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Miastenia Gravis

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APG 5 S10P2
Miastenia Gravis
A miastenia gravis (MG) é a doença da junção neuromuscular mais comum. É um transtorno de base autoimune adquirido, no qual diferentes anticorpos estão contra elementos do receptor de músculo pós-sináptico. Os sintomas iniciais geralmente aparecem em um grupo muscular isolado, preferencialmente nos músculos oculares com aparecimento de ptose e diplopia. Posteriormente, os sintomas progresso com envolvimento muscular generalizado, aparecendo envolvimento bulbar com sintomas de disfagia e disartria, fraqueza dos músculos cervicais e das extremidades proximais. Se há progressão, a manifestação clínica da MG continua, e os pacientes desenvolvem uma crise miastênica, associada a insuficiência respiratória. A característica clínica mais característica da MG é a variabilidade da fraqueza, com flutuações clínicas no mesmo dia, em relação ao exercício ou fatores agravantes, às vezes chegando a uma remissão espontânea. A suspeita clínica é fundamental após reconhecer este padrão clínico e confirmar o diagnóstico, principalmente com a determinação em sangue dos anticorpos característicos de MG acompanhada pelo estudo neurofisiológico. Avanço do conhecimento da imunopatologia subjacente tem permitido a otimização de estratégias terapêuticas, combinando inibidores da acetilcolinesterase, imunossupressores e timectomia, com a consequente diminuição da morbimortalidade.
Conceito
Miastenia gravis (MG) é o distúrbio adquirido da junção neuromuscular mais comum (NMJ). Se trata de uma doença autoimune que prejudica a transmissão do sistema nervoso na sinapse neuromuscular, produzindo fraqueza flutuante. Em muitos pacientes, há a presença de anticorpos (Ab) contra diferentes componentes da membrana pós-sináptica da JNM, o Ab, dirigido contra o receptor acetilcolínico (hRAC), são detectados em mais de 80% dos casos; anticorpos direcionados contra outros elementos foram identificados também na JNM, sendo eles cinase muscular específica (MuSK) e lipoproteína baixa 4 do receptor relacionado à densidade (LRP4). Existem outros distúrbios muito menos frequentes da JNM, como a síndrome de Eaton-Lambert (SEL) de causa autoimune, os sintomas Dromes miastênicos congênitos (SMC) de origem genética e botulismo adquirido.
Epidemiologia
Desde a década de 1980, houve um aumento progressivo de pacientes com diagnóstico de MG devido ao melhor reconhecimento clínico dos sintomas, associado a simplificação no diagnóstico precoce, com base no princípio diretamente sobre a disponibilidade na determinação dos diferentes anticorpos circulantes. Os dados de prevalência para MG são variáveis ​​entre diferentes partes do mundo, entre 0,5 e 20,4 casos por 100.000 habitantes, com incidência anual de 0,3 por 100.000 habitantes. A distribuição de MG é bimodal para ambos os sexos, com ponto de corte de 50 anos, um grupo de início precoce antes dos 50 anos e um grupo de início tardio acima dessa idade; em conjunto, MG apresenta um pico máximo de incidência entre 70-80 anos. É bem sabido que no grupo de início precoce predominam mulheres, e no grupo tardio, homens. Globalmente, MG é mais frequente no sexo feminino, cerca de 3 mulheres para cada 2 homens. No grupo de início precoce, homens apresentam sintomas 10 anos depois das mulheres, ao contrário do grupo de início tardio onde a idade o início é semelhante para ambos os sexos.
Fisiopatologia da Miastenia Gravis
Anatomia e fisiologia da JNM (normal)
Do neurônio motor à JNM
Cada neurônio motor projeta um axônio mielinizado desde o corno ventral da medula espinhal ou tronco cerebral até a JNM. À medida que se aproxima do músculo, o axônio subdivide-se em vários ramos, cada um deles inervando uma única fibra motora, e depois cada ramo do axônio subdivide-se em pequenas terminações pré-sinápticas que contactam finalmente com a superfície muscular na JNM.
Anatomia da JNM
A JNM é uma estrutura especializada, com uma arquitetura celular e molecular complexa, que lhe permite transmitir os impulsos elétricos da terminação nervosa para o músculo esquelético, sob a forma de um neurotransmissor químico, a acetilcolina (ACh). A JNM subdivide-se em três componentes principais: componente pré-sináptica, fenda sináptica e componente pós-sináptica.
A componente pré-sináptica, também chamada de terminação nervosa, corresponde à zona terminal do neurônio motor. É neste local que ocorre síntese, incorporação em vesículas e transporte da ACh para os locais de libertação ativa. Na terminação nervosa, o revestimento de mielina do axônio é substituído por células Schwann, que detêm um papel preponderante na formação e função da JNM.
