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Morte encefálica e atestado de óbito – prof Elisson Antônio 1 Morte encefálica e atestado de óbito A morte encefálica é caracterizada como a perda completa e irreversível das funções encefálicas, definida pela cessação das atividades corticais e de tronco encefálico, portanto, a morte da pessoa apesar de outros órgãos estarem funcionando. De acordo com a lei 9.434/97, quando houver diagnóstico de morte encefálica é obrigatório informar a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos, independente da possibilidade de doação ou não de órgãos e tecidos. Para abrir protocolo de morte encefálica faz-se necessário que o paciente cumpra os seguintes critérios: → Lesão encefálica de causa conhecida e irreversível; → Coma não perceptivo, ou seja, não apresente nenhuma resposta de tronco cerebral mesmo com estímulos dolorosos na região supraorbital, esternal, estímulo do trapézio e do leito ungueal; → Ausência de fatores tratáveis que confundiriam o diagnóstico – como distúrbio hidroeletrolítico, endócrino ou ácido-básico, intoxicação exógena, hipotermia, hipoglicemia, uso de medicamentos depressores (sedativos, hipnóticos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares – avaliar meia vida e esperar de 3 a 4 vezes o tempo de meia vida), entre outros; → Tratamento e observação no hospital pelo período mínimo de 6h – 24h se encefalopatia hipóxico- isquêmica e um período maior em crianças; → Temperatura corporal superior a 35ºC; → Saturação arterial acima de 94% e PAM > ou igual 65 mmHg ([(2 x PAD) + PAS] / 3). Deve-se ficar atento a algumas situações como no coma não perceptivo em AVC isquêmico ou hemorrágico, trauma cranioencefálico, tumores de SNC e encefalopatia hipóxico isquêmica pós PCR. Deve-se realizar dois testes clínicos realizados por dois médicos que não façam parte da equipe de remoção e transplante – um deles deve ser intensivista, neurocirurgião, neurologista ou emergencista. O intervalo entre os testes é de 1h em pacientes acima de 2 anos, 12h em crianças de 2 meses a 2 anos e 24h em pacientes de 7 dias a 2 meses incompletos. Durante o teste clínico deve-se calcular o score da Escala de Coma de Glasgow e certificar-se da ausência de reflexos de tronco cerebral: fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestibulares e da tosse. Reflexo fotomotor: incide luz no olho do doente e espera uma miose em quadros normais – na morte encefálica tem-se uma pupila médio fixa, sem fechamento pupilar ou em midríase. A via aferente é pelo nervo óptico (NC II) e a via eferente é pelo nervo oculomotor (NC III). A origem aparente do nervo oculomotor é no mesencéfalo, de modo que esse reflexo testa erra região do tronco encefálico. Reflexo córneo-palpebral: toque de algodão molhado com soro fisiológico gelado no canto inferior da córnea, esperando a reação de piscar – na morte encefálica o paciente não pisca. A via aferente é sensitiva e composta pelo nervo trigêmeo (NC V), enquanto que o piscamento vem pela resposta do nervo facial (NC VII). A origem aparente desses nervos está na ponte, testando essa região do tronco encefálico. Reflexo da tosse: como o paciente está intubado, insere-se um cateter de aspiração até a carina para estimular um reflexo de tosse – no paciente com morte encefálica não tem esse reflexo. A via aferente é o nervo glossofaríngeo (NC IX) e a resposta eferente é pelo nervo vago (NC X), testando o bulbo. Morte encefálica e atestado de óbito – prof Elisson Antônio 2 Reflexo oculocefálico: gira a cabeça do paciente lateralmente, sendo fisiológico que a movimentação dos olhos seja contrária ao movimento da cabeça – na morte encefálica os olhos seguem na mesma direção. Na via aferente tem-se ação do nervo vestibulococlear (NC VIII) com origem aparente na ponte. A resposta eferente depende dos nervos oculomotor (NC III) com origem aparente no mesencéfalo, troclear (NC IV) e abducente (NC VI), ambos com origem na ponte. Reflexos vestibulares: realiza-se as provas calóricas, colocando água gelada a 5ºC instilando 50mL no ouvido do paciente, esperando no coma a fase rápida do nistagmo em direção ao ouvido direito – em paciente vigil o olho foge da água fria. Para diagnóstico de morte encefálica a resposta é negativa, tendo permissão para repetir no outro