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Os Demônios - Olavo de Carvalho - Educação Liberal

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Olavo de Carvalho em Os Demônios, de Dostoievski.
Lucas, 8: 32-36
Enredo: Escrito em 1872, Os Demônios foram motivados por um episódio verídico: o assassinato do
estudante I. I Ivanov pelo grupo niilista liderado por Sergey Nechayev em 1869.. Os demônios é um
estudo profundo do pensamento político, social, filosófico e religioso de seu tempo.
O narrador narra a história do professor aposentado Stiepan Trofímovitch, que possui estranhos
laços de amizade com uma viúva muito rica da sua cidade, Varvara Pietrovna. Aos poucos a cidade é
tomada por estranhos acontecimentos conspiratórios, principalmente com a chegada de Piotr
Stepanovich, filho de Stiepan Trofímovitch, e com Nikolai Stavróguin, filho de Varvara Pietrovna.
Esses acontecimentos são projetados por uma organização niilista e terrorista, chefiada por esses
dois personagens, que trazem consigo acontecimentos trágicos que deixarão marcas profundas no
leitor.
Sobre a aula: Esta aula faz parte de um conjunto de aulas ministradas pelo professor Olavo sobre
literatura e educação liberal; não sei ao certo quando foi ministrada, mas presumo que tenha sido
em meados dos anos 2000.
Corremos o risco de que as coisas que eu venha a falar estraguem a sua leitura, talvez
valha a pena dar alguns detalhes biográficos: o próprio Dostoievski participou do
movimento revolucionário na juventude e foi preso, processado, e condenado ao exílio na
Sibéria; e durante o exílio, um pouco levado a isso pela pressão das circunstâncias, por
uma falsa condenação à morte, isto é, na ‘hora H’ ele recebe um indulto, Dostoievski
percebe seu erro de ter entrado no movimento.
E eu acho que essa extrema tensão fez o cérebro dele funcionar de algum modo, e com
esse livro aqui ele vai contar toda a psicologia de um revolucionário, bem como a própria
dinâmica do movimento revolucionário — como é que a coisa funciona realmente. Não
deixa de ser significativo que essa história comece como comédia e vá terminar como
tragédia, a passagem de comédia a tragédia é o verdadeiro assunto do livro.
Vemos que o tal do Stiepan Trofímovitch Verkovenski — personagem que aparece logo no
começo da narrativa — é uma espécie de Eduardo Suplicy, um bobão idealista com
evocações de idealismo juvenil que ele acredita ainda representar, ele acredita ter ainda
alguma importância para as novas gerações, embora tenha se tornado objeto de riso e
ninguém mais se lembre dele.
Então, esse personagem é o ancestral de tudo que vai acontecer em seguida, pois o filho
dele será a peça chave que vai encaminhar as coisas para o desenlace trágico.
E nos instantes finais, o Stiepan , porque fica louco, de algum modo entende o que
aconteceu, mais ou menos como acontece no Rei Lear…Quando ele está normal ele é um
idiota, e a incompatibilidade dele com a realidade das coisas chegou a tal ponto que
somente através da loucura ele pode perceber a verdade. Essa coisas que aparecem aqui,
no Rei Lear e n’Os Demônios, não devem ser interpretadas no sentido de uma apologia da
loucura, como muitas vezes vulgarmente se faz — não é que a loucura em si tenha a
capacidade de iluminar a mente de ninguém, mas é que, em certas circunstâncias,
quando a posição existencial do sujeito se tornou demasiadamente falsa, quer dizer,
quando ele constrói a sua vida contra a realidade — a realidade vai numa direção e a vida
1
dele vai noutra —, então tem de chegar um ponto de ruptura que culminará em sua
morte real, ou em sua morte psíquica, na qual a realidade se impõe sobre o cadáver do
psiquismo do sujeito.
Você não pode dizer que o louco tenha uma consciência de realidade, não, a realidade
passou sobre o sujeito e o esmagou — nas cenas finais vem algo desse tipo com o Stiepan
. A vida do personagem é uma sucessão de tentativas de manter perante os outros, e
perante si mesmo, a imagem de alguma coisa que ele não é de maneira alguma. Agora,
de onde vem essa ruptura?
