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Esp Proeja - Letramentos - MIOLO


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ESPEC IAL I ZAÇÃO
Educação Profissional Integrada à 
Educação Básica na Modalidade de 
Educação de Jovens e Adultos - PROEJA
LETRAMENTOS
Marizete Bortolanza Spessatto
2014
Catalogado por: Laura da Rosa Bourscheid CRB14/983
S741l Spessatto, Marizete Bortolanza 
Letramentos / Marizete Bortolanza Spessatto. -- 
 Florianópolis : IFSC, 2014. 
72 p. : il. ; 28 cm
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-64426-83-2
1. Letramento. 2. Leitura. I. Título.
CDD: 372.41
2014, Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC. 
Edição adaptada ao novo projeto gráfico e instrucional do 
Departamento de Educação a Distância - EaD - IFSC.
Esta obra está licenciada nos termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual
4.0 Brasil, podendo a OBRA ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com fins
não comerciais, que seja atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença.
Ficha Técnica e Institucional
[ Reitoria ]
Maria Clara Kaschny Schneider
[ Pró-Reitoria de Ensino ]
Daniela de Carvalho Carrelas
[ Diretoria do Centro de Referência em Formação e EaD ]
Gislene Miotto Catolino Raymundo
[ Chefia do Departamento de Educação a Distância - EaD/IFSC ]
Fabiana Besen
[ Coordenação do PROEJA ]
Elenita Eliete de Lima Ramos 
[ Coordenação do Curso de Especialização em PROEJA ]
Paula Alves de Aguiar
[ Coordenação Adjunta do Curso de Especialização em PROEJA ]
Anderson Carlos Santos de Abreu
[ Coordenação de Tutoria ]
Gabriela Augusta da Silva
[ Coordenação - Produção de Materiais Didáticos - EaD/IFSC ] 
Ana Karina Corrêa
[ Projeto Gráfico e Instrucional - Livros didáticos - EaD/IFSC ] 
Aline Pimentel 
Carla Peres Souza
Daniela Viviani
Elisa Conceição da Silva Rosa
Sabrina Bleicher
Créditos do Livro 
EDIÇÃO 2014
[ Conteúdo ]
Marizete Bortolanza Spessatto
[ Conselho Editorial ]
Paula Alves de Aguiar
Silvia Maria de Oliveira
[ Design Instrucional ]
Verônica Cúrcio
[ Design Gráfico ]
Felipe Augusto Franke
[ Revisão Gramatical ]
Sandra Beatriz Koelling
[ Ilustrações ]
Felipe Augusto Franke
[ Gráficos e Tratamento de Imagens ]
Felipe Augusto Franke
[ Imagens ]
Stock.XCHNG 
<http://www.sxc.hu/>
The Noun Project 
<http://thenounproject.com/>
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SANTA CATARINA
PRÓ-REITORIA DE ENSINO
CENTRO DE REFERÊNCIA EM FORMAÇÃO E EAD
Prezado estudante, 
Seja bem-vindo!
O Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), preocupado em 
transpor distâncias físicas e geográficas, percebe e trata a 
Educação a Distância como uma possibilidade de inclusão. No 
IFSC são oferecidos diferentes cursos na modalidade a distância, 
ampliando o acesso de estudantes catarinenses, como de 
outros estados brasileiros, à educação em todos os seus níveis, 
possibilitando a disseminação do conhecimento por meio de seus 
câmpus e polos de apoio presencial conveniados. 
Os materiais didáticos desenvolvidos para a EaD foram pensados 
para que você, caro aluno, consiga acompanhar seu curso 
contando com recursos de apoio a seus estudos, tais como 
videoaulas, ambiente virtual de ensino aprendizagem e livro 
didático. A intenção dos projetos gráfico e instrucional é manter 
uma identidade única, inovadora, em consonância com os avanços 
tecnológicos atuais, integrando os vários meios disponibilizados e 
revelando a intencionalidade da instituição.
Bom estudo e sucesso! 
Equipe de Produção dos Projetos Gráfico e Instrucional 
Departamento EaD/IFSC
Sumário
Letramentos
1. Letramentos: Pressupostos para 
o Ensino de Língua Materna 
2. Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 
3. Variação Linguística e Ensino: 
nos Caminhos do Letramento 
4. Projetos de Letramento: os Gêneros 
Textuais em Sala de Aula 
Considerações Finais 
Sobre a Autora 
Referências 
07
21
35
53
67
68
69
A unidade curricular de 
Letramentos
Prezado Pós-graduando,
Nesta unidade curricular vamos refletir sobre os processos 
de letramento e suas implicações nas práticas do PROEJA, 
reconhecendo a intrínseca relação entre os domínios da leitura 
e da escrita, o acesso à escolarização e as relações sociais que 
definem os papéis de cada sujeito na estrutura social.
Temos como focos: o estudo dos conceitos de alfabetização 
e letramento, considerando-os processos que se estendem 
ao longo da vida em uma sociedade grafocêntrica; a análise 
das condições dos sujeitos pouco escolarizados na sociedade 
letrada e das práticas de letramento em diferentes contextos; e a 
investigação de como os projetos de letramento podem contribuir 
para a formação de leitores e escritores.
Nessa caminhada, apoiamo-nos nos pressupostos de Mikhail 
Bakhtin (1997) sobre língua/linguagem, interação verbal e 
interlocução. Adotamos, ainda, a concepção sócio-histórica de 
Vigotsky, por se tratar de uma abordagem de caráter interacionista, 
que mais se aproxima dos pressupostos bakhtinianos. Dessa 
forma, compreendemos o letramento como um processo contínuo 
e que garante a apropriação/construção da linguagem escrita, 
respeitando os sujeitos da aprendizagem, suas experiências que 
antecedem a entrada na escola, ou seja, o contexto etnolinguístico 
a que pertencem.
Esperamos que este material auxilie a todos nas reflexões e práticas 
e contribua na construção de processos autônomos e interativos 
da linguagem entre educadores e educandos da Educação de 
Jovens e Adultos - EJA. 
Bom estudo!
Marizete Bortolanza Spessatto
Letramentos: 
Pressupostos 
para o Ensino 
da Língua 
Materna
LETRAMENTOS UNIDADE 1
Nesta unidade, retomaremos o percurso histórico do acesso à 
escolarização, observando os diferentes fatores sociais e econômicos 
que influenciaram no acesso a esse espaço pelas camadas populares. 
Objetivamos, ainda, diferenciar os conceitos de alfabetização e 
letramento e refletir sobre o papel do professor no processo de 
letramento de sujeitos que constituem a Educação de Jovens e Adultos.
Marizete Bortolanza Spessatto
Letramentos: 
Pressupostos para o 
Ensino da Língua Materna
 Se aceitarmos que o letramento do aluno é a função 
primeira da escola, então é o letramento o princípio 
estruturador do currículo (KLEIMAN, 2010, p. 381).
O letramento não é um processo estanque. Vivendo em 
sociedade e, especialmente, em uma sociedade grafocêntrica, 
acompanhamos, como profissionais, professores e pesquisadores, 
constantes mudanças no conceito de letramento/letramentos e, ao 
mesmo tempo, também nós avançamos nesse processo de sermos 
efetivamente e constantemente letrados, diante de mudanças e 
ampliações dos usos sociais da leitura e da escrita. Por isso, faz-se 
fundamental retomarmos a história e pensarmos o ensino de língua 
materna na perspectiva ampla que é a do letramento. 
GRAFOCÊNTRICA
[ GLOSSÁRIO ]
Uma sociedade grafocêntrica é aquela 
que privilegia a imagem ou a escrita em 
detrimento do som. Basta olharmos ao 
nosso redor para percebemos como a 
palavra escrita apresenta-se de forma 
intensa e constante: placas, outdoors, 
indicações de ruas, transporte coletivo, 
panfletos de propaganda etc.
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 9
Letramentos e cidadania: história 
da ampliação do acesso à 
educação escolar 
Tendo, neste nosso percurso de formação acadêmica, o olhar 
sobre jovens e adultos que voltam à escola, não posso começar 
essa conversa sem, antes, apresentar a vocês algumas pessoas 
que me marcam na caminhada de alfabetizar e letrar. Felícia, 
Joana e Maria (nomes fictícios) voltaram à escola em busca de 
qualificação profissional. Embora em tempos e lugares diferentes, 
eu as conheci quando integravam o programa do Governo Federal 
Mulheres Mil, que tem como meta garantir o acesso à educação 
profissional e garantir a elevação da escolaridade de mulheres, via 
inclusão social. Mesmo com um objetivo em comum, a qualificação 
anunciada pelo programa, cada uma delas retornou aos bancos 
escolares com uma história de vida diferente.
Maria eracompletamente analfabeta. Com seis filhos, passava boa 
parte do seu tempo dentro de casa, nos afazeres domésticos. Joana 
rabiscava o nome, coloria desenhos e arriscava algumas frases 
na companhia da neta. Felícia, com história de violência familiar, 
empolgava-se nas primeiras aulas de Português Básico quando 
conseguia juntar letras e sílabas e ver aí, no papel, a materialização 
de textos com os quais estava habituada apenas na oralidade. 
As histórias que constituem essas mulheres não são diferentes 
nem mais inusitadas do que tantas outras que cada um de nós, 
integrantes deste curso, temos para contar. Eu as trago, aqui 
neste início de conversa, para que elas me ajudem a significar a 
importância de pensarmos as ações da escola na ampliação do 
letramento, de forma absolutamente comprometida com o lugar 
social ao qual estão vinculados os sujeitos que constituem o 
processo educacional. São movimentos plurais, não atos isolados 
ou apenas vinculados com exercícios mecânicos de codificação 
e decodificação, que constituem o processo educativo ao qual 
estamos envolvidos na Educação de Jovens e Adultos. Por isso, 
rostos e histórias de vida são tão importantes. 
São esses sujeitos reais que nos estimulam e organizam nossa 
atuação. Essa preocupação em conhecer os sujeitos que chegam 
à EJA ou ao PROEJA, para além de uma ideia do senso comum de 
que são “adultos que não estudaram no tempo normal”, precisa 
orientar a nossa prática.
LETRAMENTO
[ GLOSSÁRIO ]
Embora, ao longo deste material, apareçam 
concomitantemente os termos letramento 
– singular – e letramentos – plural –, 
dependendo da fonte ao qual o texto se 
remete, a escolha do plural – letramentos 
– como título desta unidade curricular está 
fundamentada especialmente em Kleiman 
(1995), considerando-se os múltiplos 
letramentos exigidos na sociedade atual. 
