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Dificuldades de Aprendizagem Renata Paula dos Santos Moura Artigo científico 2 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM Renata Paula dos Santos Moura1 RESUMO O presente artigo busca discutir sobre as dificuldades de aprendizagem e os desafios que estão postos, sobretudo para a família e a escola. Propõe-se um estudo que traga reflexões e estratégias, visando colaborar no processo educativo (ensino-aprendizagens) e na formação integral de crianças e adolescentes de forma qualitativa. O texto indica reflexões em torno do conceito de aprendizagem, problematizando os aspectos que cercam a não aprendizagem, assim como as causas e caracterizações das Dificuldades de Aprendizagem (DA) no contexto escolar. Apresenta um breve cenário a respeito dos Distúrbios de Aprendizagem (DA) e dos Distúrbios do Processamento Auditivo Central (DPAC). E uma análise teórico-prática, contemplando aspectos referentes à prevenção, a avaliação e a intervenção pedagógica nas dificuldades de aprendizagem. Portanto, o artigo trata dos processos de aprendizagens e o uso das tecnologias bem como a ludicidade como aliadas no intuito de contribuírem na aprendizagem significativa. Palavras-chave: Dificuldades de Aprendizagem. Distúrbios de Aprendizagem. Distúrbios do Processamento Auditivo Central. Família. Escola. INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo discutir sobre as dificuldades de aprendizagem e refletir a respeito do tema e desafios que estão postos, sobretudo para a família e a escola. É de suma relevância tratar destas dificuldades apontando para alternativas que consequentemente repercutam no desenvolvimento dos indivíduos de maneira qualitativa visando uma assistência não apenas clínica, mas também da escola com a parceria de uma rede de profissionais integrativa junto à família da criança ou adolescente. Deste modo, também é do interesse do estudo tratar de caminhos e estratégias que colaborem no processo educativo e na formação de crianças e adolescentes. Sendo assim, o texto propõe inicialmente abordar as reflexões em torno do conceito de aprendizagem, problematizar os aspectos que cercam a não aprendizagem, assim como as causas e caracterizações das Dificuldades de Aprendizagem (DA) no contexto escolar. Em seguida, trazer um panorama geral a respeito dos distúrbios de aprendizagem e dos distúrbios do processamento auditivo central. Desse modo, também se apresenta uma análise teórica e reflexões sobre a prática, enfatizando aspectos referentes à prevenção, a avaliação e a intervenção pedagógica nas dificuldades de aprendizagem. Por fim, no terceiro momento do texto adentra-se a discussão sobre os processos de aprendizagens, de modo que se possa apreender o quanto o uso das tecnologias oportuniza alternativas, bem como a ludicidade, contribuindo na aprendizagem significativa. Para tanto é relevante centrar a discussão e Professora na Escola Técnica Estadual Professor Antônio Carlos Gomes da Costa. Doutoranda em Educação na Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: repaulasmoura@gmail.com. 3 contextualizar sobre o que trata a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre a Educação Inclusiva. 1. DISCUTINDO A APRENDIZAGEM E A NÃO APRENDIZAGEM: OS IMPACTOS NA FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ESCOLAR O primeiro item desse artigo tem como objetivo pontuar reflexões em torno do conceito de aprendizagem. Em seguida, os aspectos que circundam a não aprendizagem e as causas e caracterizações das Dificuldades de Aprendizagem (DA) no âmbito escolar, sobretudo, na escrita, leitura e matemática. Inicialmente, é importante pontuar que o tema em discussão retoma um julgamento a respeito do conhecimento psicológico, como em outros campos e teorias científicas. Enfatiza-se que não existe uma definição única sobre “aprendizagem” e sendo assim, não se constitui uma definição linear e harmoniosa sobre o que vem sendo produzido. Ou seja, diferentes correntes versam de perspectivas sobre o que seria “aprendizagem”, mas neste artigo trata-se de um apanhado considerando as correntes que rompem com a visão meramente positivista fundada apenas numa “ciência do indivíduo”, no sentido de uma subjetividade essencialmente pura, e consente deliberar como a ciência da conduta. Deste modo, consideram-se os comportamentos de forma ampla, ou seja, o que notamos: os possíveis de observar, e os processos tanto conscientes, quanto inconscientes. A análise trará uma dimensão de indivíduo a partir da sua condição de sujeito na dimensão individual e como parte pertencente e por isso, relacional de uma sociedade, localizado em um determinado grupo social, comunidade e relações plurais e diversas que vão se constituindo ao longo da sua trajetória. A crítica respalda-se em considerar a importância de romper com a visão positivista de tratar o conceito de aprendizagem como algo pronto e unilateral. Enfatiza-se a diversidade que permeia essa discussão relativa à aprendizagem, um tema em constante construção e modificações a partir da relação indivíduo-sociedade. A definição do que seria aprendizagem surgiu dos estudos no campo da Psicologia, a partir de investigações empíricas defendo o preceito de que todo conhecimento decorre de experimentação, mas assim como iniciamos uma problematização, essa seria uma visão essencialista que trata do sujeito como desprovido de conhecimentos prévios, como se este fosse uma tabula rasa que só teria acesso ao conhecimento a partir de um saber científico que considera a experiência, do contato com o desconhecido. Neste sentido, é uma concepção que trata do conhecimento simplesmente como uma “cópia do real”, advindo de registros associativos de fatos. De tal modo, o associacionismo, expresso pelo behaviorismo arquiteta uma psicologia “científica” e fundada numa metodologia “materialista” que tenha como escopo a objetividade das “ciências da natureza”. Neste contexto, a objetividade enfocada pelo behaviorismo é igual a do positivismo em geral. Quando discutimos sobre o conceito de aprendizagem direcionamos o nosso debate para a educação, como área de conhecimento e intervenção, esta é uma área onde a sociedade como um todo deposita expectativas e uma parcela considerável de recursos financeiros, mas também uma espera, um retorno processual. É através da educação que teremos realizações de projetos de vida, assim como uma formação integral para o mercado de trabalho e como cidadão que irá exercer seus direitos e deveres qualitativamente. 4 Espera-se da educação que a aprendizagem seja alcançada, mas como pensar em aprendizagem como algo que possa ser “manuseado” de maneira análoga a algum objeto, invariável para todos os indivíduos? Seria um equívoco defender uma única concepção de aprendizagem e como algo meramente científico, desconsiderando as subjetividades e o desenvolvimento de cada indivíduo. É nesse contexto que se conta com a psicologia e mais especificamente com a psicologia do desenvolvimento. A educação tem papel fundamental na condução desse processo de ensino- aprendizagem, mas cabem também outros fatores nesta análise, como questões individuais, comportamentais, sociais, culturais, econômicas etc. Ou seja, existe uma teia social na qual o indivíduo está imerso e é necessário que o profissional da educação perceba as individualidades tanto do educando quanto os aspectos de cada grupo-classe para pensar uma prática que de fato atenda as demandas da sua turma. É uma via de mão dupla (professor-estudante), visto que o estudante também precisa estar disposto ao processo educativo, assim como discutiremos mais adiante. A educação é um campo que condensa inúmeras correntes teóricas e por isso, se trata de uma área em constantes discussões e até disparidades de perspectivas. A educação abarca visões que nem sempre dialogam, pois há posicionamentos complementares, contrários e semelhantes. No entanto, esse emaranhado deperspectivas teóricas também é importante por apresentar um campo aberto à diversidade, visto que é necessário um debate com dimensões distintas e integrantes. Não se pode deixar de frisar que essa multiplicidade está diretamente relacionada às distintas ciências que contribuem cada uma à sua maneira com a compreensão de questões particulares da Educação. A Antropologia, a Sociologia, a Pedagogia, a Filosofia e a Psicologia são ciências que constituem um alicerce de conhecimento(s). É importante destacar que o termo “psicologia” foi utilizado pela primeira vez em 1590, por um professor da Universidade de Marburgo, na Alemanha, Rudolf Goclenius (1547-1628), através do título de uma de suas obras, porém, apesar de ser um marco inicial da história da Psicologia, inicialmente esta história se mistura com a da Filosofia até meados do século XIX. No século XIX, a partir do positivismo de Auguste Comte (1798-1857) existe uma construção do conhecimento psicológico que repercute na Psicologia e esta se institui enquanto ramo de conhecimento, ou seja, delimita-se um objeto de estudo que tem como meta a compreensão dos processos mentais, das emoções, da razão, do inconsciente, das questões psíquicas e comportamentais dos seres humanos e animais. Desta forma, é de suma relevância frisar que a Psicologia se solidifica como ciência, apenas, no século XX. Porém, os estudos contemporâneos tratam de uma inquietude no que se refere às questões relativas à visão clássica da Psicologia, pois esta é atrelada ao positivismo e limita o olhar, deixando de fora questões muito mais amplas e essenciais para a compreensão dos indivíduos a partir do conhecimento. O estudo irá centrar a discussão em torno da abordagem da psicologia que rompe com o modelo positivista clássico. Discute-se a Análise do Comportamento, a perspectiva que abrigou as provocações desafiadoras advindos da educação integral, da qual tratou-se anteriormente e que é, segundo a nossa legislação, a tarefa social da escola. 