ouvido após 5 minutos. Como via aferente tem-se o nervo vestibulococlear (NC VIII) e a resposta eferente depende dos nervos oculomotor (NC III) com origem aparente no mesencéfalo, troclear (NC IV) e abducente (NC VI), ambos com origem na ponte. Além disso, realiza-se o teste da apneia que só precisa ser feito uma única vez e consiste em estimular o centro respiratório de forma máxima, podendo ser compatível com morte encefálica na ausência de movimentos respiratórios em vigência de PaCO2 > 55mmHg na gasometria pós-teste. Deve-se manter PAS > 100 mmHg e FiO2 de 100% por 10 minutos, ajustando a frequência do ventilador para obter normocapnia. O objetivo é aumentar exacerbadamente a pressão parcial de oxigênio no sangue, deixando > 200mmHg – o suficiente para aguentar o teste. Depois disso, deve-se coletar a gasometria arterial. O próximo passo é desconectar o ventilador, introduzir cateter até o nível da carina traqueal e instilar O2 com fluxo de 6L/min, observando a presença de movimentos respiratórios por 8 a 10 minutos – cuidado em crianças e pessoas magras, em que o batimento do coração pode simular o movimento respiratório. Deve- se interromper o teste se PAS < 90 mmHg ou se SpO2 < 85% ou arritmia cardíaca. Depois desse processo, deve-se coletar nova gasometria arterial e reconectar o ventilador mecânico. Depois do primeiro teste clínico deve-se notificar a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante de jurisdição da instituição em que o paciente está internado, para que essa comissão possa se organizar caso os testes complementares confirmem a morte encefálica. Por fim, deve-se realizar exames complementares, como a arteriografia cerebral e o doppler transcraniano para verificar fluxo sanguíneo cerebral, o eletroencefalograma para observar atividade elétrica cerebral (‘silêncio elétrico’ ou impulsos < 2mV) e a cintilografia cerebral com injeção de radiofármaco para verificar fluxo e metabolismo no encéfalo. Após resultados dos testes clínicos deve-se preencher o termo de declaração de morte encefálica estabelecendo causas do coma, negar fatores confundidores, descrever a checagem dos reflexos e aponta o teste complementar de escolha, assim como seus resultados. 1º Descrever causa de morte encefálica conhecida e afastar fatores de confusão; 2º Promover realização de dois testes clínicos separados por intervalo de tempo adequado à idade do paciente; 3º Verificar a ausência de movimentos respiratórios pelo teste de apneia; 4º Avisar a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante após conclusão do primeiro teste; 5º Realizar exames complementares para confirmação do diagnóstico; 6º Preencher termo de declaração de morte encefálica. Morte encefálica e atestado de óbito – prof Elisson Antônio 3 Preenchimento da declaração de óbito A Declaração de Óbito é o documento base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. É composta por três vias autocopiativas, enumeradas sequencialmente, fornecidas pelo Ministério da Saúde de distribuídas pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde conforme fluxo padronizado para todo o país. Além da sua função legal, os dados de óbitos são utilizados para conhecer a situação de saúde da população e gerar ações visando a sua melhoria. Para tanto, devem ser fidedignos e refletir a realidade, já que as estatísticas de mortalidade são produzidas com base nesse documento emitido pelo médico. A emissão da declaração é ato médico, portanto, após ocorrida uma morte, o médico tem obrigação legal de constatare atestar o óbito utilizando o formulário oficial. O médico deve preencher os dados de identificação com base em um documento da pessoa falecida. Na ausência de um documento, caberá às autoridades policiais procederem o reconhecimento do cadáver. O registro deve ser feito com letra legível, sem abreviações ou rasuras e conter todos os campos preenchidos corretamente, assim como a assinatura do médico. Necessita-se do registro das causas da morte obedecendo ao disposto nas regras internacionais, anotando preferencialmente apenas um diagnóstico por linha e o tempo aproximado entre o início da doença e a morte. O médico não pode assinar a declaração em branco e não deve preencher sem examinar o corpo e constatar a morte, nem utilizar termos vagos para o registro de