal em temas similares A atividade do motorista Uber, da mesma forma como de outros aplicativos (Cabify, WillGo, Easy etc.), possui algum controle do Estado, com a sanção da Lei n. 13.640, de 26.32018, que, ao alterar a Lei n. 12.587, de 3.1.2012, passou a regulamentar o trans- porte remunerado privado individual de passageiros. Com efeito, o inciso X do art. 4' da Lei n. 12.587/2012 define transporte remunerado privado individual de passageiros, como sendo o serviço remunerado de trans- porte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. Não cuida a lei alterada de questões trabalhistas envolvendo motorista Uber ou similar e o aplicativo. Trata da regularização da atividade, reconhecendo a legalidade, e apenas a relação deste com o ente públi- co, que cabe a concessão da autorização, Município ou Distrito Federal, como explicitado no art. 11-A da Lei n. 12.587/2012: "Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios. Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municipios e o Distrito Federal deverão observar as se- guintes diretrizes, tendo em vista a eficíêncía, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço: I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação da serviço; II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiras (APP) e da Segura Obrigatório de Revista LTr. 83~10/1163 Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); III - exigência de inscrição do motorista como contri- buinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nas termos da alínea h da incisa V da art. 11 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991." Adiante, o art. 11-B da mesma lei apresenta as con- dições para o motorista de aplicativo poder desenvol- ver sua atividade, a saber: "Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado priva- do individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamen- tação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: I- possuir Carteira Nacional de Habilitação na cate- goria B ou superior que contenha a informação de que exer- ce atividade remunerada; li - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autorida- de de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; III- emitir e manter o Certificado de Registro e Licen- ciamento de Veículo (CRLV); IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. Parágrafo único. A exploração dos serviços remunera- dos de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regula- mentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros." Preenchidos esses requisitos e essas condições, a atividade estará regularizada, o aplicativo poderá ser utilizado nas cidades brasileiras. Quanto à relação jurídica entre o trabalhador motorista e o aplicati- vo, e o evenhlal reconhecimento de uma relação de emprego, a matéria ficará à conta da prova nas ações que eventualmente tramitarem na Justiça do Traba- lho e ao bom senso e discernimento dos magistrados trabalhistas. De aduzir, ainda, que tramita o Projeto de Lei n. 7.376/2017, que pretende cuidar do uso de aplicativos em rede de comunicação no transporte de passagei- ros por meio de mototáxis, o que, de todas as formas, sinaliza mais um avanço nesse tipo de relação. Saber se os motoristas uberizados passaram à condição de empregados do aplicativo Uber Ou são apenas seus usuários é uma questão bastante tormen- tosa, como já ternos destacado, e as posições conti- nuam extremamente divergentes. Urna coisa já é certa: o motorista de aplicativo in- dependente, o motorista Uber ou similar, está incluí- do como microempreendedor individual, o MEl, nos termos da Resolução n. 148, de 2.8.2019, do Comitê Gestor do Simples Nacional. 