Em parte vem pela adesão a ideais isolados da realidade, que, em si mesmos, parecem
bonitos. Tais como bondade inata do ser humana de Rousseau — ‘o ser humano é bom e
a sociedade o corrompe’;como se o ser humano pudesse ser concebido em separado da
sociedade, como se existisse um ser humano em si, fora da sociedade, como se não
nascêssemos dentro de uma outra pessoa — já imerso, portanto, numa relação social.
Então, quando você pega a imagem de um bem e a recorta, sobrepondo-a à realidade,
você certamente terá a ilusão de estar cultuando um bem, ou até trabalhando para ele.
Contudo, se esse bem foi extirpado do quadro da realidade, então automaticamente ele
se torna mal, pois quanto mais você afirmar aquele bem irreal, mais a realidade será
considerada como má: eis aqui, a base do pensamento utópico.
Utopia é aquilo que não está em lugar nenhum. A imagem de um bem, recortada numa
tela, e separada do curso das coisas — [separada] da história, do tempo, da vida real, etc.
No curso da história, esse tipo de pensamento resultará num outro tipo de pensamento —
representado pelo filho do Stiepan , chamado Piotr Stepanovich, por outro personagem
chamado Nikolai e por um grupo de conspiradores —, que [vamos chamar aqui de]
pensamento messiânico. As pessoas costumam confundir esses dois tipos de
pensamento progressistas, acham que são a mesma coisa, mas que na verdade são
opostos.
Um é o pensamento utópico, no qual o sujeito apenas sonha com uma situação ideal,
separada da experiência real, sem perspectiva de ação que o leve para essa situação na
realidade (vide Utopia de Thomas Moore, etc.). Então, quando o sujeito entra nesse tipo de
pensamento, ele se enfraquece, à medida que contempla mais o seu ideal que a realidade
efetiva, retirando os elementos de bem da realidade e projetando na imagem criada por
ele mesmo.
Ao passo que o pensamento medieval identificava o bem na ideia de verdade — vide o
triângulo de Duns Scott: Unum, Verum e Bonum —, a idéia de Rousseau, por exemplo, é
má em si mesma, na medida em que separa a idéia de bem da idéia de verdade.
Então a verdade,e a realidade, passa a ser má. Veja que esse pensamento se impregnou
na modernidade, e, portanto, em nós mesmos. Temos uma dificuldade de articular as
coisas, aquilo que é bom pode ser falso, e aquilo que é verdadeiro se torna mau.
Em parte esse tipo de separação remonta o pensamento utópico — o bem se tornou um
sonho, e qualquer ação que se tome para realizá-lo não se desenrolará dentro da utopia, o
reino do bem, mas na realidade, o reino do mal.
2
Acontece que esse tipo de pensamento, estica a corda (consciência) até o limite,
enfraquecendo o sujeito, como o faz Stiepan , que vive num mundo mental de beleza, e
num mundo real de privações, misérias e infâmias. Chega um ponto que ele tem de se
converter em outra coisa, pois há um esgotamento da psique humana. Do utópico,
portanto, saí uma síntese, que é o messiânico. Ao contrário da utopia, que delineia
claramente uma “””situação”””hipotética boa, o pensamento messiânico não delineia
nada, ele acredita que vai acontecer alguma coisa boa, que ele não sabe bem o que é,
mas para qual ele começa a concorrer desde já.
É como se disséssemos que a ideia utópica é estática, pois projeta uma ideia sem levar
em conta o fluxo temporal, e o pensamento messiânico é dinâmico, na medida em que já
anuncia um próximo capítulo do tempo, que começa desde já, ainda que não se saiba
exatamente como vai ser esse capítulo — a idéia é agir.
De uma contemplação estática de um bem impossível, se passa para uma ação que se
dirige a um bem indefinido, mas no qual se acredita, [de algum modo]. De um lado temos
a imagem e a perfeição, e, noutro, o movimento e a transformação. Todo indivíduo
imbuído de ideal messiânico rejeita [todo] o pensamento utópico — daí o desprezo de
Piotr pelo pai, Stiepan —, ele não fica sonhando com o futuro, sabe que tem de agir no
presente, porque o bem ao qual ele se dirige, muito provavelmente, não será alcançado
em sua vida. O messiânico assume a realidade má, e age dentro dela para transformá—la
num bem não muito identificável, num tempo mais ou menosindeterminado.