5 Essa discussão com as lentes da Análise do Comportamento oferece uma maneira de conceituar e entender os fatos educacionais. Considera-se que o comportamento do indivíduo reflete seu ambiente tanto físico quanto social que nesse movimento afeta e é afetado por ele. Não há como dissociar os processos de mudança homem-sociedade, pois essa abordagem tem como centro a relação entre o indivíduo e o seu mundo. A escola é um ambiente onde o profissional da educação que fará uso de tal abordagem, ou seja, o analista do comportamento, terá que se dedicar às relações múltiplas que ocorrem na instituição escolar e com evidência para a relação entre professores e seus estudantes, estudantes entre si e entre estudantes e o material didático que fazem uso. Como pontuado, a psicologia decorre como a “ciência do comportamento” (observável) e é a partir dessa concepção que se identifica as inferências do ambiente no comportamento e consequentemente no conjunto de reações a estímulos que passam a ser analisadas e mensuradas, sendo até previstas e controladas. E é nesse caminho que vai se constituindo a concepção de aprendizagem que é entendida como uma alteração de comportamento resultante do treino ou da experiência. A aprendizagem passa a ser identificada como o condicionamento. Os investimentos em estudos inicialmente realizados em animais foram muitos e contínuos, defendendo enquanto corrente que, por meio dessa análise e pesquisas sobre o condicionamento aplicadas em seguida em seres humanos, iriam oferecer um modelo de aprendizagem que seria a solução de inúmeros problemas. Ou seja, um conceito de aprendizagem em uma lógica positivista. Sendo assim, identificamos um percurso e outras correntes da psicologia como a Gestalt, que se opõe ao Behaviorismo por defender o fundamento epistemológico racionalista, tratando que todo o conhecimento é anterior à experiência e advindo do exercício de estruturas racionais, pré-formadas no indivíduo. A Gestalt, apesar de ser caracterizada como uma teoria racionalista, não significa, entretanto, que ela recuse a objetividade do mundo. Na verdade, esta teoria não defende essa objetividade no sentido de uma ingerência na edificação das composições mentais pelo meio das quais o indivíduo entende o real e o enfoque não é a aprendizagem, no entanto, é a percepção. Em suma, ao contrário do pressuposto epistemológico do behaviorismo, a Gestalt abdica a questão de que o conhecimento seja advindo da aprendizagem. Portanto, de acordo com seus seguidores, os indivíduos reagem não a estímulos particulares, no entanto reagem a configurações perceptuais. Assim, essas configurações (gestaltens) seriam as autênticas unidades mentais, que a Psicologia deve enfocar. A partir de uma breve explanação sobre essas concepções da Psicologia identifica-se que os professores e demais profissionais que lidam com o tema em questão tem uma prática pedagógica familiarizada na maioria das vezes com um entendimento de um conhecimento nessa perspectiva racionalista e circulando em ambas as correntes teóricas acima no que se refere a concepções de aprendizagem. A Gestalt mais alinhada a teoria racionalista e o behaviorismo que travou críticas a metafísica e alinhou-se como uma teoria materialista. Além disso, com essas exposições problematiza-se o fracasso das ações pedagógicas assentadas na concepção positivista de aprendizagem que acaba invisibilizando e silenciando os estudantes, por apresentar o professor (ou outro profissional da educação) como o detentor do conhecimento e a figura de autoridade 6 do grupo-classe, através dessas posturas ditatórias acabam findando em uma prática que tem como cerne o entendimento do conhecimento como relação de subordinação, o que não é, assim como discorremos a seguir. As “Teorias Comportamentalistas” também conhecidas como “Behavioristas Radicais de Base Empírica”, afirmadas por Skinner são oriundas dos EUA, em 1945 e foram abraçadas por diversos psicólogos, nasceram na Psicologia em oposição ao “Behaviorismo Metodológico” de orientação positivista de John Watson. A saber, para as teorias comportamentalistas que têm base empirista, o ambiente e os diversos fatores que se relacionam, têm intrínseca vinculação com a aprendizagem e o desenvolvimento. Ou seja, considera-se que um aspecto fundamental para a construção da aprendizagem é a interação da criança com o meio no qual está inserida. Para essas teorias, as ações e comportamentos devem ser avaliados e analisados como algo que irá reverberar na concepção de aprendizagem e desenvolvimento desta criança. Sendo assim, a família e a escola, dentre outras instituições e espaços de convivência das crianças, tem direta relação com o desenvolvimento qualitativo ou não da aprendizagem. Nesse momento do texto a discussão irá se pautar nos teóricos que defendem a concepção aqui adotada e dialogam sobre a relação de como se processa a aprendizagem e o desenvolvimento da criança com as concepções teóricas de Jean Piaget e Lev Semionovitch Vygotsky. É importante ter como ponto central a distinção entre os dois conceitos. Esses dois conceitos - aprendizagem e desenvolvimento – têm inúmeros significados que contribuem e repercutem nas ações pedagógicas. Sendo assim, a reflexão sobre as dificuldades de aprendizagem que tanto os professores quanto os profissionais da área enfrentam devem ser consideradas a partir de um estudo para se (re)pensar a prática pedagógica e consequentemente propor diversas metodologias de ensino que busquem uma aproximação com a realidade do educando com deficiência intelectual e suas especificidades que devem ser diagnosticadas. Para isso, é necessária uma assistência teórica para respaldar o trabalho pedagógico na sala de aula. Nesse sentido, os estudos de Piaget e Vygotsky irão fomentar a discussão neste artigo de como se acionam a aprendizagem e o desenvolvimento na criança,através dos quais a construção do conhecimento é proposta no fazer e no pensar, na prática e na teoria. 1.1 A Teoria Interacionista: a compreensão da Aprendizagem e do Desenvolvimento Para compreender os aspectos relativos à aprendizagem e a não aprendizagem e a complexidade que permeia o processo formativo (escrita, leitura e matemática), faz-se necessário o entendimento do que seria a aprendizagem e o desenvolvimento. Inicia-se essa explanação a partir do que é defendido em relação à aprendizagem. A aprendizagem seria basicamente o conhecimento adquirido e internalizado, e é advinda do processo de interação do indivíduo com o meio social e tudo que o compõe, ou seja, é construída ao longo da qualidade das trocas e acontece através de uma ação natural ou incitada. A aprendizagem é dependente dos aspectos sócio históricos, das condições e meios ambientais, da disposição e potencialidade do indivíduo. 7 Defende-se que a aprendizagem é uma inclinação à mudança comportamental que resulta da experiência. Desse modo, faz uso de toda a potencialidade do indivíduo e através de estímulo, “aprendente” e a resposta, estabelecem os artifícios basilares do processo de aprendizagem. Já o desenvolvimento é um processo no qual o indivíduo estabelece o seu conhecimento e forma suas estruturas internas. Isto é, o desenvolvimento é a percepção de uma mudança qualitativa e um aprimoramento tanto das capacidades quanto das funções quando a criança aos poucos passa a realizar ações mais complexas. Jean Piaget (1896-1980), Wallon (1879-1962) e Vygotsky (1896-1934)2 apresentam a aprendizagem e o conhecimento humano numa perspectiva que considera uma linha histórica onde o indivíduo e o objeto interagem e por meio deste processo é que deriva a (re)construção das estruturas cognitivas. Esses são os teóricos com maior destaque e os representantes de um grupo que ficou conhecido como teóricos interacionistas. É de suma relevância situar que as Teorias Interacionistas ou Cognitivistas são de Base Dialética; no interacionismo, dessa forma, assim como explicita o nome, existe uma interação entre o indivíduo e o objeto para que assim ocorra a construção do seu conhecimento e para a construção dos próprios objetos. Neste processo, as crianças adquirem e constroem seus conhecimentos a partir do seu próprio percurso e o professor ele faz a mediação ao longo deste processo, já que a priori todos conhecem as coisas na forma em que elas são estudadas pela nossa mente. Neste contexto, as Teorias da Aprendizagem, que tratam cientificamente da discussão a respeito de como ocorrem os processos de ensino-aprendizagem no decorrer da história da Psicologia do Desenvolvimento Humano e da Psicologia da Educação. As Teorias da Aprendizagem têm como objetivo responder as tantas indagações no que se refere às demandas das instituições escolares. Com o objetivo de embasar o estudo sobre o tema e elucidar uma maior compreensão teórica a respeito, neste momento enfoca-se a “Epistemologia Genética de Jean Piaget” e a “Teoria Sócio Interacionista de Vygotsky” para compreender o que os autores abordam a respeito da aprendizagem. A esse respeito, Lepre (2008, p.313) enfatiza que: a teoria de Piaget é a matriz do Construtivismo, linha teórica proposta pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) para o planejamento, execução e avaliação das atividades pedagógicas nas escolas brasileiras. Piaget proporcionou à educação uma ampliação na maneira de entender a forma como as crianças desenvolvem especificamente o raciocínio em diferentes estágios e etapas da vida. Ele não apenas elaborou um método de ensino ou materiais para a pedagogia usufruir. Piaget é um marco na referência teórica no que se refere à compreensão do processo de aquisição do conhecimento. A figura do professor é tida como mediador deste desenvolvimento cognitivo e assim da ampliação da aprendizagem. (FERREIRO e TEBEROSKY, 1985) Piaget (1979) defende que o desenvolvimento é um processo constante de busca de um equilíbrio. O teórico afirma que neste movimento são definidas novas 2 O artigo enfocará na discussão com base em Piaget e Vygotsky e as contribuições para a educação, visto que centralizaremos a discussão na aprendizagem. 