MULHERES MIL
[ SAIBA MAIS ]
O Mulheres Mil está inserido no conjunto 
de prioridades das políticas públicas do 
Governo do Brasil, especialmente nos eixos 
promoção da equidade, igualdade entre 
sexos, combate à violência contra mulher e 
acesso à educação. O programa também 
contribuiu para o alcance das Metas do 
Milênio, promulgadas pela ONU em 2000 
e aprovadas por 191 países. Entre as 
metas estabelecidas estão a erradicação 
da extrema pobreza e da fome, promoção 
da igualdade entre os sexos, autonomia 
das mulheres e garantia da sustentabilidade 
ambiental.
[ LEITURA COMPLEMENTAR ]
Amplio essa discussão no texto 
Experiências mil: ações e interações 
educativas oportunizadas pelo Mulheres Mil 
no meio-oeste catarinense, publicado na 
obra Criatividade e inovação no ensino 
superior: experiências latino-americanas 
e europeias em foco, sob coordenação 
de Marlene Zwierewicz (Blumenau: Nova 
Letra, 2013). 
É imprescindível pensar nossas ações em EJA a partir do 
reconhecimento das histórias que constituem cada sujeito 
que chega pela primeira vez aos bancos escolares ou retorna 
às instituições de ensino visando retomar o acesso aos bens 
culturais a elas relacionados. Quanto ao perfil dos estudantes 
da Educação de Jovens e Adultos, Abreu e Vóvio (2010) 
argumentam que, embora existam dados que mostrem o 
número de analfabetos e um perfil geral de quem são esses 
sujeitos, pouco se sabe sobre “quem são essas pessoas, 
como elas vivem, o que sabem, o que significa para elas 
não saber ler e escrever, o que querem aprender.” (ABREU; 
VÓVIO, 2010, p. 186). 
Embora algumas características sociais possam ajudar a identificar 
um perfil geral do público da EJA, as autoras afirmam que existem 
muitas diferenças do ponto de vista dos seus patrimônios culturais. 
“Diferenciam-se no que diz respeito aos ciclos da vida em que 
estão, às suas identidades, às suas disposições e necessidades 
formativas, bem como em relação às representações sobre o ler e 
escrever, os conhecimentos e as habilidades constituídos em suas 
vidas.” (ABREU; VÓVIO, 2010, p. 187).
Ainda, assim como é importante conhecer a história de cada 
sujeito que constitui a Educação de Jovens e Adultos, também se 
faz necessário percorrer a história que consolida a realidade do 
processo de escolarização e de formação de sujeitos letrados com 
a qual nos deparamos hoje. É esse movimento que fazemos na 
seção que segue.
Pensar o letramento passa por 
entender o percurso histórico da 
alfabetização: diferentes interesses 
e resultados
Para falar em leitura, letramento e cidadania, é preciso, antes, 
analisar o percurso histórico de acesso ao mundo da escrita. Mesmo 
que os espaços de atuação com Educação de Jovens e Adultos da 
maioria de nós, integrantes deste curso de especialização, estejam 
voltados aos anos finais do Ensino Fundamental ou ao Ensino 
NÚMERO DE ANALFABETOS
[ SAIBA MAIS ]
Cerca de 14 milhões de brasileiros são 
analfabetos (IBGE, 2007; CONAE, 2014), 
sendo a maior parte com idade acima de 
40 anos, negros, moradores da região 
Nordeste e de áreas rurais. 
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 11
Médio, é importante compreendermos como chegamos à realidade 
atual, tanto de analfabetismo quanto em relação ao analfabetismo 
funcional. 
Percorreremos, nessa retomada, o caminho traçado especialmente 
por Graff (1994), Di Nucci (2001) e Zilberman (2014). Ao tratar sobre 
a ampliação do acesso à escolarização no Brasil, seguiremos a 
análise feita por Soares (1998).
Di Nucci (2001) afirma que, como prática social, a escrita tem uma 
história rica. Durante muitos séculos, explica a autora, especialmente 
no Oriente, a escrita era ostentada como poder de burocratas e 
religiosos, já que os ideogramas impediam o cidadão comum de 
ler e escrever. Isso posto, basta um olhar atento para percebermos 
que o percurso de acesso ao mundo da escrita foi/é tão desigual 
como o é a organização da estrutura social. 
No início do século XIX, com a transição da economia agrária para a 
industrial e urbana, o acesso à leitura e à escrita tornou-se necessário, 
padronizando o aprendizado baseado nas escolas (DI NUCCI, 2001). 
Por outro lado, se os dados históricos mostram que chegamos ao 
século XX com altos índices de analfabetismo pelo mundo afora, 
não foi por falta de condições ou por incompetência das massas. 
Foi o temor de que elas se tornassem “inadequadas ao cansativo 
trabalho manual, inquietas em suas funções e desobedientes a seus 
superiores” (GRAFF, 1994, p. 67) que fez com que o acesso popular 
à alfabetização fosse adiado no século XIX. 
Aos poucos, a exclusão do mundo letrado torna-se menos 
generalizada e, claro, a temida insurreição não acontece. Por 
quê? Porque o acesso ao mundo da escrita foi institucionalizado. 
Se, em séculos anteriores, ler e escrever poderiam ser atividades 
domésticas (de poucos, é claro), a partir do século XX a escola 
se torna a instituição autorizada a alfabetizar. Nas letras lidas 
e registradas em cadernos, formam-se palavras que ajudam 
no controle social. Formam-se sujeitos mais “treinados” para o 
convívio em sociedade:
Na realidade, a escola representou uma forma de controle 
social sobre a escrita por parte do Estado burguês, cuja 
função era disciplinar os trabalhadores para a industrialização. 
[…] Com a escolarização, a escrita passou a ser privilegiada 
por ser uma forma de padronização e adestramento e não 
de liberação e desenvolvimento do sujeito, uma vez que a 
escola preparava o indivíduo basicamente para o mercado de 
trabalho (DI NUCCI, 2001, p. 50-51).
[ Dados sobre a realidade de 
analfabetismo e analfabetismo funcional 
no Brasil também são apresentados 
no componente curricular Sujeitos 
da Diversidade deste curso de 
especialização. Vale a pena retomar o 
material já estudado, pois as discussões 
lá propostas estão articuladas com o 
que se propõe refletir aqui. ]
No caso brasileiro, Mortatti (2006, p. 02) afirma que a educação 
ganhou destaque no final do século XIX, como “uma das utopias da 
modernidade”. A escola, continua a autora, mostrou-se capaz de 
atender aos ideais do Estado republicano, instaurandouma nova 
ordem social e, ao “esclarecer as massas”, atendia a uma ordem 
necessária para estimular o progresso econômico do país.
Não são coincidências, apenas, os fatos de que o intenso processo 
de industrialização e saída do homem do campo e a abertura 
do mundo da escola aos menos favorecidos tenham se dado no 
mesmo período histórico. No Brasil, o atrelamento da função de 
ensinar a ler e escrever com a ideologia política dominante fica 
ainda mais evidente quando se observa que o famoso processo de 
“democratização do acesso à escola” dá-se exatamente no período 
da ditadura militar. A escola, instituição governamental, ajuda no 
controle da circulação de textos e, ainda, prepara os cidadãos para 
o trabalho nas indústrias, especialmente as multinacionais que 
começam a se instalar no país de forma mais intensa nesse período 
(cf. SOARES, 1998). 
Assim, observamos que a expansão do acesso à escrita veio, 
antes de assegurar um direito ao povo, garantir a expansão do 
capitalismo. É como diz Zilberman (2014): “Dinheiro e escrita podem 
não ter nascido ao mesmo tempo, mas passaram a infância juntos, 
e sua expansão tem ocorrido em sociedades avançadas do ponto 
de vista econômico.”
Mattos e Silva (2004) também faz uma longa reflexão acerca da 
desigualdade de acesso à escola que marca a constituição da 
sociedade brasileira. Em fins do século XVIII, eram apenas 0,5% de 
alfabetizados no país. Ao longo do século XIX e início do XX esses 
não passam de 20 a 30% (cf. HOUAISS, 1985). É importante seguir 
a análise de Bortoni-Ricardo (2004), quando relaciona o avanço do 
processo de alfabetização da população brasileira à mudança do 
perfil rural/urbano.
[ LEITURA COMPLEMENTAR ]
ZILBERMAN, Regina. A leitura no Brasil: 
sua história e suas instituições. Disponível 
em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/
projetos/ensaios/ensaio32.html>. O texto 
traz a história da leitura no Brasil de forma 
clara e crítica. 
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 13
População urbanaContexto População analfabeta
Início do século XX 10,7%
1940 31,24% 56%
1950 36,16% 50%
1960-1970 42% 39%
1980 67,60% 33%
1991 78,35% 26%
Quadro 1 - Per�l população urbana/alfabetização
2000 81,37% 10%
Fonte: Bortoni-Ricardo, 2004.
Podemos refazer esse percurso histórico, recuperando os índices de 
escolarização brasileira até chegarmos aos anos de 1970, quando, 
no período da Ditadura Militar, como afirmamos anteriormente, a 
escola “democratiza” o acesso às camadas populares. Para tal, 
seguimos os dados da Organização dos Estados Ibero-americanos 
(OEI)/Ministério da Educação do Brasil: 
População entre
5 a 19 anosAno
Taxa de escolarização
% da população na escola
1920 12.703.077
1940 15.530.819
8,99
1950 18.826.409
21,43
1960 25.877.611
26,15
33,37
1970 35.170.643 53,72
Quadro 2 - Per�l populacional/taxa de escolarização
Fonte: Organização dos Estados Iberamericanos, 2014.
Mesmo considerando avanços quantitativos do acesso à 
escolarização e ao mundo da escrita, ao longo da história, ainda 
há muito o que avançar na garantia de direitos de educação ao 
povo brasileiro. A preocupação faz parte do documento-base 
da Conferência Nacional de Educação - CONAE 2014 (2014, p. 
45), com apresentação de números sobre a condição atual da 
escolarização, em diferentes perfis etários. O documento articula a 
necessidade de ampliação da escolarização (e da qualidade desta) 
à redução das desigualdades sociais.
