Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE Leonardo da Silva Konig 1 Luís Carlos Gehrke2 1 INTRODUÇÃO A regularização fundiária urbana é o processo que inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais com o propósito de incorporar os núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação dos ocupantes. No entanto, muitas das ocupações ocorrem em áreas de preservação ambiental, o que por vezes dificulta ou inviabiliza sua regularização. Registre-se, que as normas de proteção ambiental por vezes tem sido empecilho aos processos de regularização fundiária, haja vista que muitas áreas de preservação permanente (APP’s) estão irregularmente ocupadas. Nesse sentido, as decisões urbano-ambientais devem avaliar a interação em um contexto maior, no qual o Estado pondere todos os detalhes, verificando como combatê-los, de forma a diminuí-los e aprimorar as condições urbano- ambientais da coletividade, tendo como esteio a doutrina e a legislação vigente. Portanto, o presente trabalho tem como foco principal o estudo sobre a regularização fundiária urbana em áreas de preservação permanente, buscando em primeiro momento realizar uma análise histórica, dando ênfase para formação dos ditos aglomerados urbanos, ocorridos por meio do êxodo rural. Após, será analisada a constitucionalização da propriedade e sua função social, tendo por esteio os princípios constitucionais e o debate que surge entre os princípios da dignidade da pessoa humana - garantido pela moradia - e o princípio norteador do direito ambiental, qual seja o princípio intergeracional. Desse modo, chegar-se-á ao tema central do trabalho, que é regularização fundiária urbana em áreas de preservação permanente, analisando-se a postura do Estado frente ao tema, utilizando como norte a Constituição da República Federativa do Brasil vigente, a jurisdição e as legislações específicas que regulam o assunto. Ainda, sob análise do ponto de vista histórico, a ocupação das áreas de preservação permanente – especificamente nas áreas urbanas -, vem em uma grande crescente, implicando em incontáveis moradias em áreas de preservação permanente, o que é um grande problema para os gestores, haja vista que a 1 Acadêmico do Curso de Direito da FMC. Endereço eletrônico: leonardokonig1998@gmail.com 2 Docente do Curso de Direito da Faculdade Metodista Centenário – FMC. E-mail: lcgehrke@bol.com.br 2 regularização fundiária, atualmente, constitui política pública, pois deixou de ser um problema individual para tornar-se um problema coletivo. Justifica-se a elaboração do presente trabalho em decorrência dos inúmeros loteamentos irregulares existentes neste país, os quais muitas vezes se situam em áreas de preservação permanente. Ademais, cabe levar o conhecimento a todos sobre como o Estado age para resguardar o princípio da dignidade da pessoa humana garantido pela moradia, em face do direito coletivo norteador do direito ambiental, qual seja o princípio intergeracional, que é de interesse não apenas das presentes gerações, mas sobretudo para as futuras gerações, propiciando assim o debate em torno desta questão de alta relevância. Outrossim, o debate em questão trouxe ao pesquisador indagações inquietantes, haja vista que em razão do labor junto ao Cartório de Registro de Imóveis desta Comarca, pode ter acesso a documentos arquivados naquela serventia que deram origem a regularização de áreas invadidas. 2 METODOLOGIA Para atingir o propósito, será empregado o método de abordagem dedutivo, haja vista que a partir de fatos históricos, perpassando pela CRFB/1988, bem como legislações específicas, será analisada a postura do Estado, mediante análise de normas positivadas. Outrossim, quanto ao método de procedimento, optou-se pelo monográfico, o qual tem por base a utilização de doutrinas e a CRFB/1988 para fundamentar os argumentos que serão defendidos no atual trabalho e, no tocante a pesquisa, utilizar-se-á pesquisa teórica e indireta aplicada na bibliografia e na CRFB/1988. 3 DESENVOLVIMENTO O processo de urbanização no Brasil teve início no século XX, a partir do crescimento da industrialização, que funcionou como um dos principais fatores para o deslocamento da população da área rural em direção a área urbana, o que implicou no aumento desproporcional da população urbana em relação à rural (VILLAÇA. 