O pensamento messiânico é misterioso como a anunciação de um messias, onde temos
apenas linhas vagas e gerais do que está por vir, ao passo que na utopia se tem tudo
escrito nos mínimos detalhes.
Pergunta de aluna: Esse tipo de pensamento não se encontra no judaísmo e no
cristianismo?
Calma, aí estamos falando da vida do Cristo, quer dizer, não do fim do fluxo histórico
(como fazem os revolucionários), é diferente. A vida de Cristo ainda está dentro do fluxo
histórico normal.
A maior característica do pensamento messiânico é que ele está voltado para uma
salvação final, da qual você participa ativamente desde já. Ao contrário do utópico, que
separa a imagem de futuro da ação presente, o pensamento messiânico articula uma
com a outra. Na utopia não se sabe onde, nem como se vai realizar, e, portanto, não você
não tem a obrigação, nem os meios de realizá-la.
No messiânico está tudo dirigido para uma salvação, você tem de agir, independente de
quanto tempo irá demorar. Agora, não se pode chamar Isaías de messiânico, porque isso
não é messianismo, é judaísmo! Tampouco se pode chamar o apocalipse de algo do
gênero, pois é cristianismo.
Qual é a diferença: tanto no judaísmo quanto no cristianismo, a salvação final é
identificada como o fim dos tempos, não se dando dentro do reino do tempo, mas na
transição do tempo para a eternidade, numa outra faixa de existência, portanto. O
pensamento revolucionário rebate a “salvação” para o reino do tempo — não se trata mais
3
do fim dos tempos, mas de um reino temporal futuro, que será a salvação da
humanidade. A salvação, no cristianismo, é o sentido da história — que portanto aparece
fora e acima da temporalidade histórica — , ao passo que no messiânico, é apenas um
capítulo, acreditando num fim temporal da história.
É claro que essa salvação, na perspectiva messiânica, é trazida para bem mais perto de
nós temporalmente; veja a narrativa do apocalipse, tanto faz que ela ocorra hoje, amanhã
ou dentro de milhões de anos, porque ela se dá numa faixa de existência alheia ao tempo,
então não faz sentido perguntar ‘quanto tempo falta para chegar lá?’. Vale lembrar que
essa perspectiva também leva em conta a morte de cada um, isto é, quando o sujeito
morre, ele já sai da faixa da temporalidade e, portanto, já irá para sua salvação ou danação
pessoal. Na perspectiva messiânica só há a salvação coletiva, que é um capítulo da
história, e em vista desse capítulo, se deve começar a agir desde já. É inútil discutir a
natureza da salvação, o que importa é o movimento que leva até lá.
Ora, esse movimento se dá, não dentro da realidade ideal, boa, mas dentro da realidade
real, que é má, por sua vez. Então agir dentro da realidade má é apressar, de algum modo,
a vinda do reino final da justiça, e o que quer que você faça de mal não será culpa sua,
mas própria realidade; nesse sentido, todo agir é mal (vemos uma raíz utópica), excepto
quando se tem em vista esse bem messiânico final.
Nesse livro, na próxima aula vou explicar isso melhor, veremos a passagem do Verkovenski
pai, utópico, para o Verkovenski filho, messiânico, o qual precipitará os acontecimentos
imediatamente! A característica principal do pensamento messiânico é gerar
acontecimentos numa escala quase incontrolável. Porque ele [o messiânico] se recusa ao
pensamento utópico, ele não é contemplativo, ele não se interessa pela finalidade — que
já toma como pressuposta —, para ele só o que interessa é agir historicamente. Então, o
movimento messiânico faz história pelos meios que estão à disposição.
Só que evidentemente o pensamento utópico é pai do messiânico; veja que na narrativa
judaico—cristã, o bem e o mal estavam articulados numa fórmula complexa do pecado,
da penitência, da graça, num processo altamente complicado, no qual uma coisa nunca
se separava totalmente da outra. Vamos dizer, o ser humano está, de certo modo,
diferenciado por uma certa origem, tem uma origem que é boa em primeira instância,
mas que se estraga no curso do caminho, e que fica viciada estruturalmente. O bem que
está no homem vem de cima, e ele se esforça para modelar sua vida de tal modo que
quando ela se encerre, ele esteja no bem.