CONAE
[ GLOSSÁRIO ]
A Conferência Nacional de Educação 
(CONAE) é um espaço aberto pelo Poder 
Público para discussão nacional sobre 
estratégias e metas para a educação 
brasileira. As conferências nacionais são 
precedidas por etapas preparatórias, 
compreendidas em conferências livres 
e conferências ordinárias municipais e/
ou intermunicipais, estaduais e do Distrito 
Federal. 
Abreu e Vóvio (2010) destacam que, dos 14 milhões de analfabetos 
no país, a maior parte é de grupos etários acima de 40 anos. 
Entretanto, em 2007, afirmam, em torno de dois milhões de jovens 
entre 15 e 29 anos eram analfabetos. Desses, 14,1% eram negros e 
6,1% brancos. Em relação à distribuição geográfica, 20% estavam, 
em 2007, na região Nordeste; 5,4% na região Sul; nas zonas rurais, 
eram 23,3% de analfabeto, enquanto o índice de analfabetismo nas 
zonas urbanas ficava em 4,4% (ABREU; VÓVIO, 2010).
É preciso considerar, para fecharmos esta seção e darmos 
prosseguimento às reflexões a que nos propomos, que o domínio 
da leitura e da escrita são condições que se mantêm primordiais, 
já que, conforme aponta Britto (2012): “Não obstante a emergência 
e prevalência de vários meios de comunicação eletrônica na 
vida contemporânea, seguimos vivendo em uma sociedade 
grafocêntrica, em que a leitura e a escrita são condições básicas 
de inserção social.” (BRITTO, 2012, p. 84).
O avanço dos estudos de 
letramento e os reflexos na prática 
de ensino de língua materna
Foi na segunda metade dos anos 1980 que a palavra letramento 
ganhou força e passou a ser incorporada no discurso de especialistas 
[ Quais as experiências pelas quais 
você (professor e profissional da EJA) 
passou que espelham a condição social 
dos sujeitos que constituem o espaço 
deste nível de ensino? Algum evento 
em especial ficou marcado em sua 
memória nas diferentes experiências 
pelas quais passou no trabalho voltado 
à Educação de Jovens e Adultos? ]
NARRADORES DE JAVÉ
[ SAIBA MAIS ]
A produção brasileira Narradores de 
Javé (2003, direção de Eliane Caffé) 
descreve bem as dificuldades dos sujeitos 
analfabetos em uma sociedade na qual 
só é “científico” o que é apresentado 
pela escrita. No filme, o vilarejo de Javé 
é ameaçado de alagamento pela represa 
de uma hidrelétrica. Para salvar a vila, os 
moradores se apoiam em Antonio Biá, “que 
domina as letras” e é incumbido da tarefa 
de provar que o local tem um patrimônio 
cultural e, assim, impedir o alagamento.
O aumento do número de anos de escolarização e da jornada escolar, 
com qualidade, vem se tornando imperativo para uma sociedade 
inclusiva, que busque superar as desigualdades. O Brasil tem hoje, 
em média, apenas 7,5 anos de educação/escolarização de sua 
força de trabalho, com elevado número de analfabetos (cerca de 
14 milhões), baixa taxa de escolarização líquida da população de 
15 a 17 anos no ensino médio (cerca de 50%) e baixa taxa líquida 
da população de 18 a 24 anos na educação superior (cerca de 
14%). São condições que precisam ser superadas, pois interferem 
na melhoria da distribuição de renda e nos processos de trabalho, 
saúde e educação ambiental, contribuindo para a superação da 
exclusão social (CONAE/MEC, 2014). 
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 15
das Ciências Linguísticas e da Educação, como uma tradução da 
palavra da língua inglesa literacy. Sua tradução se faz na busca 
de ampliar o conceito de alfabetização, chamando a atenção não 
apenas para o domínio da tecnologia do ler e do escrever, mas, 
também, para o uso dessas habilidades em práticas sociais em que 
escrever e ler são necessários. 
Fazendo essa consideração, dedicamos esta seção, seguindo o 
movimento que dá fluxo a esta unidade, às reflexões acerca da 
trajetória dos conceitos de alfabetização e letramento no contexto 
brasileiro. De um modo geral, alfabetização pode ser entendida 
como a habilidade individual de ler e escrever, é o domínio do 
Sistema de Escrita Alfabética e da capacidade física de lidar com 
a técnica da escritura (cf. SOARES, 2006; TFOUNI, 1988) ou como 
uma das práticas de letramento (cf. KLEIMAN, 1995).
Analisando desse modo, ser alfabetizado é dominar, mesmo 
que pouco, a escrita, mesmo sem dela extrair as informações 
necessárias para a vida em sociedade (o que explica o fato de 
que sujeitos que mal leem pequenos bilhetes sejam considerados 
alfabetizados). Por outro lado, o letramento é mais complexo e 
mais completo. Kleiman (1995) considera, inclusive, assim como 
também propomos neste livro, que o termodeva ser usado no 
plural. Dionísio (2007) também opta pelo uso do termo letramentos/
literacias no plural, considerando:
A literacia é aqui concebida como um conjunto flexível de 
práticas culturais definidas e redefinidas por instituições 
sociais, classes e interesses públicos em que jogam 
papel determinante as relações de poder e de identidade 
construídas por práticas discursivas que posicionam os 
sujeitos por relação à forma de aceder, tratar e usar os textos 
e os artefactos e tecnologias que os veiculam e possibilitam. 
Neste sentido, o termo literacias apresenta-se como mais 
adequado para designar a pluralidade das práticas sócio-
culturais, nos múltiplos domínios de acção humana (DIONÍSIO, 
2007, p. 98 – grifos nossos).
Letramentos, então, são os usos do conhecimento linguístico para 
as relações sociais e podem, de acordo com Tfouni (1988), estar 
presentes em sujeitos que nem mesmo sejam alfabetizados, mas 
que convivam com as práticas do mundo letrado. Basta vermos 
os inúmeros casos de sujeitos analfabetos que, habituados pela 
necessidade, reconhecem placas e itinerários de ônibus urbanos ou 
avançarmos em exemplos mais complexos, como o faz Tfouni (1988). 
No artigo Características do discurso escrito nas narrativas orais 
de ficção de uma mulher brasileira analfabeta, a autora descreve 
a história de dona Madalena que, apesar de analfabeta, incorpora 
[ LEITURA COMPLEMENTAR ]
Como sugestão, indico o texto de 
Leda Tfouni, a seguir, no qual a autora 
apresenta, de uma forma sensível e 
interessante, a presença de marcas de 
letramento nas narrativas de uma adulta 
analfabeta. TFOUNI, Leda Verdiani. 
Características do discurso escrito 
nas narrativas orais de ficção de uma 
mulher brasileira analfabeta. Leia o 
artigo na íntegra. Ele está disponível em: 
<seer.fclar.unesp.br/itinerarios/article/
download/2914/2679>. 
ao texto oral, na contação de histórias, características da escrita, 
sobretudo assegurando uma posição de autoria.
Para Bortoni-Ricardo (2004), na nossa civilização, todo cidadão, 
qualquer que seja seu grau de escolaridade ou sua posição social, 
está, de algum modo, inserido numa cultura letrada: tem acesso a 
documentos escritos e realiza, bem ou mal, práticas que dependem 
da escrita (ex.: pegar ônibus, pagar contas etc.). Entretanto, 
é sempre possível alargar as possibilidades de integração e 
participação ativa na cultura escrita, pela ampliação da convivência 
e do conhecimento da língua escrita.
Quanto aos processos de alfabetização e de letramento, na escola, 
é preciso considerar, novamente, o fato de a instituição estar, 
historicamente, atrelada a interesses políticos e econômicos. E quanto 
mais a escola e os educadores assumem uma postura “neutra”, mais 
servem a esse modelo de preservação do status quo, preparando os 
sujeitos, como explica Graff, “ao trabalho e à fadiga” (1994, p. 86). A 
maioria das ações que tenta dar conta das estatísticas do analfabetismo 
passa longe do letramento. Diz-se, inclusive, que a escola nem 
sempre alfabetiza plenamente. Isso aparece com bastante frequência 
em notícias que mostram problemas graves na produção textual de 
sujeitos que passaram por mais de dez anos na escola, como os 
autores das “pérolas do ENEM” ou dos “erros crassos do vestibular”. 
Quanto ao letramento, o problema é ainda mais complexo. Um grande 
número de sujeitos que passa pela escola não desenvolvem nem a 
leitura, quanto mais a leitura crítica da realidade que os cerca.
Para uma ação pedagógica voltada ao letramento, em qualquer 
nível de ensino, é necessário um trabalho específico, não só com o 
sistema de escrita, mas com todos aqueles suportes que orientam 
uma prática que envolve o contexto social onde essa prática é 
produzida. Para Soares (2004), o fato de valorizar em sala de aula 
os usos e as funções sociais da língua escrita não implica deixar de 
tratar sistematicamente da dimensão especificamente linguística 
do código que envolve os aspectos fonéticos, fonológicos, 
morfológicos e sintáticos. Do mesmo modo, cuidar da dimensão 
linguística, visando à ampliação do processo de alfabetização, em 
qualquer nível, não implica excluir da sala de aula o trabalho voltado 
para o letramento. 
O letramento é um processo social, e os exemplos mostram que 
o problema da desigualdade de domínio do Sistema de Escrita 
Alfabética sempre foi considerado individualizado, culpando-se os 
sujeitos pela sua “incompetência” em relação à leitura ou à escrita, 
[ LEITURA COMPLEMENTAR ]
CERUTTI-RIZZATTI, Mary Elizabeth. 
Letramento: uma discussão sobre 
implicações de fronteiras conceituais. 
Disponível em: <www.scielo.br/pdf/es/
v33n118/v33n118a18.pdf>. Acesso em 
11 mar. 2014. 
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 17
sem considerar o processo ou o sistema social no qual eles estão 
inseridos. Pelandré (2001) aponta como um desafio para a escola 
o processo de alfabetização aliado ao letramento. A autora aponta 
que a alfabetização por meio do letramento implica uma concepção 
dialógica da linguagem, considerando-a com interação humana, 
uma atividade criadora e constitutiva de conhecimento e de 
transformação da realidade, e que o professor deve ter consciência 
desse movimento dialógico. Entretanto, uma concepção poucas 
vezes colocada em prática na escola, por uma série de fatores 
estruturais e sociais.
É diante dessas novas exigências que surge uma nova denominação, 
alfabetização funcional, criada com a finalidade de incorporar as 
habilidades de uso da leitura e da escrita em situações sociais e, 
posteriormente, a palavra letramento, no Brasil, a partir dos estudos 
de Magda Soares (1986); Mary Kato (1997); Ângela Kleiman (1995); 
Bortoni-Ricardo (2004, 2006), entre outros linguistas e estudiosos 
das questões pertinentes ao ensino da linguagem.