1999, p. 189) Segundo esse conceito, só ocorre urbanização quando o crescimento da população urbana é superior ao crescimento da população rural. Somente a partir da segunda metade do século XX, o Brasil foi tornando-se gradativamente um país urbano, ou seja, mais de 50% de sua população passou a residir nas cidades, pois a partir da década de 1950, o processo de urbanização no Brasil foi cada vez mais acelerado, muito em razão do desenvolvimento industrial, o qual necessitava de grande quantidade de mão-de-obra para trabalhar nas 3 unidades fabris, na construção civil, no comércio ou nos serviços, o que atraiu milhares de migrantes do campo para as cidades, processo que denomina-se êxodo rural. (VILLAÇA. 1999, p. 189). Assim, se o índice de urbanização pouco se alterou entre o fim do período colonial até o fim do século XIX e cresceu menos de 4 pontos percentuais nos trinta anos entre 1880 e 1920 (passando de 6,8% a 10,7%), foram necessários apenas vinte anos para que essa taxa triplicasse, passando a 31,24%. A população concentrada em cidades passa de 4,522 milhões de pessoas em 1920 para 6.208.699 em 1940 (VILLELA; SUZIGAN, 1973, p. 199 apud SANTOS, 2005, p. 25). Segundo Santos (2005), entre 1940 e 1980, houve uma verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira, pois há meio século, a taxa de urbanização era de 26,35%; em 1980, alcançou 68,86%. Dessa forma, sem dúvida nenhuma o processo de urbanização brasileiro apoiou-se essencialmente no êxodo rural, cuja migração rural-urbana tem múltiplas causas, sendo as principais a perda de trabalho no setor agropecuário - em consequência da modernização técnica do trabalho rural, com a substituição do homem pela máquina -, e a estrutura fundiária concentradora, resultando numa carência de terras para a maioria dos trabalhadores rurais. Assim, destituídos dos meios de sobrevivência na zona rural, os migrantes dirigem-se às cidades em busca de empregos, salários e, acima de tudo, melhores condições de vida. Hoje, o deslocamento do campo para a cidade continua, porém, em percentuais menores. (CAMARANO. 1998, p. 56). Porém, com o crescimento desordenado, acarretou em algumas consequências para esses centros urbanos, tais como: problemas de saneamento básico (como tratamento de distribuição de água e esgoto), congestionamentos no trânsito (em razão da falta de espaço nas ruas), falta de moradias, poluição ambiental, falta de áreas verdes (como praças e bosques), indústrias e residências na mesma área (ocasionando problemas de vizinhança, ambientais e de saúde), barulho, violência e diversos outros transtornos que resultam em má qualidade de vida. Tanto é, que basta um simples circular pelas cidades brasileiras demonstra o quão grave é a situação, já que grande parte da urbanização brasileira se efetivou de forma desordenada, sem nenhum planejamento ou controle estatal. Nesse sentido, como consequência lógica, a ocupação do ambiente natural no processo de urbanização igualmente foi feito de forma inadequada, haja vista que o crescimento da cidade afasta a fauna e destrói a flora, destruindo ecossistemas importantes, cujos efeitos não são apenas locais, mas globais. A CRFB/1988 foi a primeira a inserir a função social da propriedade no rol dos 4 direitos e garantias fundamentais inseridos nos arts. 5º, XXII e XXIII, 170, II e III, art. 182 § 2º e 3º e, por fim, no art.186. Esses artigos tratam da função social da propriedade urbana e rural, além de determinar as sanções pelo não cumprimento dessa função, ainda, o art. 5º, §1º da CRFB/1988 atribuiu eficácia plena na conformidade dos direitos fundamentais. Depois, surgiu o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002) que tratou da função social da propriedade no seu art. 1228, § 1º, estampando uma nova perspectiva com a inserção dos princípios sociais, haja vista que Código Material anterior (Lei 3.071/1916) era individualista e voluntarista, ou seja, o valor fundamental era o patrimônio, pois naquela época não havia interferência do direito público no direito privado. Assim, aos poucos, a concepção individualista foi sucumbindo ante a finalidade coletiva da propriedade. As ocupações desordenadas irregulares nos grandes centros urbanos nunca deixaram de ser um problema social e de infraestrutura, longe disso. Na grande maioria, a população sofre com as difíceis condições de habitabilidade pela ausência de políticas públicas de estruturação urbana. Pode-se dizer que a Regularização Fundiária deve ser promovida considerando os parâmetros e as diretrizes legais constantes na CRFB/1988, por meio da Lei n. 