8 estruturas e compõem-se novas formas de conhecimento. Então, tudo o que faz menção à inteligência humana é enfatizado a partir do desenvolvimento. Ele se refere às estruturas gerais do ato de pensar. E este ato está intrinsecamente relacionado à inteligência. A aprendizagem para Piaget (1979) tem relação direta com as experiências, o aprendizado de uma criança sobre algum evento vai depender da capacidade que ela tem de relacionar o evento com outros eventos de forma significativa. Ou seja, na aprendizagem significativa o conteúdo se relaciona com os seus objetivos e o desenvolvimento da inteligência de forma qualitativa é o alicerce do aprendizado. Moreira (2003, p.02) 3 afirma que a: Aprendizagem significativa é, obviamente, aprendizagem com significado. Mas isso não ajuda muito, é redundante. É preciso entender que a aprendizagem é significativa quando novos conhecimentos (conceitos, ideias, proposições, modelos, fórmulas) passam a significar algo para o aprendiz, quando ele ou ela é capaz de explicar situações com suas próprias palavras, quando é capaz de resolver problemas novos, enfim, quando compreende Ou seja, a aprendizagem precisa ter sentido para o aprendiz e esse processo deve ser mediado de forma engajada tanto pela escola, quanto pela família. A aprendizagem envolve contato com o não conhecido, experiências, e para que o indivíduo conheça o mundo exterior e se relacione, Piaget (1979) enfatiza a necessidade de estudar o desenvolvimento mental ou cognitivo para identificar consequentemente o desenvolvimento do raciocínio do aprendiz e as suas especificidades. Enfocando em Vygotsky (1988), percebe-se que a aprendizagem, para esse teórico, se dá de maneira natural. Para ele o indivíduo tem intrinsecamente o desejo de aprender, descobrir, ampliar o conhecimento e a experiência no decorrer de sua existência, mas para isso ocorrer de maneira favorável, faz-se necessário ter condições adequadas. A interação com o meio e com os outros num movimento de inter-relação, possibilita que o indivíduo construa a aprendizagem, isto é, como um processo social, os conhecimentos são edificados nessa interação e em constante relação com fatores internos e externos. Quando Piaget (1979) trata de desenvolvimento coloca como fatores relevantes: a maturação, a experiência, o social e a equilibração. Ele define que a maturação seria o procedimento no qual acontece a mudança e o desenvolvimento físico e psicológico, por isso, leva ao desenvolvimento. Já a experiência é percebida como atuar sobre o meio, através de experimentações: a experiência física que seriam as descobertas das propriedades observáveis nos objetos e a lógico- matemática que são as relações entre os objetos e sua coordenação interna. Para o autor o fator social tem a ver com as interações com os pares e a transmissão social que ocorre no seu ambiente. A equilibração é tratada como um 3 Conferência de encerramento do IV Encontro Internacional sobre Aprendizagem Significativa, Maragogi, AL, Brasil, 8 a 12 de setembro de 2003. Versão revisada e ampliada de participação em mesa redonda sobre Linguagem e Cognição na Sala de Aula de Ciências, realizada durante o II Encontro Internacional Linguagem, Cultura e Cognição, Belo Horizonte, MG, Brasil, 16 a 18 de julho de 2003. 9 fator essencial, pois coordena os demais, e é definitivo ao desenvolvimento do indivíduo. Este se assimila pela estabilização da descoberta de uma informação nova com as outras já existentes, ou seja, um equilíbrio. Assim como foi colocado anteriormente, Piaget é um marco na discussão do desenvolvimento e aprendizagem no que se refereà educação, por trazer um novo repertório de análise e entendimento das configurações em relação ao processo de aprendizagem das crianças em contato com o mundo e a interação com o mesmo. O professor tem o papel de facilitador, é ele que faz a mediação desta relação do aprendiz ao longo do processo. Piaget (1979) versa que a formação psicogenética natural das operações matemáticas, por exemplo, só ocorre de forma efetiva se forem utilizados métodos nos quais a criança se envolva e tenha uma participação ativa. Dessa maneira, a aprendizagem precede que o ensino precisa propiciar uma reconstrução do conhecimento e não ser meramente uma transmissão deste. A aprendizagem é construída neste movimento, onde a criança adquire conhecimento com as interações com o ambiente de convivência, os objetos, as pessoas e tudo que ocorre ao longo da sua vivência. Constrói processualmente as estruturas e estas evoluem e vão ficando mais complexas no decorrer dessas interações. A falta de sensibilidade por parte do professor ou até das instituições escolares para essas questões colocadas acarreta fatores que repercutem nas dificuldades de aprendizagem ou na não aprendizagem e por vezes, a “culpa” recai apenas no educando. Com as reflexões levantadas por Piaget (1979), identificamos que a prática pedagógica é fundamentada nas relações e nesse processo o professor deve compreender as experiências, limites e possibilidades dos seus estudantes. Neste sentido, a observação, o acompanhamento, o ato de planejar a ação pedagógica a partir das percepções são aliados fundamentais no cotidiano docente e refletem na qualidade da aprendizagem dos seus educandos, considerando aspectos individuais (educando) e coletivos (grupo-classe). Piaget (1979) trata dessa interação a partir dos conceitos de assimilação, acomodação e adaptação. A assimilação seria a incorporação de um novo objeto ou ideia ao que já é conhecido, ou seja, ao que a criança já tem. Ela é um processo cognitivo onde as informações são incorporadas a padrões comportamentais existentes a priori. É através da assimilação que o mundo exterior (e tudo que o compõe) é interiorizado às estruturas que o indivíduo já possui. A acomodação consiste em um processo de inclusão de esquemas, isto é, seria a modificação dos esquemas de assimilação de acordo com as características do objeto a ser assimilado. A criança quando está diante de um objeto novo ou um conceito, cria um novo esquema ou modifica os esquemas adquiridos anteriormente. Piaget (1979) coloca que a acomodação se processa quando uma criança não alcança um novo estímulo, não tem uma estrutura que é possível de assimilar a nova informação e assim ela estabelece um novo esquema ou modifica o que já possui. Sendo assim, estas ações resultam em uma mudança na estrutura cognitiva. Seria um movimento de ajustamento dos esquemas ou estruturas cognitivas a partir das resistências geradas pelas novas circunstâncias que não são suscetíveis de uma assimilação legítima. A adaptação incide como a essência do funcionamento mental, assim como a essência do funcionamento biológico, ou seja, o funcionamento intelectual. Dessa maneira, é a correlação entre assimilação e acomodação. Nesse sentido, a cada 10 adaptação concretizada, novo “esquema assimilador” se compõe e torna-se disponível para que o indivíduo realize novas acomodações e assim consecutivamente, garantindo um equilíbrio dos dois processos e consequentemente uma organização mental. Logo, a aprendizagem é um processo mental e abrange a “assimilação de conteúdos” e o “desenvolvimento intelectual” visando organizá-los e utilizá-los. Piaget (1979) enfatiza que a adaptação seria um indivíduo ativo, construindo os seus conhecimentos a partir da mediação pelo professor. No que se refere à aprendizagem significativa, Moreira (2003) trata que um aspecto primordial, que é a predisposição para aprender por parte do aprendiz, visto que é necessário um esforço deliberativo, cognitivo e afetivo para relacionar de forma não arbitrária e não restrita os novos conhecimentos à estrutura cognitiva Moreira (2003) enfatiza que a integração construtiva de pensamentos, sentimentos e ações conduzem à aprendizagem significativa. Já que a aprendizagem significativa provoca influência mútua entre conhecimentos prévios e novos conhecimentos, uma ação no qual “estes passam a ter significados psicológicos e os primeiros podem adquirir novos significados, quer dizer, implica pensamento. Mas se implica pensamento implica, fundamentalmente, linguagem” (MOREIRA, 2003, p. 04). Em resumo, para Vygotsky (1988), quando se trata de aprendizagem não se pode deixar de fora a função imprescindível da linguagem e da palavra na “mediação semiótica” que, é indispensável à aprendizagem significativa de todos os conteúdos, sejam eles escolares ou não, já que grande parte destes conteúdos é constituída de “signos”. É necessário que as relações construídas com as crianças sejam na perspectiva da horizontalidade e tenham como enfoque o diálogo e a interação, a escola precisa fazer uso de metodologias ativas que envolvam cada vez mais o educando e perceba as suas singularidades. Fazer uso de atividades que tenham perspectiva lúdica como jogos e brincadeiras, que suscitem a descoberta como pesquisas, problematizações, ou seja, um contexto multidisciplinar que de fato envolva o educando. 