Confira os conceitos de analfabetismo e analfabetismo funcional 
adotados pelo INAF - Indicador de Alfabetismo Funcional e 
divulgados no site do Instituto Paulo Montenegro (IPM), organização 
ligada ao IBOPE e responsável pelo INAF: 
A definição de analfabetismo vem, ao longo das últimas 
décadas, sofrendo revisões significativas como reflexo das 
próprias mudanças sociais. Em 1958, a UNESCO definia 
como alfabetizada uma pessoa capaz de ler e escrever 
um enunciado simples, relacionado a sua vida diária. Vinte 
anos depois, a UNESCO sugeriu a adoção dos conceitos 
de analfabetismo e alfabetismo funcional. Portanto, é 
considerada alfabetizada funcionalmente a pessoa capaz 
de utilizar a leitura e escrita e habilidades matemáticas para 
fazer frente às demandas de seu contexto social e utilizá-las 
para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da 
vida (IPM, 2014). 
Implícita nesse conceito está a ideia de que o domínio e o uso da 
língua escrita trazem consequências sociais, culturais, políticas, 
econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em 
que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la.
Em uma sociedade grafocêntrica, ser letrado é condição 
para o efetivo exercício da cidadania. Ser letrado é ser livre, é 
ganhar voz, consciência política e empoderamento. É poder 
participar ativamente das decisões na vida pública. 
(SANTOS; OLIVEIRA, 2012, p. 41).
Letramentos e Educação de 
Jovens e Adultos
É a partir dessas reflexões que paramos para analisar as propostas 
de letramento na EJA e no PROEJA. De acordo com Santos e 
Oliveira (2012), pesquisas têm mostrado que, na EJA, as práticas 
de letramento em geral têm sido trabalhadas de forma fragmentada, 
sem considerar as necessidades comunicativas dos alunos em 
suas práticas sociais. “Em grande medida, tem sido evidenciado o 
resultado de um letramento precário oferecido aos educandos dessa 
modalidade de ensino e de outras mais, principalmente, nas escolas 
públicas” (SANTOS; OLIVEIRA, 2012, p. 41).
Ao apresentar experiências de atividades de letramento 
desenvolvidas junto a sujeitos jovens (13 a 15 anos) da região do 
Minho, em Portugal, com risco de abandonoda escola, Dionísio 
(2007, p. 98) faz importantes reflexões sobre a significação do 
conceito de letramento no contexto atual. A autora afirma que “[...] 
os estudos contemporâneos sobre as práticas de leitura e escrita 
têm vindo a desconstruir categorias estáticas como, por exemplo, 
sujeitos ‘letrados’ e ‘não letrados’, e a recusar o acesso à escrita 
como um valor neutro e universal, desvinculado de aspectos 
culturais e ideológicos.”
Considerando a perspectiva defendida pela autora, retomando 
também alguns conceitos já explicitados neste texto, a que se 
considerar serem os jovens e adultos que chegam ou retornam às 
salas de aula sujeitos com práticas de linguagem consolidadas no 
mundo social. Se, como dizem Santos e Oliveira (2012), citadas 
acima, tem-se dificuldades em todos os níveis de ensino quanto 
ao trabalho com o letramento, no campo da Educação de Jovens 
e Adultos essa questão se torna mais explícita. Retomando a 
experiência apresentada por Dionísio (2007), em um trabalho que 
envolveu jovens com risco de abandono escolar, devemos pensar, 
também nós, sobre o que, efetivamente, faz sentido em termos 
de ensino de língua materna aos sujeitos que estão na escola na 
juventude ou idade adulta. A esses sujeitos, como a todos que 
passam pela instituição escolar, a língua deve ser trabalhada de 
modo a agregar novos conhecimentos, novos letramentos. Para 
que esse processo tenha sentido, a escrita não pode ser separada 
de outras ações sociais que se estabelecem pela linguagem:
Letramentos: Pressupostos para o Ensino da Língua Materna 19
[...] a leitura e a escrita são sempre vistas como inseparáveis 
do falar, ouvir, interagir, pensar e agir no mundo e são 
práticas que ocorrem no âmbito de práticas sociais mais 
vastas, em que os indivíduos se envolvem para realizar 
objectivos pessoais ou colectivos. Assume-se também 
que os significados do que se lê e do que se escreve estão 
intimamente ligados a experiências de cada um no mundo 
material e social.
(DIONÍSIO, 2007, p. 101). 
Para Abreu e Vóvio (2010), o direito a uma educação de qualidade 
para jovens e adultos, sobretudo quando se trata do aprendizado 
da língua materna, ainda não é assegurado. De um modo geral, 
apontam as autoras, a EJA esteve historicamente associada 
apenas à garantia mínima de alfabetização dos sujeitos que a ela 
chegam, faltando, ainda, a ampliação do acesso a conhecimentos 
garantidos em outros níveis da educação escolar e a sujeitos em 
outras condições sociais.
A EJA, afirmam as autoras, esteve associada a duas concepções 
dicotômicas. A primeira delas é a educação compensatória, 
orientada para recuperar o tempo perdido pelos sujeitos que não 
puderam estar na escola em tempos considerados “normais”. Essa 
concepção, apontam, está constituída no modelo e no formato do 
ensino regular e fundamenta-se em um cunho assistencialista. 
Fundamentada nas experiências de Paulo Freire, a concepção da 
educação como meio de emancipação e transformação, explicam 
Abreu e Vóvio (2010), é herança dos projetos de educação popular, 
mas pouco tem repercutido nos sistemas de ensino. 
Santos e Oliveira (2012) apontam que o Brasil consta na lista dos 
países que necessitam de maiores investimentos para impulsionar 
a formação leitora e escritora dos alunos, em especial os da 
escola pública, na qual está a maioria dos alunos da EJA. Em 
muitas dessas escolas, salientam, predomina uma concepção de 
linguagem que desconsidera o caráter social interacional. Para 
constatar a veracidade do que afirmam Santos e Oliveira, basta 
pensarmos em muitas atividades voltadas ao público da EJA que 
são descontextualizadas ou que, mesmo dirigidas a sujeitos mais 
velhos, por se tratar do trabalho com a leitura e com a escrita, 
partem de textos infantilizados. 
É preciso considerar o que é “[...] ser letrado, hoje, numa sociedade 
em transformação e caracterizada pela diversidade e multiplicidade, 
e sobre como se aprende a ser letrado nestas condições. […] ser 
letrado é alguém que é capaz de usar a variedade de linguagem 
certa, de modo certo dentro de um dado Discurso, e as literacias 
são o domínio desses Discursos” (DIONÍSIO, 2007, p. 98-99 – grifo 
nosso).
Partindo da afirmação de Dionísio (2007), considera-se que o 
papel do letramento escolar assume particular relevância, já que se 
estabelece como uma importante fonte de acesso a conhecimentos 
e práticas de leitura e escrita aos quais os sujeitos não teriam acesso 
em outros espaços que não na Educação de Jovens e Adultos. 
Por isso, argumenta a autora, “ganha particular relevância o aceso 
à literacia escolar, na medida em que é evidente que são os níveis 
de prática certificada que constituem o capital cultural necessário, 
e quantas vezes suficiente, para que uma pessoa possa entrar na 
vida pública e institucional” (DIONÍSIO, 2007, p. 100). 
Afinal de contas, consta como objetivo do PROEJA a superação de 
um quadro de alto índice de abandono da Educação Básica e de 
um baixo retorno aos bancos escolares de jovens e adultos. Dos 
68 milhões de jovens e adultos trabalhadores brasileiros com mais 
de 15 anos de idade que não concluíram o ensino fundamental, 
somente seis milhões estão matriculados em EJA (MEC, 2014). 
Assim, na próxima unidade, discutiremos os conceitos de língua 
e linguagem e os processos de leitura e escrita em sala de aula, 
sobretudo na Educação de Jovens e Adultos, nosso foco neste 
curso de especialização.
[ `Vamos refletir sobre a leitura e a 
escrita nas salas do PROEJA? Pense 
em uma experiência que revele a 
necessidade de articulação de textos 
e atividades com o contexto do qual 
fazem parte os estudantes jovens e 
adultos. Converse com professores da 
sua instituição ou de outras instituições 
que trabalhem com o PROEJA sobre o 
assunto. ]
Os Usos Sociais 
da Língua Dentro 
e Fora da Escola
Nesta unidade, pretende-se refletir sobre as concepções de língua e 
linguagem, identificando o papel político e ideológico que perpassa a 
seleção dessa concepção nos processos de letramento da Educação 
de Jovens e Adultos; reconhecer as exigências de uso da língua 
na oralidade e as funções sociais da escrita. Esse é um movimento 
fundamental para pensarmos práticas efetivas e articuladas ao contexto 
social dos sujeitos que frequentam a EJA, tendo a garantia de acesso à 
leitura e à escrita como pontos-chave de um processo de mudança nas 
condições de vida desses sujeitos. 
LETRAMENTOS UNIDADE 2
Marizete Bortolanza Spessatto
Ler e escrever na escola: relações 
sociais estabelecidas pela 
linguagem
A língua não é um hábito que se exercita nem um jogo em 
que se entra e sai, tampouco é uma roupa que se veste 
conforme a ocasião. É uma totalidade que, constituída 
na história humana, institui os sujeitos, sendo marca de 
identidade, condição de pensamento, modo fundamental de 
relacionamento e de intervenção no mundo 
(BRITTO, 2012, p. 63). 
A complexidade que constitui a língua, como nos mostra Britto 
(2012) na epígrafe que abre esta unidade, ajuda-nos a estabelecer 
a relevância do trabalho com a língua na escola, sobretudo na 
Educação de Jovens e Adultos. Por mais que o desenvolvimento 
dos estudos linguísticos, especialmente a partir dos anos de 1980, 
Os Usos Sociais da 
Língua Dentro e Fora da 
Escola
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 23
tenha evidenciado que a língua não é apenas um sistema, mas sim 
que, “no seu uso prático, é inseparável de seu conteúdo ideológico 
ou relativo à vida” (BAKHTIN, 1997, p. 96), lamentavelmente pouco 
desses conhecimentos se refletiu em mudanças nos processos de 
ensino e de aprendizagem de língua nas escolas. 
