Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LITERATURA SURDA NO LETRAMENTO DE ALUNOS SURDOS1 Edevaldo André Gabrielli2 Jaqueline Aparecida de Arruda Watzlawick3. RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar uma metodologia para ensino de Língua Portuguesa para alunos Surdos como segunda Língua, esta proposta levou em consideração a produção histórica deste povo, através de, histórias, poesias, lendas, piadas, enfim, a Literatura Surda, encontrada nos materiais produzidos na e pela comunidade Surda Brasileira. Com este estudo queremos mostrar novos caminhos teóricos metodológicos, em relação ao processo de letramento dos alunos Surdos e que colabore nas práticas dos professores que atuam nas Salas de Recursos Área da Surdez, Salas Bilíngues para Surdos ou ainda nas Escolas de Surdos, ensinando língua portuguesa para alunos surdos como segunda língua. É possível adiantar que a experiência obtida nesta pesquisa nos mostra que este é um caminho importante, pois melhoramos o envolvimento do alunado Surdo com o processo de escrita da Língua 2. Esta melhora foi observada tanto no aumento do vocabulário quanto na aquisição de regras gramaticais desta segunda língua. Palavras Chave: Literatura Surda, Letramento, Língua de Sinais, Surdez 1 Artigo Final elaborado como parte dos requisitos necessários à conclusão do PDE - Programa de Desenvolvimento da Educação. 2 Graduado em Educação Física pela Faculdade FACIPAL de Palmas – PR, Especialista em Educação Escpecial, Gestão Escolar e Língua Brasileira de Sinais, professor da rede Estadual de Ensino do Paraná: Aluno do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE, turma 2016. 3 Tecnica em Assuntos Universitários da UNICENTRO, Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria/RS. INTRODUÇÃO Ao escolher o tema Letramento de alunos surdos, a partir de textos significativos de sua cultura, buscamos conhecer e se aprofundar na história do povo surdo, assim como observar de que forma a Cultura Surda, especialmente no que a Literatura Surda influencia na forma de vida desse sujeito e o quanto está presente no seu dia a dia e, neste estudo mais especificamente usando materiais produzidos pelos Surdos, sua importância na forma como essas crianças aprendem. A educação de Surdos historicamente foi marcada por três filosofias educacionais, o Oralismo que entendia a surdez como uma deficiência, buscando através do ensino da fala tornar o sujeito Surdo o mais próximo do padrão que a sociedade determinava. A Comunicação Total, onde ainda o Surdo é entendido como deficiente e recentemente a Língua de Sinais começa a ser aceita como meio para alcançar o objetivo da fala e do domínio da Língua oral. O Bilinguismo é a filosofia de educação considerada pela Comunidade Surda e orientada pelo Decreto 5.626/2005 como sendo a mais adequada para a escolarização dos educandos Surdos, pois, é pautada na premissa de que o aluno aprende a partir de sua língua natural (língua de sinais – L1) e adquire a modalidade da leitura e da escrita da língua majoritária do seu país como segunda língua (L2), respeitando sua cultura, sua língua e sua história. Recomenda-se que a educação dos surdos seja efetivada em língua de sinais, independentemente dos espaços em que o processo se desenvolva. Assim, paralelamente às disciplinas curriculares, faz-se necessário o ensino de língua portuguesa como segunda língua, com a utilização de materiais e métodos específicos no atendimento às necessidades educacionais do surdo (SALLES, 2004, p. 43). Observamos que os alunos Surdos têm concluído a educação básica com nível de aquisição da Língua Portuguesa (L2) abaixo do que se espera para essa etapa da escolarização, com vocabulário pobre se comparado com alunos Surdos expostos a modelos de Escola Bilíngue, especialmente os que tem esse contato desde sua mais tenra idade. Em geral seus textos são curtos, com poucas informações ou essas informações repetidas, como também se repetem palavras que lhes são mais familiares. Esses alunos vem apresentando dificuldades para desenvolver textos com a estrutura da (L2), mantendo na escrita a estrutura gramatical da Língua de Sinais (L1)4. As diferenças culturais entre ouvinte e surdos mostram muito mais do que questões superficiais, elas influem na forma de vida, de se comunicar, se aprender, como salienta (QUADROS, 2006, p.9), “não basta ter um vocabulário enorme de uma língua, a pessoa