3. Jurisprudência e direito estrangeiro e jurispru- dência brasileira Nos Estados Unidos, a Justiça americana está demonstrando tendência a reconhecer a relação de Revista LTr. 83-10/1164 emprego<2>, e um projeto de lei no Estado da Califór- nia pretende transformar em empregados os motoris- tas da Uber e da Lift, atualmente contratados como independentes(3>. No Reino Unido, o Emplayment Appeals Tribunal (Tribunal de Recursos de Trabalho), situado em Lon- dres, reconheceu, em 2017, dois motoristas da empre- sa Uber como empregados, garantindo-lhes certos direitos trabalhistas (Appeal n. UKEAT /0056/17 I DA - Uber BV vs. Aslam (2017)''', e, foi retirada a licença para o aplicativo operar devido a "falta deres- ponsabilidade corporativa". Em Portugal, a Lei n. 45, de agosto de 2018, cuida de um regime jurídico para a atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículo descaracterizado, através de plataforma eletrônica, prevendo, inclusive, controle de jornada. Na Dinamarca, a Uber decidiu encerrar suas operações após a aprovação de regras mais rígi- das, e ações judiciais têm sido ajuizadas contra ele na Espanha, Itália, Grécia e França{5). O Tribunal de Justiça da União Europeia, em acór- dão de 20.12.2017, apreciand,o questão prejudicial en- volvendo a Asociación Profesi~I Elite Taxi, Barcelona (Espanha), e a Uber Systems SJ]ain, ligada à Uber Tech- nologies Inc., entendeu que a Uber não é apenas uma empresa de tecnologia, mas sim desenvolve uma ati- vidade indissociavelmente vinculada a um serviço de transporte urbano não coletivo, não se tratando de um serviço de conexão digital (6>. No Brasil, desde sempre, existiram notícias de ações em vias de ajuizamento na Justiça do Traba- lhd7J. V árias foram ajuizadas e julgadas. Nesse rol, no TRT da 3' Região, o RO 0010806- 62.2017.5.03.0011 admitiu a existência de vinculo em- pregatício. Em síntese, entendeu que o motorista não exerce as atividades por sua iniciativa e conveniência, não se auto-organiza, nem deixa de se submeter ao (2) Cf. <http:l /gl.globo.com/economia/noticia/2016/08/juiz~ dos-eua-rejeita-tentativa-de-acordo-do-uber-com-motoristas.html>. Acesso em: 31 out. 2016. (3) Cf. https:/ /www.nytimes.coml2019/081291technology/ uber-lyft-ballot-initiative.html. Acesso em: 4 set. 2019. (4) Disponível em: <https:l lassets.publishing.service.gov.uk/ media/ 5a046b06e5274a0ee5a 1f171 IUber_B.V._and_Others_ v_ Mr_Y_Aslam_and_Others_UKEAT_0056_17 _DA.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2019. (5) Disporúvel em: https:l ltecnoblog.net/230495/uber-servico- taxi-comissao-europeial. Acesso em: 17 ago. 2019. (6) A ementa do acórdão registra: Reenvio prejudicial - Artigo 56, TFUE -Artigo 58, n. 1, TFUE- Serviços no dominio dns transpurtes - Diretiva 2006/123/CE - Serviços no mercado interno - Diretiva 2000/31/CE- Diretiva 98/34/CE- Seroiços da sociedade da informação- Serviço de intennediaçiio que pennite, através de uma aplimção para telefones inteligentes, estabelecer a ligação, mediante remuneração, entre motoristas não profissiomlis que utilizam o seu próprio veiculo e pessoasque pretendam efetuar deslocações urbaruls - Exigência de uma autorização. Disponível em: <http: I I cwia.europa.eu/juris/ document/ document.jsf?text=& docid= 198047 &pagelndex=O&dodang=pt&mod.e=lst&dir=&occ=first &part=1&cid=3218839>. Acesso em: 18 ago. 2019. (7) Cf. <http:l /www.em.com.brlapp/notic:ialeconomial 2016 I 09 I 19 I internas_ economia,805379 I ex -motorista-do-uber-em- bh·vai-a-justica-pedir-direitos-trabalhistas.shtml>. Acesso em: 31 out. 2016. Vol. 83, ne 10, Outubro de 2019 controle da empregadora. Trata-se de típico contrato de adesão com expressa previsão de que o motorista é obrigado a aceitar os termos e condições nele estipu- lados. No que refere a subordinação, destacou que o motorista somente toma ciência do destino escolhido pelo usuário, quando o recebe em seu veículo e dá o comando de início da corrida. Destacou a Corte ainda a ausência de liberdade na estipulação do valor do trabalho prestado pelo próprio motorista de aplica- tivo o afasta, completamente, da condição de autô- nomo, e o fato de a avaliação do motorista realizada pelo cliente da corrida busca assegurar um padrão de qualidade dos serviços no interesse da empresa Uber, além de o motorista arcar com as despesas do veículo, representando, na realidade, talvez a face mais per- versa das condições impostas pela empresa para o trabalho via aplicativo Uber. f8> O mesmo Terceiro Regional apresenta decisão diversa: "Motorista cadastrado no aplicativo Uber. Ausência de relação de emprego. A finalidade do aplicativo desen- volvido e utilizado pela reclamada é conectar quem necessita da condução com quem