A mudança nos processos de ensino e aprendizagem da língua e, 
consequentemente, da intervenção da escola no letramento dos 
sujeitos, apontam Oliveira e Santos (2012), passa por mudanças 
nas políticas de letramento no país. As mudanças que tivemos 
em relação à alfabetização dos sujeitos, demonstram as reflexões 
das autoras, pouco avançam paraalém de dados quantitativos de 
acesso ao processo de decodificação.
“[...] se estamos avançando em termos de alfabetização, 
não percebemos ainda os impactos significativos no âmbito 
do letramento. Enquanto o Brasil busca alfabetizar, países 
desenvolvidos (por exemplo, Inglaterra, Canadá e Estados 
Unidos) buscam discutir o impacto dos letramentos na vida 
social” (OLIVEIRA; SANTOS, 2012, p. 40-41). 
Além das políticas de letramento, apontam as autoras, cabe à 
escola, principal agência de letramento, 
refletir sobre as relações existentes entre as políticas de 
letramento e o modo como se dá o processo de escolarização 
dos nossos alunos, especialmente, aqueles oriundos das 
camadas sociais menos favorecidas.
Dessa forma, é preciso que repensemos o trabalho desenvolvido 
com a leitura na sala de aula da Educação de Jovens e Adultos, 
assim como nas turmas do PROEJA, reconsiderando os papéis 
atribuídos a essa atividade, muitas vezes equivocado ou pouco 
ampliado, não dando conta de sua real função no processo de 
apropriação dos conhecimentos necessários para melhorar os 
direitos àqueles que passam pela escola. 
Quanto ao ensino de leitura e escrita, os consensos atuais se 
manifestam em torno de dois eixos: necessidade de ensinar 
a língua padrão e a importância da formação do leitor. Há um 
“vacilo metodológico” na implementação dessas ações (como se 
a escolha desimpedida da leitura desse conta da formação do 
LÍNGUA
[ GLOSSÁRIO ]
Os conceitos de língua e os valores sociais 
diferentes atribuídos a diferentes variedades 
da mesma língua são tema da unidade 3 
deste material, por isso essas questões 
não são aprofundadas neste momento de 
nossas reflexões. 
leitor) e imprecisão no conceito de “língua padrão.” (BRITTO, 2012, 
p. 11-12). Há a disseminação de duas percepções equivocadas, 
complementa o autor, com reflexos bastante negativos na educação 
escolar: “visão catastrófico-denuncista de que o Brasil seria um país 
de não-leitores e, portanto, uma população pobre intelectualmente; 
[…] ideia salvacionista de leitura, compreendida como um bem em 
si, civilizador e edificante.” (BRITTO, 2012, p. 36).
O que aponta o autor se confirma em resultados de pesquisas 
que têm, tradicionalmente, mensurado os índices de leitura dos 
brasileiros. Nesta breve reflexão, partimos dos dados resultantes 
da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil do Instituto Pró-Livro, 
que iniciou a coleta de dados em 2001. Os dados em análise são 
da edição de 2011, publicados em 2012.
A pesquisa, cuja metodologia foi desenvolvida pelo Centro 
Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el Caribe 
(Cerlalc)/Unesco, a partir de uma solicitação do Brasil, tem como 
finalidade ter parâmetros internacionais de comparação entre os 
países da América Latina. Trata-se de uma pesquisa quantitativa 
de opinião com aplicação de questionário e entrevistas presenciais 
realizadas nos domicílios. A produção é feita desde 2001 e os 
dados apresentados aqui são da pesquisa realizada em 2011 e que 
conta com uma amostra de 5.012 entrevistas domiciliares em 315 
municípios de todos os estados e o Distrito Federal. 
INSTITUTO PRÓ-LIVRO
[ GLOSSÁRIO ]
O Instituto Pró-Livro (IPL), criado no 
final de 2006 pelas entidades do livro 
– Abrelivros, Câmara Brasileira do Livro 
(CBL) e Sindicato Nacional do Editores de 
Livros (SNEL) – é mantido com recursos 
constituídos por contribuições dessas 
entidades e de editoras, com o objetivo 
principal de fomento à leitura e à difusão 
do livro (PRÓ-LIVRO, 2014).
Definições usadas na pesquisa
Leitor: o que declarou, no momento da entrevista, ter lido pelo 
menos um livro nos últimos três meses.
Não Leitor: o que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 
três meses (e mesmo quem leu em outros meses que não os três 
últimos ou mesmo quem leu ocasionalmente).
Índice de leitura: tem como referência a leitura dos últimos três 
meses anteriores à pesquisa. 
Fonte: PRÓ-LIVRO, 2014
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 25
Considerando os critérios estabelecidos para os conceitos de leitor 
e não leitor, definidos acima, a pesquisa indicou que, do universo de 
entrevistados (leitores e não leitores) em 2011, 50% da população 
declarou-se leitora. A média de livros lidos nos três meses anteriores à 
aplicação da pesquisa ficou em 1,8 livros por pessoa, sendo que, entre 
eles, a média de livros lidos integralmente ficou em 0,82 e 1,3 foram 
lidos apenas em parte. É interessante observar que, desses livros 
lidos, 0,81 foram indicações da escola e 1,05 por iniciativa própria. 
Outros dados importantes apontados pela pesquisa dizem respeito 
às concepções de leitura apresentadas pela população participante 
da pesquisa. Quando interrogados sobre o que gostam de fazer no 
seu tempo livre, 85% deles indicaram a preferência pela televisão. 
Vinte e oito por cento afirmaram ler (jornais, revistas, livros, textos 
na internet), ficando, assim, a leitura em sétimo lugar nas atividades 
escolhidas para o chamado, na pesquisa, de “tempo livre”. 
Quando solicitado que apontassem o que a leitura significa, 
assegurando a cada entrevistado a possibilidade de indicar três 
das opções oferecidas, a maior parte deles indicou aspectos 
considerados “positivos” em relação à leitura, sendo assim 
distribuídos: fonte de conhecimento para a vida, 64%; fonte 
de conhecimento e atualização profissional, 41%; fonte de 
conhecimento para a escola/faculdade, 35%; uma atividade 
interessante, 21%; e uma atividade prazerosa, 18%. Em relação 
aos aspectos negativos atribuídos à leitura, aparecem da seguinte 
forma: ocupa muito tempo, 12%; prática obrigatória, 8%; produz 
cansaço/ exige muito esforço, 6%; e uma atividade entediante, 5%. 
Cinco por cento dos entrevistados assinalaram que não sabiam a 
resposta. 
A pesquisa também indica a correlação, no imaginário dos entrevistados, 
entre leitura e ascensão social. Foi apresentada aos entrevistados a 
afirmação “Ler bastante pode fazer uma pessoa ‘vencer na vida’ e 
melhorar a sua situação socioeconômica”. Diante da afirmativa, 64% 
dos entrevistados respondeu que “concorda plenamente” e apenas 
3% posicionou-se como “discordo totalmente”. 
Os dados são importantes, mas não podemos esquecer que, por 
trás dos números, é preciso avaliar questões como a concepção 
de leitura, tanto dos institutos que fazem as pesquisas quanto dos 
próprios leitores. É para o que aponta Britto (2012), quando diz que 
“ao se afirmar que pouco se lê ou poucos são os leitores, é razoável 
supor que se está considerando, mesmo que de forma imprecisa, 
apenas essa segunda dimensão [leitura relacionada à interação com 
[ Que tal levantarmos os dados sobre 
o perfil de leitores entre as turmas 
de estudantes nas quais atuamos? O 
exercício é interessante e nos permitiria 
traçarmos um perfil de leitores entre 
os estudantes da EJA/PROEJA de 
Santa Catarina. Podemos definir, 
coletivamente, as questões a serem 
aplicadas. Vamos manter contato no 
Fórum de notícias? ]
os conhecimentos e valores formais, à formação e ao estudo]” (p. 
41). A leitura, nesse contexto, demanda mecanismos que vão além 
do interesse, hábito ou gosto pela leitura. É preciso ter em mente as 
diferentes formas de acesso à cultura, mais relevantes na constituição 
de leitores do que os métodos de ensino e programas de formação: 
A dificuldade no trato com textos sofisticados não resulta, 
portanto, de uma incapacidade genética de leitura ou do 
domínio precário dos procedimentos formais de decodificação, 
mas do modo como as pessoas interagem com os objetos da 
cultura letrada, em particular com as formas de produção do 
conhecimento formal (BRITTO, 2012, p. 42). 
Em sociedades complexas e diferenciadas como a brasileira, aponta 
Vóvio (2010), referir-se à leitura requer a reflexão sobre as relações 
operadas no interior de grupos e fenômenos sociais. A autora 
propõe que a leitura seja pensada na perspectiva sócio-histórica 
cultural, considerando-se a multiplicidade de formase de objetos da 
leitura e a variação das condições sócio-histórico culturais. “[...] este 
enfoque pluralista apresenta novas formas de compreender, abordar 
e problematizar esse objeto multifacetado – a leitura -, tendo como 
elementos centrais os textos e seus leitores.” (VÓVIO, 2010, p. 415). 
Nesse contexto, complementa, a leitura é pensada como prática 
relacionada não a um único objeto (livro) e não é vista como prática 
solitária, ao contrário, localiza-se na interação entre as pessoas. 
Ao tratar sobre a formação de leitores, Demo (2006) constrói, a 
partir de diferentes autores, um cenário que efetivamente permite a 
formação de leitores nas escolas:
A qualidade da leitura é, ainda, enormemente atrapalhada 
pelas mazelas do sistema, repercutindo na manutenção do 
povo “na ignorância” e no impedimento da “democratização 
do saber” (SILVA, 1998, p. 17). […] É simples esta lógica: o 
aluno só pode ler bem com professor que lê bem. Não se 
trata de imaginar alguma “culpa” nos professores, não só 
porque a aprendizagem dos alunos depende de inúmeros 
fatores, também externos (neoliberalismo, pobreza, 
marginalização, nível cultural precário das famílias, políticas 
educacionais) e sobre os quais a escola não tem influência, 
mas principalmente porque o professor também é vítima de 
processos de ensino encardidamente instrucionistas. […] 
Acresce ainda que a noção de culpa não contribui para nada, 
não sendo categoria analítica apropriada. Trata-se, isto sim, 
de responsabilidade social do docente, no sentido de ser o 
profissional vinculado ao direito do aluno de aprender bem 
(DEMO, 2006, p. 17 e 18).