precisa “entrar” na língua, “viver” a língua para poder ensinar por meio dela”. O professor que atuam com alunos com surdez deve valorizar a Cultura Surda através de suas produções literárias, das histórias, das poesias, das piadas e demais contribuições culturais das comunidades Surdas e das Línguas de Sinais. Strobel (2008, p. 88) defende que: [...] a história dos surdos em padrões tradicionais não produz a história legítima dos povos surdos, seriam localizadas nos discursos das associações de surdos, de professores surdos, de sujeitos surdos bem-sucedidos, de sujeitos surdos líderes, da pedagogia surda, de movimentos políticos dos povos surdos. A história Surda como um conjunto de significados e costumes partilhados e construídos pelo povo Surdo, como uma consequência de suas experiências vividas, traduzindo algo que seja realmente significativo para as pessoas Surdas e não valorizando ouvintes que tiveram iniciativa com a educação de Surdos, avanços da medicina na busca da cura da Surdez. Alguns aspectos importantes devem ser considerados para um efetivo processo educacional, tais como, a presença do professor Surdo no processo de escolarização, professor ouvinte com domínio de Língua de Sinais e que participa da Comunidade Surda e que o aluno Surdo tenha contato com a Cultura Surda, movimentos Surdos para favorecer a motivação do estudante. 4 Línguas de Sinais e Línguas orais, apresentam estruturas gramaticais próprias, isso acontece porque as Línguas de Sinais são Línguas da modalidade Visual/Espacial e muitos elementos como flexão e tempos verbais, verbos de ligação por exemplo estão presentes nas expressões facial/corporal e não em sinais específicos para cada situação. Conhecer a Língua de Sinais, a história dos Surdos, a sua cultura passa a ser fundamental para que o professor ouvinte de conta das especificidades que este sujeito apresenta, entender que existe entre Surdos e ouvintes diferenças que são fundamentais no momento da escolarização dos mesmos. REVISÃO DA LITERATURA Educação e Surdez A história dos surdos é marcada por várias tentativas de encontrar métodos de comunicação entre surdos e ouvintes e que pudessem dar conta da educação dos Surdos, destaca-se nesse processo a forte marginalização que o povo surdo sofreu, onde durante grande parte da história somente a língua falada era aceita. Já na antiguidade essa visão era bem presente, Capovilla & Raphael (2008) destacam que no século IV a.C., Aristóteles supunha que todos os processos envolvidos na aprendizagem ocorressem por meio da audição e que, por isso, os Surdos tinham menos chances de aprenderem se comparados aos cegos. A partir dos Séculos XVI algumas tentativas de ensinar surdo começam a levar em consideração os gestos, essas tentativas geralmente eram ligadas a religiosos que buscam conviver com os surdos para entender sua forma de vida e assim compreender com ensiná-los. Nesse período se destacam Samuel Henich na Alemanha, considerado um dos principais incentivadores do Método Oralista e o Abade Michel L´Epée na França criador da primeira escola de Surdos de Paris e opositor do modelo Oralista, suas experiências são a base para a filosofia que temos hoje denominada Bilinguismo. Historicamente, o Oralismo e o Bilinguismo são as duas vertentes filosóficasque disputaram espaços na educação dos surdos, sendo que o primeiro teve exclusividade a partir de 1880 no Congresso de Milão perdurando por quase um século, neste período as crianças Surdas eram proibidas de terem contato com surdos adultos, os professores Surdos perderam espaço e qualquer tentativa de uso de sinais era coibido. -se na “recuperação” das pessoas surdas, chamado de “deficiente Auditivo”. Enfatiza a língua oral em termos terapêuticos”. Quadros (1997, p. 21) discorre que “[...] a proposta Oralista fundamenta Mesmo com os esforços para acabar com as Línguas de Sinais em todo o mundo, isso não foi possível, pois quando dois surdos se encontravam a comunicação se dava através da sinalização e também porque, o Oralismo não deu conta de dar ao Surdos a condição que se pretendia, deixando lacunas importante no desenvolvimento dos educandos. O Oralismo apresentou alguns problemas, como a aquisição da linguagem oral, pois apesar do investimento o surdo oralizado é capaz de captar pequena parte da mensagem a ele dirigida, outra situação é que verificou que alunos concluintes do ensino médio apresentam leitura