1.2 A importância do social e as suas implicações na Aprendizagem e no Desenvolvimento A família e a escola são os espaços de formação que influenciam diretamente na construção da aprendizagem e no desenvolvimento das pessoas. A escola é um espaço de socialização que é composto de inúmeras pessoas que carregam pensamentos e opiniões distintos em vários aspectos como diferentes visões de mundo, questões religiosas, concepções político-culturais, fatores econômicos, etc. E não se pode deixar de enfatizar que é nessa teia repleta de diversidade que acontecem as trocas e por vezes é como se ocorresse um turbilhão de fatos ao mesmo tempo e o educador, portanto, não consegue acompanhar. Como foi colocado anteriormente, a psicologia e outros campos do conhecimento viabilizam as “respostas” para essas situações que inquietam os educadores cotidianamente, é certo que cada instituição escolar tem uma realidade singular, porém, a teoria apresenta um arcabouço com múltiplas lentes que embasa as relações diversas que compõem a educação. A teoria assimila e generaliza os conteúdos em torno do que a maioria das organizações educacionais convive, 11 relacionando aos prismas sociais, políticos e econômicos. As inferências e diferentes interpretações devem ser realizadas a partir de cada realidade, de cada escola. O ambiente escolar influencia diretamente na aprendizagem das crianças e este espaço de convivência abrange aspectos físicos e mentais que repercutem diretamente na qualidade da aprendizagem. O professor faz a mediação na sala de aula. A construção colaborativa permite um rendimento escolar positivo e um processo de socialização entre os estudantes por meio do diálogo e da interação com a comunidade escolar. É importante que o educando se sinta parte da escola e assim o sentimento de pertencimento também é um aliado da aprendizagem significativa. No que se refere à discussão da importância do social no desenvolvimento, Vygotsky (1984), expõe dois princípios em sua teoria: 1) as “funções intelectuais” surgem no início como “funções interpsíquicas” – pelas interações sociais, e em seguida, em um segundo momento, como “funções intrapsíquicas”, assim sendo, as propriedades internas do pensamento da criança; e 2) a noção do “desenvolvimento proximal”, isto é, o espaço entre o “nível de desenvolvimento real” e o “nível de desenvolvimento potencial”, as funções que ainda não evoluíram, mas cujo processo de maturidade pode ser antecipado pela aprendizagem. (VYGOTSKY, 1984) O teórico elaboraa sua teoria tendo por base o indivíduo como decorrência de um percurso sócio histórico e enfatiza o papel da linguagem e da aprendizagem neste desenvolvimento. Vygotsky confere valor à interação social no progresso do indivíduo. Nos estudos de Piaget existe uma descrição importante sobre a sequência do desenvolvimento cognitivo como um processo composto por etapas caracterizadas por diferentes estruturas mentais. Se o professor parar para refletir à luz dessas teorias irá identificar que a maneira mais qualitativa de ensinar é a que se fundamenta em diferentes maneiras de aprender. Ou seja, é de suma relevância que o profissional da educação conheça as características do desenvolvimento dos educandos para que possa identificar como irá viabilizar o processo de ensino-aprendizagem e até onde pode avançar ou não, a depender das demandas do seu grupo-classe e de cada educando que o compõe. Muitas vezes a não aprendizagem está relacionada ao não diagnóstico por parte da escola e outros profissionais responsáveis e assim, crianças ou até adolescentes que possuem diferentes distúrbios de aprendizagem não são considerados no processo. Por isso não acompanham o grupo e o desenvolvimento não ocorre, assim como se observa a não aprendizagem. As crianças são capazes de alcançar determinado objetivo com e sem ajuda de outra pessoa, a depender das suas singularidades e o que lhe é oferecido como meio social e de convivência. Porém, se o professor planejar as circunstâncias de ensino e avaliar os progressos individuais, os resultados serão significativos e a parceria professor-estudante (educador-educando) de fato irá acontecer. Os educadores devem verificar o conhecimento dos educandos e avaliar a partir dos erros e acertos o quanto o estudante caminhou de onde estava inicialmente. Vygotsky (1994) trata que o processo de formação do pensamento se inicia e é acentuado pela vida em sociedade e a comunicação que é estabelecida entre crianças e adultos, a família também tem papel fundamental neste processo, o qual permite a “assimilação da experiência”. Nesse contexto, a ação da criança é sine qua non para o seu desenvolvimento. A partir da interação e a realização de atividades, a criança vai se desenvolver e experimentar no seu ambiente de convívio (meio) e assim, irá atribuir 12 significado para os diversos elementos e construirá o conhecimento. Nesse processo um fator essencial é a afetividade que perpassa as relações dos envolvidos. O conhecimento é construído de maneira coletiva (VYGOTSKY, 1994). O educando não é apenas ativo, mas também interativo, visto que ao se envolver e participar da construção de sua cultura e história constrói conhecimentos e a sua identidade. Vygotsky é considerado como um dos principais interacionistas que analisaram as funções psicológicas das pessoas. Ele pautou a atuação da criança como transformadora de suas ações e relações com os conteúdos aprendidos e que essas são características de sua inteligência, capazes de desenvolver a sua personalidade. Nesse ínterim, o professor pode ser um mediador do processo de ensino e aprendizagem através da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. Ou seja, a ZDP seria esta distância entre os níveis de desenvolvimento atual que é determinado pela resolução independente de problemas e o de desenvolvimento potencial indicado pela resolução de problemas orientados ou em colaboração com parceiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1987, p. 211; 1998b, p. 202) É importante frisar o papel da interação no desenvolvimento da criança, o professor exerce esse papel de mediador e a partir dos espaços de convivência e as trocas com os pares se constrói interferências que contribuem na construção e significação da aprendizagem de cada criança. Neste sentido, de acordo com o autor, a relação indivíduo-sociedade, desde o dia em que a pessoa nasce, incide em conhecer a dialética do indivíduo e seu meio sociocultural, podendo compreender as mudanças que acontecem para consentir a si mesmo e às suas necessidades fundamentais para a sua vivência. Portanto, o mais importante na concepção sócio interacionista seria a compreensão de “como fazer”; as informações, os conteúdos, só serão assimilados quando têm sentido para o aprendiz. Assim como discorrido anteriormente, o desenvolvimento e a aprendizagem estão profundamente conectados. O aprendizado permite e mobiliza o procedimento de desenvolvimento, e embora se inicie antes da criança ter contato com a escola, à instituição é que irá acrescentar elementos originais ao seu desenvolvimento e consequente aprendizagem. Assim, a formação dos conceitos está fortemente ligada ao desenvolvimento e a aprendizagem. E, tanto Piaget (1972) quanto Vygotsky (1984) entendem a criança como um ser ativo e em constante construção, pois está elaborando suposições a respeito de conjunturas vivenciadas. O estudante tem voz ativa e o professor além de facilitador, mediador, tem responsabilidades diversas, já que é coparticipante no processo de ensino-aprendizagem. 2. DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E DISTÚRBIOS DO PROCESSAMENTO AUDITIVO CENTRAL: PREVENÇÃO, AVALIAÇÃO E INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA Esse item tem como objetivo trazer um panorama geral a respeito dos distúrbios de aprendizagem e dos distúrbios do processamento auditivo central. Desse modo, também se apresenta uma análise teórica e reflexões sobre a prática, 13 enfatizando aspectos referentes à prevenção, a avaliação e a intervenção pedagógica nas dificuldades de aprendizagem. Inicialmente, definem-se os seguintes distúrbios de aprendizagem: a Dislexia, a Disgrafia, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), a Discalculia e a Disortografia. Além disso, abordam-se os Distúrbios do processamento auditivo central e caminham-se para um debate sobre a prevenção, avaliação e intervenção pedagógica nas dificuldades de aprendizagem. Os estudos no campo das dificuldades de aprendizagem datam de 1963, nos Estados Unidos e ganhou ênfase através do surgimento da Associação Nacional para Crianças com Dificuldades de Aprendizagem em 1965, neste país, a partir da mobilização por parte de famílias que notavam hábitos diferentes no contato com alguns conteúdos e dificuldades persistentes no que se refere à aprendizagem, sobretudo, da leitura. Na década de 1970, houve uma ampliação de pesquisas nesta área e o surgimento de outras associações que centravam nesta área. As dificuldades de aprendizagem ganharam maior amplitude e se tornaram um fenômeno social, passando a serem entendidas como distúrbios prevalecendo às dificuldades de leitura e linguagem (PAIVA e AZEVEDO, 2009). Também tivemos correntes de estudiosos que enfatizaram a importância de não “rotular” o aprendiz sem o devido diagnóstico, visto que diversas crianças possuem dificuldades de aprender a conversar, ler, escrever, realizar cálculos etc. E isso não significa que todas essas crianças possuam dificuldades de aprendizagem, visto que, como colocado anteriormente, são inúmeros os fatores que viabilizam o processo de ensino-aprendizagem e estes ocorrem de maneira gradual e individual, a depender de cada criança. As Dificuldades de Aprendizagem em síntese fazem referência a uma deficiência de aprendizagem, ou seja, um atraso, uma desordem ou um desenvolvimento tardio em um ou mais dos processos de fala, linguagem, leitura, escrita, aritmética ou outras disciplinas escolares resultantes de uma deficiência psicológica causada por uma possível disfunção cerebral e/ou perturbações emocionais ou comportamentais4. (KIRK e BATEMAN, 1962) Porém, a presença de uma determinada dificuldade não significa necessariamente um transtorno. Porquanto, é necessária uma atenção, pois por vezes dificuldades e transtornos são tratados como sinônimos integralmente, a saber, existem aspectosque devem ser considerados em cada caso. Identificam-se, por exemplo, dificuldades relacionadas à escola, às condições do espaço físico ou da metodologia empregada pelo professor, ou também relacionada à família e estas condições podem ocasionar diferentes dificuldades de aprendizagem por parte do estudante (RELVAS, 2011). É importante o respaldo nos documentos oficiais, fora esse olhar de diagnóstico embasado não só na prática como na corrente teórica que fundamenta o caso em análise pelo profissional que acompanha a criança ou adolescente. Neste sentido, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10: as dificuldades escolares são nomeadas como Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares. O CID-10 (1996) é um documento que uniformiza e relaciona as doenças e problemas relacionados à saúde, tendo como referência a Nomenclatura Internacional de Doenças posta pela Organização Mundial de Saúde - OMS. Este 4 Trecho traduzido - Samuel A. Kirk e Barbara Bateman (1962). 