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Educação Infantil: especificidades da docência Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 2 Projeto Gráfico e Editoração Diretoria da Imprensa Oficial e Editora de Santa Catarina (DIOESC) Capa / Diagramação Marcos W. Martins Foto da Capa Aike Anneliese Kretzschmar Revisão Aike Anneliese Kretzschmar Jaqueline Nogueira Muniz (DIOESC) M379e Martins Filho, Altino José Educação infantil: especificidades da docência / Altino José Martins Filho, Lourival José Martins Filho – Florianópolis : UDESC, 2013. 168. p. ; 21 cm ISBN: 978-85-61136-90-1 (impresso) Inclui Bibliografia 1. Educação infantil. 2. Docência. I. Martins Filho, Lourival José. II. Título. CDD. 372.21 – 20. ed. Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Orestes Trevisol Neto CRB 14/1530 Biblioteca Central da UDESC ISBN: 978-85-8302-144-5 (digital) ALTINO JOSÉ MARTINS FILHO LOURIVAL JOSÉ MARTINS FILHO Educação Infantil: especificidades da docência 1ª edição Florianópolis-SC 2013 dedicamos este livro Aos integrantes dos grupos de pesquisa Didática e Formação Do- cente, Educação, Arte e Inclusão, bem como, aos integrantes do grupo de estudos e pesquisas em Educação Infantil - GEDIN professores e pro- fessoras da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC . Aos professores e professoras de Educação Infantil por terem par- ticipado do projeto de pesquisa e extensão em parceira com a UDESC, tornando-se berço de nossas análises neste texto. A Roberta Amabile Patrão, acadêmica do curso de Pedagogia da Udesc e bolsista de pesquisa exemplar. Em seu nome, dedicamos este livro aos acadêmicos e acadêmicas que escolhem a Pedagogia como pro- fissão e opção de vida na feitura de um mundo mais humano. Agrademos o apoio da Universidade Estadual de Santa Catarina e da Prefeitura Municipal de Florianópolis para a efetivação, elaboração e execução dos projetos de pesquisa e extensão “Formação Docente e Prática Pedagógica Pedagógica na Educação Infantil”, sem dúvida, im- pulsionadores para a escrita deste livro. Neste caminhar, tomando como referência as discussões realizadas e as análises dos processos, foi pos- sível produzir os conhecimentos, ainda que provisórios essenciais para pensar o exercício da docência na área da educação infantil. sumário apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 As crianças estão presentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 1.1 – Questões para um ponto de partida . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 A função da arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.2 – O livro e sua história: memória e trajetória dos organizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 capítulo l . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23 2.1 – Construindo uma perspectiva teórica para pensar a educação das infâncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 – Infâncias e crianças: concepções que subjazem na produção de singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 2.3 – Nem infância e nem criança: construindo uma visão plural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 capítulo ll . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59 3.1 – Sobre infância e sua educação: especificidade da docência na educação infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 3.1.1 – Heterogeneidade e alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 3.1.2 – Cuidado e educação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 3.1.3 – Crianças: sujeitos de direitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 3.1.4 – Socialização e adultocentrismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 3.1.5 – Culturas infantis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 8 3.1.6 – Múltiplas linguagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 3.1.7 – Protagonismo compartilhado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 3.1.8 – Educação infantil e ensino fundamental . . . . . . . . . . 128 3.1.9 – Alfabetização, oralidade e letramento . . . . . . . . . . . . 133 Palavaras finais para este momento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Sobre autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 9 apresentação as crianças estão presentes Sempre estiveram, apesar de que, por vezes, o olhar que sobre elas projetamos as colocam em uma posição estranhamente distante, afas- tada da prática social ativa e criativa, ou mesmo invisível. Na verdade, os esforços teóricos e epistemológicos que o campo transdisciplinar em plena expansão em todo o mundo dos estudos da infância (childhood studies ou children’s studies, na designação anglo-saxônica com que é universalmente conhecido) têm sido o de resgatar a infância das perspec- tivas científicas e periciais que reduzem as crianças à condição passiva de receptores abúlicos da ação socializadora, profissional ou interventora dos adultos. Em alternativa, a presentificação das crianças como atores sociais e sujeitos de pesquisa, que carecem de ser analisados e interpre- tados a partir das suas práticas, modos de pensar, agir e estilos de vida, constitui uma orientação determinante na renovação conceptual sobre a infância, com implicações vastas na educação, na intervenção social, na configuração das políticas públicas para a infância e, necessariamen- te, nos modos de interpretação do mundo. Conhecer o mundo com as crianças, tal é o sentido das propostas de renovação teórica aportadas pelos estudos da infância. O conjunto de textos presentes neste livro, quase todos decor- rentes de pesquisas realizadas no sul do Brasil com e sobre crianças, enquadram-se na confluência desta orientação: postulam a alteridade da infância, convocam o estatuto de ator social para as crianças, propõem formas de agir na pesquisa e na ação pedagógica que assume a participa- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 10 ção infantil como fator decisivo. Talvez valha a pena, por isso, sublinhar o que de novo traz este olhar. De uma forma necessariamente breve, diremos que, nos campos da psicologia, das ciências sociais e da educação, a infância tem sido pre- dominantemente considerada sob um conjunto de orientações paradig- máticas que se podem sumariar nos seguintes quatro tipos-ideais: 1. As crianças são perspectivadas como “seres em trânsito” para a condição adulta, sendo a sua existência biopsicossocial objeto de um processo de caracterização e categorização, de acordo com uma norma social relativamente pouco flexível, que motiva uma ação adulta, ao mes- mo tempo promotora do conhecimento e indutora da intervenção, vi- sando à socialização infantil para um modelo, também ele fortemente normalizado, do adulto. As crianças, nessa orientação, são imaginaria- mente produzidas como a memória da criança que o adulto foi e o pro- jeto de adulto que o adulto idealiza ser. 2. As crianças são seres geneticamente dotados para a sua cons- tituição como seres sociais, através do processo interativo que realizam com os objetos e as pessoas à sua volta, desenvolvendo, no quadro dessas interações, capacidades, competências, saberes e destrezas que poten- ciam o seu progresso desenvolvimental e as constroem como indivíduos e seres sociais. Nesse quadro, os adultossão interpretados como promo- tores do desenvolvimento da criança. 3. As crianças são seres sociais que realizam o seu processo de hu- manização pela relação com os adultos que os cercam e lhes transmitem, pela e na linguagem, padrões culturais, marcados pela diferença social a que pertencem, no quadro dos quais se desenvolvem de acordo com os modelos pré-figurados pelas respectivas culturas de pertença. Os adultos são chamados a desempenhar funções educacionais de transmissão nor- mativa, moral e cultural, determinada pelas suas opções da classe. 4. As crianças são seres sociais, com características próprias, in- seridas em mundos sociais complexos e heterogêneos, cujas condições Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 11 de existência são objeto de uma estruturação sustentada em processos de estratificação social, cultural, de gênero e geracional, condições essas continuamente reajustadas pela ação, assente em relações intra e interge- racionais, no interior das quais elas se desenvolvem como indivíduos e como atores sociais plenos. Nessas quatro orientações paradigmáticas, de um modo geral, encontramos porventura pontos de confluência de linhas mais estrei- tas, definidoras de algumas das correntes hegemônicas na abordagem da infância, ainda que cada uma delas seja atravessada por fios concep- tuais heterogêneos que as matizam. Na primeira, de sinal funcionalista, perde-se, pela concepção normativa, o sentido da diversidade infantil e obscurecem-se os sinais da desigualdade. Na segunda, construtivista, desenha-se um linearismo naturalista que tende a abstratizar a criança em um modelo epistemológico-genético que dissolve, igualmente, a di- ferença e oculta os fatores sociais da desigualdade. Na terceira, deter- minista, sobretudo em algumas das suas piores expressões, reduz-se a criança à tabula rasa hobbesiana, moldada pelos dedos apertados da per- tença social dos adultos que a educam. A quarta, configuradora do que alguns autores (Prout, Allison James, entre outros) gostam de chamar – talvez inapropriadamente, por isso reduzir as divergências e contra- dições internas – de novo paradigma dos estudos da infância, tende a resgatar as crianças e a infância, respectivamente, como seres sociais em processo de subjetivação e como membros da categoria social do tipo geracional infância. Os textos que constituem este livro parecem definir-se bem no quadro das orientações paradigmáticas que postulam uma centralida- de nas crianças, não como entidades desencarnadas