equivalente a alunos do quinto ano (QUADROS, 1997, p. 22). Neste processo, o Oralismo perde espaço e a discussão sobre a importância do uso da Língua de Sinais volta a ganhar força, devido à ineficácia do método como também da ampliação do uso das línguas de sinais. Na década de 1960, o linguista Willian Stokoe, estudou a estrutura da Língua de Sinais Americana, comprovando através de seus estudos que as Línguas de Sinais apresentavam elementos linguísticos semelhantes aos das línguas faladas. Após os estudos de Stokoe, comprovando que os elementos linguísticos das Línguas de Sinais são capazes de transmitir ideias abstratas, sentimentos e outros conceitos que até então se acreditava que as LS não dariam conta, Stokoe levou em consideração a análise no nível fonológico e morfológico, dando mais credibilidade aos seus estudos. Essas línguas passam a ter, a partir de então, o status de línguas, recebendo dedicação de pesquisadores e políticas públicas que valorizam a diversidade linguística dos sujeitos surdos. A partir dos estudos de Stokoe, a Comunidade Surda passa a ser mais valorizada, como também as Línguas de Sinais e a Cultura Surda, neste momento ganha força uma educação pautada na língua natural dos surdos, pois a Língua de Sinal não apresenta qualquer impedimento para a pessoa aprender, embora muitas vezes ela não se concretiza como a língua materna dos surdos, mas uma língua de direito. Com a expansão da Língua de Sinais, mas ainda muito enraizada a cultura do Oralismo, surge uma proposta que utiliza a Língua de Sinais dentro da estrutura da língua oral como mais uma ferramenta para o ensino desta língua. “O Bimodalismo passa a ser defendido como uma alternativa viável de ensino para os Surdos. Tal proposta caracteriza-se pelo uso simultâneo de sinais e da fala” (QUADROS, 1997, p. 24). Nela são aceitos todos os recursos que possam auxiliar na comunicação entre professor ouvinte a alunos surdos. Possui como principal preocupação os processos comunicativos entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes, considerando que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixados de lado em prol do aprendizado exclusivo da língua oral. Tal corrente utiliza basicamente recursos espaço- visuais como facilitadores de aprendizagem. Diante de novos fracassos na escolarização dos alunos surdos trazidos pelo Bimodalismo e visando valorizar os aspectos linguísticos oriundos da própria comunidade surda, ressurge a proposta de educação Bilíngue. Pesquisas na área consideram esta filosofia como ponto fundamental para o sucesso da escolaridade dos educandos surdos, pois ele passa a ser ensinado tendo como primeira língua, a Língua de Sinal e considera como alvo na língua falada apenas as modalidades de leitura e escrita. A educação bilíngue, segundo a definição de UNESCO (1954, apud BOTELHO, 2005, p. 111), é “[...] o direito que têm as crianças que utilizam uma língua diferente da língua oficial de serem na sua língua”. A educação bilíngue para surdos propõe a instrução em Língua de Sinais, a fim de que esse aluno adquira os conhecimentos acadêmicos como forma de medição para aprendizagem da segunda língua. No Brasil, o Decreto 5.626/05 define no seu Artigo 22 que escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2005) ainda neste artigo inciso primeiro define como escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo e, no Artigo 14: “[...] ofertar, obrigatoriamente, desde a Educação infantil, o ensino da Libras e também da Língua Portuguesa, como segunda língua para alunos surdos”. O Bilinguismo prega a aceitação e a convivência com a diferença, procurando aproximar e facilitar a comunicação entre a criança surda e a família ouvinte. O pressuposto básico desta filosofia é o aprendizado da língua materna e natural (de sinais) e como segunda língua oficial do país, respeitando a produção histórica desse povo. Literatura Surda A literatura surda possivelmente teve seu surgimento de maneira natural, inicialmente nas escolas, com as crianças e jovens surdos conforme a Língua de Sinais foi se desenvolvendo. [...] “utilizamos a expressão “literatura surda” para histórias que têm a língua de sinais, a questão da identidade e da cultura surda presente na narrativa [...] (STROBEL, p. 56, 2008) Com a valorização das Línguas de Sinais, a cultura que cerca estas pessoas também passaram a ser mais valorizada, especialmente pelas pessoas