Vóvio (2010, p. 416) destaca que, a partir de uma sólida conceituação 
de leitura, marcada pela perspectiva social a ela inserida, encontram-
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 27
se os Estudos do Letramento, ao considerar as práticas de uso da 
escrita de forma plural, “sociedades diferentes e os grupos sociais 
que as compõem têm variadas formas de letramento, tendo a 
escrita variados efeitos sociais e mentais em contextos sociais e 
culturais específicos.”
Entretanto, o peso do que é aceito como leitura pela cultura 
hegemônica age sobre os sujeitos menos escolarizados. Assim 
como muitas vezes o fazem os discursos sociais, sobretudo na 
escola, também aqueles em condições de desigualdade social 
têm o livro como a representação da leitura “ideal”, desvalorizando 
outros suportes textuais que estariam a eles mais acessíveis. Em 
pesquisa desenvolvida com quatro adultos que frequentaram classe 
de alfabetização da EJA da Prefeitura Municipal de Florianópolis, 
de 2007 a 2011, Aguiar (2012) identifica que gêneros como listas de 
compras, agendas telefônicas, textos bíblicos e outros faziam parte 
do cotidiano desses sujeitos. Porém, eles não se reconheciam 
como leitores, por não terem familiaridade com a leitura de livros. 
Aguiar (2012, p. 233) argumenta que: 
O conhecimento da diversidade de letramentos de adultos em 
processo de alfabetização torna aparentes eventos de leitura 
que por vezes são invisibilizados pelas vozes que difundem 
a cultura hegemônica em detrimento das demais. Não se 
enquadrar no padrão hegemônico e legitimado, de leitura e 
escrita, na perspectiva do letramento autônomo, faz com que 
a pessoa seja considerada menos capaz intelectualmente 
e ainda se sinta culpabilizada pelo seu não aprendizado da 
alfabetização.
Vóvio (2010) afirma que as pesquisas sobre letramentos fundadas 
na epistemologia multicultural e nos princípios da heterogeneidade 
e multiplicidade, 
têm colaborado para a revisão do papel da linguagem 
escrita nas sociedades e para atualizar sentidos atribuídos à 
alfabetização e à escolarização, bem como se voltam para o 
reconhecimento das práticas de uso da escrita que são locais 
ou vernaculares, observando a variação e a diferença nos 
modos de fazer de grupos, os significados atribuídos a essas 
práticas, as identidades que se produzem em interação e os 
objetos culturais que são acionados (VÓVIO, 2010, p. 417). 
A formação do leitor
Conforme Guedes (2006, p. 66), a primeira leitura, a leitura de 
formação do leitor é “[...] capaz de suscitar o gosto pela leitura, 
que se transforma em necessidade e cria o hábito, é uma leitura 
solitária, que se dá numa dimensão intimista, durante a qual o leitor 
vai construindo sua relação pessoal com o texto.”. O autor explica, 
também, que as escolas e os professores têm percebido que falta 
essa leitura, mas que eles se limitam a “...lamentar a falta de hábito 
de leitura de seus alunos.” Coelho (2004, p. 37) argumenta que:
É um tanto difícil atraí-los, a princípio, pois a maioria ainda 
não adquiriu o hábito de ler, por falha das instituições 
encarregadas – a família e a escola. Uma pena ver as 
prateleiras repletas de livros e as crianças indiferentes a 
eles, perdendo a oportunidade de enriquecer a infância. 
Precisamos despertar-lhes o desejo de ler, enquanto há 
tempo, o que requer segurança e prática na arte de ler e de 
contar histórias. Mas se não se começa, jamais se adquire 
essa prática, repito. E uma vez que se consiga atraí-los, 
estão conquistados e passam a frequentar, assiduamente, 
a biblioteca, interessados no programa de atividades que 
se desenvolvem em torno do livro. Nada lhes é imposto. A 
espontaneidade é a tônica desse tipo de trabalho.
Marchi (2001, p. 164) afirma que é preciso pensar a relação da 
leitura não mais como uma revelação, mas como interpretação, o 
que supõe um texto – o meu texto- articulado com o outro – o 
do outro. A leitura só é possível se o leitor, com toda a carga de 
memória que tem, conseguir reconstruir o texto a partir das próprias 
experiências, tornando o romance significativo.
O melhor mediador, o professor, afirma Marchi (2001), é aquele que, 
gostando da leitura, sabe explorar um texto propondo atividades de 
promoção da leitura através de estratégias que atendam os interesses 
dos jovens. É preciso, afirma a autora, uma boa apresentação da 
obra; uma conversa ou uma pesquisa sobre um tema relacionado 
com a obra; a leitura, em voz alta, de uma parte da obra capaz de 
despertar o interesse ou a curiosidade dos alunos.
A função da promoção da literatura, tanto no âmbito da 
educação escolar como de movimentos culturais, é promover 
o senso crítico e os conhecimentos que ultrapassam a 
esfera do imediato e produzem as indagações da condição 
da existência; não é desenvolver o “gosto pela leitura” 
ou o “prazer”, ainda que possa desenvolvê-los, mas sim 
desenvolver o próprio conhecimento. 
(BRITTO, 2012, p. 54) 
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 29
De acordo com Britto (2012, p. 80), 
aprender a ler e escrever na escola deve ser muito mais 
que saber uma norma ou desenvolver o domínio de uma 
tecnologia para usá-la nas situações apropriadas. Assim, 
aprender a ler e escrever significa dispor do conhecimento 
elaborado e poder usar deste conhecimento para participar e 
intervir na sociedade.
Britto (2012, p. 81-82) apresenta uma concepção de ensino de 
língua na educação escolar baseada em dois princípios. O primeiro 
deles aponta para a “função primordial da educação escolar, que é 
contribuir para o desenvolvimento intelectual e social dos alunos”. 
O segundo pressuposto é o de que a educação linguística precisa 
garantir ao estudante o conhecimento de que a língua e a linguagem 
são fenômenos históricos, permitindo a eles
compreender seu funcionamento [da língua/linguagem], 
usos e formas, bem como saber usá-la com propriedade 
nas modalidades oral e escrita, em especial para estudar e 
aprender e viver sua subjetividade. 
Assim, fica evidente, afirma Britto (2012), que o objetivo da 
educação escolar seja a ampliação do conhecimento de língua – 
e de mundo -, e não a correção de desvio ou a imposição de um 
modelo hipoteticamente correto de uso da língua. 
 A correção linguística é eficiente não porque defende a língua 
contra pretensas agressões ao idioma, mas porque reproduz uma 
concepçãode língua e um valor linguístico. Em outras palavras, 
a eficiência da gramática do certo e errado não está em manter a 
unidade linguística nacional nem em contribuir para o uso eficiente 
das formas linguísticas, mas em criar um padrão que corrobora a 
ideia de cultura de privilégios (BRITTO, 2012, p. 91-92). 
O autor também faz uma importante reflexão sobre o papel de 
mediador assumido pelo professor em relação à condução dos 
processos de leitura e escrita. Para além das atividades com textos 
que circulam socialmente, como rótulos, jornais e revistas, o autor 
afirma que “as atividades de leitura em ambiente escolar priorizam 
conteúdos e textos cujo acesso não é imediato e que só se dão 
a conhecer se devidamente ensinados.” (BRITTO, 2012, p. 60). 
Para além disso, mesmo considerando a importância de motivação 
do aluno para as atividades desenvolvidas, é preciso considerar 
a necessidade de ampliar o universo de conhecimentos daqueles 
que chegam à escola, especialmente os jovens e adultos.
Tomar como critério de validação ou avaliação de uma 
atividade pedagógica o quanto os alunos gostaram dela 
não é propriamente um erro, mas, se não estiver bem 
circunstanciada, torna-se uma armadilha que conduz à 
mesmice e à banalização da experiência. 
(BRITTO, 2012, p.61).
Assim, afirma Britto (2012), justifica-se porque não é consistente 
o princípio de que “o que se ensina deve ter aplicação direta na 
vida prática” nem é suficiente a ideia de considerar apenas o 
interesse do aluno. “A exemplo do gosto, os interesses (às vezes 
manifestações de vontades circunstanciais) são o resultado das 
vivências objetivas e de necessidades primárias, de modo que não 
correspondem aos interesses maiores da aprendizagem, que se 
situam além do imediato.” (BRITTO, 2012, p. 61-62). 
 A formação do professor como 
leitor e escritor de textos 
Entre questionamentos e controvérsias acerca dos perfis de leitura 
no Brasil e diante do que indicam os dados sobre a competência em 
leitura desse mesmo grupo, deparamo-nos com nossa condição de 
professores e profissionais ligados à Educação de Jovens e Adultos. 
E, então, é preciso pensar que a leitura torna-se, na escola, requisito 
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 31
fundamental para pensarmos o avanço no letramento pleno de 
sujeitos que, por muito tempo, ficaram fora da escola.
Assim, é preciso iniciar este diálogo considerando que, para que o 
aluno tenha êxito no mundo letrado da escola, é importante que o 
professor tenha uma relação favorável com a leitura e a escrita. No 
entanto, o que se observa, segundo Rojo (2006), é que, em muitos 
casos, as experiências dos professores com a leitura e a escrita, 
especialmente em função de seu processo de escolarização, 
nem sempre são ricas o suficiente para convertê-los em usuários 
habilidosos da língua, o que exige redimensionar a função dessas 
duas atividades em suas próprias vidas. Se isso ocorrer, ganham 
eles e, seguramente, ganham os alunos.
Parte-se da premissa de que ensinar a ler demanda “ensinar-se 
a ler”, assim como ensinar a escrever demanda “ensinar-se a 
escrever” (GUEDES, 2006, p. 64). O autor destaca que atividades 
de leitura e a escrita só fazem sentido se ensinadas de um leitor 
para outros leitores (e escritores).
Recomenda-se a leitura da obra na íntegra: GUEDES, Paulo 
Coimbra. A formação do professor de português – que língua vamos 
ensinar? São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
Guedes (2006, p. 64) afirma que: “A aula de português, que trata da 
língua escrita, só faz sentido se for dada por um leitor para leitores (e 
para escritores), o estudo da língua escrita não se apresenta como um 
problema, mas como uma solução de um problema.” Por mais que a 
leitura não seja uma ação restrita à escola e às aulas de português, o 
autor reforça o ponto de vista assumido, enfatizando que “o professor 
de português precisa ocupar-se da formação do leitor porque, se a 
escola não transformar os alunos em leitores, ninguém mais o fará.” 