A fenda sináptica é um espaço, com cerca de 50 nm de espessura, existente entre a membrana pré-sináptica e a superfície muscular. Esta zona contém a lâmina basal e uma matriz extracelular formada por grandes complexos moleculares responsáveis pela estabilização da ultraestrutura da JNM. Para além disso, a fenda sináptica permite a rápida difusão da ACh e é o local de sua rápida degradação pela acetilcolinesterase (AChE) que se encontra ancorada na lâmina basal.
A componente pós-sináptica corresponde à membrana muscular. Como é uma superfície bastante enrugada, com pregas primárias e secundárias possui uma grande área. Os receptores da ACh (AChR) dispõem-se, em densos aglomerados, no topo das pregas. A área muscular que se segue à área juncional é chamada de zona peri-juncional e é crítica para a função da JNM. Contém uma mistura de receptores de ACh (AChR), em pequena quantidade, e canais de sódio, em grande quantidade, que lhe permitem produzir a onda de despolarização que levará finalmente à contração muscular.
O Receptor de Acetilcolina
Os AChR podem ser pré-sinápticos ou pós sinápticos. Os pré-sinápticos são responsáveis pelo aumento da libertação de ACh para a fenda sináptica durante a estimulação de alta frequência pela terminação nervosa. Os receptores pós-sinápticos causam a despolarização da membrana com consequente contração muscular.
A transmissão neuromuscular
A acetilcolina é sintetizada no terminal nervoso, a partir de acetil-coenzima A e de colina, pela ação da colina-acetiltransferase. Posteriormente, é armazenada em vesículas com cerca de 8.000 a 13.000 moléculas de ACh, correspondentes a um quantum. Quando um potencial de ação chega à terminação nervosa provoca a abertura dos canais de cálcio, com consequente aumento abrupto do cálcio intracelular, resultando na libertação de ACh das vesículas. A ACh libertada difunde rapidamente pela fenda sináptica e liga-se aos receptores pós-sinápticos. Estes respondem com a abertura do seu canal de sódio, provocando um influxo de sódio para o músculo, que leva à sua despolarização gerando-se o chamado potencial de placa motora (PPM). Pela abertura dos canais de sódio ao longo do músculo, a despolarização propaga-se e culmina na contração muscular.
Apesar de ser um potente mensageiro, a ACh tem uma duração de ação muito curta. A ACh que não se chega a ligar a um receptor ou que acaba de se desligar dele, é rapidamente hidrolisada pela AChE na fenda sináptica. A colina é reabsorvida pela terminação nervosa para voltar a ser usada na produção de ACh.
Normalmente, a amplitude do PPM é superior à necessária para produzir um potencial de ação que leve à contração muscular. A esta amplitude em excesso denominamos fator de segurança. O fator de segurança depende de vários fatores: quantidade de ACh libertada, sensibilidade do AChR, atividade dos canais de sódio pós-sinápticos e arquitetura das pregas sinápticas. Na estimulação repetitiva, observa-se uma diminuição progressiva da quantidade de ACh libertada, resultando em PPMs com amplitudes cada vez menores. A este fenômeno denominamos esgotamento sináptico. Em condições normais o esgotamento sináptico não é, por si só, capaz de impedir a formação de um potencial de ação, mas quando o fator de segurança já está diminuído, isso pode ocorrer.
Anatomia e fisiologia da JNM na MG
Anatomia da JNM na MG
A MG afeta a JNM a nível pós-sináptico. As principais alteraçõesanatômicas da JNM na MG são:
1) redução do número de AChR, levando à diminuição do comprimento da membrana pós-sináptica;
2) diminuição do comprimento das pregas sinápticas, devido à destruição das expansões terminais;
3) alargamento das fendas sinápticas causado pela diminuição do comprimento das pregas.
O primeiro estudo com biopsias musculares em pacientes com MG com anticorpos (AC) antiMuSK demonstrou que AC anti-Musk não causam perda de AChR nem alterações da estrutura da JNM significativas. Contudo, um estudo posterior revelou anormalidades pré e pós sinápticas (baixos níveis de libertação de ACh pré-sináptica e potenciais de placa motora mínimos menores), suportadas pela histologia que revelou áreas pós-sinápticas parcialmente desnervadas e alguma degeneração das pregas sinápticas
Função da JNM na MG
Devido às alterações anatômicas, a função da JNM fica comprometida. Na MG, como o número de AChR está reduzido, a quantidade de AChR abertos por cada quantum de ACh vai ser menor, resultando num PPM de menor amplitude. Este efeito, em conjunto com a diminuição das dobras sinápticas e dos canais de sódio dependentes de voltagem da JNM leva à redução do fator de segurança. A redução do fator de segurança associada ao fenômeno de esgotamento sináptico nas estimulações repetitivas leva à redução progressiva da amplitude do PPM, até que a transmissão neuromuscular é comprometida, surgindo a fraqueza miastênica, caracterizada por cansaço aos esforços.