ligadas às comunidades surdas e pesquisadores da área da surdez. A cultura de um povo é condição indispensável para sua história, no caso dos surdos como por muito tempo o uso de sua língua foi proibido, como também inibido os encontros entre surdos usuários da Língua de Sinais, com isso, a transmissão de histórias, lendas e costumes ficou muito fragmentada. Bernardinho (2000, p. 2) pontua que “[...] a cultura surda está diretamente relacionada ao uso da Língua de Sinais” que é um fator de identificação do sujeito, e não é diferente entre os surdos. Desta forma, é possível afirmar que a Língua de Sinais é um símbolo que identifica a luta dos surdos, ela também é um meio de transmitir sua história, seus costumes e suas crenças. A educação dos surdos no Brasil até a década de 1980 tinha como prioridade o ensino da fala da Língua Portuguesa, não havia espaço nem aceitação das produções em língua de sinais, a história aponta que essas produções circulavam entre os usuários da Língua de Sinais, mas de forma muito local, pois as produções gravadas em vídeo são muito recentes. Karnop (2006, p. 100) “[...] a literatura do reconhecimento é de importância crucial às minorias linguísticas que desejam afirmar suas tradições culturais nativas e recuperar suas histórias reprimidas”. Portanto, a literatura surda assume um papel fundamental para manutenção de sua cultura na sociedade onde esta minoria linguística está inserida. Hoje encontram-se muitas obras da literatura ouvinte adaptadas para a Língua de Sinais, estas obras não fazem parte da cultura surda, pois não surgiram em Língua de Sinais. Morgado (2011, p. 21) defende que: [...] aquelas que são contadas em língua de sinais, sejam fruto de tradução ou não, podendo ter um tema relacionado com surdos ou não. Ela não precisa ser contada exclusivamente em língua de sinais, ou seja, ela também pode ser escrita, porém, o tema deve ser relacionado aos surdos. Nas cidades maiores, onde existemassociações de surdos ou escolas de surdos, muitas produções da cultura surda circulam com mais facilidade, pois há o encontro de surdos, as crianças surdas têm o modelo adulto para seguir e formar sua identidade, mas na maioria dos casos isso não acontece, pois nem todo surdo tem contato diário com outros surdos. Apesar de ser algo extremamente importante para a difusão da Cultura Surda e para a afirmação da Identidade Surda, a Literatura Surda é pouco investigada e é muito difícil encontrar livros, artigos ou estudo que tratam desse assunto (MORGADO, 2011, p. 29). Recentemente, alguns canais favorecem a sua difusão, através das redes sociais ou site da internet de compartilhamento de vídeos. Neles consegue-se levar aos usuários de Língua de Sinais às histórias, contos, lendas, fabulas, poesias, piadas, caricaturas que identificam as representações da Cultura Surda utilizando a Língua de Sinais, mantendo, desta forma, a mensagem original, diferentemente do que acontece quando há a tradução para a escrita. As pessoas ou comunidades surdas estão inseridas em uma sociedade de maioria ouvinte, os ambientes onde os surdos moram e trabalham geralmente são bilíngues, ou seja, existe a presença de duas línguas, mesmo que as pessoas não sejam bilíngues, assim os estudos têm apontado para uma cultura híbrida que não há no caso dos surdos uma cultura pura. A identidade e a cultura das pessoas surdas são complexas, já que seus membros frequentemente vivem num ambiente bilíngue e multicultural. Por um lado, as pessoas surdas fazem parte de um grupo visual, de uma comunidade surda que pode se estender além da esfera nacional, no nível mundial. É uma comunidade que atravessa fronteira. Por outro lado, eles fazem parte de uma sociedade nacional, com uma língua de sinais própria e com culturas partilhadas com pessoas ouvintes de seu país. (KARNOPP 2008, apud QUADROS; SUTTON-SPENCE, 2006, p.5). São informações que retratam as experiências deste povo, suas dificuldades, conquistas, angústias, enfim, a trajetória histórica do povo surdo, que merecem ser levada em consideração, visto que é parte importante de sua história e consequentemente se torna significativa para a aprendizagem e desenvolvimento das pessoas surdas. Letramento Nas últimas duas décadas, a filosofia educacional do Bilinguismo para Surdos passa a ser defendida pela Comunidade Surda. Com ela, o termo Letramento começa a ser utilizado quando se trata da formação dos conceitos