ou reificadas, mas como seres concretos, capazes de pensamento e ação não redutível a re- gimes normativos, a estágios de desenvolvimento pré-inscritos na sua trajetória de vida ou a padrões culturais que as modelam rigidamente. A opção tomada é incrivelmente fértil de consequências polí- ticas, pedagógicas e epistemológicas. Seguramente, algumas delas se Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 12 encontram desenhadas nos textos deste livro. Mas todas elas conver- gem em um mesmo ponto: a transformação da sociedade não pode tomar as crianças como outputs da ação político-pedagógica, mas deve assumi-las, na sua alteridade e na sua pertença social, como membros ativos da sociedade, com características próprias, simultaneamente vulneráveis e competentes, e, a um só tempo, solicitando a proteção adulta e a aceitação da sua participação infantil, na configuração cole- tiva das condições de existência. Manuel Jacinto Sarmento Instituto de Estudos da Criança (IEC) Universidade do Minho – Braga, Portugal Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 13 Introdução 1.1 – Questões para um ponto de partida a função da arte Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadolff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar! Eduardo Galeano, 2002. Apresentamos essa epígrafe de Eduardo Galeano, pois ela ex- pressa o desafio que temos pela frente na busca pelo afinamento de um olhar e uma escuta atenta aos modos de ser das crianças. Aprender a ver, ouvir, observar e conhecer, para considerá-las sujeitos concretos e reais, localizando-as nas relações sociais e possibilitando sua participação na organização do tempo e do espaço, nos contextos educativos de creches e pré-escolas. Propagando o reconhecimento do lugar ativo que as crian- ças ocupam nas relações que estabelecem, seja na sociedade, seja nos processos educativos, ou, ainda, no diálogo com a cultura, marcando seu protagonismo infantil. Trazemos o tom poético por considerá-lo profundo, uma vez que Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 14 o próprio Galeano nos ajuda a perceber o quanto nosso olhar se fecha para o mundo, tornando as imagens do cotidiano opacas, ofuscantes, quase invisíveis, sem mais sentido. O autor nos faz um convite a olhar- mos para o mundo de maneira a enxergar sua beleza, mundo escondido, distante para alguns, próximo demais para outros, mas também repleto de contradições, tensões, dilemas e incertezas cotidianas. O desafio é lançar um olhar que permita olhar a nós mesmos. Se prestarmos atenção na crônica, veremos que observar, escu- tar, ver, contemplar não é algo tão simples e dado de imediato em nossa sociedade. Não somos formados para ver e nem para ouvir, já que facil- mente somos seduzidos por modismos e paixões imediatas. A superficia- lidade/aparência das coisas geralmente nos leva a ficar com as primeiras impressões, seja por falta de tempo e/ou formação humana para desen- volvermos uma análise reflexiva e crítica. Em um mundo aligeirado como o nosso, no qual as pessoas vivem com muita pressa, tudo acontecendo de forma rápida, rasteira, em volta de um ativismo exagerado, aprender a contemplar a beleza do universo e os valores humanos é algo complexo e desafiador. Essa rapidez nas ações cotidianas atropela cada um de nós, deixando-nos aflitos, assustados, esvaziados e, muitas vezes, sem expectativas. Já exteriormente não nos permite experienciar a realidade, perceber o que não é imediatamente evidente, sentir intimamente as relações que estabelecemos, (re)pensar sobre posições tomadas, refazer decisões, voltar atrás em alguma situa- ção, poder seguir e experimentar diversos caminhos, ter tempo para se deliciar e desfrutar da natureza e da vida em um ritmo próprio, particu- lar, uma possibilidade de contemplar cada sujeito. Isso nos faz alertar que as experiências estão em vias de extinção! Larrosa corrobora afir- mando que a “experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (2002, p. 21). Com isso queremos relembrar que, se as capa- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 15 cidades humanas são formadas a partir das atividades em que estamos envolvidos – para Larrosa, denominadas de experiências –, parece-nos urgente refletirmos sobre a pobreza de experiências e/ou atividades que está atingindo boa parte da humanidade. Atualmente, o ser humano é atingido pela pobreza de experiências/atividades que assola a formação de suas humanidades e não somente pela falta de trabalho, moradia, co- mida e expectativa de vida! A sobrevivência parece ser o limite que alme- ja uma grande parcela da sociedade. Assim, nosso desejo de luta é superar o esvaziamento e o empo- brecimento do próprio sentido da vida – em suas diversas dimensões – principalmente no que diz respeito às relações humanas (aqui inclu- ímos as relações das crianças bem pequenas e pequenas1). Nesse sen- tido, o presente livro apresenta como objetivo anunciar positivamente a alteridade, a heterogeneidade, a educação e o cuidado, os direitos das crianças, o protagonismocompartilhado, o brincar, a alfabetização, o le- tramento e a oralidade, a socialização e a integração da educação infantil com o ensino fundamental, bem como a produção das culturas infantis, em um compromisso de demarcar e destacar as especificidades da edu- cação infantil. O interesse maior é trazer elementos para subsidiar uma reflexão analítica e crítica acerca de alguns aspectos que marcam o exer- cício da docência na educação infantil. Marcas que são atravessadas por muitas questões que tornam as discussões diversas e complexas quanto à própria educação das crianças bem pequenas e pequenas. Educação que, historicamente, vem traçando um perfil profissional, observando e definindo a função do professor e professora, o significado de “ser crian- ça” e o da infância. De igual modo, vem delineando o papel e a função social da própria educação infantil, as relações entre adultos e crianças e entre as próprias crianças, a maior (ou menor) atenção ao reconhe- cimento das manifestações e ações das crianças em contextos coletivos 1 As terminologias “crianças bem pequenas e crianças pequenas” estão sendo adotadas pelo Grupo de Estudos em Educação Infantil (GEIN), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A título de esclare- cimento, a expressão “crianças bem pequenas” refere-se às de zero a três anos e “crianças pequenas” de quatro a seis anos, tendo em vista que a designação “criança” estende-se até os doze anos, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (1991). Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 16 de educação. Todos esses aspectos estão intrínsecos e são subjacentes a uma definição e uma abordagem para educar na infância. Isso posto, iremos apresentar algumas propostas, tendências, orientações não só na dimensão pedagógica, mas com base em uma perspectiva que aponte lugares de adultos e crianças no contexto de vida coletiva da educação infantil, que em nossa consideração amplia o cená- rio da educação na infância e os aspectos citados anteriormente. Dare- mos ênfase aos seguintes questionamentos: em uma pedagogia da infân- cia, como podemos pensar o lugar da criança? O lugar dos professores? Para além dessas questões, outras se fazem necessárias: sendo a creche e/ou a pré-escola o lugar em que a criança passa grande parte de sua in- fância, que agora começa nos primeiros meses de vida, como podemos pensar a especificidade desse ambiente educacional? O que é específico das instituições de educação infantil? Em que se diferencia das demais instituições escolares de outros níveis de ensino? Mergulhados nesse desafio, assinalamos que, da mesma ma- neira que o menino pede ajuda para seu pai para poder ver o mar, nós, professores da educação infantil, estamos iniciando um movimento para conhecer as crianças a partir de si mesmas e sua relação com o universo social mais amplo ou, como nos propõe Qvortrup (1999), aprendendo a adotar o ponto de vista das crianças, estudando-as pelo seu próprio mérito. Referencia-se que os contextos educativos de creches e pré-es- colas precisam valorizar a produção cultural das crianças, tornando-as agentes participantes e parceiras nas vivências e experiências educacio- nais, superando a perspectiva adultocêntrica que vigora nas práticas edu- cacionais destinadas às pequenas meninas e aos pequenos meninos em pleno reconhecimento de seus respectivos mundos sociais e culturais. Tal posicionamento possibilita traçar contornos cada vez mais nítidos em relação à pedagogia da infância. Neste momento, estamos nos pau- tando nos estudos de Rocha (1999) e Faria (1999). Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 17 Pontua-se que boa parte do esforço empreendido tem sido no sentido de aprofundar a compreensão no que diz respeito à infância como categoria social, geracional e cultural, configurando as crianças como atores sociais e produtores de culturas infantis e de formas es- pecíficas de sociabilidades, bem como as reconhecendo como sujei- tos portadores de “direitos sociais”, tendo vez e voz nas instituições de educação que para elas foram destinadas. Partindo desse entendi- mento sobre o lugar que a criança ocupa nas relações sociais, pode- mos dizer que sua participação é força motivadora para seu próprio desenvolvimento. Nesse sentido, desejamos desenvolver uma perspec- tiva pedagógica específica para a educação na infância. Pensamos na participação infantil como algo essencial para destacarmos o lugar das crianças, seja nas pesquisas ou nas práticas pedagógicas. Nesse quadro, o desafio maior desse estudo é contribuir para a va- lorização da prática pedagógica exercida no interior dos contextos edu- cativos de creche e/ou pré-escolar. Desejo de prática educativa pautada na seguinte hipótese: haveria como garantir processos de socialização e educação que incorporassem a percepção de que a criança é também sujeito social ativo, mesmo quando muito pequena? É assim que se dese- nha um novo paradigma para a categoria geracional infância e se defen- de a presença das crianças nos projetos de educação a elas destinados, sem, com isso, negar a necessidade da intencionalidade qualificada dos adultos nos processos de educação das crianças. Intencionalidade que exige sistematização e planejamento da/na forma de orientar a organiza- ção do trabalho diário junto às crianças. Tal afirmação revela e não abre mão em afirmar que a criança é um ser humano em desenvolvimento e que suas experiências, elaborações de convivências e processos sociais passam pela mediação dos adultos. Isso reafirma a responsabilidade dos adultos em sistematizar o desenvolvimento integral das crianças, porém sem descartá-las de uma participação ativa nesse processo. Atualmente, há que se perceber os ecos paradoxais que expressam o modo como en- tendemos e nos relacionamos com a infância, qual sejam: “às crianças ser atribuído o futuro do mundo em um presente de opressão” (SARMEN- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 18 TO e PINTO, 1997, p. 1 Assumimos essa posição para buscar desvelar as produções culturais que são peculiares do universo das crianças, bem como desconstruir e relativizar algumas certezas que tínhamos em re- lação à sua educação, sobretudo pensar sobre o enigma que a infância, a cada dia, se torna para nós, professores/pesquisadores. O enigma da infância, já discutido por Larrosa (1998), aqui se apresenta como uma possibilidade de compreender as crianças em sua capacidade de cons- truir uma presença ativa nos processos sociais, culturais, educacionais e nas pesquisas sobre e com a infância. Isso requer que compreendamos que o lugar da criança na pedagogia é igual ao lugar do professor no sen- tido de pertencimento à espécie humana. Chamamos atenção para as crianças tão cheias de vida ou com suas vidas “roubadas”, com grandes expectativas em relação ao mundo ou sem nenhuma esperança de viver dignamente, crianças pobres ou ri- cas, amparadas ou desamparadas, aceitas ou rejeitadas, livres ou confina- das, escolarizadas ou excluídas da escola, brincantes ou sem condições de viver essa dimensão do humano. Enfim, crianças do nosso imenso país – Brasil – que apresentam uma pluralidade de maneiras de ver e sen- tir as infâncias! É com este espírito que construímos algumas indicações para pensar as especificidades da docência. 1.2 – o livro e sua história: memória e trajetória dos organizadores Começar a conversa, produzir um texto escrito a quatro mãos não é tarefa nada fácil, principalmente um texto que seja a síntese de uma pesquisa que envolveu crianças e adultos. Temos claro que o escritor ao executar tal tarefa também organiza um espaço social e cultural. Este li- vro pretende trazer um contexto, que mostra ser polissêmico, múltiplo e plural. Já que entre as interpretações, as linhas e as entrelinhas estão as histórias que circundam as experiências vividas, emolduradas por di- ferentes papéis sociais que vemos assumindo, seja como filho, pai, pro-Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 19 fessor, escritor ou pesquisador. Assim, a escrita e as escolhas que foram realizadas neste estudo são impulsionadas por nossa existência, por nos- so estar no mundo e, principalmente, pelas condições de produção de nosso lugar social no mundo. Tanto em nossa experiência profissional quanto no espaço da academia em que estamos executando nossas pesquisas, as inquieta- ções e indagações que trazemos se referem à docência do professor e às manifestações culturais das crianças, trazendo para a cena os seus modos peculiares de ser. O objetivo de aliar o trabalho direto com as crianças ao de pesquisar e produzir conhecimentos teóricos é justa- mente para elaborar explicações que deem conta de entrever um tanto daquelas práticas que desafiam a romper com as certezas político-pe- dagógicas, a nosso ver, um tanto aligeiradas e equivocadas nas últimas décadas no campo da educação da infância, para apreender as contra- dições presentes no cotidiano institucional. O presente estudo, que se transformou neste livro, vincula-se à produção de conhecimentos na área da educação infantil, tendo como interesse ligar a pesquisa e a extensão desenvolvidas entre a Universida- de do Estado de Santa Catarina (UDESC) e a Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF). A sua escrita une o desejo de dois professores: um ligado ao ensino superior e outro ligado à docência e à formação de pro- fessores, que juntos estão interligados por uma agenda de estudos sobre a infância e sua educação. O encontro desenvolveu um diálogo que se iniciou em 2000 – época da virada do milênio. Nesse tempo histórico nos vimos diante do interesse em pesquisar as bases empíricas em que as crianças estabelecem suas produções culturais e a realidade em que a docência acontece nas instituições educativas. Queremos explicar ainda que nossa preocupação com o exercício da docência na educação infantil tem como uma de suas origens nossa própria trajetória profissional. Um envolvimento profissional que nos levou (e nos leva) a desenvolver uma articulação entre dimensões teó- ricas e suas implicações para a prática pedagógica, no interior de uma Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 20 corrente educacional específica – a qual se designa como consolida- ção de uma pedagogia para a infância, com o enfretamento de um pro- blema educacional muito peculiar, ou seja, a dicotomia entre teoria e prática da educação infantil. A partir daí, foi necessário complementar nossa formação e buscar elementos explicativos e esclarecedores para nossas próprias dúvidas e descontentamentos, no sentido de compre- ender a fragmentação existente entre as atividades cotidianas dos/as professores/as e as discussões elaboradas e explicitadas nas propostas pedagógicas. No início de nossa pesquisa, detectamos uma desvalori- zação nos contextos coletivos de educação coletiva, qual seja: ações que isolam as atividades do cotidiano (consideradas como rotinas) das propostas pedagógicas, como se as atividades de rotinas fossem um oásis no deserto da docência, acontecendo de maneira mecânica e automatizada, sendo, portanto, desnecessário pensá-las e planejá-las. A questão fundamental é, a nosso ver, que a produção teórica elabo- rada em torno dos delineamentos para a educação das crianças não se articula com as práticas vivenciadas, ou seja, com a docência realizada nas instituições. Aqui está o mote de nossas preocupações. Portanto, o cruzamento entre a prática e a teoria fez com que começássemos a questionar e a analisar a própria prática pedagógica em contraste com o que vínhamos estudando e escrevendo sobre a educação na infância, com especial atenção ao exercício da docência dos professores. Pela primeira vez ousamos nos aproximar das crianças sem o olhar único com o qual procurávamos controlar e dominar. Dessa for- ma, passamos a estudar a docência com um descentramento do nosso olhar, o que significou uma aproximação dos/as professores/as e das crianças não mais para colher deles somente o que nos interessava, procuramos nos preencher de uma concepção, tanto objetiva como subjetiva, que os considera sujeitos diferentes e pertencentes a univer- sos sociais e culturais diversificados. Tal desprendimento nos permitiu maior compreensão dos complexos e contraditórios movimentos de ambos no exercício de sua docência. Algo que, para nós, a cada dia vem se transformando e nos trans- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 21 forma em dois professores-pesquisadores comprometidos em respeitar as crianças em suas peculiaridades e especificidades. Este livro, ao com- pletar uma agenda de pesquisas e estudos, está muito longe de apresen- tar ideias conclusivas, pois temos a certeza de que, na continuidade do percurso de nossas vidas, ainda temos muito que escrever e pesquisar sobre as infâncias das crianças e a sua educação. Com certeza finalizamos dizendo que a história não acabou. Ela terá continuidade no percurso da escrita desses dois professores e pesquisadores, que em breve trarão outros enredos. Esse é o desejo de nossa luta diária. A todos/as os/as leitores/as desejamos que se preencham do mesmo entusiasmo e encantamento que nos acompanharam e nos de- ram forças e persistência na investida de pesquisar e analisar o cotidiano e as teorias pedagógicas mais atuais destinadas à educação infantil. Entu- siasmo que evidencia aos profissionais da educação a tarefa de formar e emancipar o ser humano de pouca idade: as crianças frequentadoras de creches, pré-escolas e escolas! Aqui fica o convite – um convite para trilhar um caminho rumo aos estudos sobre as infâncias, as crianças e sua educação, caminhos que são percorridos com múltiplos contornos! Mais com o mesmo desejo de afirmar as especificidades da docência em contextos de vida coletiva com crianças bem pequenas e pequenas. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 23 capítulo l 2.1 – construindo uma perspectiva teórica para pensar a educação das infâncias Diante do interesse em desenvolver um estudo sobre o exercício da docência na escola de educação infantil, trazemos para a análise os processos de socialização que envolvem as/os professoras/es e as crian- ças. Partindo de nosso referencial teórico – sociologia da infância – po- demos alertar que as crianças muito têm a nos dizer e que estão diaria- mente mostrando de diversas formas suas indicações. Assim, neste ca- pítulo, apoiados no referencial da sociologia da infância, afirmamos que a docência não se faz sem a participação das crianças, elas estão ques- tionando, interrogando e interpelando os modos que nós, professores, estamos exercendo as nossas atividades diárias. A intenção de apresentar estudos sobre o exercício da docência em diálogo entre nós e a sociologia da infância se justifica pelo fato de essa área recentemente ganhar destaque nas pesquisas em educação in- fantil, seja em nosso país ou em países estrangeiros. Esse novo subcam- po, segundo Beloni (2009), tem estado no centro das discussões na área da educação infantil, principalmente quando se procura trilhar por uma perspectiva multidisciplinar e interdisciplinar, sobretudo almejando-se outros tratos epistemológicos, em razão da complexidade da educação das crianças na contemporaneidade. A psicologia desenvolvimentista, área considerada hegemô- nica nos estudos da infância, e, mais tarde, a psicologia histórico- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 24 cultural foram as áreas que mais subsidiaram fundamentos para a educação infantil. Recentemente outros campos de conhecimento “descobrem” as especificidades do ser criança e dão espaço para as indicações sinalizadas pelas crianças, especialmente na relação com seus pares. É também no final da década dos anos de 1990 que surge a pedagogia da infância, uma abordagem com base nos estudos da pedagogia italiana de educação infantil. Rocha (1999) aponta a necessidade da criaçãode uma pedagogia com contornos próprios para a educação infantil. Essa pedagogia con- templa de forma articulada a educação e o cuidado das crianças e os seus direitos. A reflexão sobre a participação infantil e a alteridade das crian- ças são temáticas desenvolvidas, a partir de então, pela pedagogia da in- fância, influenciada também pelos estudos da sociologia da infância que chegaram ao país no início dos anos 2000. Neste livro vamos analisar de forma mais contundente os estudos na abordagem dos italianos e da própria sociologia da infância.Encontramos ressonância nesse encontro, o que, para nós, produz um diálogo profícuo para pensar as especificida- des da docência. Em nossas análises, observamos que na comunidade científica acadêmica está nascendo um diálogo profícuo e relevante, o qual vem se intensificando e trazendo novos ares ao campo da sociologia da infância. Contemporaneamente, essa área vê-se ante uma tarefa ambiciosa e desa- fiadora, no afã de explicitar um novo paradigma específico das infâncias. Como afirma Manuel Jacinto Sarmento (2010), paradigma que preten- de conhecer o mundo, com as crianças, tal é o sentido das propostas de renovação teórica aportadas pelos “novos estudos sociais da infância”. Pode-se dizer que o intercâmbio entre o campo da educação e o da sociologia da infância tem trazido importantes contribuições que se abrem a grandes desafios, possibilidades e limites no delineamento da rediscussão da construção social da infância e sua educação. Essa em- preitada teórico-metodológica em muito se diferencia das abordagens sociológicas tradicionais de cunho funcionalista, as quais sempre sub- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 25 meteram a infância a outras categorias geracionais, segundo uma visão adultocêntrica da realidade das crianças. O estado de transitoriedade e de dependência em que vinha sendo visto e entendido o período da in- fância colocou as crianças em posição subalterna ante a geração adulta ( JAMES, JENKS e PROUT, 1998). Dessa forma, para que as manifestações, interrogações e interpe- lações das crianças sejam vislumbradas como construção de sua existên- cia, é necessário vê-las como experiências infantis concretas e reais, as quais precisam ser problematizadas e que, em alguns casos, exigem paci- ência e conhecimento de quem seja esta criança que está a nossa frente e não somente em situações que se apresentam de forma regular e pacífica. É oportuno olhar para essas experiências como produção da diferença, do heterogêneo, da pluralidade, etc. Nas mais variadas situações de diá- logo da criança com o mundo, fato que exige do/a professor/a conheci- mentos específicos do desenvolvimento infantil. Sônia Kramer (2003), em recente publicação, afirma que, ao deixarmos de olhar para as crian- ças e de compartilhar com elas suas experiências, incorremos no erro do “adultocentrismo”, olhando de cima para as crianças e não na altura de seus olhos, ou seja, evitamos olhá-las nos olhos e deixamos de ver o mundo que se apresenta à sua altura. Na continuidade de suas reflexões, a autora assinala que aprender: [...] com as crianças pode ajudar a compreender o valor da imaginação, da arte, da dimensão lúdica, da poesia, de pensar adiante. Os adultos, ao se separarem das proposições apresentadas pelas crianças, reforçam uma distribuição hierarquizada de funções e papéis no interior dos processos de socialização. (KRAMER, 2003, p. 105) Foi possível observar em nossa pesquisa uma situação ocorrida entre um professor e um menino. Ao ser impedido de comer suas bola- chas, a criança conseguiu criar um mecanismo de transgressão que lhe possibilitou continuar comendo-as, situação que acabou sensibilizando o professor e convencendo-o a rever sua posição. E mais, mostrou que o Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 26 menino, mesmo tendo poucas bolachas, conseguiu criar uma estratégia que lhe permitiu dividi-las com as outras crianças. Podemos dizer que o referido professor teve uma oportunidade de aprendizagem em relação à solidariedade e ao espírito de coletividade. Portanto, a transgressão e a subversão do menino sintetiza a possibilidade de mudança por ela pro- vocada e de crítica à ordem instituída. Chamamos a atenção que não estamos aqui para defender o “es- pontaneísmo” nas relações dentro das instituições de educação infan- til, ou seja, deixar que as crianças sejam livres para fazer tudo o que desejam. Trata-se de afirmar que as crianças sejam respeitadas pelos adultos nas suas necessidades individuais, particularidades, heteroge- neidades, idiossincrasias e subjetividades. Trata-se de superar o que em alguns momentos se revela como reprodução da violência que vi- vemos em nossa sociedade, de evitar uma lógica na qual quem é consi- derado improdutivo não merece cuidados e atenção e, acima de tudo, é diariamente levado a se emudecer diante da tentativa de resistência, prevalecendo assim, segundo Faria, “uma formação para o operário do futuro e não a criança como criança” (1999, p. 67). Como romper com essa lógica no contexto das instituições de educação infantil? Ou, nas palavras de Kramer, como manter a utopia e a esperança de solidariedade, generosidade e justiça social, contra a discriminação, pelo reconhecimento das diferenças, na direção contrária à dominação, à cultura legitimada como correta? Se perdemos a possibilidade do diálogo como recuperá-la? Estão nossas crianças aprendendo a rir da dor do outro, a humilhar, a não mais se sensibilizar? Estão sendo desumanizadas? (2003, p. 96) Conforme salientam Sarmento e Pinto (1997), não apenas é errôneo, como pode ser perverso, centrar os direitos das crianças na proteção e na provisão dos meios essenciais de crescimento, sem que se lhes reconheça o estatuto de atores sociais e se lhes atribua de fato o direito à participação social e à partilha da decisão nos seus modos de Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 27 vida, pois isso faz parte do seu passado e do seu presente, e não somen- te o poderá ser no futuro. É principalmente por oposição a uma concepção de infância como um vir a ser que, segundo Sirota (2001), na sociologia geral e na socio- logia da educação, aparecem os primeiros elementos de uma sociologia da infância. Esses primeiros elementos são resultado de um movimento geral da sociologia que se volta para o ator social, como influência da re- descoberta da sociologia interacionista, das abordagens construtivistas que fornecem outras concepções teóricas para a construção do objeto ao considerar a criança como ator social no processo da construção de conhecimentos. Assim, para essa autora, a emergência de uma sociologia da infância pode ser sinalizada a partir da aparição da noção de “ofício de criança”, ou seja, do desafio de se levar a sério a criança concreta, rom- pendo com a sociologia clássica. Para melhor explicitar essa assertiva, Sirota recorre ao tema formulado por Jeveau: cada vez mais a infância é considerada como uma forma estrutural, e as crianças como um “povo” de traços específicos, tendo, segundo o sociotipo estudado, uma cultura própria, um sistema de trocas, e, portanto, de ritualização própria, sendo, numa palavra, um “ser” com seu mundo particular. (2001, p. 55) Seguindo essa orientação, os estudos de Sirota (2001) trazem mais algumas questões, nas quais se evidenciam os problemas que ainda permanecem abertos no campo da sociologia da infância, quais sejam: como tratar os obstáculos epistemológicos suscitados pela apreensão da categoria infância como categoria social? Sobre quais metodologias se apoiar para alcançar as experiências das crianças e dar conta delas? Será a abordagem etnográfica a mais pertinente? Que terreno ceder para a exploração da infância “ordinária” em relação à infância sofrida, a fim de verificar a evolução geral da construção social da infância? Em que me- dida a criança é produto, é produtora, em uma sociedadeonde se acen- tuam individualização e incerteza? Como se constrói a cultura infantil? Quais são as especificidades desse grupo sociológico? Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 28 Acrescentamos os questionamentos da autora perguntando: que implicações tais questões trazem em seu bojo para pensar a docência com crianças bem pequenas e pequenas? Não pretendemos alcançar respostas para as perguntas aqui expressas, nossa pesquisa caminhou, se não para responder, mas para, pelo menos, problematizá-las . Sirota (2001) expressa, com perspicácia, aquilo por nós conside- rado como um novo olhar sobre a infância, seus processos de sociali- zação, suas marcas e particularidades. Ela nos diz que os estudos sobre a socialização da criança não necessariamente implicam em autodeter- minação, tampouco em pensar que somos nós adultos que fazemos o processo para a criança ou que ela o faça por uma condição natural. Cabe lembrar que, como já foi dito, a sociologia da infância é um campo relativamente recente2, aparecendo com maior escala no Brasil pelos trabalhos de autores portugueses, entre os quais podemos citar Sarmento e Pinto (1997), Sarmento, (2000, 2001, 2003, 2005, 2010, 2011), Tomás (2000), Ferreira (2000, 2002, 2004, 2010), So- ares (2001, 2006), Vasconcelos (2006) e Trevisan (2006). Seguindo, encontramos em menor escala autores de língua inglesa e francesa, como Montandon (2001, 2005) e Sirota (2001, 2005). Entre os auto- res brasileiros, já encontramos um considerável número de trabalhos que se dedicam a demarcar o campo da sociologia da infância: Quin- teiro (2002, 2004), Prado, Dermartini e Faria (2002), Delgado e Mü- lher (2005), Marchi (2007), Belloni (2009), Prado e Martins Filho (2011), Martins Filho e Barbosa (2010) e Martins Filho e Delgado (2010), para citar os trabalhos mais acessíveis. Tal produção vem compondo uma agenda de trabalhos que têm analisado a categoria infância no campo das ciências sociais, humanas e, mais especificamente, da educação, voltando suas análises para o ator social criança e estudando-o em suas características mais pecu- 2 Não temos como intenção elaborar uma revisão exaustiva tipo “estado da arte” dos trabalhos da sociolo- gia da infância, pois já existem alguns autores (SARMENTO, 1997; SIROTA, 2001; MONTANDON, 2001; QUINTEIRO, 2004) que se dedicaram a tal tarefa, que consideramos tão difícil e que fugiria do escopo de nosso estudo. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 29 liares, valorizando sua escuta, seja por meio de seu testemunho direto ou de sua produção iconográfica. Trata-se de produzir um quadro de referências com base na sociologia da infância, que se apresenta em três dimensões de domínio fundamental: a construção dos direitos das crianças, a participação nas decisões que lhes dizem respeito e a orga- nização heterogênea do grupo coletivo de crianças, no âmbito de uma infância concreta, contextualizada e situada. Entre as produções de língua portuguesa, damos destaque à tese de doutorado de Manuela Ferreira (2002), pelo fato de trazer os tra- ços da trajetória da construção do campo da sociologia da infância. A autora utiliza as contribuições dos autores que se sobressaíram nos estudos das crianças, dos balanços relativos aos estudos em língua in- glesa, francesa e portuguesa sobre a emergência de uma sociologia da infância, bem como livros, revistas e anais de congressos realizados em diversos países. Trata-se da primeira etnografia realizada com crianças em um jardim de infância em Portugal, onde realiza um amplo levanta- mento da produção da sociologia da infância. Para a referida autora, esses encontros e o conjunto das publica- ções que deles resultaram se refletem uns nos outros, cada um racioci- nando no interior de seus próprios quadros de referência e com meto- dologias próprias, construindo, assim, uma “nova paisagem científica” (SIROTA, 2001). Manuela Ferreira (2002) salienta que, considerando o peso acumulado de trabalhos interdisciplinares, pode-se afirmar que está emergindo um novo paradigma para o estudo da infância no campo sociológico, de um lado por força dos conceitos da própria sociologia e, de outro, nas descrições e discussões dos resultados apresentados pelos pesquisadores. O que significa dizer que o recurso à variável idade na análise sociológica como forma de singularizar a infância, faculta assim uma maior compreensão da sua situação estrutural, tanto por referência aos adultos como por referência a si própria [...] e uma maior evidencia de que as suas vidas estão sujeitas às mesmas forças econômicas, sociais e políticas Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 30 que as de outras categorias geracionais. (FERREIRA, 2002, p. 9) As análises da autora são contundentes quando revelam que nasceu uma consciência positiva ao se afirmar que as teorias socioló- gicas clássicas recorrentes e disponíveis para o estudo da criança e da infância não são satisfatórias para quebrar o silêncio ao qual as crianças haviam sido sujeitas. Pode-se concluir, por meio do levantamento de Manuela Ferreira (2002) que, nas ciências sociais, a infância foi negli- genciada, ficando ainda bastante marginal como objeto de estudos até as últimas décadas do século XX. Os estudos do sociólogo Jens Qvortrup (1994) demarcam que somente em 1990 a Associação Internacional de Sociologia autorizou a formação de um grupo temático de sociologia da infância. O autor afirma que, no início da década de 1990, “não se podendo falar de um paradigma da Sociologia da Infância consolidado, é possível, no entanto, identificar um conjunto de traços comuns para a definição de uma So- ciologia da Infância” (1994, p. 15) 3. Para esse sociólogo, a sociologia da infância nasce com um atraso de quase um século em comparação à psi- cologia, psiquiatria, pediatria e pedagogia. Segundo Maria Luiza Belloni, somente ao final do século XX os estudos sociológicos chegaram a um novo patamar, descobrindo a infância como categoria e objeto de estudo pleno e relevante, passando a considerar as crianças atores importantes nas interações sociais, e tentando construir novos paradigmas de compreensão desses fatos sociais, a partir 3 A sociologia da infância é hoje reconhecida como o mais recente comitê de pes- quisa da Associação Internacional de Sociologia (ISA), ao lado de um grupo de trabalho reconhecido na Associação Internacional de Sociólogos de Língua Fran- cesa (AISLF) (Sarmento, 2005). Esse reconhecimento, de resto, apareceria apenas na década de 90 do século XX, pela Associação Internacional de Sociologia (ISA), através da criação de um Research Commitee in Sociology of Childhood (RC53), em 1998, por grande impulso de Jens Qvortrup (disponível em < http://www.ucm.es/ info/isa/rc53.htm >). Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 31 do questionamento das oposições e dicotomias da modernidade e dos conceitos clássicos de socialização. Essa nova importância da infância nas ciências humanas é, porém, ainda muito relativa, evidentemente, não corresponde simplesmente a mudanças no interior das ciências sociais, mas à resposta destas às transformações sociais que levaram as crianças a um novo estatuto social. (2009, p. 123) Segundo as palavras de Manuel Sarmento (2000), é possível afir- mar que, com a entrada do novo milênio, inicia-se um “olhar caleidoscó- pico sobre a Sociologia”, no intuito de identificar a presença da infância no desenvolvimento do pensamento sociológico; todavia, faz-se ainda necessário descobrir e mapear as razões de sua “gritante ausência nas correntes clássicas da Sociologia”. No contexto europeu, por exemplo, Manuel Sarmento observa que a sociologia da infância ainda [...] não encontrou um alargado reconhecimento como área de referência e responsabilidade vital entre a comunidade de sociólogos e na definição do campo sociológico. Exemplo disto é o fato do mais recente manual internacional de sociologia (Calhou, Rojek eTurner, 2005) não dedicar à infância senão umas discretas referências no capítulo dedicado à pobreza. (2008, p. 2) Como descreve Trevisan (2006, p. 45), “a tarefa de tornar esse paradigma emergente explícito, está longe de estar completa e conti- nua a ser a grande prioridade para aqueles envolvidos no estudo da in- fância”, principalmente em um quadro de investigação que nos instiga a uma “reflexividade metodológica que recusa o etnocentrismo adulto- cêntrico” (SARMENTO, 2007, p.44). Já Manuel Sarmento, por um prisma mais otimista observa que ao incorporar na sua agenda teórica e prática a interpretação das condições atuais de vida das crianças, a Sociologia da Infância insere-se decisivamente na construção da reflexividade contemporânea sobre a realidade social. É por isso que, na verdade, ao estudar Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 32 a infância, não é apenas com as crianças que a disciplina se ocupa: é, com efeito, a totalidade da realidade social o que ocupa a Sociologia da Infância. Que as crianças constituem uma porta de entrada fundamental para a compreensão dessa realidade é o que é, porventura, novo e inesperado no desenvolvimento dessa recente disciplina. (2008, p. 19) Dos estudos que empreendemos para compreender e registrar um panorama da construção da sociologia da infância, verificamos que a “virada” sociológica relaciona-se à alteração e à reconceitualização da socialização, o que levantou questionamentos em torno das teorias “verticais” de socialização, passando-se a considerá-las não mais como um processo unilateral, ou seja, em pleno sentido de assegurar a parti- cipação das crianças nos processos sociais. Assim, a partir de 1980, as publicações se multiplicaram em relação ao social studies of childhood4 nos países anglo-saxões (MONTANDON, 2001) e nos países de língua francesa (SIROTA, 2001). Trabalhos esses que, originando-se em sua maioria das vertentes etnográfica e antropológica, apresentam uma tra- dição de estudos empíricos (MAYALL apud DELGADO, 2011, p. 06). Nesse sentido, Cléopâtre Montandon (2001) assevera que a so- ciologia interpretativa enfatiza mais a produção da vida social dos indi- víduos do que a produção dos comportamentos das estruturas sociais. Pode-se afirmar que, quando se pensa a escola de educação infantil como espaço de educação das crianças, assumem relevância as contri- buições do novo paradigma da sociologia da infância, principalmente pelo fato de essa disciplina se propor a estudar as relações entre ator e estrutura (FERREIRA, 2002) ou ainda renovar os quadros teóricos e passar a adentrar no “país da infância”. Consideramos que ver o exercício da docência por esse prisma e pensar que, na escola de educação infantil, temos duas lógicas socializadoras – adultos e crianças – as quais preci- sam ser consideradas em todas as atividades cotidianas. A sociologia da infância traz para o cerne de suas teorizações o 4 Leia-se “estudos sociais da infância”. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 33 modelo interativo e construcionista de socialização, pelo qual atribui à criança a construção de si por meio da elaboração de sua própria experi- ência que tem como base as negociações que ela pode realizar com o seu meio (PLAISANCE, 2004) 5. Parece-nos ser, esse modelo, duplamente relevante: ao mesmo tempo em que nos propicia repensar e configurar a escola de educação infantil que se propõe à educação das crianças bem pequenas e pequenas, também nos possibilita rever a forma de participa- ção efetiva das crianças em seus contextos. Nessa perspectiva, Catarina Tomás e Natália Soares ressaltam que [...] considerar o cosmopolitismo infantil implica considerar o desenvolvimento de um conjunto de mudanças, que não são somente mudanças estruturais, apesar de estas serem fundamentais, mas implica sobretudo a promoção de mudanças axiológicas, ontológicas e praxiológicas relativamente à forma de compreender o grupo social das crianças. (2004, p. 04) Entendemos que essa mudança paradigmática em torno da in- clusão e participação ativa das crianças pode repercutir nas decisões políticas e educativas que afetam a vida das crianças, se não na prática, pelo menos na retórica. Se isso se confirmar, e concordando novamente com Maria Luiza Belloni (2009), tornar-se-ão evidentes as contradições entre o discurso liberal, que naturaliza o status quo, e as propostas da sociologia da infância, que atribuem o estatuto de ator social à criança, dando-lhe mais voz. Para levar a bom termo essas mudanças estruturais, é preciso basear os estudos da infância na “dupla hermenêutica” de An- tônio Giddens (1984), qual seja, compreender para transformar a reali- dade das crianças; “a autonomia individual só é possível em um contexto de autonomia coletiva” (FERREIRA, 2002). A chamada de atenção do paradigma da sociologia da infância in- cide sobre a articulação entre os processos de integração social estrutu- rantes (GIDDENS, 1984), que se revelam nos atores empíricos, os quais 5 Concordamos com Maria Luiza Belloni (2009) quando afirma que essas contribuições permitem ir além da oposição natureza/cultura e introduzir a linguagem como uma nova dimensão indispensável para compreen- der o sentido das ações humanas, numa atualização da sociologia compreensiva de Weber e da fenomenologia. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 34 são os legítimos produtores da ordem social e as estruturações das ações coletivas que podem transformar as realidades existentes. Nessa abor- dagem, ao localizar a categoria infância na estrutura social, estruturada e estruturante de si, as crianças, ao estruturarem as suas ações e os seus contextos de ação, intervêm na estruturação de si (GIDDENS, 1984), alicerçando-se como grupo social que se reestrutura no tempo-espaço e nas atividades no ambiente da escola de educação infantil. Cabe, ainda, salientar que alguns sociólogos de tradição do cam- po da sociologia lançam algumas críticas à abordagem da sociologia da infância, acusando-a de fragmentar e adjetivar o próprio campo. Em defesa dessa disciplina, diversos autores (SARMENTO, 1997; SI- ROTA, 2001; MONTANDON, 2001; JAVEAU, 2005; entre outros) vêm contribuindo para afirmar o campo da sociologia da infância e recomendam que haja esforço dos pesquisadores a fim de estabelecer conexão com a sociologia geral. Segundo Manuel Sarmento (1997), a problemática conexão entre a sociologia da infância e o âmbito geral da teoria sociológica parece encaminhar-se para um diálogo próximo, bastando para isso considerar seu objeto como passível de importância teórica e capacidade hermenêutica. Em sua pesquisa de mestrado, Martins Filho (2005) realizou um estudo centrado nas contribuições da sociologia da infância para pensar as relações sociais entre crianças-adultos e das crianças entre si no contexto da escola de educação infantil. Dessa aventura afortunada, apresentou à comunidade científica informações e reflexões sobre a so- ciologia da infância brasileira6, reunindo e analisando alguns trabalhos pioneiros. Na época, o autor observou que algumas pesquisas já vêm apontando problematizações e conceitualizações em torno de temas como adultocentrismo, subordinações de idade, infância plural, direi- tos das crianças, criança pede respeito, produção das culturas infantis e a alteridade da infância. As reflexões dos autores sinalizam um hori- 6 Ver especialmente a terceira parte do trabalho, na qual o autor tece uma revisão dos trabalhos da sociologia da infância. Esse material também foi organizado e publicado em um capítulo do livro “Infância plural: crianças do nosso tempo” [Porto Alegre: Mediação, 2006]. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 35 zonte de perspectivas de renovado respeito às opiniões e experiências das crianças, de consideração à alteridade da infância não em termos de falta, mas em termos de especificidades. Tal abordagem se distancia da discussão dasociologia moderna que criou processos de proliferação de dicotomias, as quais, por sua vez, “dividem a realidade social em tópicos distintos: estrutura versus ação; local versus global; identidade versus diferença; crianças versus adul- tos; natureza versus cultura e etc.” (PROUT, 2004, p. 4). A sociologia da infância parece conter aportes capazes de superar possíveis dicotomias que a modernidade, em seu limiar, produziu e que tratou de alimentar nesses últimos séculos. Com as abordagens atuais, no entanto, já conse- guimos entender que essas divisões não são adequadas para a tarefa de perceber a vida social contemporânea em sua complexidade. Seguindo as indicações dos estudos de Jucirema Quinteiro (2002), no Brasil, ao contrário da produção que se desencadeou na Eu- ropa e Estados Unidos, temos uma vasta produção sobre a sociologia da educação e da família e ausência gritante de estudos sobre a condição social da criança no interior da escola. Acrescenta ainda que não só na sociologia, mas no campo das ciências humanas e sociais, em geral, não foram dedicados esforços suficientes para estudar as crianças. Alguns anos antes, Eloisa Candal Rocha (1999) já havia consta- tado, em sua tese de doutorado, a predominância da pedagogia e da psi- cologia nas pesquisas sobre a infância, em comparação com a sociologia, antropologia e o próprio campo da educação em geral. Também Fúlvia Rosemberg, na metade da década de 1970, lan- çou críticas à postura adultocêntrica dos estudos sobre a criança, sobre- tudo na psicologia, sociologia e educação. Duas décadas depois (1996), a pesquisadora continuou insistindo na crítica e retomou reflexões no que diz respeito à concepção de infância e desenvolvimento humano. Para a autora, não podemos ignorar as subordinações de idade quando tratamos de hierarquias sociais de classe, gênero e raça. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 36 Fazendo um pequeno retrospecto histórico, constatamos, tal qual Jucirema Quinteiro (2002), que Florestan Fernandes7 e José de Souza Martins foram os sociólogos pioneiros de uma sociologia da infância brasileira. Florestan Fernandes (1979), estudando os folguedos entre gru- pos infantis, em seu trabalho denominado As trocinhas do Bom Retiro, mostrou a existência de culturas infantis inscritas na escolha e obedi- ência das próprias crianças às regras e ao espírito de solidariedade e disciplina adquirida dentro dos grupos com outras crianças de idades diferentes. As relações travadas entre as crianças nas brincadeiras re- velavam, além de sistemas de aquisição de elementos culturais, “atu- alizações da cultura infantil” (FERNANDES, 1979, p. 386), compor- tamentos, formas, expressões, sentimentos e expectativas que chegam até nós, não só verbalmente, mas por meio de representações, imagens e impressões que emergem do conjunto da dinâmica social das crian- ças. O autor elaborou registros inéditos, utilizando como encaminha- mento metodológico o testemunho direto das crianças, por meio da observação direta e prolongada, tendo o objetivo de realizar uma des- crição fiel nos parâmetros da etnografia. Por sua vez, José de Souza Martins (1993) focalizou as crianças sem infância no Brasil. Analisou que os grupos infantis sofriam priva- ção de viver a infância, embora a vivessem em intervalos do dia. Essa pesquisa, em que o autor colheu duzentos depoimentos de crianças em processos de imigração na luta pela terra nas chamadas fronteiras agrícolas, já nos desafiava a dar voz às crianças, consideradas por ele como os “mudos da história”, geralmente não reconhecidas como in- formantes legítimas pelas ciências sociais. Florestan Fernandes (1979) e José de Souza Martins (1993) são apontados nos estudos de Jucirema Quinteiro (2002) e Marcia Mar- chi (2007) como precursores da sociologia da infância, porém as duas autoras, a primeira com pesquisas no campo da educação e a segunda 7 Cabe lembrar que o trabalho é de 1940, porém foi publicado em 1961. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 37 com pesquisas no campo da sociologia, tecem críticas semelhantes aos dois pesquisadores, sobretudo por estes considerarem as crianças como sujeitos “imaturos”. Embora Marcia Marchi (2007) reconheça que os autores romperam com o que ela chamou de “cerco de silêncio” impos- to às crianças nas pesquisas de cunho sociológico no Brasil, entende que ambos mantiveram inalterada a visão tradicional de socialização, o que já vinha sendo superado nos países do hemisfério norte, mesmo apresentando-se de maneira escassa e esparsa. Na sociologia da infância brasileira as crianças foram compreendidas como sujeitos passivos do trabalho adulto de transmissão cultural. Isto também é constatado no campo da pedagogia, por cujas concepções as crianças desde cedo vivem o começo da marginaliza- ção e da perpetuação de um relacionamento educacional subalterno, interagindo com um conjunto de atributos que as consideram dentro daquilo que lhes falta, ou seja, o que precisam adquirir para torna- rem-se adultos bem adaptados, de maneira a reproduzir o esquema social que lhes é apresentado. As contribuições teórico-metodológicas do campo da sociologia da infância foram fundamentais no entendimento, definição e criação de se pensar em uma nova abordagem de docência dialogando com a peda- gogia da infância, mas também para atribuir um sentido mais amplo às perspectivas das crianças, associando-nos a uma compreensão segundo a qual a “aprendizagem da criança é eminentemente interativa; antes de tudo o mais, as crianças aprendem com as outras crianças, nos espaços de partilha comum” (SARMENTO, 2004, p. 23). Portanto, abrir as fronteiras entre os campos de conhecimento e tentar ingressar em estudos para construir um saber interdisciplinar da in- fância, em uma perspectiva de mudança para o exercício da docência, é ter clara a necessidade de conhecer a criança para transpor as barreiras rígidas do entendimento de “adulto que tudo sabe”, o que também implica mudar e renovar as formas de produzir e conduzir o conhecimento, permitindo questionar a nossa pretensão imodesta para aí, quem sabe, também apren- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 38 der com as crianças outras formas de pensar e planejar sua educação. Assim, podemos inferir que a consideração das relações que as crianças estabelecem com seus pares ou com os adultos, construídas e constitutivas da e na dinâmica social, pode nos indicar grandes possibi- lidades para pensar a docência de forma mais aproximada do jeito de ser das crianças pequenas, garantindo que elas possam construir “conheci- mentos e as culturas infantis na relação com outras culturas”. (FARIA, 1999, p. 196). As observações realizadas em campo mostraram que as crianças sinalizavam ou manifestavam os desprazeres que sentiam em relação às situações vividas na escola de educação infantil pesquisada. O que significa que levar suas produções em conta pode constituir-se em um excelente indicador para melhorar a condução do trabalho peda- gógico. Construir tal compreensão requer que os professores “desenvol- vam habilidades para escutar, não só falar; para aprender, não só ensinar; para prestar atenção ao que os sujeitos produzem, aprendem, como in- teragem, não só no que desejam os adultos, mas no desejo e na ação das crianças” (TOMAZZETI, 2004, p.107). De nosso diário de campo extraímos uma cena protagonizada de uma professora e um grupo de crianças. O excerto selecionado serve para revelar como as crianças, nas relações com seus pares, constituem- se como plenos atores e atrizes nos processos de socialização dos quais participam. Serve também para revelar que, muitas vezes, as crianças, para exercerem sua condição de ator social, são levadas a agir na clandes- tinidade. Senão vejamos: a professora organiza uma fileira de cadeiras e pede para que todas as crianças sentem uma ao lado da outra. Ela, sentada em frente a elas, em uma mesa, começaa colocar o creme dental nas escovas, fala o nome que está escrito no cabo de cada uma e olha para o grupo na intenção de certificar-se que a criança está presente. Quando fala o nome, as crianças, por iniciativa própria do grupo, levantam- se (todas juntas sincronizadas) e repetem o nome da criança dito por ele. Isto acaba divertindo as crianças, Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 39 que neste momento riem muito. As crianças, além de levantarem, também começam a dançar, de forma a sacudir o corpo ao ritmo das risadas. Essas manifestações acontecem sem nenhuma combinação prévia por parte das crianças. Quando as crianças estão no auge de sua brincadeira, a professora levanta-se e em tom firme diz: “Eu falei que não era para levantar, fiquem sentadas, se não ficam sem escovar os dentes”. Com isso, as crianças se calam por um instante, mas depois recomeçam a rir e a dançar. Nesse ínterim, a referida professora é chamada por uma pessoa da secretaria para atender ao telefone. Ela sai da sala, mas da porta orienta para que as crianças não se levantem. Quando ela sai, as crianças fixam seus olhares em mim (pesquisador), que disfarço como se não estivesse percebendo-as. Em seguida, uma delas, um menino, levanta, abre a pasta e coloca um pouquinho de creme dental em uma das escovas e fala: “Esta é a minha, tá?” Em seguida vem outro e faz o mesmo, porém pega a escova e mostra para todos o seu nome. Nesse momento as crianças riem alto, às gargalhadas. Depois vem mais um menino, que diz: “Eu sei onde está a minha, é essa, olha!” Mostra para o grupo e faz de conta que escova o dente, todos riem muito. A professora volta e percebendo a alegria e a agitação das crianças, comenta: “Vocês estão mexendo nas escovas, né? Estão me desobedecendo, né?” Ela olha para mim, porém continuo escrevendo. Alguns instantes depois, é chamada novamente para atender ao telefone. Dessa vez uma menina fala para um menino: “Agora tu fica na porta espiando se ela vai voltar, tá? Você será o guarda da brincadeira, anda vem! Ela está desconfiada da gente, né?” Percebo que a menina assume o comando da brincadeira e diz: “Vem, Dani, é sua vez”. A menina vai e coloca o creme dental em sua escova. Depois chama outra. Esta tem dificuldades para encontrar a sua escova e é ajudada por um outro menino. Depois chama outra criança e assim, sucessivamente, até a volta da professora. (Registro ou Excerto do diário de campo, ano 2012) A professora, tal como nos mostra o excerto, desejava ter as crian- Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 40 ças sob um controle excessivo, segundo nossa opinião. Tal atitude a le- vava frequentemente a colocar as crianças sentadas à espera: espera para o lanche, para o parque, para o almoço, para a higiene e para dormir. Nessas situações de espera, percebeu-se que as crianças, ao mesmo tem- po em que eram controladas, buscavam viver as brincadeiras com seus pares, o que, em várias situações, utilizando aqui a voz de Siebert (1998, p. 82), acabava provocando verdadeiros “atos de guerra entre duas von- tades que se enfrentam: a do adulto que mede o seu poder de educador e da criança que mede as suas forças e seus graus de autonomia”. Esse quadro de compreensão sobre as crianças nos permite de- senvolver um olhar diferenciado para as relações que estabelecem e, consequentemente, pensar em uma redefinição para a abordagem pe- dagógica com crianças pequenas. Pois, com base no delineamento que a categoria social infância vem ganhando nos últimos tempos, é pos- sível afirmar que a história da infância e da sua educação é a própria história da heteronomia e da antinomia8 da infância, da obediência e da dependência da criança em relação ao adulto, cuja análise permite encontrar alguns dualismos que estão naturalizados e são visíveis em nossa cultura educacional. Tais dualismos refletem e caracterizam o pensamento moderno de nossa história que, em geral, se define pela valorização de um dos elementos de um par de antagonismos em de- trimento do outro. Podemos citar como exemplos: subordinação/li- berdade, controle/atenção, heteronomia/autonomia, incompletude/ perfeição, desamparo/assistência, tutela/proteção, disciplina/respei- 8 Estamos entendendo o conceito de heteronomia como sendo o modo alienante do ser com ações repetitivas. O heterônomo reproduz, não cria; nesse processo o sujeito não é considerado personagem da história e nem produto de cultura. Anti- nomia: posição não conciliável entre conformação e emancipação, que caracteriza em profundidade todo o trabalho do projeto da modernidade. Dessa radical anti- nomia, os pedagogos mais atentos e mais informados têm uma consciência precisa: identificam-na como um problema aberto, inquietante, mas estrutural, isto é, cons- tante, sobre o qual a própria teorização pedagógica deve lançar luzes e com o qual deve acertar as contas. (CAMBI, 1999, p. 216-217). Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 41 to, dependente/independente, herdeira/inovadora e tantos outros. O presente trabalho desenvolve-se em consonância com a con- cepção que percebe a socialização como um processo de inserção de um sujeito em um determinado contexto sociocultural, por intermédio das relações humanas ali travadas dentro das condições e limites que esse meio impõe. Assim o é também para Dubar (1997, p.79), quando afirma que “não se pode aceitar o postulado de que cada indivíduo pro- cura adaptar-se à cultura do grupo e reproduzir as ‘tradições’ culturais ou otimizar as riquezas e as posições de poder segundo o tipo de so- ciedade no qual se encontra. A socialização não pode, pois, reduzir-se a uma dimensão única e, nesse caso, consiste em gerir uma dualidade irredutível”. No caso das práticas pedagógicas nas escolas de educação infantil, a fala desse autor é imprescindível e essencial para que perce- bamos as relações sociais que são expressas pelas crianças no convívio com seus pares e com os adultos-professores. Os contextos de educa- ção infantil tomam uma importante relevância na vida dos meninos e meninas, já que, na contemporaneidade, com a institucionalização cada vez mais crescente das crianças, é nesse local que elas entrarão em contato com o mundo social e cultural mais amplo. Na escola pesquisada foi possível constatar que a produção/re- produção das culturas das crianças apresentava-se com maior evidên- cia e significado por meio das relações que elas estabeleciam com seus pares, ou seja, no seu convívio coletivo com o grupo de crianças. Pois, como pudemos constatar, é nas relações travadas com outras crianças que os meninos e as meninas faziam valer com mais afinco os seus de- sejos, vontades, alegrias, surpresas, transgressões e subversões. Planta- se com isso a especificidade da educação infantil em consonância com as manifestações das crianças. Assim, reconhece-se cada vez mais a ocorrência, na interação/ relação criança-criança, de processos constitutivos da identidade, da capacidade simbólica, da comunicação (MUSATTI, 1998; CARVA- LHO e BERALDO, 1985). Interagindo e relacionando-se, as crianças Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 42 criam e negociam regras, assumem e atribuem a si e a seus pares papéis sociais e culturais nos processos de socialização. Consideramos, neste trabalho, que tal ação em conjunto é um processo de constante recria- ção da cultura e é o fundamento da própria dinâmica dos processos de socialização das crianças com seus pares. Nesse caso, a socialização não se limita a um efeito das relações professores-crianças, mas é tam- bém um efeito das relações entre as próprias crianças. Aqui encontra- mos pontos de concordância para pensar a infância e a sua educação em diálogo com a sociologia da infância. É na interação e nas relações entre si que as crianças exercem a ca- pacidade humana de transmissão e criação de cultura e, por meio dela, repetem e renovam o processo de constituição do ser humano como indi-víduo e como membro de um grupo – “um processo que, dada a natureza biologicamente social do ser humano, só é possível na e pela interação/ relação social” (CARVALHO e BERALDO, 1985, p. 59). Assim, é na “interação das crianças com as pessoas que cuidam delas e com os seus pares que se torna mais visível uma concepção de desenvolvimento social como um complexo produtivo-reprodutivo” (CORSARO, 2002, p. 114). Para tanto, como está sendo evidenciado, é necessário que os adultos também participem diariamente das interações/relações entre as crianças, envolvendo-se, experimentando, criando e propondo para as crianças, nessas vivências ricas de relacionamento infantil, significa- tivas propostas, que aqui passam a ser consideradas mediações necessá- rias para a construção social e cultural das crianças pequenas, algo que atribui uma nova visão para o exercício da docência na escola de educa- ção infantil. Visão que endossa as especificidades da educação infantil levando em consideração a própria idade das crianças que frequentam as instituições educativas. Esse referencial serve de base para afirmar- mos tais especificidades. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 43 2.2 – Infâncias e crianças: concepções que subjazem na produção de singularidades Sê plural como o universo! Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Fernando Pessoa, 1986. É possível concordar com a singularidade histórica que produz o ser humano e que cada ser humano produz? As crianças compõem esse univer- so singular? Como pensar a produção de singularidades pela infância sem quebrar a pluralidade humana? Uma vez que o homem se constitui como ser humano na relação com o outro, ou seja, por meio de sua inserção histórico- cultural, torna-se necessário destacar a singularidade humana produzida his- tórica e coletivamente pelo conjunto dos homens, que produz nele a própria humanidade. Tal produção é constituinte e constituída de relações sociais que são elaboradas com base em uma estrutura mais ampla de sociedade. Estrutura que é definida pelas dimensões dos processos que estão no plano do social, cultural, educacional, econômico e político. As crianças e as infâncias se apresentam histórica e culturalmente de maneira singular, com características plurais que marcam suas hetero- geneidades, suas idiossincrasias e suas peculiaridades. Tais característi- cas correspondem também, direta ou indiretamente, a um contexto his- tórico, concreto e materializado por condições sociais objetivas. Nesses termos, concordamos com a posição de Manuel Sarmento: [...] a infância necessita ser estudada de modo a articular os elementos de homogeneidade (características comuns de todas as crianças) com os elementos de heterogeneidade, inerentes ao fato das crianças serem desigualmente distribuídas pelas diferentes categorias sociais (classe social, gênero, etnia, espaço geográfico de residência, subgrupos etários...). (2008, p.20) Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 44 Como bem define Bernard Lahire (2002), os sujeitos, inclusive as crianças, são compreendidos como um ator plural, portanto, são o produto da existência – amiúde precoce – de socialização em contextos sociais múltiplos e heterogêneos. No curso de sua trajetória ou, simul- taneamente, no curso de um mesmo período de tempo, participam de universos sociais variados, ocupando aí posições diferentes. Ao falar de processos de educação somos impelidos a falar de hominização e humanização. Para nós, os processos educacionais estão intimamente relacionados à socialização, à aprendizagem que elaboram o desenvolvimento nas suas diversas dimensões, tanto no ambiente pri- vado, na família, como nos espaços públicos institucionais, por exemplo, a escola. Lugar social de análise de nossos interesses de pesquisa. Con- tinuando nessa linha de pensamento, trazemos as reflexões de Bernard Charlot sobre a necessidade de pensarmos o processo de desenvolvi- mento do homem em tornar-se “humano”. Dessa forma, nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender para construir-se, em um triplo processo de hominização (tornar-se homem), de singularização (tornar-se um exemplar único do homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando seus valores e ocupando um lugar nela). Aprender para viver com outros homens com quem o mundo é partilhado. Aprender para apropriar-se do mundo, de uma parte desse mundo, e para participar da construção de um mundo pré-existente. [...] Nascer, aprender, é entrar em um conjunto de relações e processos que constituem um sistema de sentido, onde se diz quem eu sou, quem é o mundo, quem são os outros. (2000, p. 53, grifos nossos) Imersos nessas questões, tomamos como destaque, nesta seção, a infância e a criança em um processo histórico e cultural, categorias con- sideradas plurais, porque se revestem de singularidades. Compreende- mos que esse pressuposto descortina e mesmo balança, colocando na berlinda, algumas certezas que historicamente as definiam. Trata-se de desvelar alguns entendimentos que se tem construído das crianças e das Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 45 infâncias, já que esses determinam o valor que se dá a essas duas catego- rias sociais. Em nossa opinião, isso determina também certas práticas educacional-pedagógicas que traduzem em seu horizonte a produção de modos próprios de ser professor, ou seja, de exercer a docência. Somos da opinião de que as concepções de infância e de criança que professores constroem, definem suas formas de atuação cotidiana. Assim, quando os docentes apresentam noções claras sobre as concepções que subjazem à organização, às escolhas e às intencionalidades de suas ações pedagógi- cas, terão mais elementos para estruturarem sua prática docente. Um dos esforços para seguir esse caminho tem sido a neces- sária distinção que historicamente se foi traçando entre os sujeitos, crianças e adultos. Esforços que abrem e alargam trilhas para possíveis superações de enquadramentos e dualismos, principalmente quando conclamam outras perspectivas teóricas para conceber e perceber “as diferentes infâncias em diferentes contextos” (SARMENTO, 1997). Diferenças singulares que nos ajudam a valorizar a humanidade que habita em todos os sujeitos. A distinção, aqui tomada, adultos e crianças foi sendo constru- ída ao longo do processo histórico e possibilita realizar a indagação epistemológica sobre o conceito de criança e infância9. Por conseguin- te, o redimensionamento desses conceitos vem contribuindo progres- sivamente para repensar o projeto da docência, traçando especificida- des no tratamento às crianças e consequentemente na construção de pedagogias também especificas a elas. Tais pedagogias têm produzido diferentes paradigmas educacionais cujos desdobramentos geraram historicamente teorias e práticas docentes que delimitam “diversas tendências sobre o lugar do professor, da criança, da docência e do conhecimento” (ALVES, 2002, p. 10), visíveis ou não pelos adultos- 9 Não apresentamos como objetivo refazer a construção da história da infância no Ocidente e no Brasil, algo com que muitos autores já se ocuparam – cabe indicar, entre outros autores, as coletâneas de Mary Del Priore (2000) e Colin Heywood (2004). Entretanto, por ser uma história rica e prodigiosa, ressaltaremos aspectos que nos ajudarão a compreender a construção da produção de sua singularidade. Além do mais, consideramos, como Moysés Kuhlmann Junior (1998), que os estudos necessitam apoiar-se na história para a compreensão e a explicação dos fenômenos sociais em causa. Educação InfantIl: EspEcIfIcIdadEs da docêncIa 46 professores que atuam nos espaços educacionais com crianças bem pequenas e pequenas. Nesse ponto entendemos a importância da contribuição
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