causa da morte – como parada cardíaca, parada cardiorrespiratória ou falência de múltiplos órgãos. Além disso, o médico não pode cobrar pela emissão da declaração de óbito, mas o ato médico de examinar e constatar o óbito pdoderá ser cobrado, desde que se trate de paciente particular a quem não vinha prestando assistência. Deve-se emitir a declaração de óbito em todos os óbitos (natural ou violento), podendo levar para o SVO se dúvidas na causa da morte. Também se emite a DO quando a criança nascer viva e morrer logo após o nascimento, independente da duração da gestação, do peso do recém-nascido ou do tempo que tenha permanecido vivo. No óbito fetal, emite a DO se a gestação teve duração igual ou superior a 20 semanas ou o feto teve peso igual ou superior a 500 gramas ou estatura igual ou superior a 25 centímetros. Não se deve emitir a DO no óbito fetal com gestação que não se enquadre nos critérios citados anteriormente – pode ser facultativa se a família quiser sepultar o produto de concepção. Além disso, para peças anatômicas amputadas por ato cirúrgico ou não, o médico elaborará um relatório em papel timbrado do hospital descrevendo o procedimento realizado. Esse documento será levado ao cemitério, caso o destino da peça venha a ser o sepultamento. Quem deve emitir a declaração de óbito? Se a morte é natural, quem assina é o médico assistente ou o substituto. Se não houver assistência médica, encaminha-se o corpo para o SVO. Se a morte não for natural (homicídio, suicídio, acidente, morte suspeita) deve encaminhar para o IML, de modo que a declaração será assinada pelo médico legista. Morte encefálica e atestado de óbito – prof Elisson Antônio 4 Bloco I: Reservado para colher informações sobre o cartório do registro civil onde for registrado o falecimento, sendo o preenchimento exclusividade do Oficial do Registro Civil. Bloco II: Identificação do paciente. Bloco III: Residência do paciente. Bloco IV: Informações sobre o local de ocorrência do óbito. Bloco V: Se destina a colher informações sobre a mãe, no que se refere à idade, grau de escolaridade, ocupação, gestação, tipo de parto e peso do filho ao nascer. Deve ser obrigatoriamente preenchido em casos de óbito fetal ou óbito em menor de um ano. Bloco VI: Condições e causas do óbito. Se destina a qualificar as condições e causas que provocaram o óbito. Contempla o modelo internacional de Atestado de Óbito adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O preenchimento deste bloco é de responsabilidade exclusiva do médico e deverá ser preenchido para qualquer tipo de óbito, fetal ou não fetal. Na parte I preenche-se: → Causa imediata ou terminal (A) → Causa intermediária (B) → Causa intermediária (C): causas que ocorrem entre o período no período entre a causa básica e o momento do óbito, devendo ser preenchidos nas B e C. → Causa básica da morte (D): é a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal. Quando a morte for consequência de uma cirurgia ou procedimento, a causa básica é a doença que iniciou a sucessão de eventos que motivou a cirurgia ou procedimento. Quando for citada uma neoplasia, deve-se declarar sua localização primária e sua natureza (benigna/maligna). Quando a morte perinatal for consequência de patologia materna, deve-se atestar a doença materna que determinou a cadeia de eventos que conduziu à morte no campo D. Na parte II elenca- se estados patológicos significativos do paciente, mas que não influenciaram na morte em si, mas era apresentado pelo paciente – comorbidades. Bloco VII: Informações sobre o médico que assina a Declaração de Óbito. Bloco VIII: Causas externas. Bloco IX: deverá ser preenchido por duas testemunhas que atestam o óbito no caso de óbitos ocorridos em localidades onde não exista médico. Caso Clínico Homem, 65 anos. Há 35 anos sabia ser hipertenso e não fez tratamento. Há dois anos começou a apresentar dispneia de esforço. Foi ao médico, que diagnosticou hipertensão arterial e cardiopatia hipertensiva e iniciou o tratamento. Há dois meses, foi diagnosticado com insuficiência cardíaca congestiva e, hoje, teve edema agudo de pulmão, falecendo após 5 horas. Há dois meses foi diagnosticado com câncer de próstata. Morte encefálica e atestado de óbito – prof Elisson Antônio 5
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