para crianças surdas, ou seja, o aluno desenvolve a capacidade de codificar e decodificar os símbolos, ler e escrever e, ao mesmo tempo adquire a competência de fazer o uso social desta habilidade. Segundo Soares (2001), o termo letramento é a versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever. A língua só será eficaz, quando o aluno fizer uso da leitura e da escrita em sua atividade diária, em sua vida. Para Soares (2001), letramento é o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita, ou seja, é o estado que assume aquele que sabe ler e escrever. Em se tratando do aluno surdo, a escrita e a leitura da língua oficial do país possibilitarão a ele a participação e a integração na sociedade, pois ela é formada, em sua maior parte, por ouvintes que não utilizam a Língua de Sinais. Mesmo assegurando o direito a intérprete de Libras na sala de aula, aprender a segunda língua na modalidade escrita é importantíssimo para que ele possa evoluir no conhecimento e participar socialmente. Henriques (1994, apud) ao citar Vygotsky (ano, p.), ressalta que: [...] os importantes processos como o desenvolvimento do pensamento, a formação dos conceitos mediados pela linguagem, à construção do conhecimento e a própria subjetividade. São processos que trazem, já desde o seu inicio, a marca do discurso social que os constitui e significa, mas que também dialeticamente os modifica e os faz avançar. As dificuldades que os surdos vêm apresentando em seu desenvolvimento escolar, possivelmente estão muito mais atreladas às dificuldades que os professores encontram com seus métodos e estratégias, do que propriamente dificuldade que a perda auditiva efetivamente lhes implica. A Língua muitas vezes é ensinada de maneira fragmentada e mecânica, desvinculada da realidade do aluno. Assim a implementação desta proposta de superação da realidade apresentada conforme descrita no parágrafo anterior foi desenvolvida no Colégio Estadual Castro Alves, da cidade de Pato Branco – Paraná, vinculada ao Núcleo Regional de Pato Branco. Ofertada para alunos da Sala de Recursos Multifuncional Tipo II – Área da Surdez. Esta implementação objetivou metodologicamente pensar em novas metodologias para o Letramentro de alunos surdos. Contou com dezesseis (16) encontros sendo dois (2) por semana, de duas (2) horas cada, totalizando trinta e duas (32) horas. O tema Letramento na educação de surdos vem sendo amplamente discutido nas últimas três décadas e, traz como principal marca o respeito pelas Línguas de Sinais. Nossa abordagem na Sala de Recursos teve como ponto de partida as produções da Literatura Surda, contadas em Língua Brasileira de Sinais bem como, a exposição destas em LIBRAS pelo professor, assim foram apresentadas e desenvolvidas atividades de interação com as obras, produções de textos coletivos com base no que foi apresentado, atividades individuais relacionadas ao tema e produção de textos individuais, alguns desses textos foram selecionados pelo professor e realizado a reestruturação coletivamente. A literatura tem a função de suscitar nos alunos a imaginação, o sonho, a fantasia, assim, para a comunidade surda a literatura ouvinte não desempenha o mesmo efeito, pois, cada comunidade capta faceta diferentes da realidade que a cerca, deste modo, motivar a literatura própria do mundo surdo é, sem dúvida, incentivar sua cultura. Desta forma, “[...] todas as culturas estão envolvidas entre si e nenhuma delas é única e pura, todas são híbridas, heterogêneas” (BURKE, 2003, p. 53). METODOLOGIA O desenvolvimento do presente estudo teve ênfase na análise qualitativa, visto que esta possibilitou a escolha de um problema, estudo e análise de referências selecionadas e a reflexão sobre as informações e dados coletados da realidade, assim procurou-se assegurar a flexibilidade nas diferentes etapas propostas e, principalmente, confrontando a prática docente com os pressupostos teóricos que fundamentarão os estudos a serem realizados. Por ser uma pesquisa qualitativa, este estudo tem o caráter ou possibilidade de “[...] construir teorias, reformulá-las, focalizá-las, clarificá-las e pode permitir ainda a confirmação ou desconstrução de hipóteses” (MINAYO, 2008, p. 181) e é aí que entra a possibilidade refletir estratégias didático- pedagógicas da Literatura Surda no letramento de alunos Surdos. O desenvolvimento do presente trabalho pontuou-se na análise qualitativa, pela possibilidade da escolha de um problema, também o estudo e análise de referências selecionadas e a reflexão sobre as informações e dados coletados da realidade, procurando assegurar a flexibilidade nas diferentes etapas propostas e, principalmente, confrontando a prática docente com os pressupostos teóricos que fundamentarão os estudos a serem realizados. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A abordagem na Sala de Recursos tipo II – Área da Surdez apoiou-se nas produções da Literatura Surda, contadas em Línguas de Sinais, exposição destas em LIBRAS pelo professor, atividade de interação com a produção, atividades de produção de textos coletivos com base na obra apresentada, atividades individuais relacionadas ao tema e produção de textos individuais. Foram utilizadas apresentações de textos, piadas, poesiae histórias que sempre tem o sujeito surdo e a Língua de Sinais como fonte de inspiração do artista para criação dessa produção, em geral de autores surdos. Nossa pesquisa se deu com três alunas matriculas no 9º ano, outra de 2º e a terceira do 4º profissionalizante que participaram da nossa pesquisa, foram dois encontros semanais com duas horas cada encontro, iniciamos o trabalho mostrando as diversas manifestações de Literatura que sejam apresentadas em Língua de Sinais e que também seja produções do povo Surdo ou que tenha o Surdo como personagem central. Ao final das trinta e duas aulas as alunas também tiveram a possibilidade de criar uma produção inédita, aproveitando as experiências vivenciadas ao longo desse projeto, cada uma pode escolher qual gênero faria a produção. Durante o período de aplicação do projeto, pudemos observar alguns indicativos que nos fazem refletir sobre a prática pedagógica com alunos surdos. A pesquisa e aplicação se deu em uma região onde não existem Escolas e nem Salas Bilíngues para Surdos, ou seja, as práticas pedagógicas estão muito enraizadas na cultura e atividades de ouvintes e pensadas para ouvintes. Na maioria das vezes sofrem adaptações para serem trabalhas com alunos Surdos, mas que de fato não foram pensadas inicialmente para esse público. Percebemos que quando o aluno surdo se vê como parte do assunto trabalhado, ele se sente mais motivado e consequentemente aprofunda-se das atividades, permitindo ao professor alcance seus objetivos de forma mais efetiva. Utilizamos em nossa pesquisa os gêneros história, piadas, poesias e uma produção apresentada através de Classificadores5 em Língua de Sinais. As atividades seguiam geralmente uma sequência didática contendo a apresentação da produção pelo professor ou vídeo, interpretação do texto, atividades de vocabulário, atividades de Letramento, novas produções em Língua de Sinais pelas alunas e a produção escrita dessas produções, seguido por atividades de reestruturação dos textos obedecendo a norma culta e regras gramaticais da Língua Portuguesa. Observou-se através dos registros realizado sempre no final de cada encontro, um crescente interesse em melhorar a relação das alunas Surdas com a escrita. Esse tem sido ainda é um desafio para os professores que trabalham nesta área, pois em geral os alunos Surdos preferem que todo o processo se dê em Língua de Sinais, o que faz muitas vezes com que as produções escritas sejam um pouco mais pobres em detalhes, como podemos observar no texto produzido pela aluna do 4º ano, a produção escrita dela embora aborde bem a história, a falta de detalhes que ela mesma usou muito bem quando apresentou em LS.6 Contudo, pudemos concluir que houve uma melhora nessa relação conforme o projeto foi sendo aplicado. Num relato dlas alunas, isso faz parte da nossa cultura, conseguimos compreender melhor o objetivo do texto, gostamos de conhecer história e Literatura Surda. Salles corrobora com nosso pensamento quando diz que: 5Os Classificadores têm a função de deixar mais clara a mensagem que se quer passar. Em Libras os classificadores descritivos “desempenham uma função descritiva podendo detalhar som, tamanho, textura, paladar, tato, cheiro, formas em geral de objetos inanimados e seres animados”. (PIMENTA e QUADROS, p.71, 2006). 6 Fonte: Aluna A.L. Participante do projeto reproduzindo na L2 a história trabalhada. A língua de sinais, uma vez entendida como língua materna do surdo, será, dentro da escola, o meio de instrução por excelência. A instrução deve privilegiar a visão, por meio do ensino da língua portuguesa escrita, que, por se tratar de disciplina de segunda língua, [...]