Imunopatogênese
Os anticorpos na MG
A MG é uma doença autoimune com produção de AC contra vários constituintes da JNM. Cerca de 80% dos pacientes com MG têm AC anti-AChR e os restantes 20% foram chamados de soronegativos. Até 50% dos pacientes negativos para os AC anti-AChR possuem AC antiMuSK. Os restantes pacientes são duplamente soronegativos, negativos para AC anti-AChR e AC anti-MuSK, e destes, descobriu-se que alguns possuem outros tipos de AC não identificáveis pelos testes de rotina, tais como, AC anti-AChR de baixa afinidade e AC anti-Lrp4. Também foram descritos AC contra outras proteínas da JNM e contra o músculo estriado esquelético. Apesar de terem sido descritos tantos tipos de AC na MG, até agora apenas se comprovou o papel patogênico dos AC anti-AChR e anti-MuSK, responsáveis por cerca de 90% dos casos de MG, e dos AC anti-Lrp4.
O papel dos anticorpos anti-AChR
São várias as linhas de evidência que comprovam o papel destes AC na patogênese da MG:
1. Os AC estão presentes em 80-90% dos pacientes com doença generalizada;
2. Encontram-se AC anti-AChR em casos de MG neonatal transitória e o título de AC diminui à medida que o paciente se recupera;
3. A transferência passiva de AC de pacientes miastênicos para um modelo animal produz doença clinicamente semelhante;
4. A redução nos níveis de AC por plasmaferese, relaciona-se com a melhoria da doença;
5. Os AC ligam-se ao AChR na JNM;
6. Pode ser produzido um modelo experimental de MG (EAMG) pela imunização de vários animais com AC anti-AChR purificados.
Os AC anti-AChR comprometem a transmissão nervosa pelos seguintes mecanismos: ativação do complemento, modulação antigênica e bloqueio funcional do AChR. A modulação antigênica consiste na ligação cruzada do AC com duas moléculas antigênicas neste caso, 2 AChR, que induz uma mudança na conformação do AChR, desencadeando uma via de sinalização que resulta na endocitose acelerada e degradação dos receptores. Nem todos os AC anti-AChR causam modulação antigênica. Por vezes, a localização do epítopo na superfície do AChR impede a capacidade dos AC estabelecerem uma ligação cruzada com uma segunda molécula de AChR. A modulação antigênica é consequência da natureza bivalente dos auto-AC IgG1, IgG2 e Ig3. Os AC IgG4 são monovalentes, o que significa que não conseguem fazer a ligação cruzada.
A ativação do complemento danifica a membrana pós-sináptica. As pregas pós-sinápticas perdem-se, devido à lise pelo complexo de ataque à membrana.
O bloqueio funcional do AChR devido à ligação dos AC é um mecanismo patogênico incomum na MG mas pode ser clinicamente importante, causando fraqueza muscular aguda e severa em roedores sem inflamação ou necrose da JNM.
O papel dos anticorpos anti-MuSK
MuSK é essencial para iniciar a aglomeração dos AChR durante o desenvolvimento do músculo atuando na via Agrin/Lrp4/MuSK/Rapsyn/AChR. A diferenciação da membrana pós-sináptica depende da Agrin, um proteoglicano produzido no neurônio motor e libertado pela terminação nervosa. Agrin forma um complexo com a Lrp4 e ativa a MuSK. Através da associação com uma proteína citoplasmática chamada Rapsyn, a MuSK leva finalmente à aglomeração dos AChR e de outros componentes pós-sinapticos. Para além de exercer um papel fundamental no desenvolvimento da JNM, a MuSK também é essencial na manutenção da integridade estrutural e funcional da JNM do adulto.
Como AC anti-MuSK não pareciam causar perda substancial de AChR ou deposição de complemento, sugeriu-se que os mecanismos patogênicos na MG anti-MuSK diferiam dos da MG anti-AChR. Um estudo posterior investigou os efeitos do soro de pacientes com MG, contendo AC anti-MuSK, em culturas de células musculares. Neste estudo observou-se que alguns soros inibiam a proliferação celular e diminuíam a expressão das subunidades de AChR, Rapsyn, e de outras proteínas musculares. Os AC anti-MuSK ligam-se aos domínios extracelulares da MuSK. Ao contrário dos AC anti-AChR (IgG1 e IgG3), os AC anti-MuSK são principalmente IgG4, não se ligando eficientemente ao complemento. Contudo, sugeriu-se recentemente que os pacientes com AC anti-MuSK poderão ter no soro um fator ativador do complemento e que via alternativa do complemento poderá estar envolvida na patogênese da doença.
