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Centro Universitário Ritter dos Reis – Direito das Relações do Trabalho – 2022/1 ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA O texto Uberização – Um estudo de caso – As tecnologias disruptivas como padrão de organização no trabalho no século XXI busca elucidar a existência dos requisitos caracterizadores do vínculo de emprego na relação entre o motorista e a Uber. Nesse sentido, há de se ressaltar, primeiramente, que a Uber se trata de uma tecnologia disruptiva, uma vez que acumula considerável capital a ponto de sequer darem chances para a concorrência e, além disso, visa um modelo de organização pelo qual a extração de valor do trabalho humano é evidenciada. Na mesma esteira de raciocínio, em que pese a Uber identifique- se como uma plataforma de tecnologia, a verdade é que, tranquilamente, pode ser considerada como uma empresa de transporte, a qual visa o lucro. Não obstante, para que a relação de emprego esteja configurada devem estar configurados os seguintes elementos: ser pessoa física, a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade e a subordinação. Nessa esteira de raciocínio, verificada a situação de que a Uber selecionava as pessoas que integrariam o quadro da empresa, incluindo fornecendo cursos e submetendo candidatos à vaga a testes específicos, a pessoalidade e o fato de ser pessoa física estão caracterizados. Seguindo, também é corroborado que os motoristas não possuem o gerenciamento do negócio no que diz respeito a valores, pelo contrário, a empresa estipula de forma exclusiva, sendo esta que repassa os valores ao trabalhador. Logo, a onerosidade resta configurada, ao passo que o trabalhador prestando o serviço aguarda a contraprestação. Outrossim, a não eventualidade do trabalho era exigida pelos motoristas por parte da empresa, bem como a subordinação existe em razão da submissão dos motoristas em relação à Uber, a qual determina modo de desenvolvimento de prestação de serviços e controle, exercendo, portanto, seu poder regulamentar. Nesse sentido, inclusive a empresa utilizava das notas dadas pelos usuários após as corridas para exercer uma espécie de poder sobre os trabalhadores e a prestação de serviços por meio de um algoritmo. Visto isso, o fato é que houve a inserção do motorista junto ao núcleo da atividade empresarial da Uber, até mesmo porque aconteceu o oferecimento de prestação laboral indispensável para os fins da atividade empresarial. Diante de todo o exposto, portanto, existe a relação de emprego entre o motorista e a referida empresa, portanto, devendo estar amparada pela normativa trabalhista. Não menos importante, a questão de o motorista estar plugado com seu smartphone, bem como aguardando o chamado de usuários para o deslocamento de percurso, por si só, caracteriza a jornada de trabalho. Isto porque se trata de hora trabalhada. Neste ponto, frisa-se inclusive a fragilidade em face dos motoristas relacionada de que muitos realizam viagens além da jornada de trabalho habitual, cuja sobrevivência depende da prestação de serviços por longos períodos e estão à mercê de qualquer tipo de direito trabalhista. Destarte, o que se vê é o enriquecimento ilícito empresarial. No caso específico, no que diz respeito à habitualidade, visualizando os arts. 2º e 3º da CLT, em que pese as novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais, motivo este que possibilita o motorista utilizar o aplicativo quando bem entender, há que se levar em consideração que a maioria dos usuários utilizam a empresa Uber como fonte primária de sustento. Logo, diante dessa situação, o motorista se obriga a utilizar o aplicativo com alta frequência, vez que necessita da contraprestação. Além disso, conforme bem extraído do texto anteriormente sintetizado, várias testemunhas do caso da Uber (dentre eles funcionários internos da empresa), foram uníssonos em apresentar que o possível afastamento do elemento da subordinação não é cabível, considerando que em vários momentos houve a vinculação de metas, observância de cláusulas contratuais, código de conduta, instruções de comportamento, demonstrando, portanto, que o motorista é subordinado da empresa. "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - RITO SUMARÍSSIMO - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS OU APLICATIVOS CAPTADORES DE CLIENTES (99 TECNOLOGIA LTDA.) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as empresas detentoras da plataforma de tecnologia (no caso, a 99 Tecnologia Ltda.) e os motoristas que delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC) e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a 99 Tecnologia Ltda . e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Reclamada ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da 99 Tecnologia Ltda . , no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela 99 Tecnologia Ltda . , de cota parte do motorista, entre 75% e 80% do preço pago pelo usuário, serem superiores aoque este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos, como no caso de plataformas semelhantes (ex: Uber). 5. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, ao fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo. Agravo de instrumento desprovido " (AIRR-1000605- 23.2021.5.02.0062, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 08/04/2022). Diante de todo o exposto e consoante o acórdão colacionado acima, portanto, a relação Uber-motorista possui evidente presunção constitucional de que o vínculo empregatício é existente entre ambos. Além disso, não é crível estabelecer atos que vão em desencontro ao art. 9º da CLT. Não obstante, no momento em que é admitida a prestação de serviços pelo empregador, diante da presunção relativa de vínculo empregatício, o ônus da prova para provar o contrário será do empregador, nos termos do art. 818, CLT. Diante disso, por todos os fatores extraídos do caso, não assiste razão à empresa Uber, ao passo que todos os elementos integrantes da relação de emprego foram configurados. Ora, no contrato de emprego celetista, onde o trabalhador é submetido ao poder de controle do empregador e se diz onde, como e quando aquele irá trabalhar, motivo pelo qual muito bem estipulado pelo Tribunal Superior do Trabalho considerou que de fato existe um contrato de trabalho entre a Uber e o motorista, uma vez que há subordinação entre as partes. Em seguida, no momento em que uma pessoa física ou jurídica estabelece atividade econômica ou não, entretanto, admita, assalarie e dirija a prestação de serviço, será considerado empregador, apto a responder pelo subordinado. Ocorre que o caso em tela é de expressa delicadeza, mormente pelas transformações sociais que estão diretamente ligadas às tecnológicas e, esta última, implica diretamente nas relações de trabalho, mas caberá limitá-la para que os efeitos não causem prejuízos aos direitos fundamentais dos indivíduos. Dito isso, considerando que a empresa Uber atua como intermediária na relação existente entre o cliente e o motorista, não há que se falar que se trata de um simples aplicativo tecnológico, até mesmo porque se beneficia do trabalho do motorista, indo além, depende do motorista para gerar receitas e, consequentemente, ter lucro. Assim, essa relação deve ser analisada por invocação do princípio da primazia da realidade, ambas as partes possuem vontade de se manterem na relação, o motorista se declara como empregado e a Uber como empregadora. Além disso, nas relações trabalhistas deve estar presente o princípio da dignidade da pessoa humana, o que, conforme bem decidido na decisão colacionada, não estava presente, pois a relação jurídica em tela visa explorar a mão de obra do motorista, mas não lhe é garantido os direitos expressos na Constituição Federal, quais sejam: FGTS, INSS, 13º salário, auxílio-maternidade, seguro-desemprego e férias, dentre outros. Nesse sentido, o entendimento de Luiz Roberto Barroso, Ministro do Superior Tribunal Federal: A dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo jurídico dos princípios vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade. O elenco de prestações que compõem o mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de quem o elabore, mas parece haver razoável consenso de que inclui: renda mínima, saúde básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos (BARROSO, 2001, p.40). Ainda sobre os elementos caracterizadores do vínculo empregatício, não há dúvida da existência e aplicação do requisito da pessoa física, ao passo que o motorista realiza cadastro junto à empresa para iniciar as atividades. No mesmo sentido, a pessoalidade configura-se em relação ao fato da empresa Uber definir os motoristas que podem atuar em seu nome, considerando que os candidatos irão passar uma análise de uma vasta lista de documentos, inclusive antecedentes criminais, fatores personalíssimos. Já a onerosidade é de cristalina percepção, tendo em vista que os motoristas do aplicativo só exercem a atividade mediante a devida remuneração que lhes é devida, sendo o repasse de total responsabilidade da Uber. Igualmente, a subordinação é verificada quando os motoristas estão conectados ao aplicativo, bem como exige-se dos empregados padrões de comportamento. Assim, verificados os elementos caracterizadores de uma relação de emprego o que está uníssono é que não pode a Uber se fazer valer da evidente relação de trabalho disfarçada conferida entre ela e o usuário do aplicativo, de maneira que a verdadeira situação do empregado não está devidamente protegida pela legislação trabalhista vigente. Em que pese se tratar de um novo modelo de trabalho, tal situação vai de encontro à desregulamentação do mercado de trabalho, considerando que a característica deste tipo de “tecnologia” é o homem empresário de si em que, pretensamente, as empresas oriundas da tecno-informática criaram formas de relações de trabalho, quando na verdade, os elementos que as compõem são especificadamente aqueles de uma relação de emprego. Logo, muito embora se verifique a tentativa de esquiva da Uber em aderir às normas trabalhistas, de fato todos os elementos para tal estão presentes. Outrossim, não há de se afastar certa situação de exploração, ao passo que em estado de necessidade, o estado psicológico das pessoas fazem com que estas se submetam às mais variadas situações, principalmente em casos de dificuldades econômicas, ocasião em que os direitos trabalhistas são renunciados. Nesta feita, é possível observar que diante dos princípios norteadores do direito trabalhista, resta configurado os requisitos para que o motorista de aplicativo seja considerado empregado. Por fim, de fato é necessário que se repense as formas de trabalho oriundas das tecnologias, de maneira que a evolução da sociedade esteja adequada com a dignidade da pessoa humana e os direitos trabalhistas em face da pessoa mais vulnerável da relação: o empregado. REFERÊNCIAS 1. RR - 100353-02.2017.5.01.0066 - https://jurisprudencia.tst.jus.br/#b4f05b716c668bb027c5cbf0913c77fc
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