fornece o transpor- te, sem os pressupostos dos arts. 2º e 3º da CLT, em especial a pessoalidade e a subordinação jurídica, o que impede o reconhecimento da relação de emprego (R0-0010795-02.2017.5.03.0183, Relator: Convocado Danilo Siqueira de C. Faria, Quinta Turma)." Em sentido contrário, o TRT da 2ª Região, julgan- do o RO 1001574-25.2016.5.02.0026, não reconheceu vínculo, e o aresto está assim ementado: "O sistema Uber, na verdade, vem a ser uma plata- forma tecnológica, de modo a facilitar o contato entre o proprietário do veículo cadastrado e o cliente. Mal comparando com as cooperativas de táxi, a diferença é que os motoristas da empresa Uber têm a comodi- dade de não precisarem aguardar os passageiros nos pontos de encontro nas ruas, podendo aguardar os chamados em casa, ou em qualquer outro local, facili- tando a prestação do serviço para ambas as partes. Os meios tecnológicos servem para aprimorar e facilitar o modo de vida das pessoas. E, atuando o motorista em nome da empresa, e sendo ela também responsá- vel por eventuais irregularidades que possam ser co- metidas pelo condutor, cabe a ela estabelecer as regras de procedimento na execução dos serviços, o que não se confunde com o poder diretivo do empregador. A partir do momento em que o motorista se cadastra na plataforma da Uber, adere .a diversas cláusulas a fim de que a prestação dos serviços também seja uni- forme e com qualidade. Os princípios constitucionais da livre-iniciativa e da livre concorrência (art. 1º, N c/c art. 170, III, da CF) garantem o desenvolvimen- to econômico-produtivo livre, desde que pautado na (8) Disponível em: <https:l lpje-consulta.trt3.jus.br/consulta p roce ss u a 1/ detalh e 4 processo 1001 0806622017 5030011 >. Acesso em: 17 ago. 2019. Igualmente reconhecendo relação de emprego os processos 1000123-89.2017.5.02.0038, da 211 Região, e 0011359.34.2016.5.D3.0112, da 311 Regia.o. Vol. 83, nº 10, Outubro de 2019 função social da propriedade (art. 5º, XXIII c/ c art. 170, III, CF)."'" Temos, então, que está plenamente caracterizado o dissenso jurisprudencial entre tribunais de segundo grau em nosso país, ensejando, e aguardando, a mani- festação do Tnbunal Superior do Trabalho para indicar um norte a ser seguido, e, mais, pela via extraordiná- ria, a apreciação do Excelso Pretória que, como palavra final, poderá apontar a direção que devem seguir os julgadores das instâncias inferiores. Note-se que, em 28 de agosto deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (ST)) decidiu, no CC 164.544-MG, que é da competência da Justiça Federal, e não da Jus- tiça do Trabalho, o exame de pedido de indenização em razão de cancelamento unilateral e suspensão do uso de aplicativo por motorista Uber, ao entendimen- to de que se trata de contrato de natureza civil<10l. Passemos a fazer necessárias considerações sobre esse julgado. De início, haver uma equivocada in- terpretação do inciso IX do art. 114 da Constituição, quando trata de outras controvérsias decorrentes da re- lação de trabalho. Ademais, não pretendeu o autor da ação questionar matéria trabalhista, mas sim- e ai o acórdão está corretíssimo- obter o cumprimento do contrato que, a seu ver, estaria violado para retornar ao uso do aplicativo. Ora, devemos considerar alguns aspectos que chamam a atenção. O motorista de aplicativo pode ser um MEl, como tal não obsta que possa ser asse- melhado a um pequeno empreiteiro (celebrado um contrato com o aplicativo para fazer transporte de passageiros). Sendo um pequeno empreiteiro, a competência para apreciação de demanda questionando até mesmo o contrato celebrado deveria ser da Justiça do Trabalho, a teor do art. 652, III, da CLT. É certo que não se trata de operário ou artífice na acepção mais tradicional das palavras, mas ninguém pode negar que esse motoris- ta, como artífice, executa sua arte (dirigir) conforme as tarefas que lhe são atribuídas, e, como operário, deve- mos admitir que se trata de todo aquele que trabalha, subordinada ou autonomamente. Devemos ressaltar, ainda, que o tema submetido à decisão do STJ versava apenas sobre competência. Esse deveria ter sido o limite da decisão: afirmar quem seria competente para apreciar