Anticorpos na MG duplamente soronegativa
O fato das características clínicas da MG soronegativa se assemelharem mais à MG anti-AChR do que à MG anti-MuSK resultou na colocação da seguinte hipótese: nesses pacientes, os AC anti-AChR teriam níveis muito baixos ou baixa afinidade para o receptor e, portanto, os testes de rotina não os detectavam e eram classificados como soronegativos, sem realmente o serem. Esta hipótese foi confirmada num estudo de Angela Vincent e seus colaboradores que, usando um teste inovador, revelou AC anti-AChR de baixa afinidade em 2/3 dos pacientes anteriormente classificados como soronegativos.
Para além disso, descobriu-se que cerca de metade dos pacientes com MG duplamente negativa (negativa para os AC anti-AChR e AC anti-MuSK) têm AC anti-Lrp4. Os AC anti-Lrp4 são patogênicos e causam fraqueza muscular interferindo no complexo Agrin/Lrp4/MuSK. Estes AC impedem a ligação de Lrp4 ao seu ligando e pertencem predominantemente à subclasse IgG1, um ativador do complemento. Estes achados indiciam o envolvimento de AC anti-Lrp4 na patogênese da AChR MG-anticorpo negativo.
Anticorpos anti-músculo estriado
Alguns pacientes com MG possuem AC que se ligam ao tecido muscular cardíaco e esquelético e são chamados de AC anti-músculo estriado.[24] Os AC anti-titin, anti-RyR e anti-Kv1.4. têm sido bastante estudados por diversos investigadores.
Titin é uma proteína gigante, abundante nos sarcômeros dos músculos esquelético e cardíaco e participa na montagem e elasticidade do sarcômero;
RyR é um canal de cálcio localizado no retículo endoplasmático que participa na contração muscular através da libertação de cálcio do sarcolema para o citoplasma.
Kv1.4 é uma subunidade-α do canal de potássio dependente de voltagem que se localiza principalmente no cérebro, nervos periféricos e músculos esqueléticos e cardíaco.
Os AC anti-titin, anti-RyR e anti-Kv1.4 encontram-se frequentemente em pacientes com MG de início tardio e com timoma e podem estar relacionados com a severidade da doença. Estes três tipos de AC apresentam-se frequentemente em pacientes com miosite e/ou miocardite. O AC anti-Kv1.4 é um marcador útil para o desenvolvimento potencial de miocardite autoimune fatal e da resposta a inibidores da calcineurina. Embora os AC anti-titin e anti-RyR possam ativar o complementoin vitro pela via mediada pelo IgG1 e a presença de AC anti-titin se correlacione com evidências eletromiográficas de miopatia isto não prova que os AC anti-músculo esquelético possam ter realmente algum papel patogênico na MG.
Na realidade, é sobretudo a nível diagnóstico e prognóstico que se encontra a relevância destes AC. Testes conjuntos para AC anti-AChR, anti-AChE, anti-titin e anti-RyR poderão ser um método de diagnóstico superior à detecção isolada de cada tipo de AC. Para além disso, a combinação do AC anti-titin com a Tomografia Computorizada melhora o diagnóstico de timoma.
Outros tipos de anticorpos
O AC contra o receptor diidropiridina (DHPR) foi encontrado em 37% dos pacientes com MG e timoma. Este AC é um marcador adicional do timoma na MG e pode ter algum papel nos sintomas clínicos relacionados com o acoplamento excitação-contração muscular. AC neutralizadores do GM-CSF, IFN-α, IFN-Ω e IL-12 podem estar presentes na MG com timoma ou de início tardio, tal como os AC anti-titin e anti-RyR. A origem e o papel patogênico destes AC não são claros mas sugeriu-se uma autossensibilização do tecido do timoma contra as citocinas derivadas de células dendríticas.
Um grande número de AC adicionais, tem sido registrado nos pacientes com MG: AC contra outras proteínas e canais da JNM, proteínas de choque térmico, receptores β-adrenérgicos, complemento, trombócitos, fosfatase alcalina ou associados a outras doenças autoimunes, mas o seu significado é incerto.