14 documento coloca que os Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares são: [...] transtornos nos quais os padrões normais de aquisição de habilidades são perturbados desde os estágios iniciais do desenvolvimento. Eles não são simplesmente uma consequência de uma falta de oportunidade de aprender nem são decorrentes de qualquer forma de traumatismo ou de doença cerebral adquirida. Ao contrário, pensa-se que os transtornos se originam de anormalidades no processo cognitivo, que derivam em grande parte de algum tipo de disfunção biológica. (CID-10, 1996, p.236) Sendo assim, é possível distinguir “dificuldades de aprendizagem” de “transtorno de aprendizagem”, uma vez que a dificuldade abarca um grupo heterogêneo de problemas que são capazes de modificar as possibilidades de a criança aprender. Já o transtorno envolve a predominância de fatores biológicos. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V (2014, p.66) o Transtorno Específico da Aprendizagem, é avaliado como: Dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, conforme indicado pela presença de ao menos um dos sintomas a seguir que tenha persistido por pelo menos 06 meses, apesar da provisão de intervenções dirigidas a essas dificuldades. As pesquisas avançaram no que se refere às dificuldades de aprendizagem, envolvendo: transtornos da leitura, da escrita e transtornos específicos da matemática. A Dislexia, tema tratado no item a seguir, é o campo onde prevalecem os estudos. 2.1. Os distúrbios de aprendizagem: o olhar da escola para os educandos e suas singularidades 2.1.1. A Dislexia A Dislexia de desenvolvimento é um dos principais distúrbios específicos de linguagem a ser analisado. Nesse contexto é o mais comum dos distúrbios de aprendizagem que atinge crianças e adolescentes e tem um maior grau de compreensão por parte dos diagnósticos e estudos a respeito. Uma vez que é o transtorno mais pesquisado e divulgado nos últimos anos, ressaltamos que milhares de estudos foram desenvolvidos a esse respeito. Consequentemente, a Dislexia acaba fornecendo um modelo do que compõem os distúrbios de aprendizagem. Existem dados fortalecidos sobre esse transtorno desde a sua natureza, diagnóstico e tratamento dentre outras questões relativas ao mesmo, assim como a gradativa evolução deste distúrbio que repercute nas vidas de tantas pessoas mundialmente. Em suma, a Dislexia de desenvolvimento é uma dificuldade repentina na aprendizagem de leitura e soletração. Repentina porque não há motivos óbvios para a dificuldade, como atraso educacional, escolarização inadequada, desvantagens sensoriais periféricas, lesão cerebral adquirida ou baixo Quociente de Inteligência (QI). (PENNINGTON, 1997) Não podemos deixar de considerar que apesar de ser um tema estudado e um distúrbio identificado (diagnosticado) com maior assertividade por parte dos profissionais da área, ainda é notória a inquietação e as dificuldades em saber lidar adequadamente com esse transtorno, sobretudo na instituição escolar. É uma 15 discussão que apresenta uma dicotomia entre professor-estudante que coloca ambos em lados diferentes. De um lado, um professor que acaba se sentindo fracassado e inerte diante da situação, sem saber lidar de forma correta com as especificidades de um estudante com o transtorno; e do outro lado está o estudante que vivencia a experiência de um lugar de falha, de fracasso por não conseguir acompanhar o processo, já que o seu desenvolvimento ocorre de forma distinta dos demais estudantes. Infelizmente, existem algumas questões abordadas que envolvem dimensões desde a qualidade da formação docente até a eficácia do modelo educacional, o currículo, a infraestrutura das instituições etc. Os fatores são múltiplos e diversos, mas no geral percebe-se certo desconhecimento sobre o transtorno ou uma falsa imagem e interpretação do mesmo. Lidar com a Dislexia, e demais transtornos que iremos discutir ao longo do estudo, não é exclusividade da psicologia. A escola é o espaço onde muitas vezes as primeiras dificuldades são identificadas. Portanto, cabe também à educação o papel de viabilizar a inclusão qualitativa e um trabalho multidisciplinar com as demais áreas de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, assistência social entre outros profissionais capacitados e que compõem a rede para atender às demandas necessárias e específicas de cada transtorno. É de suma relevância enfatizarmos a necessidade de uma nova relação com a educação inclusiva por parte dos profissionais da educação, considerando as dificuldades na leitura e escrita, secundárias (ou não) à dislexia. Ou seja, é preciso adotar uma nova postura diante do desafio de educar. Um olhar cuidadoso, atento e diagnóstico para compreender as demandas destes estudantes que apresentam diferentes dificuldades. Quanto mais precocemente um profissional identificar que o estudante não está acompanhando o processo de forma gradual, sem evoluir conforme os objetivos de aprendizagem tem a necessidade de avaliar fatores de risco para o transtorno e reelaborar a intervenção de maneira qualitativa considerando as dificuldades alcançadas e as estratégias que devem ser desenvolvidas. Assim como mencionado anteriormente, é necessário também um conhecimento sobre os aspectos que vai além dos distúrbios, por exemplo, sobre as questões que envolvem a aprendizagem da leitura e da escrita e seus transtornos; propriedade de distintos métodos e/ou abordagens de ensino-aprendizagem e capacidade de sistematização do processo interventivo. Deste modo, o professor poderá analisar o processo gradual do seu estudante e identificar a necessidade de um encaminhamento mais preciso da criança ou adolescente com a suposição de Dislexia. Portanto, a análise interdisciplinar é um diferencial no diagnóstico. Dessa maneira, é importante relocar o papel deste professor no processo de identificação e diagnóstico da dislexia e outros distúrbios de desenvolvimento, de figura secundária (espectador) ele passa a ter uma função essencial durante o processo e na sua prática, na sua ação direcionada ao longo da escolarização formal deste estudante. 2.1.2. A Disgrafia, a Discalculia e a Disortografia 16 A Disgrafia é compreendida como um transtorno do procedimento da escrita abaixo do nível esperado para idade cronológica, inteligência e escolaridade5. A classificação da Disgrafia é organizada em: perceptiva que é quando a criança não consegue relacionar os sistema simbólico e as grafias que o representam (palavras, frases, som etc.); e em motora (a discaligrafia), que é quando a criança apesar de conseguir falar e ler possui dificuldades no que se refere à coordenação motora fina para escrever as letras, palavras e números, ou seja, vera figura gráfica, mas não consegue fazer os movimentos para escrever. (TORRES e FERNANDEZ, 2001) Existem também as classificações concernentes à sintomatologia, além de outras classificações, que abarcam os fatores que tem haver como a etiologia da disgrafia: a disgrafia de desenvolvimento ou primária, com origem de tipo funcional ou de maturação; e a disgrafia sintomática ou secundária, condicionada a um componente pedagógico, neurológico ou sensorial como tratam as autoras Torres e Fernandez (2001). É importante entender a singularidade e especificidades, assim como as diferenças que compõem cada uma dessas classificações, por exemplo, a disgrafia motora não incide na simbolização da escrita, porém, reflete na qualidade do que é escrito, na escrita, ou seja, na forma das letras. A Disgrafia diz respeito a fatores do desenvolvimento (maturacionais), no campo das emoções, aspectos pedagógicos ou ambos. No que se refere ao desenvolvimento (maturacionais) tem a ver com alterações no desenvolvimento psicomotor e essas podem afetar a lateralização, a eficiência psicomotora, o esquema corporal, as funções perceptivo-motoras e a expressão gráfica da linguagem. Já em termos emocionais, conflitos e tensões psicológicas podem ocasionar distorções perceptuais, com imprecisões de traçado, e isso está relacionado a distúrbios de atenção, do movimento e a idade. (TORRES e FERNANDEZ, 2001) Assim como é reforçado ao longo deste artigo, a educação também tem um papel fundamental neste processo. No que se refere à área pedagógica, uma condução inadequada do processo de ensino-aprendizagem pode influenciar alterações, como: mudança de caligrafia, educação rígida, inflexível e forçada nas primeiras etapas de ensino; prever objetivos inalcançáveis para aquele nível ou etapa de desenvolvimento da criança, exigindo qualidade e rapidez na realização do que foi proposto. Assim como incapacidade em perceber as dificuldades da criança e tomar medidas apropriadas, na condução e orientações, avaliando a maneira correta e orientando a realização de atividades adequadas para prevenir e suprir as dificuldades. Pode acontecer o cruzamento, fatores mistos como o grafismo a postura que afetam a escrita, frequentemente relacionados às mudanças na representação de esquema corporal e desequilíbrio afetivo. O que se identifica é que a falha para alcançar a competência da escrita, apesar de ser identificada e presente nos anos iniciais do processo de escolarização, acompanha e repercute com efeitos negativos na vida de muitas pessoas. E isso irá refletir tanto no que se refere à formação acadêmico-profissional, quanto na autoestima do indivíduo. A escrita, o ato de escrever supõe algumas habilidades e essas são listadas como: controle motor fino, integração bilateral visuomotora, o planejamento motor na mão de manipulação, a propriocepção, a percepção visual, a atenção sustentada e a 5 American Pshychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais- DSM-IV. Trad. Dayse Batista. 