Daí a importância do momento da morte no cristianismo: o sujeito que fez o mal a vida
inteira, ele se salva pela conversão no momento da morte. O curso real da vida tem muito
menos importância que a passagem para a eternidade, o momento da morte é mais
importante que a vida [do cristão]. A vida pode ser uma sucessão de erros, uma confusão
toda, e aquilo de algum modo se elucida no momento da morte (como veremos que
acontecerá com um personagem especial).
Agora, no processo messiânico, a morte do indivíduo já não tem nenhuma importância;
importa o que ele está fazendo em vida, em vista do advento futuro do bem; a sua morte
em nada acrescenta, mas, evidentemente, pode ser usada depois, como um elemento
publicitário para as gerações seguintes, caso você deixe uma marca e as pessoas se
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lembrem de você. Então os seus atos, e a sua morte, se incorporam dentro do fluxo
histórico do movimento progressista, ou revolucionário, e podem ser usados [, e serão].
O significado da sua morte, e de qualquer outra morte, como veremos no livro, portanto,
será dado pelo uso que o movimento revolucionário fará dela, enquanto que na
perspectiva cristã, a sua morte tem um significado em si mesma, próprio e pessoal,
porque ela aconteceu, e o que aconteceu não desacontece, o que entra no ser se
incorpora na realidade de uma vez para sempre.
Para a revolução, só importa aquilo que deixa resíduo histórico, de modo que possa ser
reaproveitado pelo movimento. Então no conceito messiânico, a vida do sujeito importa
menos em si mesma do que em seu conceito histórico, isto é, pelo que as gerações
seguintes falam dela. Ora, o que se fala do sujeito chama—se fama, então, a fama do
sujeito fica mais importante que a realidade dele. Isso quer dizer que, quando o Stiepan
está tentando construir sua fama de revolucionário para si mesmo, ele já está,
existencialmente, funcionando dentro da dialética messiânica, ainda que
ideologicamente ele seja um utópico. Ele está construindo a sua vida, não em vista da
realidade dela, mas em vista da fama, que ficará para as gerações seguintes e entrará na
história.
Numa perspectiva cristã, a fama realmente não interessa, pois sua vida foi o que foi, o que
os outros dirão dela não interessa. Você não será julgado pelo que falaram de você, mas
pelo que você fez. Fica claro que o movimento messiânico é a exata inversão da
perspectiva judaico—cristã, em direção à fantasia e à mentira. De fato, historicamente o
que fica é a fama, não quem você realmente foi, mas o que sobrou nos documentos e na
memória [dos outros]. A realidade da vida humana, então, é transferida para sua imagem
na memória póstuma; e Stiepan está sempre de olho na imagem que fazem dele.
Um sujeito que em vida agiu muito pouco, pode ser muito útil para o movimento se ele
tiver fama póstuma, e puder ser representado como um símbolo do movimento.
De algum modo, a Varvara Pietrovna sabe disso, porque ela planeja a imagem dele — até
fisicamente! Toda a vida do Stiepan é a construção de uma imagem em vista do seu
futuro aproveitamento pelo [dito] movimento. Então, o pensamento utópico separa o
homem da possibilidade de ação, mas, como não para viver em função dele, dentro da
estrutura de existencial do pensador utópico existe o pensamento messiânico
inconsciente. Embora Stiepan esteja de olho numa imagem estática de futuro para o
qual ele não contribui em nada, ele só pode construir a sua vida em função do
movimento, mesmo que tal movimento não exista socialmente ainda — como é no
momento em que começa a história. Stiepan quer ser o símbolo desse movimento
futuro.
O pensamento é utópico, a vida é passiva, montada desde fora, mas biograficamente é
escrita em função da fama. Então, o fato de que seja o filho dele quem irá representar o
estopim do movimento que veio em seguida, tem uma importância extraordinária; ele éfilho no sentido carnal, e no sentido de causa e efeito. A vida do utópico é geradora do
movimento revolucionário.
