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Os psicólogos alemães gestaltistas trouxeram uma abordagem da Psicologia que contrariava o Estruturalismo, o Behaviorismo e qualquer teoria derivada de princípios associacionistas. Eles argumentavam que não se poderia compreender a mente e o comportamento pela identificação dos elementos sensoriais básicos da experiência consciente, nem pela redução de comportamentos complexos em unidades de estímulo-reação. Assim, a ideia gestaltista focava nos todos, ou seja: o todo de uma experiência é mais que a soma de suas partes. Os maiores nomes da Gestalt são: Max Wertheimer, Kurt Koffka, Kurt Lewin e Wolfgang Kohler. Dois deles (Wertheimer e Kohler) abandonaram a Alemanha e foram para os EUA após a ascensão de Hitler (M. X. era judeu), onde a Gestalt foi associada exclusivamente à percepção. Além disso, os gestaltistas contribuíram bastante com a psicologia do pensamento e da resolução de problemas – ideias que influenciaram a Psicologia Cognitiva. Lewin também foi para os EUA, mas ele foi além da Gestalt e desenvolveu uma complexa teoria do comportamento humano. Ademais, também criou a “pesquisa-ação”, com o objetivo de exercer impacto direto sobre a vida das pessoas e resolver problemas sociais. Os gestaltistas foram indiretamente influenciados pela tradição filosófica de Kant, que enfatiza como as categorias perceptuais e cognitivas moldam as nossas experiências, e pela fenomenologia de Edmund Husserl, que destacou a essencialidade das descrições diretas das experiências em comparação aos relatos introspectivos (que buscavam compreender a natureza dessas experiências). Ernst Mach, Christian von Ehrenfels e Carl Stumpf foram impulsionadores da Gestalt. Mach falava que certas “formas espaciais” resistem à decomposição em elementos mais básicos. Por exemplo, um quadrado possui a característica da “quadradice” (que não permite redução). As quatro linhas que o forma podem mudar de tamanho, mas a relação existente entre elas continua a mesma para que o formato de quadrado não se perca. Ehrenfels chegou a uma conclusão parecida com a de Mach. De acordo com ele, a matéria possui algumas qualidades que vão além de cada um dos elementos sensórios e persiste mesmo que estes se alterem. Por exemplo: quando se toca uma música em diferentes instrumentos, as propriedades físicas de cada nota (elemento) podem mudar, mas a melodia em si, não, pois ela tem uma qualidade da forma que não equivale à soma de cada uma das notas. O evento fundador da Gestalt foi um estudo realizado por Wertheimer e seus auxiliares sobre a percepção do movimento, mais especificamente do movimento aparente. Através do seu experimento com as luzes ele pôde concluir que nós percebemos figuras inteiras, providas de sentido, e não os elementos que de algum modo se combinam para formar os todos. Essa sua ideia começou um ataque contra o atomismo. Quando Hitler ascendeu ao poder, a liberdade acadêmica desapareceu rapidamente e ele afirmou que “se a demissão de cientistas judeus significa a aniquilação da ciência alemã contemporânea, ficaremos sem ciência por alguns anos!”. E sua fala se cumpriu, ao menos no campo da Psicologia, ciência que foi destruída na Alemanha por toda uma geração. Desse modo, Wertheimer (judeu) emigrou para os EUA, onde continuou estudando a percepção. Koffka nasceu em Berlim, formou-se e conduziu pesquisas sobre tópicos da área da percepção, como o contraste das cores e o ritmo auditivo, que abriram caminho para que posteriormente pudesse chegar na Gestalt. Em 1910 ele foi para o laboratório de Frankfurt, onde conheceu Wertheimer, participou com Kohler de estudos sobre o movimento aparente e se converteu ao pensamento gestaltista. Durante a Primeira Guerra Mundial, Koffka estudou as consequências cognitivas de lesões cerebrais graves em soldados. Em 1921, estendeu as ideias da Gestalt ao reino da Psicologia do Desenvolvimento. Dos três pioneiros gestaltistas, ele foi o responsável pela introdução do movimento nos EUA, após a publicação do artigo “Percepção: uma introdução à teoria da Gestalt” – título que remete a Gestalt apenas à percepção (visão errônea que existe até