4th ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1995. 17 consciência sensorial dos dedos, essas são responsáveis pela grafia. Consequentemente, uma caligrafia considerada de baixa qualidade pode estar pautada a “fatores intrínsecos”. E estes se referem à capacidade da criança de produzir uma caligrafia real, ou “fatores extrínsecos”, relacionados a componentes ambientais ou biomecânicos, ou ambos, ou seja, os impactos são nos âmbitos acadêmico, emocional e social da criança. (TORRES e FERNANDEZ, 2001) Sobre a Discalculia, reforça-se que o uso das habilidades referentes à área do conhecimento matemático compõe as atividades rotineiras, realizadas no dia a dia como somar, dividir, multiplicar, raciocinar logicamente. O domínio destes conceitos é necessário para o processo de escolarização dos estudantes, não apenas na vida escolar, mas também repercutem na convivência social, assim como colocado anteriormente na discussão da Disgrafia. Entretanto, verifica-se que os estudantes brasileiros apresentam dificuldades vastas na área da matemática e registra-se uma queda de desempenho no ranking mundial de educação. Citando o exemplo dos dados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, o Brasil ocupou a 55º posição no ranking de leitura e a 58º posição no ranking da Matemática em 2013 e 59º em leitura, e 66º em Matemática, em 2016. Neste cenário é relevante a compreensão das dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar, o que muitas vezes é padronizado e simplista como uma visão já do senso comum, “não gostar de matemática”, pode estar falseando uma realidade importante no que se refere a fatores do desenvolvimento e aspectos do desenvolvimento neurológico. O DSM-V (2014) quando se trata do Transtorno Específico da Aprendizagem com prejuízo na Matemática se enfatiza “o senso numérico, memorização de fatos aritméticos, precisão ou fluência de cálculo e precisão no raciocínio matemático.” (2014, p.67). Aprofundando que a Discalculia seria: um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes. Se o termo discalculia for usado para especificar esse padrão particular de dificuldades matemáticas, é importante também especificar quaisquer dificuldades adicionais que estejam presentes, tais como dificuldades no raciocínio matemático ou na precisão na leitura de palavras. (DSM-V, 2014, p. 67) Como exposto anteriormente, não é vasto o campo de estudos a respeito da Discalculia e isso acarreta uma dificuldade de diagnósticos por parte de muitos profissionais da área. Considerando o campo educacional, por vezes a Discalculia não é classificada corretamente ou até não identificada sendo minimizada a questões gerais relativas ao campo da matemática, naturalizando o transtorno a uma visão do senso comum de “dificuldade em lidar com os números”. Retomando uma classificação exposta nos estudos de Kosc (1974), há seis tipos de Discalculia: 1) A discalculia verbal que se caracteriza como a identificação de dificuldades em nomear quantidades matemáticas, os números, os termos e os símbolos; 2) A discalculia practognóstica que abrange dificuldades como enumerar, comparar, manipular objetos reais ou em imagens; 3) A discalculia léxica que considera sobretudo, as dificuldades na leitura de símbolos matemáticos; 4) A discalculia gráfica que reúne as dificuldades na escrita de símbolos matemáticos; 5) A discalculia ideognóstica, ou seja, as dificuldades em fazer operações mentais e na 18 compreensão de conceitos matemáticos e 6) A discalculia operacional que seria a dificuldade na execução de operações e cálculos numéricos. Nesse contexto, os estudos sobre o tema tratam que as habilidades que podem ser prejudicadas quando um indivíduo apresenta a Discalculia são as: 1) habilidades linguísticas; 2) habilidades perceptivas; 3) habilidades de atenção e as 4) habilidades matemáticas (FERREIRA e HAASE, 2010). Esse transtorno tem a motivação a partir de um déficit no senso numérico, com substrato em regiões cerebrais intraparietais, assim como outras desordens do tipo, baixa capacidade de representação simbólica, funções executivas prejudicadas ou baixa capacidade de atenção viso-espacial, enfatizam as autoras. Além disso, Ferreira e Haase (2010) alertam para outras dificuldades que envolvem as habilidades matemáticas e que compõem o cotidiano de sala de aula, estas podem ser observadas pelos professores. Contudo, se ocorrer tal episódio é necessário identificar se são ações repetitivas e assim o professor, com um olhar minucioso, pode desconfiar de um transtorno. São elas: a compreensão dos números relevantes para a resolução de um problema aritmético, dificuldade de posicionar os algarismos numéricos, “dificuldade em inserir os pontos decimaisou símbolos durante os cálculos bem como organização espacial prejudicada dos cálculos aritméticos” (p. 186). Portanto, existem diferentes perfis cognitivos de Discalculia e isso irá depender da localização da região cerebral prejudicada. São vastos os processos cognitivos que são envolvidos na Discalculia, por isso, tona-se desafiador para o profissional que compõe a equipe multidisciplinar como o psicopedagogo, identificar tal transtorno. Esses processos podem ser desde dificuldade na memória de trabalho, como na memória em tarefas não verbais, na soletração de não palavras (tarefas de escrita), ausência de problemas fonológicos, dificuldade na memória de trabalho que implica contagem, dificuldade nas habilidades viso espaciais e nas habilidades psicomotoras e perceptivo-táteis. (FERREIRA e HAASE, 2010) A Disortografia é uma dificuldade manifestada por “um conjunto de erros da escrita que afetam a palavra, mas não o seu traçado ou grafia” (TORRES e FERNÁNDEZ, 2001, p. 76), os estudos enfatizam que uma criança disortográfica não é necessariamente disgráfica. Pereira (2009, p.9) ressalta que a Disortografia seria compreendida como uma: Perturbação que afeta as aptidões da escrita e que se traduz por dificuldades persistentes e recorrentes na capacidade da criança em compor textos escritos. As dificuldades centram-se na organização, estruturação e composição de textos escritos; a construção frásica é pobre e geralmente curta, observa-se a presença de múltiplos erros ortográficos e [por vezes] má qualidade gráfica Os fatores relacionados às causas concernentes às dificuldades disortográficas são, sobretudo, problemas na automatização da escrita e dos seus procedimentos, ou seja, produção deficiente de textos; estratégias de ensino ineficazes, sem a compreensão das regras de composição da escrita; desconhecer ou apresentar dificuldade em recordar os processos e subprocessos implicados na escrita (carência nas capacidades metacognitivas de regulação e controle desta atividade), enfatiza Cruz (2009). Assim como os demais transtornos discutidos, as causas podem estar relacionadas a inúmeros aspectos que vão desde questões perceptíveis, intelectuais, linguísticas, afetivo-emocionais e pedagógicas. Mais uma vez frisamos a 19 importância do processo de socialização destes indivíduos, as percepções e interações por parte da família e da escola, ambas têm papel fundamental na constituição do comportamento, desenvolvimento e aprendizagem. As causas de tipo perceptivo são articuladas a deficiências na percepção, na memória visual e auditiva e/ou a nível espaciotemporal e isso influencia na orientação das letras e na discriminação de grafemas com traços semelhantes, por exemplo. Já sobre as causas de tipo intelectual, cita-se um défice ou imaturidade intelectual; um baixo nível de inteligência geral que pode levar a escrita incorreta, já que as crianças não dominam as operações de caráter lógico-intelectual, imprescindíveis ao conhecimento e distinções dos diversos elementos sonoros. Ou seja, problemas de linguagem (pronúncia/articulação) e/ou deficiente conhecimento e utilização do vocabulário (código restrito) são apontados como causas de tipo linguístico. (TORRES e FERNÁNDEZ, 2001) Sobre as causas de tipo afetivo-emocional, as autoras distinguem, alguns aspectos como os baixos níveis de motivação e atenção, que acabam influenciando e fazem com que a criança cometa erros ortográficos, até mesmo sabem qual a ortografia da palavra. E por fim, tratam das causas de tipo pedagógico que tem relação direta com a metodologia de ensino-aprendizagem utilizada. Como discutido antes, esse método pode ser inadequado e acarretar um desrespeito com o ritmo do educando. Práticas que por vezes são limitadas e acabam prejudicando o processo de aprendizagem dos estudantes ou desconsideram aspectos individuais como, por exemplo, as dificuldades de aprendizagem supracitadas. 