(GUEDES, 2006, p. 64). O autor acrescenta que o educador e a 
escola realmente precisam se empenhar para oferecer o máximo de 
proximidade e condições para que o aluno se envolva com a leitura, 
goste dela e aprenda a ler “[...] tendo a clareza de que não há outra 
instituição com chances de assumir, nem em forma de arremedo, 
uma tal responsabilidade, com exceção talvez de alguma família que 
tenha condições econômicas.” (GUEDES, 2006, p. 65). Ainda, se a 
escola quiser fazer um bom trabalho, precisa saber que essa não é a 
realidade na maioria das casas, e não pode contar com isso.
Constituir-se como leitor, então, é papel fundamental de quem 
trabalha com leitura e escrita e, especialmente, atua no processo 
contínuo de letramentos de sujeitos que passam pela Educação 
de Jovens e Adultos. Para refletirmos sobre como os sujeitos 
em formação para a docência se constituem como leitores, 
desenvolvemos (SPESSATTO; NONEMACHER; POSSERA, 2014) 
uma pesquisa com ingressantes de um curso de Pedagogia de um 
instituto da Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do 
interior do estado de Santa Catarina. 
Os dados nos mostram sujeitos com baixa frequência de leitura, 
uma vez que 44,7% deles responderam que leem apenas de vez 
em quando. Em seguida, com 26,3%, classificam-se os sujeitos 
que leem todos os dias. Já os leitores cuja frequência de leitura 
é de até três vezes por semana correspondem a 23,6%; e os que 
raramente leem constituem 5,2%.
O primeiro dado já remete ao papel da formação inicial na Pedagogia. 
É imprescindível que, ao longo do curso, esses sujeitos consigam 
“ensinar(-se)” a ler, como define Guedes (2006, p. 64). Quanto 
ao perfil do material lido, os dados surpreenderam as hipóteses 
iniciais levantadas, já que a maior parte dos informantes, 37,7%, 
indicaram a leitura de livros como a preferida. Em segundo lugar 
vêm os jornais e revistas impressos, com 34,42% das preferências, 
seguidos pelos sites de informação, com 26,22% das preferências.
A pesquisa também ajudou a entender como os sujeitos se 
constituem como leitores. No senso comum, quando se abordam as 
influências para a formação de leitores, normalmente ela é atribuída 
à família e à escola. São essas as instituições “responsáveis” pela 
tarefa de aproximação dos sujeitos ao mundo letrado. Entretanto, 
não são essas as principais influenciadoras, de acordo com o que 
apontam os dados levantados. Foi permitido aos sujeitos que 
assinalassem mais de uma alternativa na questão. De um total 
de 43 respostas, 44% delas relacionaram a indicação de livros às 
sugestões de amigos. A escola foi a responsável pelas indicações 
para 25,58% das respostas e o incentivo dos pais foi citado por 
apenas 6,9%.
Porém, de todos os dados coletados, um dos mais preocupantes 
está relacionado à compreensão da leitura. Quando questionados 
Os Usos Sociais da Língua Dentro e Fora da Escola 33
sobre se entendem o que leem, 71% dos informantes, ingressantes 
de Pedagogia, disseram ter dificuldades de compreender o que 
leem. Apenas 18,42% afirmaram compreender as leituras feitas, 
sendo que outros 10,52% não souberam responder. Os dados em 
relação à compreensão da leitura não diferem do que mostram 
os índices nacionais. O desafio está no desenvolvimento desses 
sujeitos - professores em formação. Medidas nesse sentido se 
fazem absolutamente necessárias.
Os dados são mais preocupantes quando se destaca que como 
leitura compreendem-se textos de diferentes suportes, como jornais, 
revistas e sites de diferentes gêneros. Há que se ponderar, ainda, 
a possibilidade de esses dados não apontarem a real frequência 
de leitura entre os sujeitos pesquisados, já que o instrumento 
foi aplicado em uma aula de Leitura e Produção de Textos. De 
qualquer modo, consideramos importante a sistematização desses 
dados, até mesmo para possíveis análises comparativas, a serem 
desenvolvidas ao longo do tempo de formação inicial desses 
sujeitos/educadores.
Por outro lado, a análise dasentrevistas realizadas com os quatro 
sujeitos entrevistados possibilitou a coleta de dados acerca da 
relação dos mesmos com a leitura, após o ingresso no curso de 
Pedagogia. Todos afirmaram ter ampliado as leituras a partir da 
entrada no curso. Entre as razões, apareceu o sentimento de 
estímulo à leitura e a exigência que constitui o curso: “[...] antes não 
tinha o costume de ler e, agora, a gente tem que ler mais pra nossa 
formação” (S2). Também apareceram as questões linguísticas 
como motivadoras para ler mais: “[...] enriquecer o vocabulário e 
a escrita” (S1); “[...] a questão assim da linguagem, a escrita eu 
tava errando e até mesmo na linguagem, na comunicação também, 
tinha palavras que eu tava, quer dizer, ainda tô errando, pra falar a 
verdade, mas eu acredito que com o passar do tempo as coisas 
vão melhorar muito mais sabe?” (S3). 
Quando questionados sobre qual a característica mais importante 
para o professor que vai ensinar a ler e escrever, os entrevistados 
foram unânimes em indicar a necessidade de que o professor seja, 
ele próprio, um leitor: “Característica mais importante, que ele 
mesmo goste de ler e tenha muita paciência.” (S2). Embora pareçam 
depoimentos contraditórios, quando se toma por base os dados 
sobre os índices de leitura e compreensão de textos indicados acima, 
evidencia-se a intervenção do curso de Pedagogia na constituição 
dos sujeitos como leitores e formadores de novos leitores: 
[ Os sujeitos entrevistados foram 
identificados apenas como S1 (Sujeito 
1), S2, S3 e S4. ]
Primeiro precisa ser uma pessoa que realmente goste de ler, 
que demonstre isso, que passe isso pros alunos, e como 
que ela vai repassar é tendo a capacidade de ir lá e falar de 
vários livros né, mostrando que tem realmente conhecimento 
disso e aí de uma maneira gentil cativar os seus alunos para 
a leitura né? Não adianta impor, vai ter que cativar mesmo e 
como que vai cativar? Às vezes é enaltecendo aquele livro 
né? Enaltecendo aquele conteúdo, aí você começa a cativar 
né, bem interessante. (S1)
Os sujeitos também destacaram a necessidade de leitura, por parte 
do professor, como uma ferramenta indispensável para qualificá-
lo para o trabalho docente: “Ele tem que saber o que ele está 
ensinando, né? Eu acredito, porque o professor planeja aula, então 
ele tem que saber o que ele está indo aplicar. Então, se ele vai 
ensinar a ler e escrever, ele tem que saber.” (S4).
Guedes e Souza (2001, p. 19) afirmam ainda que as aulas de leitura 
devem ser realizadas na sala de aula: “A sala de aula é o lugar 
da criação de um vínculo com a leitura, pela inserção do aluno na 
tradição do conhecimento. A biblioteca é o lugar do cultivo pessoal 
desse vínculo; lá se processa o amadurecimento intelectual.”.
Britto (2012) complementa: 
Disso decorre que o ensino e a aprendizagem da leitura e 
da escrita fazem parte das atividades de todas as disciplinas 
(donde o caráter transdisciplinar dessa aprendizagem). 
Deve-se propor ao educando não apenas a informação, mas 
sua busca através do texto escrito. A própria atividade de 
organização do conhecimento deve ser escrita, cabendo aos 
professores de todas as disciplinas o trabalho organizado 
com a leitura e a redação (BRITTO, 2012, p. 92).
[ Vamos pensar juntos: o que nos 
constitui como leitores? Quais as 
experiências pelas quais passamos 
que nos levaram a ler mais? Lembre 
de pelo menos uma obra literária que 
tenha marcado a sua trajetória como 
leitor. ]
 
Variação 
Linguística e 
Ensino: nos 
Caminhos do 
Letramento
Nesta unidade, tratamos de um tema que tem merecido amplo destaque 
no Brasil nas últimas décadas. Desde documentos como os Parâmetros 
Curriculares Nacionais (1997) à Proposta Curricular de Santa Catarina 
(1998, 2005, entre outras edições), o tema da variação linguística tem-se 
feito presente quando se trata de refletir sobre o ensino de língua materna. 
Essa questão é fundamental quando se pensar o processo de letramento 
de jovens e adultos que retornam à escola. Por isso, nesta unidade, tem-
se como propósito refletir sobre a variação linguística e sobre como atuar 
de modo a permitir aos estudantes o acesso às variedades de prestígio da 
língua, ampliando o seu letramento.
LETRAMENTOS UNIDADE 3
Marizete Bortolanza Spessatto
Variação Linguística e 
Ensino: nos Caminhos do 
Letramento
Com o avanço dos estudos da Linguística, sobretudo da 
Sociolinguística, a partir dos anos de 1980, tem-se repensado a 
presença das variações linguísticas, levando a escola a repensar 
o status de “erro” atribuído aos falantes das variedades menos 
prestigiadas da língua. Acompanhe nesta unidade a discussão.
Variação linguística e ensino: a 
desigualdade de acesso à escola 
na história brasileira 
Ao tratar sobre as exigências sociais em relação aos usos linguísticos 
standartizados, Faraco (2008) aponta para a desigualdade histórica 
no acesso à escolarização e, também, para a “baixíssima qualidade” 
da educação linguística oferecida aos estudantes brasileiros. Essa 
diversidade, certamente, não é exclusiva da realidade linguística 
brasileira, porém, razões históricas são citadas pelo autor para 
a manutenção do preconceito em relação à nossa “norma culta/
comum/standard efetiva”:
Variação Linguística e Ensino: nos Caminhos do Letramento 37
Ainda nos atrapalha enormemente o espírito aristocrático que, 
no século XIX, quis nos impingir certa norma lusitana como 
nossa norma-padrão e tachou de “incorretos” muitos dos 
nossos usos cultos normais. E, mais grave: não conseguimos 
ainda assimilar conceitualmente os efeitos das mudanças que 
têm alterado profundamente a cara da nossa sociedade, em 
especial suas repercussões sobre nossa realidade lingüística 
(FARACO, 2008, p. 65). 