hoje). Após isso ele realizou várias palestras e publicou diversas obras. Apesar do grande prestígio de Koffka, Kohler teve as obras mais lidas pelo público e foi o mais conhecido dos três fundadores, especialmente nos EUA. Inclusive, ele ganhou grande destaque em uma pesquisa sobre resolução de problemas entre macacos. A percepção tornou-se parte importante da Gestalt através de Wertheimer. Boa parte do esforço voltava-se para a descrição das regras básicas que determinam como os fenômenos se organizam em todos ou em figuras com sentido (princípios de organização da Gestalt). Os gestaltistas estavam preocupados em compreender quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão de óptica (quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente da que ele tem na realidade). uma de nossas tendências perceptuais é separar figuras inteiras de seus planos de fundo, pois as figuras têm várias características distintivas que permitem que elas sejam isoladas do plano de fundo, inclusive porque ela é mais relembrável que o fundo, parecendo ter uma substância que falta ao fundo. Por exemplo, na figura 01, alterando o foco podemos ter uma taça ou dois rostos, sendo que apenas uma dessas percepções pode ocorrer de cada vez – a percepção muda rapidamente de um “todo” para o outro. nosso cérebro tende a agrupar formas que estão próximas, como na figura 02, em que a junção de vários quadrados formou um coração. os objetos parecidos costumam a ser percebidos juntos. Na figura 03, por exemplo, costumamos ver ou cinco linhas verticais de quadrados ou quatro linhas de círculos, e não quadrados e círculos intercalados. temos a tendência de organizar nossas percepções em direções que fluam com facilidade. Ou seja, a depender do modo como os objetos estão organizados em uma imagem, tendemos a vê-los em um padrão de continuidade. Por exemplo, na figura 04 vemos uma continuação de traços formando uma seta, invés de vê-los separados em ângulos diferentes. a percepção humana tende a unificar o objeto, o que permite também a compreensão de imagens abstratas, como na figura 05, em que não existem linhas que desenhem um urso panda inteiramente, mas que nos permite identificar o animal. nosso cérebro dá aos objetos uma necessidade de completude. Portanto, na figura 06 tendemos a ver um triângulo, mesmo que ele não exista. também conhecida como lei da simplicidade ou da boa forma, trata-se da tendência básica que têm nossas percepções de refletir a realidade da forma mais aproximada possível. Quando a situação é ambígua, os princípios de organização atuam no sentido de calcular da maneira mais razoável a natureza do que está sendo percebido. Está diretamente ligada com o fechamento, pois quando encontramos figuras incompletas, tendemos a completá-las, o que simplifica o entendimento. Um exemplo é a figura 06. Os princípios de organização podem destinar-se a ajudar-nos a perceber o mundo como é, mas isso não quer dizer que as nossas percepções reflitam a realidade física. Koffka distinguiu o mundo como ele é (ambiente geográfico) e o mundo como o percebemos (ambiente comportamental). Desse modo, se os ambientes geográfico e comportamental são diferentes, significa dizer que duas pessoas no mesmo ambiente geográfico podem percebê-lo de forma distinta. Os gestaltistas não se limitaram à descrição de eventos perceptuais; eles também teorizaram sobre a relação entre a percepção e os processos mentais subjacentes. Kohler chamou de isomorfismo a relação mente-corpo, que dizia que em uma determinada experiência, os processos cerebrais subjacentes (implícitos) refletem essa experiência da mesma forma. Ele sugeria que o cérebro funcionavacomo um campo de força e que as atividades corticais mantinham inter-relações complexas e paralelas à experiência. Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Os gestaltistas concebiam seu sistema como uma psicologia geral (além do estudo da percepção), e contribuíram com o estudo do raciocínio, da resolução de problemas e da aprendizagem. Kohler diz que a resolução de problemas não é um processo mecânico e dividido em etapas, mas sim, um método em que as pessoas podem ver o problema em todo o seu campo e rearrumar os elementos que o compõe numa nova configuração. Assim, as soluções têm algo de perceptual e ocorrem rapidamente depois que os componentes tiverem sido reconfigurados. A resolução perceptiva de problemas se baseia em uma meta. • Pesquisas que tentaram replicar o experimento de Kohler sobre resolução de problemas obtiveram resultados ambíguos e sugeriram que quanto maior a experiência anterior em problemas semelhantes, maior a probabilidade de surgir uma solução “rápida” – ou seja, perceptiva. Kohler não foi o único gestaltista a estudar a cognição. Max Wertheimer tinha um interesse de muitos anos no raciocínio e na resolução de problemas. Seus tópicos iam desde o modo como as crianças aprendem aritmética ao processo seguido por Einstein para desenvolver sua teoria da relatividade. Wertheimer condenava a abordagem de ensino da matemática baseada em memorização de fórmulas, sem oferecer aos alunos a percepção dos conceitos que estavam por trás dos símbolos. Para ele, o pensamento produtivo na sala de aula ia muito além da memorização de conjuntos de regras e fórmulas para “soluções corretas”. A verdadeira compreensão envolvia uma total reestruturação do problema, a fim de chegar à solução. Quando estavam em Berlim nos anos 20, os gestaltistas atraíram um grupo de estudos de estudantes talentosos, entre eles, Hedwig Von Restorff, George Katona e Karl Duncker. Os três foram perseguidos pelo Nazismo – Von Restorff faleceu e os outros dois juntaram-se aos intelectuais que emigraram para os EUA. Von Restorff descobriu que quando as pessoas viam grupos de três dígitos em listas de sílabas sem sentido, esses números eram mais bem lembrados que as sílabas. Dessa forma, ele concluiu que os dígitos funcionavam como uma figura e, as sílabas, com um fundo. Hoje, esse resultado é chamado de efeito Von Restorff. • Toda vez que um estímulo presente em meio a uma série de informações se destaca de algum modo, ele será lembrado mais facilmente que o resto das informações. George Katona concordava com Wertheimer na ideia de que a memorização era inútil para a aprendizagem, defendendo que a memória poderia ser melhorada se as informações fossem organizadas em padrões coerentes. Karl Duncker realizou um estudo com universitários, em que foi solicitado que eles resolvessem problemas em voz alta. Nessa pesquisa ele descobriu que os alunos costumavam resolver os problemas mais criativamente quando conseguiam imaginar usos diferentes dos comuns para objetos. Aos sujeitos que não conseguiram resolver os problemas, Duncker atribuiu a fixidez funcional, que é a incapacidade de pensar além da função típica de um objeto. Kurt Lewin foi contemporâneo de Wertheimer, Koffka e Kohler. Embora não se considerasse gestaltista, ele tomou emprestadas várias ideias da Gestalt no que se refere à percepção e à cognição, porém, ele estava mais interessado na motivação, na emoção, na personalidade e em seu desenvolvimento, além da influência das forças sociais sobre a ação humana. Lewin produziu mais pesquisa empírica que os três fundadores da Gestalt juntos. Porém, como eles, era antes de tudo um teórico, mas que afirmava não existir nada tão prático quanto uma boa teoria. Ele chamou sua teoria de teoria de campo porque achava que, para compreender o comportamento de uma pessoa, era preciso conhecer todas as forças que atuavam sobre ela num dado instante. Assim, chamou o campo específico que a pessoa atua de campo vital. Ele concluiu que “a totalidade dos fatos que determinam o comportamento de um indivíduo num dado momento”. Ele diz que o modo como as pessoas percebem o ambiente físico influencia o comportamento. Assim, todo comportamento é uma junção das características da pessoa que se comporta e das características do ambiente psicológico no qual ela de comporta. Relata também que a criação de uma necessidade gera desequilíbrio e, portanto, a pessoa se motiva a satisfazer a necessidade para voltar a promover a estabilidade (estado de equilíbrio). REFERÊNCIAS: GOODWIN, James. História da Psicologia. 4ª. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. (Cap. 9)
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