2.1.3. O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) O Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é uma condição diferenciada do neurodesenvolvimento, O TDAH é caracterizado por problemas de atenção, atividade excessiva, dificuldade de controlar o comportamento que não é apropriado para a faixa etária daquela pessoa. O TDAH passou a ser mais evidenciado nas instituições escolares, já que é na escola onde se inicia o processo de socialização e o desenvolvimento das atividades escolares. Dessa maneira, o diagnóstico fica mais evidenciado neste momento quando a criança começa a apresentar dificuldades no relacionamento com os colegas, professores e com a família. (ARAUJO e SILVA, 2003) A classificação em uma determinada categoria diagnóstica, além da avaliação clínica, consiste em uma coleta de informações sobre a vida da criança realizada junto às pessoas com quem convive como na família e na escola. O diagnóstico deve ser realizado por psicólogos, médicos psiquiatras, neurologistas ou até pediatras em conjunto. Estes compõem a equipe multidisciplinar e realizam um diagnóstico clínico, pois, possuem experiência e prática profissional com estes pacientes. O aparecimento do TDAH acontece antes dos sete anos de idade e se demonstra por três grupos de sintomas: a Desatenção, a Hiperatividade e a Impulsividade, como colocado. É importante enfatizar essas características que são consideradas no diagnóstico da criança com TDAH: No grupo da desatenção, a criança frequentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades escolares, apresenta dificuldade para manter a atenção em atividades lúdicas, parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra, com frequência, não segue as instruções e não termina seus deveres, tem dificuldade para organizar tarefas e 20 atividades, evita tarefas que exijam esforço mental constante, costuma perder livros, lápis, brinquedos ou outros materiais, distrai-se facilmente por estímulos alheios à tarefa e, muitas vezes, se esquece das atividades diárias. (DSM-IV-ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA, 2002) Também no que se refere à hiperatividade é de suma relevância frisar: No grupo evidenciado pela hiperatividade, frequentemente agitam as mãos ou pés ou se mexem na cadeira, abandonam sua cadeira na sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que fiquem sentadas, correm ou escalam em demasia, apresentam dificuldades para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer, estão frequentemente “a todo vapor”, falam em demasia. A impulsividade é mais uma característica, assim, geralmente, a criança dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham sido completamente formuladas, tem dificuldade em aguardar a sua vez, interrompe ou se intromete em assuntos alheios. (DSM- IV – ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA, 2002) Nas crianças as questões relativas à falta de atenção acabam refletindo em um desempenho escolar ruim e assim o professor pode suspeitar do transtorno e as suas consequências no desenvolvimento e na aprendizagem do estudante. É importante enfatizar a necessidade de um diagnóstico a partir de um profissional especializado da área da saúde que compõe a equipe multidisciplinar, assim como colocado anteriormente. Este tem experiência na área da inclusão e lida com os temas relativos às deficiências e suas singularidades. O TDAH já é um tema com bastante repercussão nas escolas. Assim como as demais dificuldades de aprendizagem e transtornos enfatizados, é na escola que se percebe na maioria das vezes os sintomas, a criança passa a suscitar um desconforto que não afeta apenas a ela mesma, como também os familiares, professores e, muitas vezes, aos próprios colegas. O mundo interior de cada criança é repleto de valores, habilidades, angústias, sensações e identificações diversas e ao ingressar na escola tudo isso entra em relação com os pares (colegas), com o cotidiano e funcionáriosque compõem aquela instituição. O professor acaba ficando com a responsabilidade de considerar essa bagagem de cada criança individualmente e em relação ao grupo, porém, essa demanda não deve ser exclusivamente do educador, ela necessita ser compartilhada com a família, assim como a sociedade, que, por meio de um “olhar” cuidadoso, necessitam estar organizados para lidar com os casos diagnosticados como patológicos. (BASSOLS et al, 2004) O TDAH é dividido em três subtipos: Predominantemente desatento; predominantemente hiperativo-impulsivo ou do tipo combinado. Vale salientar que por vezes existe um despreparo para compreender e manejar as desordens que surgem em sala de aula e esse preparo e responsabilidade é indispensável para que o diagnóstico de TDAH se configure. (REIS e CAMARGO, 2008) É desafiador pensar a realidade de uma escola e a relação com o TDAH, sobretudo, uma instituição pública e as diversas questões envolvidas neste cotidiano que variam de infraestrutura inadequada, a falta de materiais pedagógicos apropriados e, ainda existe também um despreparo e uma falta de profissionais que deem um suporte para compreender e manejar as desordens que surgem em sala de aula. Por exemplo, esse preparo qualitativo e a responsabilidade são indispensáveis para que o diagnóstico de TDAH se configure, pois a escola, apesar 21 de não ser o local que realiza o diagnóstico, é o lugar onde se percebe as principais evidencias como colocado anteriormente. É a escola que muitas vezes faz esse encaminhamento e caso não tenha a presença da equipe responsável ela direciona, visto que o diagnóstico é dado por profissionais da área da saúde que compõem a equipe multidisciplinar. A escola não pode fazer o uso do TDAH para justificar o baixo rendimento das crianças ou um comportamento fora do “padrão” rotulado por muitos educadores, sem dúvidas, existe uma necessidade de uma avaliação criteriosa pela equipe multidisciplinar, a presença de uma avaliação psicopedagógica para assim ter critérios fundamentados no que se refere ao transtorno. Algumas crianças passam despercebidas e não recebem o tratamento necessário, por isso a importância de acompanhar e encaminhar essa criança aos especialistas para a realização do diagnóstico correto. 2.2. Os Distúrbios do Processamento Auditivo Central O Distúrbio do Processamento Auditivo Central - DPAC é determinado como a inabilidade das vias auditivas centrais de enfocar, discriminar, reconhecer ou compreender informações oferecidas por meio da audição. Neste sentido, este distúrbio, embora tenha relação com o déficit do processamento de dados sonoros, não gera perda auditiva, nem dificuldades intelectuais, caracterizando-se como um distúrbio de modalidade auditiva. É importante frisar que na maior parte dos casos, o sistema auditivo periférico (tímpano, ossículos, cóclea e nervo auditivo) permanece integralmente preservado. A principal implicação do distúrbio está na dificuldade de processamento das informações captadas pelas vias auditivas. Ou seja, o indivíduo escuta nitidamente a fala humana, entretanto possui dificuldades em interpretar a mensagem recebida. Este pode se manifestar de diferentes maneiras, inicialmente, o DPAC pode afetar apenas o sistema auditivo. No entanto, devido à mesma divisão de substratos neurais e do processamento em paralelo e em sequência de algumas regiões cerebrais, esse distúrbio pode estar vinculado a prejuízos relacionados à linguagem e aos aspectos cognitivos, como a atenção e a memória como demonstram as pesquisas. Existe uma relação entre o processamento auditivo (central) e a consciência fonológica, por esse motivo as discussões também centram na escola como um espaço que irá identificar e buscar estratégias após um diagnóstico, para que este estudante possa evoluir no processo de aprendizagem. As causas do DPAC podem ser variadas e muitas vezes desconhecidas, contudo, as mais comuns são de origem genética, otites de repetição, lesões cerebrais por anóxia ou traumatismo craniano, presença de outros distúrbios neurológicos, atraso maturacional das vias auditivas do Sistema Nervoso Central ou por envelhecimento natural do cérebro. Por isso, a maior parte dos diagnósticos é feita em crianças e idosos. Os principais sintomas são identificados em crianças, assim como: dificuldade de memorização em atividades diárias; dificuldades acadêmicas para ler e escrever; fadiga atencional em aulas ou palestras; troca de letras na fala ou escrita; demora em compreender o que foi dito; dificuldades em compreender informações em ambientes ruidosos; desatenção e distração; repetição constante da informação; agitação; dificuldade para entender conceitos abstratos ou duplo sentido; dificuldade para executar tarefas que lhe foram solicitadas. (COMERLATTO, 2016) 22 No que se refere ao diagnóstico do DPAC o fonoaudiólogo reforça que são procedimentos mais elaborados do que as análises audiométricas comuns, visto que é importante distinguir e caracterizar a perda auditiva localizada no órgão sensorial (ouvido) da alteração do processamento auditivo central. E para esse detalhamento é necessário além das audiometrias padrões realizarem testes para PAC e de avaliação do desenvolvimento linguístico e do comportamento auditivo. É recomendado que tal diagnóstico seja realizado a partir dos sete anos, pois quanto mais cedo, mais eficaz será o tratamento, evitando prejudicar o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Estes exames são realizados pelo profissional da área da fonoaudiologia, dependendo da especificidade de cada caso se fará o uso de cabina acústica ou não. Infelizmente, o acesso ao exame ainda não foi democratizado vastamente e não é frequente nos hospitais públicos. Alguns convênios privados cobrem tais procedimentos. Dessa forma, os exames irão