O Papel dos Linfócitos
Os linfócitos T são as células principais da imunidade celular e têm um papel determinante na síntese de AC anti-AChR. A síntese de AC pressupõe a interação de linfócitos T CD4+ com os linfócitos B que, consequentemente, produzirão AC anti-AChR de baixa afinidade. Isto desencadeia mutações somáticas dos genes de imunoglobulinas que produzem um grande leque de linfócitos B. Os linfócitos B que se ligam fortemente ao antígeno são selecionados positivamente, culminando-se finalmente na síntese de AC de alta afinidade. Os linfócitos T “helper” (Th) ajudam outras células imunitárias a desempenharem as suas funções, nomeadamente os linfócitos B a produzirem AC.
Em condições normais, o sistema imunitário possui um mecanismo de manutenção da tolerância imunitária a antígenos do próprio organismo. Ao longo do seu desenvolvimento, linfócitos T e B que reajam contra o próprio, são eliminados por seleção negativa. Por outro lado, existem também os linfócitos T reguladores (Treg) capazes de suprimir respostas imunológicas específicas.
Na MG o mecanismo de tolerância falha e são produzidos autoAC contra um antígeno principal, o AChR. Há vários estudos que evidenciam o papel dos linfócitos na MG. Pacientes com MG apresentam, no sangue e no timo, linfócitos T CD4+ com função de Th específicos para o AChR e melhoram com AC anti-CD4+. Para além disso, em pacientes com SIDA e MG, a redução das contagens de CD4+ melhora os sintomas de MG. Cobaias com deficiência genética de linfócitos T CD4+ não desenvolvem EAMG.
O Papel do Timo
É no timo que ocorre o reconhecimento dos antígenos do próprio organismo. Eles são apresentados aos linfócitos T pelas células apresentadoras de antígenos (APC) associadas ao complexo maior de histocompatibilidade (MHC). Este processo é fundamental na modulação do reportório de linfócitos T que ficarão posteriormente disponíveis para reconhecimento de antígenos estranhos (seleção positiva) e na eliminação de células T autorreativas (seleção negativa). Após a maturação e seleção, os linfócitos T CD4+ e CD8+ deixam o timo e migram para o sistema imune periférico.
Os linfócitos T desempenham um papel importante na diferenciação dos linfócitos B em plasmócitos, com a consequente produção de AC. Sendo o timo essencial para a produção de AC e responsável por manter a tolerância dos AC ao próprio organismo, pensa-se que ele seja determinante no desenvolvimento da MG. Há três principais linhas de evidência do envolvimento do timo na MG anti-AChR:
1. A maioria dos pacientes com MG anti-AChR tem alterações patológicas do timo, como hiperplasia, em 60-70% dos casos, ou timoma, em 10-12% dos casos;
2. O timo possui todos os elementos necessários para iniciar uma resposta autoimune AChR-específica;
3. A doença frequentemente melhora ou cura com a timectomia.
As alterações patológicas do timo surgem em mais de 80% dos pacientes com MG anti-AChR generalizada e incluem: hiperplasia folicular, hiperplasia difusa ou timite, timoma e involução tímica. Hiperplasia é a alteração mais comum na MG de início precoce, enquanto na MG de início tardio são mais frequentes o timoma e a involução do timo.
Hiperplasia do timo
O timo com hiperplasia folicular caracteriza-se por infiltrados de células B que se organizam em centros germinativos ectópicos - estruturas especializadas na expansão e maturação de afinidade dos clones de células B. As células mioides (células semelhantes às musculares), células epiteliais tímicas e os plasmócitos presentes no timo expressam o AChR à sua superfície. Para além disso, linfócitos T reativos contra o AChR também estão presentes, estimulando a produção de AC anti-AChR pelos linfócitos B. Deste modo, estão reunidos todos os elementos necessários a uma resposta autoimune de linfócitos T e B contra os AChR. A hiperplasia difusa é similar à hiperplasia folicular mas os centros germinativos estão ausentes.
Em pacientes com MG e hiperplasia tímica folicular ou difusa, as quimiocinas CXCL13 e CCL21 estão hiperexpressas e o número de linfócitos B infiltrativos também está aumentado. A evidência de que o nível destas quimiocinas e também o número de centros germinativos diminui após o tratamento com corticosteroides sugere que a CXCL13 e a CCL21 podem desempenhar um papel patológico na MG aumentando o recrutamento de linfócitos para o timo e no desenvolvimento dos centros germinativos.
Para além disso, também existe aumento da expressão de fatores de crescimento de células B, dum ligando indutor da proliferação (APRIL) e do fator ativador de células B (BAFF) indicando um ambiente favorável à sobrevivência das células B.