a demanda. Acredita- mos que a Corte Superior avançou sobre matéria que não lhe cabia apreciar naquele momento, mesmo por- que, mesmo sem qualquer contraditório, ao afastar a possibilidade de existência até mesmo de relação de trabalho adentrou no mérito da ação, suprimindo ins- tâncias que poderiam rever esse assunto. (9) Disponível em: <https:l lconsulta.pje.trtsp.jus.brlconsulta processual I pages I consultas I DetalhaProcesso .seam ?p _num_ pje=1214602&p__grau__pje=1&p_seq=1001574&p_vara=26&dt_autua cao=30%2F08%2F2016&cid=6654>. Acesso em: 17 ago. 2019. (10) Trata-se do CC 164.544-MG, de 28.82019. Rei.: Min. Moura Ribeiro (Disponível em: <https:l lww2.stj.jus.brlprocessolpesquis al?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&tenno=201900799 520&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 3 ago. 2019.) Revista LTr. 83-10/1165 Assim, com a devida verua, entendemos que, quanto à decisão do ST), (1) o contrato celebrado entre o motorista de aplicativo e a plataforma cuida de relação de trabalho, e deveria ser apreciado pela justiça do Trabalho (art. 114, IX, da Constituição); (2) a condição de MEl atribuída pela legislação brasilei- ra assemelha o motorista de aplicativo ao pequeno empreiteiro; (3) as questões relativas ao contrato de empreitada dessa natureza devem, também por esse fundamento, ser da competência da Justiça do Traba- lho; (4) tudo leva a conduzir que o ajuste entre ambos é a consagração de um trabalho de natureza autôno- ma, sem a subordinação habitual que encontramos no Direito do Trabalho tradicionaL De aduzir que, conquanto possa se tratar de uma nova modalidade de interação econômica, surgindo a sharing economy (economia compartilhada), quan- do os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma, esse fato, relevan- te sem dúvida, não afasta a existência de relação de trabalho entre ambos, sendo de consumo a relação entre o passageiro e o motorista de aplicativo, que, inclusive, por este é avaliado, sujeitando às sanções contratuais. 4.Visão prospectiva O que se pode esperar da jurisprudência brasileira em termos de reconhecer ao não relação de emprego entre o motorista e o aplicativo (seja Uber, seja outro similar)? As expectativas conduzem ao reconhecimento do vínculo laboral subordinado, mesmo com a recente decisão do STJ que mencionamos acima, pelo menos nos próximos anos, porém é imperioso considerar o disposto no art. 442-B da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/2017, dispondo: "Art. 442-B. A contratação do autônomo, cum- pridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação." De acordo com esse dispositivo, apesar das deci- sões no sentido de existir a liame empregatício, tudo leva a considerar que os motoristas de aplicativo se- rão considerados autônomos, e, assim, terão afastada a condição de empregados. Corrobora que não deve- mos esquecer que o motorista poderá utilizar, simul- taneamente, outros aplicativos e, em sendo chamado, atender o pedido que lhe for mais conveniente. Com efeito, com a modernização flagrante das relações de trabalho, a precarização do emprego, e a busca por melhores condições de vida, poderá ense- jar a existência do chamado Crowdsourcing ou Crowd- work, caracteristicamente trabalho autônomo, aliado ao word-on-demand, fruto dessa GIG Economy que do- mina o mundo e o dominará ainda mais futuramente. O próprio controle que existe atualmente, represen- tado sobretudo pela avaliação feita pelo cliente, nada mais é do que a aplicação de complíance nesse tipo de Revista LTr. 83-10/1166 relação, o que, por si só, não deve levar a fechar ques- tão sobre a existência de vínculo empregatício. Afinal, não devemos esquecer que caminhamos para o carro autônomo e a tendência das cidades é a adoção de mecanismos extremamente fáceis e coleti- vos de mobilidade urbana. I \ Vol. 83, ne 10, Outubro de 2019 Em resumo, a uberização não é reversível, certa- mente será aperfeiçoada dia a dia, e, em vistas das mudanças interpretativas do conceito de subordi- nação, afastará, futuramente, a relação de emprego, admitindo a existência de trabalho autônomo, no modelo sharing economy, que importa em economia compartilhada. ---*---
Compartilhar