. (SALLES, 2005, p. 47) Entendemos portanto para que haja um fortalecimento da cultura do nosso aluno, precisamos entender que ele é fruto de sua própria história, representada pelas produções passadas de geração a geração através da sua Línguas de Sinais e que todo cidadão tem direito a ser educado em sua Língua, o acesso a Língua de Sinais faz com que as relações sociais sejam mais efetivas e portanto todo processo cognitivo também aconteça de forma mais eficiente e no tempo esperado para cada etapa da escolarização. Considerações Finais Embora a discussão que nos propusemos a realizar neste período seja assunto que mereça ser investigado com muito mais tempo, para contar com um maior aprofundamento nas discussões e, especialmente nas pesquisas sobre o assunto, encerramos este estudo com a convicção que a proposta trabalhada, nos mostrou um caminho muito interessante para estudos futuros. Assim ao aprofundar as questões específica do sujeito Surdo e conhecer sua Cultura e, nela mais especificamente a Literatura Surda, que é o objeto desse estudo, percebemos a riqueza dessas produções e o quanto podemos explorá-las em prol da escolarização do aluno Surdo. A partir deste estudo defendo ainda com mais indicativos, que textos que fazem parte da vida desse sujeito e que se apresentem em Língua de Sinal, ou, ainda que tenham a Cultura Surda como norteadora dessa produção, devam ser mais utilizadas como recursos didáticos pelos professores responsáveis pelo ensino da segunda língua. Concluo este trabalho observando novos horizontes no que tange as metodologias aplicas no Letramento de alunos Surdos, metodologias que podemos aplicar tanto em Salas de Recurso Tipo II – Área da Surdez, como também em Salas e Escolas Bilíngues para Surdos, onde a valorização desse sujeito aconteça de forma mais intensa e integralmente. REFERÊNCIAS BERNARDINO, E.L, Absurdo ou Lógica? Os surdos e sua produção linguística. Belo Horizonte, Editora Profetizando Vida, 2000. BOTELHO, Paula. Linguagem e Letramento na Educação dos Surdos – Ideologias e práticas pedagógicas. Autentica, Belo Horizonte, 2005. BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. Trad.: Leila Mendes. São Leopoldo: UNISINOS, 2003. Capovilla, F. C., & Raphael, W. D. (2008). Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira (3a ed., Vol. II: sinais de M a Z). São Paulo, SP: Edusp. GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeito surdos. São Paulo: Plexus, 2007. HENRIQUES, Ada Maria. O debate Piaget/Vigotsky: Uma contribuição para a questão do conhecimento na Pré Escola. GARCIA, R. L. (org.) Revistando a pré-escola. 2. ed. São Paulo: Cortez. 1994. KARNOPP, Lodenir Becker. Literatura Surda. Literatura, Letramento e Práticas Educacionais - Grupo de Estudos Surdos e Educação. ETD - Educação Temática Digital. Campinas, v.7, n. 2, p. 98-109, jun. 2006. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2008. MORGADO, Marta. Literatura em língua gestual. In: KARNOPP, Lodenir; KLEIN, Madalena; LUNARDI-LAZZARIN, Márcia (Orgs). Cultura Surda na Contemporaneidade: negociações, intercorrências e provocações. 1. ed. Canoas: Editora da ULBRA, 2011b. PARANÁ. Secretaria de Educação do Paraná, SEED. Departamento de Educação Especial. Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos. Curitiba, 2006. _______. Secretaria de Educação do Paraná, SEED. Departamento de Educação Especial. Problemas de aprendizagem identificados no cotidiano escolar: Deficiência intelectual, Dificuldades de Aprendizagem e distúrbio de Aprendizagem. Curitiba, 2006. PINO, Angel. As marcas do humano: as origens da constituição cultural da criança na perspectiva de Lev S. Vigotski. São Paulo: Cortez, 2005. QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1997. _________, Ronice Müller de. SCHMIEDT, Magali L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos.– Brasília: MEC, SEESP, 2006. SACKS, Oliver. Vendo vozes uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1990. SALLES, Heloísa Maria Moreira Lima. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2004. SOARES, Magda. Letramento um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. ____________ Ensino de língua portuguesa para surdo: caminho para prática pedagógica. Brasília: MEC, SEESP, 2005, p.47. STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis, UFSC, 2008.
Compartilhar