É evidente que, quando o sujeito contemplar a ação dos seus pensamentos , tem um
poema de Heinrich Heine em que o sujeito tem um pesadelo no qual vem um camarada
com uma espada, encosta na garganta dele e diz — “eu sou a ação dos seus
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pensamentos” —, então, na hora em que os seus pensamento viram ação, é a hora da
vingança do destino.
E o Stiepan , quando ver a ação de seus pensamentos, a sua forma de existência individual
transformada em movimento, desencadear uma série de efeitos fora, ele não vai aguentar
ver o que ele fez, e por isso mesmo ele fica doido, saí da realidade.
Ele sai da realidade, mas curiosamente quando ele sai é que ele entra nela. Ele sai no
sentido de que a consciência dele desliga, mas como a consciência dele já estava fora da
realidade, quando ela sai, é justamente quando ela entra de volta. Quando a realidade é
ruim demais, ele só pode percebê-la quando ele fica louco. É um processo parecido com a
história do Rei Lear1
Situações em que a realidade criada pelos seus pensamentos e ações é tão feia que você
não aguenta nem contemplar, eis a história de todo o século XX. Esse livro é de 1872 e,
desde essa época até hoje, esse efeito perpassa geração por geração, mas, como elas não
aguentam ver o resultado de suas ações, ou mentem para esconder a verdade dos outros
e de si mesmas, ou tem de potencializar (justificar) essas ações com uma imagem de
bem futuro, como que dizendo — ‘se nós fizemos tanto mal, é porque o bem que virá é
maior ainda do que a gente pensava’ — elas dobram a aposta.
O que veremos no curso do livro é o pensamento utópico de Verkovenski,
transformarem—se numa ação messiânica, através do seu filho, e de seu grupo de
revolucionários, até uma devastação, que não vale a pena descrever desde já, para não
estragar a leitura, mas que é absolutamente fantástica.
No meio da história, entrará um tal de Kirilov, que fará a equação lógica do que está
acontecendo. Ele irá perceber que esse conjunto de ações não pode ser julgado do
exterior, isto é, se o único bem que existe é futuro, e esse movimento é, vamos dizer, o
acelerador desse futuro bom, então não há julgamento possível no presente. O Kirilov
perceberá que, quando a noção de bem é jogada para um futuro histórico, se acaba toda
a possibilidade de distinguir o bem do mal. Esse pensamento vicioso cria um círculo
justificador, acima do qual não há absolutamente nada; como a idéia de um bem
permanente e imutável se identifica com Deus, e como esse bem sumiu, restando apenas
o futuro, então o Kirilov conclui: — Se Deus não existe, tudo é permitido — e essa porcaria
que os revolucionários fizeram não pode ser julgada, pois não há outros parâmetros,
exceto os do processo mesmo.
Pelo simples fato do Dostoievski ter conseguido condensar tudo isso sobre a forma de
ações humanas, esse homem escreveu, provavelmente, o livro mais importante dos
últimos duzentos anos. Todo o problema que nós vivemos diariamente é exatamente isto;
quando hoje chega a notícia de que o pessoal iria fazer parada gay em Jerusalém, eu
pergunto — por que Jerusalém? Qual a finalidade? — certamente não é uma modesta
luta pelos direitos dos gays, não é isso. Já não é um objetivo negativo, mas positivo, eles
querem criar uma mudança efetiva, que significa que as nossas preferências [gays] têm
mais valor que as sua religião, etc. etc. Nós [gays] temos o direito de criticar vocês, e vocês
não podem falar “a” contra nós, então evidentemente se trata de criar uma nova
autoridade, não mais através da discussão, da prova, mas através do que se chama
1 Aula Rei Lear do Monir Nasser: https://youtu.be/RZ5srEtiY, comprar livro em https://amzn.to/3vjzpRH
6
https://youtu.be/RZ5s--rEtiY
affirmative action (ação afirmativa) — uma ação que modifica imediatamente o estado
de coisas. E isso está bem dentro da dialética do movimento messiânico, que é
essencialmente um movimento, uma transformação constante que vai criando situações.