Timoma
Na MG, os timomas são neoplasias derivadas de células epiteliais do timo, frequentemente do subtipo cortical e, como quase não têm medula, não há linfócitos B nem centros germinativos. Para além disso, as células mioides que expressam a subunidade α do AChR também estão ausentes, o que sugere que o processo autoimune deverá ser diferente do da hiperplasia. O timoma parece expressar subunidades individuais do AChR e há evidências de que ele exporta linfócitos T CD4+ e CD8+ que podem ter sido sensibilizados por antígenos tímicos e é provável que a resposta humoral ocorra na periferia.
Curiosamente, há determinados tipos de AC associados mais frequente ao timoma. Os AC anti-músculo estriado encontram-se em 90% e os AC anti-DHPR em 37% dos pacientes com MG e timoma. AC contra o GM-CSF, IFN-α, IFN-Ω e IL-12 também podem estar presentes. Contudo, ainda não se definiu o papel destes AC na patogênese da MG.
Alterações do timo em MG anti- MUSK e MG duplamente soronegativa
Pacientes com MG anti-MuSK têm alterações histológicas mínimas, e proporções variáveis de pacientes soronegativos apresentam alterações hiperplásicas. Nestes doentes o papel do timo na fisiopatologia da MG permanece por esclarecer.
Possíveis Fatores Iniciadores da Resposta Autoimune
Embora se saiba já muito sobre a fisiopatologia e imunopatogênese da MG, o desencadeante inicial, verdadeira causa da doença, continua por decifrar. Pensa-se que um agente externo como uma infeção bacteriana ou viral possa estar implicado. Um desequilíbrio hormonal como na gravidez ou parto, ou uma produção desregulada de neuropeptídeos, como no stress emocional também podem estar implicados.
Os principais fatores ambientais que parecem estar envolvidos na patogênese da MG são as infeções virais. Elas podem desenvolver autoimunidade por ativação geral do sistema imunitário do hospedeiro e por mimetismo molecular. O vírus promove a autossensibilização,iniciando uma resposta imune inata que estimula a inflamação que, por sua vez, ativa o sistema imunitário do hospedeiro. Atualmente equaciona-se o papel da inflamação crônica do timo e de certos vírus como vírus Epstein-Barr (EBV) e o poliovírus na iniciação e perpetuação da resposta imune na MG.
Manifestações clínicas
MG produz um quadro motor indolor de fraqueza, temporária ou permanente, acompanhada de fadiga em qualquer dos músculos esqueléticos da economia. Ptose palpebral uni ou bilateral acompanhada ou não por diplopia é a sintomas de início mais frequente, chegando a até três quartos dos pacientes. 10% dos pacientes apresenta sintomas de início na forma de fraqueza dos membros inferiores e, em apenas 5% dos casos, pacientes referem-se como queixa inicial disfagia, disartria, dificuldade em mastigar ou flexionar o pescoço. De uma forma muito mais infrequente, o paciente começa com falta de ar devido à afetação da musculatura respiratória.
O curso clínico dos sintomas motores é muito característico, sendo peça fundamental para o diagnóstico. A fraqueza é menor pela manhã e piora com o tempo ao longo do dia. Também piora após o exercício ou em relação com processos infecciosos, calor ou estresse emocional. Este padrão característico de fraqueza flutuante varia movendo-se em direção a uma fraqueza fixa com progressão clínica de MG.
Atualmente, o termo MG engloba diferentes subgrupos de doenças que têm uma efeito pós-sináptico da transmissão neuromuscular de origem autoimune. Estas síndromes miastênicas apresentam tão diferentes características clínicas e necessidades terapêuticas específicas.
Miastenia ocular
Ptose palpebral e diplopia flutuante são os sintomas mais característico em MG, embora quase todos pacientes com formas de MG ocular também apresentam sintomas devido ao envolvimento do músculo orbicular do olho. Após no início da doença, a MG ocular apresenta um curso variável, 20% dos pacientes estabilizam clinicamente em uma forma ocular. Em vez disso, a maior parte do os pacientes apresentam uma generalização progressiva dos sintomas: um terço dos pacientes começa com generalizado após um mês de sintomas oculares, metade dos os pacientes são diagnosticados de maneira generalizada em 6 meses e até 80% em dois anos. Por fim, é excepcional que um paciente com MG não apresenta sintomas oculares em algum ponto em sua evolução. Homens têm mais frequência do que as mulheres (3: 2) em formas de olhos puros. Embora não esteja claramente estabelecido, há duas razões principais para MG afetar predominantemente a musculatura ocular: menor densidade RACh acompanhada por uma alta taxa de ativação dos motoneurônios que inervam os músculos oculares e uma maior suscetibilidade a danos pelo sistema complemento nesses músculos.