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) e da Lei n. 11.977/2009 (Programa Minha Casa Minha Vida), e sob a luz da moderna legislação com a Lei n. 13.465/2017 e o Decreto n. 9.310/2018, especificando, ainda, as espécies de Legitimações e estabelecendo suas características, aplicações e distinções. Nesse sentido, o processo de regularização fundiária envolve vários segmentos profissionais, como engenheiros - agrimensores, cartógrafos e civis -, arquitetos, advogados, assistentes sociais e a própria comunidade, estabelecendo-se assim um cenário de confiabilidade por parte dos ocupantes. Não se trata apenas da entrega do título, mas de toda uma reestruturação física e social definida pelo plano urbanístico, e para que isso seja possível, é fundamental a elaboração de um retrato fiel da situação real existente. Importante assinalar que as APP’s não têm apenas a função de preservar a vegetação ou a biodiversidade, mas possuem uma função ambiental muito mais abrangente, voltada, em última instância, ‘‘a proteger espaços de relevante importância para a conservação da qualidade ambiental como a estabilidade geológica, a proteção do solo e assim assegurar o bem estar das populações humanas’’ (SCHAFFER et al, 2011, p. 09). Contudo, como tem sido recorrente a ocupação indevida de Áreas de Preservação Permanente para fins de moradia de milhares de famílias em condições irregulares, com alto grau de insegurança, implica no avanço da regularização fundiária para superação dessa 5 questão, pois em termos gerais, regularização fundiária, é o processo que inclui medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais, com a finalidade de integrar assentamentos irregulares ao contexto legal das cidades. 4 RESULTADOS E CONCLUSÕES Diante do apresentado em cima, a regularização fundiária apresenta-se como um passivo ambiental, que o Estado deve cumprir para amenizar os problemas sentidos em ocupações irregulares, de forma a conciliar um nível de proteção às APP’s, que garanta a função ambiental pela qual foi tutelada, evitando a retirada das pessoas ocupantes da região onde estão alocadas, conciliando o direito à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, através das modalidades de regularização positivadas: regularização fundiária por interesse social (REURB-S), regularização fundiária por interesse específico (REURB-E) e Regularização Fundiária Inominada (REURB–I). Por fim, conclui-se que é possível a regularização fundiária em áreas de preservação permanente, desde que no detalhado projeto sejam recuperadas as APP’s, objetivando uma melhoria ambiental na referida área, regularizando o saneamento básico e a coleta de lixo, estabelecendo-se harmonia entre o homem e o meio ambiente, processo de extrema necessidade e urgência, haja vista que uma vez concretizada, há significativa melhora no meio ambiente, na moradia e na dignidade da pessoa humana, contribuindo para a diminuição da criminalidade e da desigualdade social, trazendo significativo progresso ao país como um todo. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 03 out. 2020 BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 03 out. 2020. SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 5. ed. São Paulo: EdUSP, 2005. SCHAFFER, Wigold Bertoldo et al. Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação & Áreas de Risco. O que uma coisa tem a ver com a outra? Relatório de Inspeção da área atingida pela tragédia das chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2011. 6 VILLAÇA, Flávio. Uma Contribuição Para A História do Planejamento Urbano No Brasil. In: O processo de Urbanização no Brasil. SÃO PAULO: Edusp, 1999. P. 169-243.
Compartilhar