Para Faraco (2008), alterar esse quadro depende de uma mudança 
de postura. O problema da diversidade linguística, para o autor, é 
bem maior do que “a regência desse ou daquele verbo”, questão 
que normalmente aparece em debates públicos que fazem críticas 
aos usos linguísticos dos sujeitos menos escolarizados. A norma 
culta, na função moderna que lhe atribui a sociedade urbanizada 
e massificada, está diretamente ligada com a escolarização, o 
letramento e a superação do analfabetismo funcional. O autor cita 
três metas que devem ser alcançadas para o avanço em relação ao 
acesso à norma culta como um bem cultural. A primeira delas é a 
universalização da educação básica, assegurando acesso a todos de 
11 a 12 anos de escolarização. A segunda meta a ser alcançada é o 
acesso à educação de qualidade para todos, assegurando que todos 
deixem a escola com o domínio das práticas de leitura e escrita. E a 
terceira é uma mudança na maneira de encarar a realidade linguística, 
respeitando as diferenças entre a fala e a escrita.
Quanto ao ensino da norma linguística, Faraco (2008) aponta 
para o que têm defendido, de um modo geral, todos os linguistas 
brasileiros: para o papel da escola em levar os falantes a acessarem 
a variante historicamente prestigiada. “[...] os lingüistas não só têm 
defendido que o ensino dê aos alunos acesso às variedades ditas 
cultas, como têm também desenvolvido uma compreensão mais 
refinada do próprio fenômeno dessas variedades.” (FARACO, 2008, 
p. 170). Dessa forma, destaca o autor, “adquirir familiaridade com 
as variedades chamadas cultas é, antes de qualquer coisa, adquirir 
familiaridade com as práticas socioculturais da escrita.”.
Para Faraco (2008), o papel da escola na formação linguística de 
seus alunos é o de sensibilizar em relação à variação:
O tema é rico para aprofundarmos nossa busca de alternativas 
pedagógicas que permitam pôr a escola na vanguarda, 
sensibilizando as crianças e os jovens para a variação e 
para seus sentidos sociais e culturais; contribuindo para 
uma reconstrução do nosso imaginário nacional sobre a 
nossa realidade lingüística e, acima de tudo, combatendo 
a violência simbólica que ainda atravessa nossas relações 
sociais (FARACO, 2008, p. 184).
ParaMattos e Silva (2004), a saída para qualificar o ensino de língua 
está em uma boa formação sociolinguística dos professores da 
área. Essa formação sociolinguística permitiria, segundo Bortoni-
Ricardo (2006), que o professor percebesse a diferença existente 
entre um problema de ortografia e uma variação presente na 
oralidade, muitas vezes tratadas da mesma maneira pela escola. 
A autora reforça, assim como o fazem diferentes linguistas, muitos 
deles citados ao longo deste trabalho, que é papel da escola ajudar 
os alunos a refletirem sobre a língua materna, em graus diferentes 
de abstração, de acordo com cada período da vida escolar:
Essa reflexão torna mais fácil para eles desenvolver sua 
competência e ampliar o número e a natureza das tarefas 
comunicativas que já são capazes de realizar, primeiramente 
na língua oral e, depois, também, por meio da língua escrita. A 
reflexão sobre a língua que usam torna-se especialmente crucial 
quando nossos alunos começam a conviver com a modalidade 
escrita da língua (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 268).
Por outro lado, também é preciso que fiquem claros o perfil e as 
especificidades de cada grupo com o qual se trabalha o ensino de 
língua materna. Há um problema de adequação da escola, segundo 
Oliveira (1999, p. 62) para um grupo que não é o “alvo original” da 
instituição:
Currículos, programas, métodos de ensino foram 
originalmente concebidos para crianças e adolescentes que 
percorreriam o caminho da escolaridade de forma regular. 
Assim, a organização da escola como instituição supõe 
que o desconhecimento de determinados conteúdos esteja 
atrelado a uma determinada etapa de desenvolvimento […]; 
supõe que certos hábitos, valores e práticas culturais não 
estejam ainda plenamente enraizados nos aprendizes.
Enfim, não está preparada para um público da EJA. Na verdade, 
afirma Oliveira (1999), os índices de evasão e repetência na EJA 
indicam falta de sintonia entre a escola e os alunos, “embora 
não possamos desconsiderar, a esse respeito, fatores de ordem 
socioeconômica que acabam por impedir que os alunos se 
dediquem plenamente a seu projeto pessoal de envolvimento 
nesses programas.” (OLIVEIRA, 1999, p. 62).
Bortoni-Ricardo (2006) considera a necessidade de distinção 
em relação às modalidades oral e escrita da língua, ao se tratar 
de variação linguística. As duas modalidades, segundo ela, 
diferenciam-se pelo chamado “estatuto do erro” (BORTONI-
RICARDO, 2006, p. 272). As variações caracterizam-se como 
diferenças entre possibilidades competitivas de dizer a mesma 
coisa: “A transgressão é, como já dissemos, um fato social, pois 
Variação Linguística e Ensino: nos Caminhos do Letramento 39
o estigma se lhe advém pela simples ruptura com uma etiqueta 
lingüística”, reforça a autora (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 273). 
Por outro lado, em relação à variação presente na escrita, a 
autora aponta que esta representa “a transgressão de um código 
convencionado e prescrito pela ortografia”.
Por ter a escrita tomada como modelo de “boa língua” também para 
a oralidade, a escola, por muito tempo, desconsiderou ou tratou 
como erros as variedades pertencentes aos domínios linguísticos dos 
estudantes, especialmente aqueles das classes sociais mais baixas.
Para Bortoni-Ricardo (2006), no caso brasileiro, o ensino das 
variedades de prestígio aos sujeitos falantes das variedades populares 
da língua se dá de forma desastrosa. Em primeiro lugar porque 
não são respeitados os antecedentes culturais e linguísticos dos 
educandos. E, em segundo, porque a própria língua-padrão não é 
ensinada de forma eficiente:
Os alunos que chegam à escola falando “nós cheguemu”, 
“abrido” e “ele drome”, por exemplo, têm que ser respeitados e 
ver valorizadas as suas peculiaridades lingüístico-culturais, mas 
têm o direito inalienável de aprender as variantes do prestígio 
dessas expressões. Não se lhes pode negar esse conhecimento, 
sob pena de se fecharem para eles as portas, já estreitas, da 
ascensão social (BORTONI-RICARDO, 2006, p. 15).
Em pesquisa de campo desenvolvida no período de 2008 a 2010 
e que resultou em pesquisa de Doutorado (SPESSATTO, 2011), 
encontramos problemas na contribuição da escola em relação ao 
acesso dos estudantes à variedade de prestígio da língua. Porém, 
por outro lado, não evidenciamos indícios de censura à diversidade. 
Ao contrário, os estudantes descrevem o espaço escolar como 
um ambiente harmonioso e livre de preconceito. Usamos uma 
das questões da última entrevista gravada com os estudantes 
para coletar suas opiniões em relação ao modo como se sentiam 
no ambiente escolar. Pedimos para que eles simulassem uma 
apresentação do primeiro dia de escola, no estabelecimento no 
qual passariam a cursar o Ensino Médio, no ano seguinte.
[ Situamos essa perspectiva como 
fora do contexto atual do ensino 
de língua materna, porque assim o 
fazem os documentos oficiais que 
orientam o trabalho com a linguagem 
da escola. Porém, é preciso sempre, 
lamentavelmente, deixar uma ressalva 
a algumas práticas que, infelizmente, 
ainda estão vinculadas com essa 
perspectiva de ensino. ]
VARIEDADE DE PRESTÍGIO
[ GLOSSÁRIO ]
A autora utiliza o termo “língua culta”. 
Porém, fazemos uso da expressão 
“variedades de prestígio”, por considerar a 
intrínseca relação entre prestígio linguístico 
e prestígio social dos falantes detentores 
de cada variedade. 
A pergunta foi formulada da seguinte forma: “Vamos pensar que 
você está no primeiro dia de aula no colégio e tem de apresentar 
para os professores, para os novos amigos como era a tua escola, 
aqui. O que você diria?”
Dos 20 estudantes da turma, nove informaram que iriam para 
três escolas do centro da cidade, nove para uma escola de uma 
pequena cidade dos arredores e dois ainda não sabiam onde iriam 
estudar. A ideia, com a questão, foi que eles manifestassem a sua 
opinião em relação à escola atual.
Dos 20 alunos, 14 afirmaram que colocariam em destaque na 
apresentação da escola ser esta “uma escola legal”, “unida”, “quase 
uma família”, “todo mundo amigo” e “uma escola boa de estudar”. 
Outros cinco colocaram a ênfase na atuação dos professores como 
“legais”, “dedicados”, “que ensinaram bastante e eram exigentes”. 
Um estudante citou como principal característica da escola o 
aspecto ambiental, pelo fato de ter muitas árvores e desenvolver 
ações que demonstram preocupação com o meio ambiente.
Deve-se ressaltar o modo como os estudantes revelaram a 
preocupação em enfatizar que a escola respeita as diferenças: “Eu 
diria que é um colégio bem legal, que a aprendizagem lá é bem massa. 
Que lá tem muitos colegas bons e também ruins. Acho que lá é um 
colégio unido e ninguém debocha de ninguém e todo mundo respeita 
o outro.” (Alex); “Eu diria que aqui é uma escola bem bacana, ela não 
te exclui em nada. Todo mundo é bem recebido aqui, todo mundo é 
igual, diferente de tudo.” (Suzana); “[...] aqui é legal, tem pessoas que 
se ajudam, não é o individualismo, e tem pessoas boas de se ajudar. 
E é uma escola boa de se estudar, não tem tanto recurso como 
outras, o ginásio, mas é uma escola sossegada.” (Juliano).
Bortoni-Ricardo (2006, p. 71) ajuda a compreender a relação entre 
usos linguísticos e identidade social, ao lembrar que cada enunciado 
é, para o falante, um ato de identidade. À medida que os usuários 
da língua se movimentam através do espaço sociolinguístico 
multidimensional que compõe seu repertório, reforça a autora, usam 
os recursos de variação para marcar diferentes dimensões de sua 
identidade social, tal como sexo, faixa etária, grupo ocupacional, 
religioso ou étnico. Entretanto, como já afirmamos anteriormente, a 
concepção que os educadores têm acerca das diferentes variedades 
que constituem a língua direciona o modo como intervêm diante da 
presença dessas variedades em sala de aula, contribuindo com a 
formação linguística dos alunos. É sobre os conceitos de norma e de 
norma culta que tratamos na seção que segue.
[ Os nomes são fictícios, usados para