Ora, quando você vai criando situações em cascata2, uma por detrás da outra, é evidente
que a possibilidade da discussão a respeito desaparece, porque mal você tenta
equacionar uma situação para discuti-la, ela muda. Então a discussão se torna
absolutamente impossível, pois fica deslocada da situação real; veja que sempre que as
pessoas começam a discutir algo é porque aquilo já acabou. É muito difícil alguém
conseguir acompanhar o processo atual e expressá-lo em palavras.
Tinha um sujeito, conhecido meu, que queria fazer uma conferência sobre anomia… ora,
isso era um problema de dez, vinte anos atrás; essa fase já passou, nós estamos na fase de
construção de um poder estatal, mas o indivíduo ainda está preocupado com essa tal de
anomia! O movimento revolucionário é assim, ele muda a posição existencial da pessoa,
de tal modo que ela não possa nem sequer discutir a situação; por exemplo, essa discução
sobre casamento gay já está ultrapaçada, mas um ‘casamento gay em Jerusalém’ não se
trata mais de discutir nada, mas da autoridade moral e religiosa do movimento gay, isto é,
a homosexualidade se torna um direito maior que qualquer religião, acima das três
religiões abraamicas — cristianismo, judaísmo e islamismo. Criou-se, portanto, uma nova
autoridade religiosa.
O famoso efeito bola de neve: as coisas vão acontecendo sem que ninguém as consiga
equacionar precisamente, e mesmo aqueles que desencadeiam o processo têm
consciência de que não são capazes de expressá—lo, de dizer exatamente o que está
acontecendo, apenas de produzir a situação. Neste momento, é que a capacidade de
saber o que está acontecendo se torna a mais alta capacidade cognitiva humana; então
agora a sabedoria, não é conhecer a eternidade, o absoluto, mas simplesmente saber o
que está acontecendo, se você conseguir saber isso você já é um sábio.
Porque foi criada uma situação infernal, um caos auto multiplicador, no qual a descrição
da situação ultrapassa a capacidade dos indivíduos, a capacidade de dizer o que está
acontecendo só aparece na boca de um louco, que, não tendo mais a consciência crítica
capaz de examinar aquilo, fala como um boneco de ventríloquo [da realidade]. E a
primeira descrição efetiva desse processo está nesse livro. Esse livro é um manual do
processo histórico atual.
O que o indivíduo inscrito no processo messiânico fará com esse livro? Vai modificá-lo,
alterá-lo de algum modo. O próprio livro é horrível demais; as situações em que os efeitos
das ações humanas são capazes de criar mais situações do que você é capaz de ver, de
aguentar, é a condição de todos os envolvidos nesse processo. Como seria uma tomada
de consciência de um Lênin, um Hitler, sobre o que eles fizeram… Como é que eles vão
confessar os seus pecados para si mesmos? O pecado deles se tornou indizível, até para
você de fora, quanto mais para eles mesmos.
2 De modo que não se possa criar um sólido nexo causal entre as coisas, gerando medo e aflição no coração humano, e
deixando-o suscetível à tirania.
Ver https://youtu.be/tl7FhbpXqo0 para uma exemplificação; para aprofundamento ver aula #52 COF
7
https://youtu.be/tl7FhbpXqo0
Veja que de certo modo o pai [Stiepan] já antevê o que irá acontecer, mas está
anestesiado pelo seu idealismo, e quando acorda, enfim, já é tarde. E se acordasse antes?
Bom, antes de acordar para a realidade do movimento, ele teria de acordar para a
realidade da sua vida, mas como acordar para a realidade da vida se esta já não tem
realidade? Este é que o problema, você pode se arrepender de um pecado, mas não da
irrealidade; se tudo o que você fez foi criar uma imagem para que as pessoas falem tal ou
qual coisa de você depois, então significa que a sua vida já não é vivida por você
diretamente, como sujeito agente, a sua vida está na cabeça dos outros, e não na sua
realidade.
Se você passou a vida fazendo isso, como é que você vai contar para si mesmo o que você
fez? Não existe um você mesmo para contar, o ‘você mesmo é os outros’que virão no
futuro, que não estão presentes para ouvir a sua história, sua confissão, então é dificílimo
de se arrepender disso.
