Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A Ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2014. Com a organização de Marcelo Paiva de Abreu e colaboração de diversos outros autores, “A Ordem do Progresso” se propõe a analisar as políticas econômicas adotadas no Brasil, ao longo de dois séculos. A obra aborda o período disposto entre 1822 e 2010, debruçando-se sobre cada política monetária, fiscal e cambial, desde do Brasil Imperial até o segundo e último mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao decorrer das 441 páginas e 17 capítulos, o livro consegue abranger, de maneira detalhada e minuciosa, não só conformações econômicas, mas, também, aspectos políticos, sociais e demográficos. Escrito por Marcelo de Paiva Abreu e Luiz Aranha Correa do Lago, o primeiro capítulo do livro apresenta o retrato da economia brasileira no Império, utilizando-se vários dados estatísticos que delineiam, precisamente, o cenário da época. Destaca-se, nesse período, a manutenção do status brasileiro de importante exportador primário mundial ao longo do século XIX, uma vez que mesmo com a relativa perda de espaço do açúcar e do algodão no comércio internacional, a expansão do café e da borracha fizeram do Brasil o maior produtor mundial desses produtos. Além disso, houve, também, uma mudança estrutural na economia de exportação brasileira, haja vista que os Estados Unidos assumiram o papel de principal trocador de mercadoria, substituindo a Grã-Bretanha. Enquanto o capítulo anterior se restringiu à traçar um panorama da economia brasileira durante o Brasil Imperial, as seções seguintes da obra, analisam a política econômica com foco no período designado. Nesse sentido, o segundo capítulo, escrito por Gustavo H.B. Franco, aborda a primeira década republicana em que, a partir de 1891, as dificuldades cambiais se tornaram crônicas e o déficit em conta corrente cresceu substancialmente. Tal fato é atribuído, pelo autor e pela interpretação tradicional, como resultado das reformas do sistema monetário, introduzidas por Rui Barbosa. Durante o terceiro capítulo, Winston Fritsch analisa a política econômica da Primeira República. Em linhas gerais, ressalva-se da avaliação, a interessante crítica do autor, que vai ganhando forma conforme o panorama da época é apresentado, cujo enfoque se dá, sobretudo, ao pensamento ortodoxo, o qual, para o economista, limitava as decisões políticas desse período aos interesses do grupo hegemônico composto, majoritariamente, pela elite cafeeira. No capítulo seguinte, Marcelo de Paiva Abreu aborda o período de 1930 a 1945, sobre o qual tece críticas acerca das visões clássicas do estágio econômico do governo provisório e dos revisionismos radicais, no tocante à essas interpretações. Para o economista, a ideia de Furtado de que o movimento armado de 1930 seria uma revolução burguesa brasileira deve ser revista, tal como a revisão histórica na qual Júlio Prestes não era defensor dos interesses cafeeiros e Getúlio Vargas não era apoiador dos interesses da indústria é, sob as lentes de Abreu, mal sucedida e inválida. Esse juízo em relação ao revisionismo radical, está alicerçado sob a concepção de que o essencial é analisar qual política econômica foi adotada e quais os resultados gerados, e não quais medidas teriam sido acatadas se o que aconteceu não tivesse acontecido (ABREU, 2014, p. 85). Um dos textos mais interessantes do livro é o de Mário M.C. Mesquita (nono capítulo), pois trata do período no qual se encontra a gênese do Golpe Militar de 1964, além de trazer profundas reflexões acerca das causas da estagnação. Nesse contexto, a desaceleração do crescimento econômico acarretou uma crise política e social, que abalou o país a partir do final de 1962. Pode-se destacar desse cenário, a adoção de sucessivos planos de estabilização, em razão da necessidade de conter o processo inflacionário. Para o autor, não houve persistência na implementação desses projetos e, consequentemente, não obteve-se resultados positivos, o que, indubitavelmente, contribuiu para a estagnação. Assim, justamente, essa incapacidade de explicitar escolhas foi o que gerou uma deterioração progressiva da gestão macroeconômica. Em sequência, no décimo capítulo, André Lara Resende discorre sobre o governo do Marechal Castelo Branco, que assumiu a presidência logo após a derrubada de Jango. O marco dessa gestão foi a implementação do PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo), que, para o economista, evidenciava a preocupação com a manutenção e recuperação das taxas de crescimento da economia. Nessa perspectiva, o autor define como heterodoxos o diagnóstico e estratégia de combate à inflação do projeto, que, ainda