Miastenia generalizada
A fraqueza da generalizada é adicionada no bulbar, cervical, as extremidades e / ou o tronco. Esta constelação de sintomas aparece em ambas as formas MG de início precoce e tardio. A fraqueza orbicular está associada com dificuldade em fechar os olhos contra resistência, aparecendo o sinal de Bell. Somado a isso está uma fraqueza do músculo orbicular inferior com dificuldade de sorrir, soprar, assobiar ou beber com um canudo. A fraqueza da musculatura massetérica impede a oclusão voluntária da boca, para que, às vezes, o paciente tenha que ajudar com a mão para fechar ou mastigar. A fraqueza da língua produz disartria com voz anasalada ou hipofonia. A disfagia que acompanha a disartria é causada por fraqueza muscular lingual, massetérica e orofaringeana. Os líquidos são mais difíceis de engolir do que os líquidos sólidos e, em geral, alimentos quentes produzem maior disfagia do que alimentos frios. A paresia da musculatura palatina pode induzir regurgitação nasal.
Por outro lado, a fraqueza da musculatura extensora do pescoço, manifestando-se na forma de uma "cabeça inclinada" pode ser a clínica inicial predominante. Os membros superiores são afetados com mais frequência do que os inferiores, predominantemente na musculatura proximal, então as queixas de dificuldade em pentear o cabelo são frequentes, escovar seus dentes; em vez disso, dificuldade em caminhar longas distâncias ou subir escadas geralmente aparecem posteriormente. Apenas uma minoria de pacientes com MG apresenta envolvimento predominante nas diferentes musculaturas das extremidades, principalmente extensores dos dedos e flexores dorsais dos pés.
Por último, o peito e os músculos abdominais só são afetados quando há fraqueza muscular generalizada, acompanhando de comprometimento respiratório com dificuldade para tossir. Sobre estágios iniciais de insuficiência respiratória, uma hipoxemia apenas à noite, secundária à fraqueza da musculatura diafragmática que causa sonolência diurna, achado clínico que deve ser reconhecido como um sinal precoce de insuficiência respiratória.
Outras formas clínicas
As formas clínicas de MG associadas a A-MuSK são predominantemente do sexo feminino, com idade de início no quarto década. 3 formas clínicas são descritas:
1. Clinicamente semelhante ao MG generalizado com A-RACh com sintomas mais graves.
2. Fraqueza significativa ao nível ocular-bulbar.
3. Fraqueza cervical, ombro e respiratória sem envolvimento ocular.
Nas duas últimas formas clínicas, o envolvimento em membros, se houver, é leve. 30% dos pacientes desenvolvem crise miastênica unicamente. Finalmente, a relação do A-MuSK com as formas oculares puras é excepcional. MG soronegativa associada a A-LRP4 está associada a formas clínicas generalizadas mais suaves e também de predomínio nas mulheres. Quase todos os pacientes com timoma têm formas clínicas generalizadas de evolução agressiva e presença de A-RACh em sangue.
Gestão de diagnóstico
O diagnóstico de MG é baseado no reconhecimento de sintomas clínicos, acompanhados por um exame correto, tratamento físico apoiado por testes clínicos, como gelo e teste de edrofônio. Posteriormente, o diagnóstico tem que ser confirmar com os exames complementares, como a determinação de AC e estudo neurofisiológico.
Teste de gelo
É um teste não farmacológico sem comorbidade. É feito colocando gelo no olho que sentiu ptose por 2-5 minutos, verificando mais tarde a melhora parcial e transitória da ptose palpebral. Acredita-se que a melhora da ptose seja secundária à diminuição da redução da atividade da enzima acetilcolinesterase com o frio. Embora não seja uma prova de forma aceita, universal, é fácil de executar no escritório e pode ajudar para distinguir MG de outras causas de ptose.
Teste de edrofônio
O edrofônio é um inibidor vivo da acetilcolinesterase média muito curta, o que aumenta o tempo de permanência de acetilcolina na fenda sináptica, favorecendo a transmissão neuromuscular, com a consequente melhora sintomática. Deve ser administrado por via intravenosa e os efeitos secundários colinérgicos são comuns. É um teste de diagnóstico que está caindo em desuso, devido à dificuldade de a administração, o alto índice de falsos positivos e, acima de tudo, a facilidade na determinação da Ac associada ao MG.
Determinação de anticorpos
A descoberta de níveis elevados de Ac em um paciente com suspeita de MG é o teste diagnóstico mais específico. Até agora, 3 tipos de Ac foram descritos associados ao MG: A-RACh, A-MuSK e A-LRP4. A maioria dos pacientes tem uma elevação de A-RACh, são detectados em 50% dos casos de MG localizado no nível ocular e 85% com MG generalizada.