identificar quais as habilidades auditivas a criança possui maior dificuldade, e isto servirá de orientação para a escolha dos exercícios e das técnicas de treinamento auditivo que o fonoaudiólogo experimentará com a criança em um trabalho terapêutico. Comerlatto (2016) completa que atividades, jogos e o uso da cabina acústica são alguns dos recursos utilizados na reabilitação. Assim como pontuado ao longo da análise sobre esses distúrbios de aprendizagem, o papel da escola, em parceria com a família e a equipe multidisciplinar, é de suma relevância, visto que auxilia na prevenção, identifica e entende as singularidades de cada um dos indivíduos, realizando uma avaliação qualitativa e a intervenção pedagógica qualificada etc. E isso irá repercutir em aspectos positivos nas dificuldades de aprendizagem, já que a escola é um lugar central neste processo de desenvolvimento do indivíduo. O educador deve ter clareza que os aspectos são multifacetados e envolvem questões para além dos distúrbios a depender da relação e do grau que esta criança ou adolescente foi diagnosticado, assim como o meio no qual este convive. A família também deve ser parceira e estar envolvida no acompanhamento e tratamento. As intervenções pedagógicas não devem obedecer a um único modelo, não existe uma receita única para lidar com determinada dificuldade de aprendizagem, cada indivíduo é único e isso deve ser central no ato de planejar e executar a metodologia de ensino-aprendizagem junto ao educando. O erro não necessita ser interpretado como um fracasso, mas precisa de uma intervenção correta e avaliativa, pois é a partir dos erros que se acompanha a evolução de tal abordagem adotada, existem fatores associados ao erro, assim como ao acerto de determinado comando. No momento da avaliação, é importante que o professor tenha sensibilidade, um exemplo é dar mais tempo para responder às questões e/ou certificar-se de que os enunciados/questões foram compreendidos; privilegiar a expressão oral (no caso de determinados transtornos) também poderá ser uma boa estratégia, assim como atividadeslúdicas e o uso de tecnologias como instrumentos que auxiliam a interação e aprendizagem significativa como será aprofundado no item a seguir. Para findar, acrescenta-se que independente da metodologia adotada é importante que o professor, o psicólogo, a família etc. saibam das reais habilidades e dificuldades da criança. Assim serão capazes de planejar as atividades que dialogam com determinada dificuldade de aprendizagem e transtornos. Conhecer as características individuais de cada estudante é desafiador, mas se faz necessário para localizar as possíveis respostas pedagógicas, as mais apropriadas. 23 3. AS CONTRIBUIÇÕES DA LUDICIDADE E DA TECNOLOGIA NOS PROCESSOS DE APRENDIZAGENS Neste item adentra-se a discussão sobre os processos de aprendizagens, de modo que se possa apreender o quanto o uso das tecnologias oportuniza alternativas, bem como a ludicidade, contribuindo na aprendizagem significativa. Para tanto é relevante centrar a discussão e contextualizar sobre o que trata a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre a Educação Inclusiva. Em 1990, após o Brasil participar da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, na Tailândia e da Conferência Mundial de Educação Especial, realizada em Salamanca, na Espanha em 1994. A discussão sobre a temática da inclusão na educação ganhou mais respaldo, após décadas de lutas em torno desse direito e passou a ser um compromisso do Estado, sendo assim assumida como política pública. A participação do Brasil na Conferência Mundial realizada em Salamanca configura um “marco para o desenvolvimento da inclusão, legitimando o conceito de escola inclusiva” (TURCHIELLO, 2009, p. 51). Neste processo, a agenda mudou e a discussão de ações que contribuam para a reorganização do cenário educacional passa a inserir a inclusão como pauta. Observa-se uma mudança gradual e um deslocamento do “movimento de integração” para o “movimento de inclusão escolar”. E é a partir deste cenário que são instituídas mudanças que passam a priorizar a educação e esse discurso torna- se ainda mais aparente, em 2001, quando são instituídas as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica propendendo à organização dos sistemas de ensino para o atendimento dos estudantes que tem necessidades educacionais específicas e discorre sobre a formação dos professores para atuar neste cenário. As leituras sobre o tema enfatizam que neste período existiu uma mudança onde a integração e a inclusão, tida como de caráter democrático daquele governo, passa a ser respaldada como uma educação permanente, já que anteriormente tinha perfil transitório. A educação passou a ter o objetivo de incluir. Porém, com esse movimento a escola passou a ter uma atribuição de assegurar a educação de todos, suavizando as responsabilidades do Estado e, abrangendo a inclusão como artifício que iria salvar e transformar a educação. Em suma, com o debate da educação inclusiva existe um deslocamento e assim reforça-se que o lugar de todos é dentro da escola regular e esta instituição é a responsável em oferecer uma educação de qualidade e garantir que o estudante incluído alcance as habilidades necessárias. Assim como tratam as leituras sobre a inclusão escolar, é notório que na verdade o movimento de inclusão está para além da escola e preconiza a igualdade de oportunidades sem discriminação, a organização e o acompanhamento de políticas públicas na perspectiva da educação inclusiva e de temas referentes à inclusão, deste modo, reloca o entendimento dicotômico de escolarização dos sujeitos (ambiente regular X ambiente especial), ao menos na esfera legal. Sendo assim, a educação deve acontecer no ensino regular como direito de todos. Essa breve introdução é para situar o tema e essa normativa que está estabelecida em diferentes documentos que no decorrer dos anos foram determinados, e que presentemente passam a vigorar no âmbito legal e educacional. Assim como se enfatiza na Constituição Federal (1988); na Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), na Declaração de Salamanca (1994) etc., 24 estes reforçam e reafirmam o direito de todos à educação e à presença no ensino regular. Dando continuidade, estes documentos oficiais definem, legalmente, o direito à educação inclusiva. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB Nº. 9.394/96) fortalece essa perspectiva inclusiva e define Educação Especial como: “uma modalidade de ensino que deve perpassar todos os níveis e etapas” (Art. 4º, p.2), ou seja, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 robustece o que foi afirmado na LDB/96, exibindo a estrutura organizacional e o funcionamento do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que se constitui como um serviço oferecido aos educandos da Educação Especial, de forma complementar e/ou suplementar, mas, não de forma substitutiva ao ensino. A LDB de 1996 incorpora as finalidades da Declaração de Salamanca e em seu Capítulo V proposto à Educação Inclusiva explicita no Artigo 58: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”, ou seja, um marco no que se refere a firmar as mudanças sociais necessárias para a efetivação de uma escola inclusiva, garantidas legalmente. Neste contexto, a diversidade ganhou um novo olhar e a escola regular passa por um processo de ressignificações, inicia-se a concretização das matrículas de educandos com deficiências nas instituições. É importante tratarmos da inclusão considerando que esse tema não se limita às pessoas com deficiência, mas, sim a todos os indivíduos que compõem a sociedade. Sobre esse debate, visto que, a diversidade não deve ser compreendida como algo problemático e específico das pessoas com deficiência, essa é uma demanda de todo ser humano, pois, todos têm diferenças, cada um com suas dificuldades e competências. Neste sentido, Santarosa (2010) escreve sobre a diversidade e enfatiza que é necessário uma valorização e respeito, assim como pontuar aspectos essenciais a esse campo que clama por direitos e dignidade. A autora distingue incluir de acolher e coloca que “incluir”, significa a concretização da inclusão através de políticas públicas, já “acolher”, se refere meramente à união de grupos. Ou seja, a inclusão para ser efetivada precisa de um engajamento de educadores e gestores escolares a fim de acompanhar e exigir que as políticas de inclusão sejam efetivadas. A escola precisa se reinventar e estar aberta a diferença, oferecendo um suporte adequado não apenas de infraestrutura, materiais pedagógicos adaptados, o uso de suporte tecnológico, entre outras questões, mas também de um corpo de profissionais qualificados para a área. Os estudos sobre inclusão enfatizam que a escola tem caminhado para uma modificação em relação às “práticas inclusivas”, não apenas abrindo as portas para os estudantes com alguma deficiência, mas reinventando dinâmicas e relações sociais. Visto que é imprescindível que as instituições escolares aprimorem as suas ações em torno de práticas que acolham as diferenças, a diversidade, já que a transformação da escola não se reduz a cobranças normativas, mas se faz na inclusão de estudantes numa perspectiva democrática, acessível a todos, independente da sua deficiência. Existem três princípios básicos para todas as crianças que envolvem essa questão da inclusão, do campo do direito que são: o direito à educação, o direito à igualdade de oportunidades, e o direito à participação na sociedade. (GONZÁLES, 2002) 25 A exclusão é algo que marca a história em relação às pessoas com alguma deficiência. Essas pessoas eram vítimas da exclusão não apenas no ambiente escolar, como em toda a sociedade,
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