Dúvidas:
O senhor poderia explicar melhor como se dá a estrutura de percepção de alguém
inserido neste processo messiânico revolucionário ?
Messiânico se refere à estrutura de percepção de tempo que esses camaradas têm, o
título do livro, Os demônios, poderia levar um subtítulo: do socialismo utópico ao
socialismo científico, ou melhor, do pensamento utópico ao pensamento messiânico,
afinal, é evidente que nenhum dos dois tem nada de científico. Hoje em dia, nenhum
revolucionário liga mais para esse negócio de científico, hoje é tudo na base da apelação,
da chantagem — você sempre está pisando no direito de alguém! Mas só quem pode
fazer isso é o movimento [em prol da causa geral]; é mais ou menos como o diabo, que,
enquanto portador de todos os pecados, tem uma certa autoridade de acusar você dos
dois ou três que você fez !
E o curioso é que só a pessoa que está mortalmente culpada, pode ter essa força de
culpar os outros. O sujeito te olha com uma malícia, que ‘te’ faz se sentir culpado,
deslocado (Piotr faz isso com todos, principalmente com seus comparsas), quer dizer, o
sujeito está tão emporcalhado por dentro, que basta ele te olhar, ele te suja! E as pessoas
caem como patinhos nesse negócio! Eu levei algumas décadas para entender como
funciona isso, então hoje para me pegar nesse tipo de chantagem é difícil.
O fato é que a pessoa normal não tem capacidade de acusar o outro tão profundamente.
Existem três possibilidades: Na primeira você é inocente, sem malícia, na segunda você
entrou na dialética messiânica e se sujou todo, virando um acusador, ao passo que na
terceira etapa você vira um acusador do acusador, não tem outra.
Mas você veja que um tipo como Stiepan , um sujeito fraco[, sem personalidade], é um
prato cheio para o acusador, ele se abre para acusação; veja que naquela cena que a
Varvara fala para ele — “Eu jamais perdoarei você” — ele nem sabe direito do que ela está
falando, mas ele fica totalmente abalado, e da segunda vez fica doente! Então, esse tipo
de fraqueza, torna o indivíduo um instrumento na mão do movimento.
8
Pegue qualquer empresário hoje, acuse—o de qualquer coisa, e ele imediatamente se
achará um pecador, sem perceber que o sujeito que o está usando, é um bilhão de vezes
mais culpado que ele !
Dificilmente conseguimos imaginar, seriamente, um mal maior do que aquele que nós
somos capazes. [Nós] imaginamos um mal até certo ponto e, quando aparece um sujeito
verdadeiramente mal, não acreditamos, ficamos num estado de choque. É isso que
explica a síndrome de estocolmo: você, na mão do sequestrador, é apenas um
instrumento que será descartado depois de usado, mas como você mesmo não seria
capaz de fazer isso, isso ultrapassa a sua imaginação… Você não acredita estar na mão de
um mal que fosse maior que aquele que você seria capaz de compreender e fazer.
Reconhecer a realidade, num caso como esse, é reconhecer que você está semi—morto, o
que é intolerável !
O Viktor Frankl, em suas memórias, conta que todos os presos do campo caiam vítimas da
síndrome do indulto, na qual o condenado crê piamente que será indultado. Todos eles
acreditam nisso, que serão indultados no último momento ! De fato o Frankl escapou,
mas o índice de sobrevivência era apenas 10%... então o sujeito se apegava a qualquer
sinal que pudesse animá-lo, mesmo sabendo que era mentira.
A malícia dos personagens que vão entrar em seguida [é algo realmente demoníaco].
Aqui acaba o áudio da aula. Abaixo, seguem algumas recomendações:
Para entender melhor a história recomendo ler o livro, que pode ser facilmente obtido na
amazon aqui.
Ou pela edição em capa dura — e mais barata — da martin claret, também na amazon.
E, para uma aula com foco maior no enredo, recomendo assistir à leitura comentada de
José Monir Nasser sobre o livro, que pode ser facilmente encontrada no youtube.
Transcrição:
Lucas Miranda
Contato:
Instagram
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mailto:luccasmiranda455@gmail.com
https://amzn.to/3dHym7Y
https://amzn.to/3v62n7s
http://instagram.com/lucasmirandm

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