É importante notar que o título de Ac no sangue não está relacionado com a gravidade do paciente, portanto, não devem orientar o manejo terapêutico. Há até pacientes que estão em remissão clínica, mas eles continuam com um título A-RACh alto em sangue e sem indicação de tratamento. 7% dos pacientes com MG generalizada apresentam então A-MuSK, ou seja, entre 40 e 70% dos pacientes destes com MG sem A-RACh no sangue.
O A-LRP4, o último Ac descrito, é encontrado em 9% dos pacientes com resultados negativos para determinação de A-RACh e A-MuSK. A negatividade desses 3 tipos de Ac, chamada formas soronegativas,é encontrada em pacientes com ocular mais puro (até 50% dos casos), distúrbios generalizados leves e pacientes em remissão clínica. Finalmente, os pacientes com MG podem apresentar Ac antimúsculo estriado diferente associado por 85% dos casos à presença de timoma.
Estudo neurofisiológico
O estudo neurofisiológico baseia-se predominantemente na estimulação nervosa repetitiva. Neste teste, após a aplicação de uma série de estímulos elétricos em diferentes músculos a uma frequência de 3 Hz, há o aparecimento de uma diminuição na resposta motora. Pode ser acompanhado de técnicas neurofisiológicas mais complexas, como o estudo por eletromiografia de fibra única. Atualmente, a indicação para este teste está mudando, uma vez que o diagnóstico pode ser confirmado de MG simplesmente com o achado em sangue do Ac característica da doença. Em vez disso, seu papel no diagnóstico é fundamental quando há uma suspeita clínica em um paciente com negatividade na determinação de Ac.
Indicações farmacológicas
As possibilidades terapêuticas são múltiplas, portanto, a abordagem deve ser individualizada, levando em consideração cada situação clínica do paciente, tolerância, tempo, tipo de iniciação do efeito terapêutico, o perfil de efeito secundário, a presença de comorbidades, a avaliação de risco futuro de exacerbação e o custo das diferentes opções terapêuticas.
Inibidores da acetilcolinesterase
Inibem hidrólise de acetilcolina na fenda sináptica, com o consequente aumento na interação com o receptor muscular.
Esteroides
Eles são os mais amplamente usados ​​e considerados tratamento imunossupressor, sendo um agente de linha de frente, embora ele não esteja bem conhecido seu mecanismo subjacente.
Azatioprina
Azatioprina (AZA) é o imunossupressor crônico mais utilizado, permite reduzir a dose ou, até mesmo então, a retirada de esteroides. Seu principal problema é persiste em apresentar um efeito clínico retardado que começa entre 6 e 18 meses após o seu início. Sua indicação é clara em MG generalizado, sem haver evidências científicas que apoiam seu uso em MG ocular. Atualmente é usado apenas em formas oculares que requerem tratamento imunossupressor, mas apresenta intolerância a esteroides.
Rituximab
É um anticorpo monoclonal dirigido contra CD20, que é uma proteína seletivamente encontrada na superfície dos linfócitos B, de forma que a administração de rituximabe reduz o número de linfócitos B circulantes. A indicação do rituximabe ainda não foi bem estudada, sendo seu perfil de tolerância bom, os estudos retrospectivos sugerem que é usado em casos de pacientes com MG, ambos com A-RACh e A-MuSK quando outras terapias têm sido ineficazes.
Cirurgia do timo
Na sequência de um ensaio clínico internacional, foi provado que nos casos de MG generalizada sem suspeita de timoma, o a timectomia faz parte da primeira linha de tratamento, melhorando o estado clínico e diminuindo a necessidade de imunossupressores em pacientes com MG com A-RACh. Em pacientes com MG ocular ou generalizada com A-MuSK ou A-LRP4, timectomia não é indicada, portanto aumenta apenas em casos refratários. A timectomia é indicável em casos de MG com suspeita de timoma, independentemente da o tipo de Ac circulante presente no paciente. É essencial que a cirurgia torácica seja realizada após otimizar a situação clínica do paciente para evitar possíveis complicações pós-operatórias.
Referências bibliográficas
1. CARNEIRO, Sandra Cristiana Rodrigues. Fisiopatologia e tratamento da miastenia gravis: atualidade e perspetivas futuras. Tese de Doutorado. Universidade da Beira Interior, 2012;
2. Morís, G. Miastenia gravis y trastornos relacionados con la unión neuromuscular. Medicine - Programa de Formación Médica Continuada Acreditado, 12(76), 4469–4477, 2019.

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