assim, se mostrou bastante otimista em relação aos resultados. Avançando ainda mais, o décimo quinto capítulo conta com a autoria de Marcelo de Paiva Abreu e Rogério Werneck, no qual dissertam acerca dos primeiros anos da década de 1990. Os economistas se dedicam a explicar o fracasso do “Plano Collor”, mostrando as dificuldades do projeto em relação ao ajuste fiscal, a volta da inflação e a crise institucional, que marcou o início dessa década. Contudo, embora esteja implícito que a principal preocupação durante este momento era o risco de alteração da composição da carteira de ativos dos agentes econômicos, não se percebe um aprofundamento na análise sobre as medidas de caráter, propriamente, econômico e financeiro do projeto. Outrossim, os autores, também, tratam sobre a concepção e implementação do “Plano Real”, que sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, envolveu um ajuste fiscal significativo, a criação da Unidade Real de Valor (URV) e, por fim, uma reforma monetária que extinguiu o cruzeiro real. Rogério Werneck escreveu, também, os dois últimos capítulos da obra. No penúltimo, o economista aborda os desafios da condução econômica do governo de FHC, uma vez que apesar do “Plano Real” ter acabado com o regime de alta inflação, novas problemáticas surgiram, como a deterioração do quadro fiscal, que evidenciou a necessidade de um ajuste, tornando-se uma questão fundamental da agenda econômica federal. Dessa maneira, patrocinado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e pelo Tesouro norte-americano, a gestão de FHC conseguiu evitar que a crise cambial desencadeasse na fragilização do sistema financeiro em uma recessão profunda. Assim, a economia estava voltando à normalidade e a recuperação da balança comercial sugeria que o processo de consolidação da estabilização havia chegado ao fim, mas, para Werneck (2014, p. 333), faltava, ainda, uma etapa crucial: a submissão ao teste da alternância política. Isso porque, na perspectiva do autor, o discurso radical de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto candidato à presidência, causava uma certa imprevisibilidade entre os detentores de ativos financeiros, o que colocava a economia brasileira em risco. Temendo as dificuldades que essa turbulência financeira poderia acarretar, Lula adotou a política macroeconômica de seu antecessor, aproximando-se ao centro do espectro político e aderindo uma postura mais aberta ao diálogo, o que, para Werneck, se deve à FHC e sua equipe econômica. O último capítulo da obra se difere dos demais, na medida em que Werneck foge do padrão metodológico e didático adotado anteriormente, ao aderir um discurso cerceado por adjetivos, que mais atrapalham do que ajudam na compreensão do período. O autor dá continuidade ao raciocínio tateado no texto anterior, argumentando que o Partido dos Trabalhadores (PT) passou por uma metamorfose, ao passo em que mudaram radicalmente o discurso econômico e, mesmo com o ceticismo sendo superado quando Lula escalou sua equipe econômica, tal fato gerou tensões internas no partido. Em um contexto de boom dos preços das commodities e da depreciação cambial, ocorre o ajuste das contas externas, e, desse modo, Werneck (2014, p. 357) infere que “quis a História, comalguma ironia, que coubesse ao Presidente Lula colher os frutos de 15 anos de penosa mobilização do país com a estabilização macroeconômica”. De certa forma, é possível dizer que o economista deixa implícito o fator “sorte” na rápida reversão da crise, já que embora reconheça a participação da equipe econômica de Lula, a qual estava alinhada à política macroeconômica do governo anterior, o autor enfatiza uma conjuntura internacional extremamente favorável. Constantemente, Werneck credita os “sucessos” da gestão de Lula à condução econômica do governo anterior, entretanto o presidente, também, teve um papel importante, ao mudar seu discurso e escalar uma equipe econômica nos moldes do governo de FHC, mesmo gerando tensões no PT. O ponto é que, talvez, Lula tenha escolhido colher os frutos desse longo projeto de estabilização macroeconômica, da mesma maneira que escolheu mudar seu discurso. Dado o exposto, portanto, “A Ordem do Progresso” se mostra um manual completo e minucioso de economia brasileira, não só por abranger dois séculos de história, mas, também, pelo cuidado em estabelecer uma metodologia que, de fato, se preocupa em compartilhar o conhecimento sobre essa área, da maneira mais eficiente possível. Ainda que não tenha fugido da complexidade, o que, de certa forma, atrapalha o entendimento, a obra consegue com grande êxito traçar e analisar os períodos, desde o Brasil Imperial até o último mandato de Lula.
Compartilhar